BURLA QUALIFICADA
ACORDÃO DA RELAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTAÇÃO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONHECIMENTO OFICIOSO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
MATÉRIA DE FACTO
PROVA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário

I  -   Por força do n.º 4 do art. 425.º do CPP é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto no art. 379.º, ou seja, a arguição ou o conhecimento oficioso de nulidades (no caso por o tribunal ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar – al. c) do n.º 1 daquele art. 379.º); contudo, tal aplicabilidade tem os limites decorrentes da própria natureza da intervenção do tribunal de recurso a nível da fundamentação de facto e mais especificamente da motivação e do exame crítico das provas, que têm lugar na 1.ª instância, com amplas possibilidades de cognição e investigação, actuando em registo de oralidade, imediação e concentração, o que não acontece na Relação.
II -  Como se refere no Ac. STJ de 06-01-2011, Proc. 355/09.1JAAVR.C1.S1 - 5.ª, em matéria de fundamentação da decisão, a posição hierárquica do tribunal recorrido que é um Tribunal da Relação (um tribunal de recurso, que tendo embora competência para conhecer de facto e de direito, exerce um poder de controle sobre a decisão recorrida numa óptica de reexame do decidido, com vista a detectar erros in judicando ou in procedendo, mas não a proceder a um segundo julgamento), tem reflexos que se traduzem em o art. 374.º, n.º 2, do CPP, no que respeita ao exame crítico dos meios de prova, não poder ser directamente transposto para a fase de recursos, o que é evidente, por uma razão elementar: o tribunal de recurso não procede a um julgamento com subordinação aos princípios da imediação e da oralidade, não estabelecendo contacto directo com as provas produzidas, nomeadamente, com as provas pessoais, nem com os participantes no processo, salvo casos pontuais de renovação da prova; a fundamentação exigida quanto ao exame crítico da prova não pode, pois, ser do mesmo tipo da que se exige para a 1.ª instância.
III - O art. 374.º só indirectamente é aplicável, através do art. 379.º, mas com as devidas adaptações (correspondentemente), sendo que essas adaptações têm de levar em conta que os Tribunais da Relação, embora tenham competência em matéria de facto não apreciam directamente a prova produzida e não a apreciam nos mesmos termos da 1.ª instância, pelo que a fundamentação exigida para as suas decisões tem de estar em consonância com a natureza do seu objecto, que é a reapreciação de uma outra decisão, no universo de questões levantadas pelo recurso.
IV - Fundamentalmente, ao tribunal de recurso cabe verificar se a decisão recorrida fundamentou a sua opção em matéria de decisão de forma consistente, lógica e racional, de acordo com as regras da experiência comum, isto é, se tal opção decisória se mostra convincente do ponto de vista da lógica interna da explicitação da sua motivação, referindo criticamente os meios de prova decisivos para a formação da respectiva convicção, e se mostra consentânea com as máximas, os princípios e os ensinamentos da vida, segundo a experiência normal das coisas.
V -  A omissão de pronúncia, no âmbito de impugnação de decisão proferida sobre matéria de facto, só ocorre quando o Tribunal da Relação, em lugar de responder com precisão à interpelação feita pelo recorrente sobre factos considerados provados, em relação à prova produzida, se remete a uma enunciação genérica, sem qualquer correspondência com as questões concretas que lhe são colocadas, não tomando posição sobre os diversos pontos da materialidade considerada provada que são impugnados nem analisando a prova que, quanto a eles, foi produzida.
VI - A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum), e não sobre os motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas. A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante.
VII - A partir de 01-01-1999, na sequência da reforma do CPP, operada pela Lei 59/98, de 25-08, deixou de ser possível interpor recurso para o STJ com fundamento na verificação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, isto é, a incursão do STJ no plano fáctico da forma restrita consentida por esse preceito não é já possível face a questão colocada pelo interessado, ou seja, como fundamento do recurso, a pedido do recorrente, mas tão-só por iniciativa própria do STJ, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas pelo STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.
VIII - No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o STJ se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos. Com efeito, a incursão no plano fáctico é ainda possível, não já face a questão colocada pelo interessado, mas por iniciativa própria do STJ (com o âmbito restrito consentido pelo art. 410.º, n.º 1, do CPP, com o incontornável pressuposto de que o vício há-de derivar do texto da decisão recorrida, e apenas dele, o STJ poderá avaliar da subsistência dos vícios da matéria de facto, o que é aplicável a recurso interposto de acórdão proferido pela Relação).
IX - Tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da al. b) do n.º 2 do art. 410.º a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
X -  Pela sua especificidade, este vício, constando necessariamente apenas do texto e a ele se confinando a análise da existência do mesmo, não permite para se concluir pela sua existência, a invocação das regras da experiência comum.
XI - A contradição insanável da fundamentação é a contradição ou oposição intrínseca na matéria de facto ou na respectiva fundamentação. O vício consiste na afirmação de factos animados de sinal contrário, cuja verificação simultânea é impossível, sendo a sua coexistência inexoravelmente inconciliável. Supõe oposições factuais ou a existência de factos contraditórios na factualidade apurada, e a partir de 01-01-1999, oposição entre a matéria de facto e/ou a fundamentação desta e a decisão.
XII - A crítica ao julgamento de facto, a expressão de divergência do condenado/recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo colectivo julgador, nos casos de recurso directo – e no caso presente, tendo a opção do colectivo sido já debatida, reapreciada no acórdão em recursos, a merecer uma confirmação quase plena em que o juízo substitutivo funcionou e modificou em pequena parte o conjunto fáctico – são de todo irrelevantes, de acordo com jurisprudência corrente há muito firmada, pois, ressalvada a hipótese de prova vinculada, legal ou tarifada, o STJ não pode considerá-las, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto, que o colectivo faz de harmonia com o art. 127.º do CPP.
XIII - A impossibilidade do STJ sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência dos recursos neste segmento, que assim, tem um objecto impossível, devendo ser rejeitados, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. a), do CPP, preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade.
XIV - É jurisprudência sedimentada a de que, em caso de sucessão de regimes aplicáveis, o regime legal eleito é-o em bloco, não se aplicando a determinados segmentos uma lei e a outros a outra lei.
XV - O STJ tem entendido que é constitucional e legal a imposição de condições de suspensão da execução da pena, mesmo que não haja sido formulado pedido de indemnização civil. Afirma-se, igualmente, a constitucionalidade e legalidade da imposição da condição, mesmo que não tenha sido pedida a indemnização.
XVI - Sobre a natureza jurídica da obrigação de pagamento de quantia certa ou determinável (ou de complexo obrigacional albergando a vertente de obrigação pecuniária), enquanto condicionante da suspensão de execução da pena, tem sido entendido não se estar perante uma indemnização objecto de pedido formulado pelo lesado, um caso de responsabilidade civil conexa com a criminal, no âmbito de um processo de adesão da acção civil à acção penal, mas antes perante arbitramento de «reparação lato sensu», autónomo, fora daquele quadro, como complemento penal, mais especificamente, como componente de pena de substituição, evitando a aplicação de pena privativa de liberdade, v.g,. aposição de condição para que se opere e se viabilize a suspensão da execução da pena de prisão.
XVII - O sancionamento pelo não cumprimento do dever económico de reparar o mal do crime imposto como condição da suspensão é o que deriva das regras do próprio instituto da suspensão da pena, não ficando subordinado aos condicionalismos específicos substantivos e processuais próprios do direito civil. Do que resulta que o eventual futuro incumprimento não significa a imediata execução da pena substituída.

Texto Integral

No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 350/98.4TAOLH, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Olhão da Restauração, integrante do Círculo Judicial de Faro, foram submetidos a julgamento os arguidos:

AA, casado, vendedor de automóveis, nascido em 13 de Abril de 1940, em Olhão (Moncarapacho), residente na E… N… XX, Murteira de Baixo, concelho de Olhão;

e ainda, BB, CC, DD, EE e FF. 

      Por acórdão do Colectivo competente, datado de 14 de Dezembro de 2005, constante de fls. 4228 a 4356, do 14.º volume, foi deliberado, apenas no que respeita ao ora recorrente:

I - Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de burla qualificada, por apropriação ilegítima de bens do sector cooperativo, p. e p. nos artigos 313.° e 314.°, alínea c) e 332.°, n.º 1, do Código Penal (na redacção originária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro), na pena de 3 anos de prisão;

II - Decretar a suspensão da execução de tal pena, pelo período de cinco anos, condicionando a suspensão ao dever de o arguido, no decurso do referido prazo,  contado do trânsito em julgado da decisão, proceder ao depósito à ordem dos presentes autos da quantia de € 300.000,00, para posterior entrega à demandante AC do Algarve, CRL, entrando a quantia depositada em conta no pagamento da indemnização em que foi condenado pelo mesmo acórdão;

III - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela AC do Algarve, CRL, e, em consequência:

a) Condenar solidariamente os demandados AA e CC, no pagamento à demandante da quantia de € 623.497,37, acrescida de juros de mora, vencidos sobre esse capital e de acordo com as sucessivas taxas legais aplicáveis às obrigações pecuniárias civis, desde 30 de Março de 1994 e vincendos até integral e efectivo pagamento, com dedução no valor dos juros do montante de € 24.939,89;

c) Absolver os mesmos demandados do demais peticionado;

IV - Julgar improcedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos por GG, Lda., HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ, e, em consequência, absolver o demandado AA.

       Inconformados com o assim decidido, interpuseram recurso, os únicos arguidos condenados, ou seja, o arguido CC (fls. 4390 a 4411) e o arguido AA (fls. 4416 a 4475).

     

       Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5 de Dezembro de 2006, constante de fls. 4614 a 4700, do 16.º volume, foi deliberado negar provimento aos recursos, sendo confirmado na íntegra o acórdão recorrido.

       Inconformado de novo, o arguido AA apresentou novo recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, conforme fls. 4705 a 4727.

    

       Por acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Outubro de 2007, constante de fls. 4767 a 4851 (numeração ora corrigida e antes fazendo fls. 2725 a 2849), foi declarado nulo, com um voto de vencido, o acórdão recorrido, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por não ter sido convidado o recorrente a aperfeiçoar, nas conclusões por si apresentadas, a pretendida, mas deficientemente expressa, impugnação de matéria de facto, nos termos mais amplos consentidos pelo artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP.

       No Tribunal da Relação de Évora, para onde o processo foi remetido, foi então o recorrente notificado para apresentar novas conclusões, com respeito pelo disposto no artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP, conforme a prescrição indicada para sanação do vício então detectado pelo acórdão anulatório de 17-10-2007 – fls. 4858 – sendo então concedida a pelo recorrente solicitada interrupção de prazo para audição de cassetes – fls. 4860 e 4864 – vindo a apresentar o recorrente, em 09-06-2008, as novas conclusões, em papel autónomo, fazendo fls. 4870 a 4883.

     Após tramitação intermédia e redistribuição do processo, por acórdão de 21 de Dezembro de 2010, constante de fls. 5011 a 5090, do 17.º volume, foi deliberado negar provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

     (O acórdão refere-se a recurso (s) e, o que é mais, “conheceu” do “anterior recurso” do arguido CC (cfr. fls. 5002/4 e fls. 5059 a 5066), o que se terá devido, certamente, a mero equívoco, pois o certo é que este arguido não recorreu para o STJ, tendo-se conformado com a decisão, totalmente confirmatória, do primeiro acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5-12-2006, ou seja, conformou-se com a solução de definição de dupla conforme integral).

    Mais uma vez inconformado, recorreu o arguido AA, conforme fls. 5097 a 5130 e, em original, de fls. 5135 a 5168.

    Por acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Junho de 2011, constante de fls. 5228 a 5285, do 18.º volume, na procedência parcial do recurso, foi deliberado anular o acórdão recorrido, por falta ou insuficiência de fundamentação e omissão de pronúncia na parte em que recaiu sobre a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, ficando prejudicada a apreciação das questões de direito suscitadas pelo recorrente.

     Volvido o processo ao Tribunal da Relação de Évora, com intervenção de um outro, diverso, Colectivo, por acórdão datado de 13 de Dezembro de 2011 – ora acórdão recorrido –, constante de fls. 5301 a 5458, foi deliberado:

«a) Determinar a alteração da matéria de facto julgada provada e não provada pelo acórdão da primeira instância, nos termos preconizados a fls. 144 e 148 do presente acórdão;

b) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida».

   (No local e no tempo apropriados, inserir-se-ão as modificações – ligeiras – efectuadas pelo acórdão recorrido ao nível do assentamento da matéria de facto dada por provada e por não provada, conforme a alínea a) supra).

      De novo inconformado, o arguido AA interpôs novo recurso para este Supremo Tribunal, a fls. 5464 (fls. 5524, no original), apresentando a motivação de fls. 5465 a 5521, e, em original, de fls. 5525 a 5581, do 19.º volume, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral):

A. O acórdão sob recurso não sanou as nulidades apontadas pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 21.12.2010.

B. Contudo, na reapreciação dos factos indiciários de que extraiu, no acórdão de 21.12.2010, a conclusão de que o Arguido AA, juntamente com o co-arguido CC e com RR, tinham elaborado o plano mencionado no 1.° parágrafo dos factos dados como provados no capítulo III do acórdão da primeira instância vem agora dar-lhes uma formulação diferente.

C. Nessa linha, fala agora em “alguma planificação” em vez de elaboração de um plano.

D. E refere que o Arguido AA aderiu ao plano, ou que deu a sua concordância com o plano, em data “necessariamente não anterior a 31/5/1993”.

E. Reconhece também, e adita o facto aos factos não provados, que não existe qualquer prova ou indício de que o Arguido AA tenha retirado qualquer benefício pessoal dos factos que deram origem ao presente processo.

F. Bem como reconhece que a AC não estava sujeita a qualquer pressão especial para reduzir a concentração do crédito, para apenas referir que a diluição do crédito pelos cinco devedores “converge” com as prevenções feitas pelas entidades fiscalizadoras, constituindo uma “motivação suplementar”.

G. E, embora reconhecendo que não está provado nos autos que o Arguido viva em casa própria, no sentido de casa de que é proprietário, mantém tal facto como provado, com o que, manifestamente, comete a nulidade da contradição insanável entre a decisão e a fundamentação.

H. Na fundamentação da existência do “plano”, o acórdão recorrido reconhece que não há nos autos qualquer prova directa, seja testemunhal ou documental ou de qualquer outra natureza de que tal plano tenha existido, remetendo por isso a prova da existência do plano para a prova indirecta ou indiciária, que consiste em inferir o facto probando de outro facto ou conjunto de factos, o facto ou factos indiciários.

I. Mas, ao fundamentar a prova indiciária, o acórdão ora recorrido, remete pura e simplesmente para o acórdão da primeira instância, dizendo que os factos que foram julgados provados no acórdão da primeira instância e em que se concretiza a execução do plano questionado pelo recorrente são, em síntese, os descritos no capítulo III do segundo parágrafo em diante.

J. Mas o arguido AA impugnou toda esses factos e indicou provas concretas existentes nos autos que contrariam a conclusão a que chegou o Tribunal de 1.ª instância e, por arrastamento o da Relação.

K. Contudo, o acórdão recorrido não analisou os argumentos aduzidos pelo arguido nem se pronunciou sobre eles, incorrendo por isso em omissão de pronúncia.

L. O acórdão recorrido, ao referir, a pags. 139, que “...poderemos socorrermo-nos de um juízo de experiência comum com vista a concluir, perante os factos já assentes, que o arguido AA era já sabedor, antes de ser confrontado com os documentos contendo as assinaturas decalcadas, de que os contratos de mútuo em preparação não correspondiam à verdadeira vontade dos supostos mutuários.” E que “não é de todo crível que o arguido CC (...) tivesse cometido a imprudência de remeter ou deixar que remetessem à instituição de crédito documentos contendo assinaturas, que qualquer um poderia constatar não serem genuínas, caso não soubesse de antemão que a pessoa de cuja vontade dependia a aprovação dos contratos pela Direcção da Caixa, que sabemos ser o arguido AA, se encontrava "dentro do segredo", não leva em conta o facto de todos os elementos de prova constantes nos autos convergirem no sentido de que os arguidos AA e CC não se conheciam.

M. Tal facto é afirmado nos autos por eles próprios, mas é corroborado pela total ausência de prova, mesmo circunstancial, de que alguma vez os dois se tivessem encontrado, falado, ou comunicado por qualquer meio.

N. É absolutamente contra já não a experiência comum mas o simples senso comum que duas pessoas que não se conhecem, nunca se viram e nunca falaram uma com a outra, elaborem, ou colaborem ou adiram ou executem qualquer espécie de plano com o conteúdo do aludido no primeiro parágrafo do Capítulo III dos factos provados.

O. Sobre a capacidade de o arguido AA determinar as decisões da Direcção da Caixa, o acórdão limita-se a repetir o que consta da decisão da primeira instância sem um único juízo critico autónomo dizendo: “Relativamente à questão do posicionamento do Arguido AA em relação aos membros da Direcção da AC e da sua capacidade ou não de determinar o sentido das deliberações desse órgãos social, importa dizer que dos depoimentos das testemunhas SS e TT, complementados em alguns aspectos pelos testemunhos de UU e VV, designadamente nas partes referenciadas na motivação do juízo probatório do acórdão da primeira instância, resulta clara a ideia de que era o ora recorrente quem, na prática, geria a AC e era a sua vontade que invariavelmente prevalecia nas deliberações da Direcção colegial da instituição, limitando-se os restantes membros desse órgão a secundar as posições do arguido AA, devido à confiança que nele depositavam e que estava associada ao facto de ser o único elemento da Direcção que tinha experiência profissional no sector bancário.”

P. Contudo, o arguido AA impugnou toda esses factos e conclusões, com provas concretas, sem que o acórdão recorrido as tivesse analisado e valorado, como que cometeu outra nulidade de omissão de pronúncia.

Q. O acórdão recorrido, ao não proceder ao reclamado «juízo crítico substitutivo», sobre todas e cada uma das questões de facto suscitadas pelos recorrentes - contra o disposto nos artigos 425.°, n.° 4, e 379.° n.° 1, c), do Código de Processo Penal - «deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar», assim se mostrando atingido pelo vício de «nulidade».

R. Para provocar erro ou engano apto a fazer com que uma pessoa colectiva aja contra os seus interesses por errada representação da realidade é necessário que esse erro ou engano ocorra nas pessoas que compõe o órgão com competência estatutária para manifestar a vontade da pessoa colectiva. Se esse órgão é plural, é necessário que um número de pessoas agindo por erro seja suficiente para produzir uma deliberação válida, isto é, que seja pelo menos a maioria da que compõem o órgão.

S. Se a maioria das pessoas que compõem o órgão agem com total conhecimento da realidade não é possível que a pessoa colectiva aja por erro ou engano.

T. Pelo menos, a maioria dos membros da direcção da AC estava totalmente informada sobre todos os aspectos da operação de financiamento dos cincos accionistas da XX pelo que não agiram por erro ou engano.

U. Não podia pois o arguido AA ter cometido o crime de burla em relação à AC, levando esta instituição a aprovar os ditos financiamentos por má representação da realidade que o recorrente AA tivesse induzido.

V. Para que seja cometido o crime de burla agravada e qualificada por apropriação ilegítima de bens do sector cooperativo previsto e punido pelos arts. 313 e 314.c) e 332.1 do CP, na redacção originária do Dec.-Lei n.° 400/82 de 23 de Setembro, é necessário que, para além da verificação dos elementos típicos do crime de burla, o agente tenha poderes, pelo menos de facto, de dispor de bens do sector cooperativo.

W. O arguido AA não tinha poderes nem de direito nem de facto para dispor de quaisquer bens ou direitos da AC, os quais pertenciam, de facto e de direito à direcção no seu conjunto, como é demonstrado pelas actas das reuniões de direcção.

X. Nos termos do art. 51.1 CP a suspensão da pena pode ficar sujeita ao cumprimento de deveres impostos ao condenado, nomeadamente pagar dentro de determinado prazo no todo ou na parte que o Tribunal considerar possível a indemnização devida ao lesado. Tal implica a indagação concreta por parte do Tribunal das possibilidades económicas do arguido para pagar a totalidade ou parte da indemnização.

Y. Mesmo aplicando o regime jurídico anterior à lei n.° 59/2007 de 4 de Tribunal, sempre se teria que entender que as condições a que ficava sujeita a suspensão da pena teriam que ser possíveis de cumprir por parte deste, sob pena de a suspensão não cumprir a sua função legal e ser apenas um adiamento do cumprimento da pena.

Z. É nula a sentença que condicione a suspensão da execução da pena ao pagamento de quantia que seja manifestamente impossível pagar em função dos rendimentos do condenado.

AA. A sentença da primeira instância não contém suficiente matéria de facto para fundamentar a condição do pagamento da quantia de € 300.000 (trezentos mil euros) no prazo de cinco anos para a suspensão da pena, devendo essa matéria ser objecto de indagação, se necessário, pelo Tribunal de primeira instância.

BB. O acórdão recorrido violou, pelos termos e razões expostas, as normas que foram sendo indicadas nos sítios próprios e, em particular, do Código de Processo Penal, o Tribunal. 127 (ao não motivar racionalmente e de acordo com as regras da experiência a valoração das provas produzidas na primeira instância), o Tribunal. 379.l.c) por remissão do Tribunal. 425.4 (ao não se pronunciar específica e autonomamente sobre as provas produzidas em primeira instância e sobre as concretas razões aduzidas pelo recorrente para impugnar o julgamento de facto em primeira instância e ainda ao não se pronunciar sobre a possibilidade de o arguido proceder ao pagamento, durante o prazo de suspensão da execução da pena, da quantia a que ficou sujeita a suspensão); do Código Penal, na redacção originária do Dec.-Lei n.° 400/82, Tribunal 313 e 314 al.c) (ao não considerar que, no engano ou erro em que é induzido o órgão plural de pessoa colectiva têm que participar subjectivamente pelo menos um número de membros desse órgão susceptível de constituir maioria para a aprovação do acto de que deriva o dano ou prejuízo causado pela prática do crime e que não existe tal erro se os elementos que constituem essa maioria conhecem todos os contornos do acto e ao considerar que o Recorrente AA se apropriou de bens pertencentes ao sector cooperativo sem ter provado para além de toda a dúvida se ele tinha a faculdade de direito ou de facto para, por si, dispor de alguns bens da AC) e ainda Tribunal. 51.1 na redacção actual do Código Penal, por ser disposição genérica mais favorável ao arguido, por o Tribunal não ter feito prévia indagação da possibilidade de cumprimento da condição de suspensão da pena durante o prazo da suspensão.

CC. Da aprovação dos créditos aos cinco accionistas da XX não adveio qualquer agravamento da situação financeira da AC, em relação à situação existente anteriormente, na medida em que à extinção da posição devedora da XX relativamente à AC correspondeu o surgimento de uma correlativa posição devedora dos cinco accionistas.

DD. Também não houve efectivo desembolso por parte da Caixa das verbas mutuadas aos “novos accionistas”, por via da operação de crédito em discussão nos autos, uma vez que tudo se processou através de operações contabilísticas, que creditaram a XX com os fundos disponibilizados aos cinco accionistas.

EE. A AC ressarciu-se dos seus créditos relativamente à XX, através de um acordo a que chegaram no âmbito de um processo executivo.

FF. Não foram provados outros danos, pelo que resulta que não há quaisquer danos da XX especificamente originados pela concessão do crédito aos cinco “accionistas”.

       No provimento do recurso pede a revogação do acórdão recorrido, com a sua absolvição dos crimes e do pedido cível por que vem condenado.  

        O Ministério Público no Tribunal da Relação de Évora apresentou a resposta de fls. 5588 a 5593, concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

    

       O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 5595.

       O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto e fundamentado parecer, de fls. 5603 a 5607, acompanhando e secundando as considerações aduzidas pelo Exmo. Colega junto da Relação de Évora, pronunciando-se expressamente no sentido de não se verificar a invocada omissão de pronúncia, pois a decisão impugnada debruçou-se sobre as concretas questões detectadas pelo acórdão do STJ, suprindo todos os vícios ali apontados, defendendo só existir a nulidade em causa se o Tribunal não resolver todas as questões que deva apreciar; quanto ao invocado vício do artigo 410.º, n. 2, alínea b), do CPP, defende que pretendendo o recorrente neste ponto discutir matéria de facto é o recurso manifestamente improcedente, apenas podendo ser conhecidos os vícios de forma oficiosa. Quanto às questões de direito colocadas, defende o preenchimento dos elementos do crime de burla qualificada. No que toca ao dever imposto como condicionante da suspensão, entende tratar-se de uma obrigação cujo cumprimento é razoável exigir ao arguido e que não se mostrando que viole direitos fundamentais do arguido nem tão pouco que seja de montante superior ao peticionado pelo lesado, nenhuma censura merece.     

        Conclui ser de rejeitar o recurso no segmento em que, totalmente fora do âmbito dos poderes de cognição do STJ, o recorrente convoca a reapreciação de questões relativas ao reexame da matéria de facto e quanto ao mais, pronuncia-se no sentido de improcedência do recurso e confirmação do acórdão recorrido.      

       Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou.

       Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

      Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

****

      Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, conforme acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

                                                     ****************

        Decisão recorrida é o acórdão da Relação de Évora, na reformulação (terceira via) de 13 de Dezembro de 2011, determinada pela necessidade de suprimento de falta ou insuficiência de fundamentação e de omissão de pronúncia, deficiências apontadas no antecedente (segundo) acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Junho de 2011, sendo que decisão recorrida, para efeitos de reapreciação pelo Tribunal da Relação de Évora, efectuada pelo acórdão ora recorrido, de 13 de Dezembro de 2011, era o acórdão de Olhão da Restauração, datado de 14 de Dezembro de 2005.

           

          Questões a decidir

       Atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, que traduzem de forma condensada, as razões de divergência com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a debater e decidir:

I – Nulidade por omissão de pronúncia – conclusões das alíneas A. a F., H. a K., P. e Q., maxime, K. e P.

II – Contradição insanável entre a decisão e a fundamentação – conclusão da alínea G.

III - Erro na apreciação da prova  - conclusões das alíneas L., M., N.     

IV - Burla qualificada – conclusões das alíneas R. a W.

V - Condição de suspensão da execução da pena de prisão – conclusões das alíneas X. Y. Z. AA.

VI – Inexistência de danos - conclusões das alíneas CC. a FF.

*********

     Apreciando – Fundamentação de facto

     Factos Provados 

     Foi dada como provada pelo Colectivo de Olhão da Restauração a seguinte matéria de facto, inserindo-se nos locais próprios as alterações introduzidas pelo acórdão ora recorrido (anotando-se que se eliminaram as referências em nota de rodapé a suportes documentais comprovativos relativamente a vários dos factos dados por provados).  

“Da matéria relevante para a discussão da causa, logrou provar-se o seguinte:

                                                                    I.

Por escritura de 17 de Novembro de 1987, celebrada no Cartório Notarial de Olhão, foi constituída entre AA, WW, NN, YY e AB, a sociedade anónima denominada “XX -, S.A.”;

A referida sociedade comercial tinha um capital inicial de Esc. 24.000.000$00 (vinte e quatro milhões de escudos) - representado por acções nominativas ao portador, no valor de Esc. 10.000$00 (dez mil escudos) cada - foi-lhe atribuído o Número Individual de Pessoa Colectiva XXX XXX XXX, e tinha a sua sede no Sítio de Alfandanga, freguesia de Moncarapacho, Olhão;

O objecto inicial de tal sociedade consistia na produção e/ou comércio, no mercado nacional ou no externo, de produtos agrícolas ou agro-industriais, provenientes da própria sociedade, dos sócios ou de terceiros, bem como na importação e comércio de produtos e bens destinados à agricultura ou a agro-indústria;

No processo de constituição da mencionada sociedade comercial teve participação e assumiu responsabilidades o arguido AA.

O arguido AA, à data da constituição da sociedade “XX -, S.A.” (17.11.1987), não era membro da Direcção da AC, mas era, pelo menos desde 1982, colaborador da mesma Caixa de Crédito;

À data da constituição da "XX -, S.A.", o arguido AA era funcionário do Banco AD, em Tavira;

O arguido AA foi eleito para a Direcção da AC em assembleia geral realizada em 18/3/89, tendo tomado posse no dia 6/4/89;

Mas já antes, com efeito, tanto o arguido AA, como outros elementos da cooperativa AC, promoveram, incentivaram, patrocinaram e apoiaram a constituição da sociedade comercial "XX, S.A.", colaborando o primeiro com os demais futuros accionistas na constituição da sociedade;

Os accionistas eram inicialmente vinte e quatro;

O arguido AA, que era um dos accionistas fundadores da “XX, S.A.”, fez ainda parte do primeiro conselho de administração dessa sociedade (desde 1987 ,de acordo com o estabelecido no pacto social e também para o triénio 1989 -1991), na qualidade de vogal;

O segundo Conselho de Administração da “XX, S.A.” foi posteriormente eleito pela Assembleia Geral em 08.05.1991 (para o triénio 1991 - 1993). Era integrado pelos seguintes Administradores: RR, AE e EE;

Também era accionista fundador da mesma sociedade comercial –“XX, S.A.”, o arguido EE;

O arguido EE adquiriu as respectivas acções da “XX” com base em empréstimo concedido pela AC;

 O arguido EE integrou o segundo Conselho de Administração da XX, desde 1991 a 1993;

Embora não se encontrassem entre os sócios fundadores, também vieram a ser accionistas da sociedade comercial “XX , S.A.”, os arguidos BB e DD;

O arguido DD desempenhou funções de director comercial para a sociedade XX, S.A., na qualidade de trabalhador por conta de outrem, no período compreendido entre Agosto de 1991 e meados do ano de 1995.

Durante todo este período de tempo era o arguido responsável pela direcção comercial da sociedade, cabendo-lhe tratar das compras de fruta aos agricultores e das vendas de fruta nos mercados grossistas do país, principalmente nos mercados abastecedores de Lisboa, Porto, Coimbra, e algumas vezes a compra de fruta no mercado de Almeria, em Espanha e exportação;

Antes de ser admitido, fez entrevista para esse fim com o Sr. Administrador RR, que lhe deferiu a admissão;

O arguido DD submetia à aprovação da administração, todas as operações de exportação e bem assim as operações comerciais nacionais de maior volume;

Em razão das suas funções, o arguido realizava inúmeras deslocações, no país e, algumas vezes, a Espanha, razão pela qual se ausentava do armazém da XX, duas a três vezes por semana, muitas das vezes em dias seguidos, para contacto com os grossistas de fruta.

Quando estava no armazém, era ao arguido DD que se dirigiam os agricultores para vender fruta;

Durante o tempo em que o arguido DD desempenhou funções na “XX, S.A.”, toda a actividade de administração foi da responsabilidade do Administrador RR e, depois dele, do arguido CC;

Em 1994, o Sr. RR propôs ao arguido que passasse a integrar a administração da sociedade, uma vez que era da maior conveniência para a XX, S.A., uma vez que era o único funcionário que estava mais vezes presente na empresa e que residia perto e tal facilitaria a assinatura dos documentos da mesma;

Pese embora a nomeação, o arguido, manteve, única e exclusivamente as funções que vinha exercendo - compra e venda e fruta - desde a data da sua admissão;

Todas as decisões relativas à administração da empresa continuaram a ser tomadas pelos demais administradores, sem a presença do arguido DD;

O arguido DD adquiriu as respectivas acções da “XX” com base em empréstimo concedido pela AC;

O arguido AA desempenhou as funções de presidente da direcção da "AC, C.R.L." (AC), instituição de crédito sob a forma cooperativa, desde 1989 a 1997 (tendo, porém, sido suspenso em Março de 1996);

No período compreendido entre 1992 e 1997, o arguido BB foi vice-presidente da direcção da AC;

O arguido CC assumiu funções de advogado da sociedade “XX, S.A.”, a convite do Administrador RR, o qual lhe foi transmitido pelo arguido DD;

Para construção e instalação da respectiva sede e armazém, a sociedade “XX, S.A.” adquiriu um terreno sito no Sítio dos Murtais, Moncarapacho, em Olhão, tendo posteriormente as respectivas infra-estruturas sido equipadas com todo o equipamento necessário ao funcionamento da referida sociedade.

Desde a data da sua constituição e até 1991 a actividade da "XX" consistiu apenas na comercialização de gasóleo e no aluguer de energia;

Posteriormente, a “XX” iniciou, então, a sua actividade na área da comercialização de produtos agrícolas, mantendo um regular funcionamento e gestão até Abril de 1994, sendo então o seu capital social de 144 000 000$00, decorrente de dois reforços de capital entretanto realizados (um de 24 000 000$00 realizado em 21.03.91 e outro de 96 000 000$00 realizado em 18.08.92);

                                                                II.

Em 27.01.1993 a então Direcção da AC - em reunião em que estiveram presentes os arguidos AA e BB -deliberou aprovar duas operações de crédito de que era beneficiária a "XX"- no montante cada de 50 000 000$00 - com a garantia de uma hipoteca das instalações da sociedade;

Os montantes em questão foram disponibilizados à mesma sociedade, sem que todavia tivesse sido constituída, na altura, a hipoteca a favor da AC, que não foi efectuada por falta de registo em nome da "XX, S.A." dos terrenos e instalações que tal sociedade adquirira;

Entre as funções que o arguido BB desempenhava na AC não se incluía a de fiscalizar pela efectivação prática das hipotecas, havendo serviços próprios da Caixa para tratarem de tal questão, designadamente o departamento de crédito e os serviços jurídicos;

Na data em que foram contraídos tais empréstimos, RR era presidente do conselho de administração da “XX, S.A.”;

Em 6 de Dezembro de 1994 veio a ser celebrada escritura de hipoteca, para garantir o pagamento de todas as responsabilidades ou obrigações, assumidas ou a assumir pela “XX, S.A.” perante a AC, até ao limite de 30.000.000$00, tendo na escritura (na qual se incluiu documento complementar) ficado clausulado que a XX não poderia constituir nova hipoteca sobre o mesmo imóvel sem o consentimento AC, bem assim como arrendar ou alterar as suas instalações;

                                                                  III.

Em data não completamente apurada, os arguidos AA e CC, juntamente com o Administrador da “XX, S.A.”, RR, elaboraram um plano com vista a uma aparente reestruturação económica da sociedade “XX”, plano esse que passava pelo abatimento da quase totalidade do seu passivo e pelo aumento do seu capital social, com recurso à injecção de dinheiro proveniente de créditos bancários a obter junto da AC por parte do próprio CC e de uns supostos novos sócios desta cooperativa, de forma a tornar aquela sociedade aparentemente viável e com maior valor comercial;

Dando execução a tal plano, o arguido CC, em 21.05.1993, requereu junto da AC um crédito de Esc. 25.000.000$00, tendo a Direcção da mesma entidade atribuído, em 18.08.93, um "fundo de maneio" no montante de 24.500.000$00;

1 Deste montante - que lhe foi creditado numa conta aberta na AC em 23.08.1993 - a quantia de Esc. 23.280.000$00 foi transferida no dia seguinte (em 24.08.1993) para a conta da "XX" junto da mesma entidade bancária;

Os restantes Esc. 1.220.000$00 foram utilizados pelo mesmo CC em beneficio próprio;

Tal empréstimo foi concedido pela Direcção da AC sem que todavia do respectivo processo de concessão de crédito constasse qualquer informação sobre a existência de bens que garantissem o seu pagamento;

O aludido crédito também não ficou garantido com qualquer garantia real, existindo apenas a este propósito uma livrança em branco;

O mesmo arguido entrou em situação de incumprimento logo na data do primeiro vencimento - que ocorreu em 23.08.1994;

Uma outra via para a obtenção de mais crédito junto da AC passou pela utilização de supostos cinco "novos sócios" daquela cooperativa;

A escolha desses “novos sócios” da AC - e que seriam também “novos accionistas” da “XX” - foi feita pelo arguido CC, o qual resolveu utilizar no esquema anteriormente gizado os nomes de de Olhão, da qual consta o registo da hipoteca).

AF, AG, AH, AI e de AJ.

Os mesmos eram pessoas do conhecimento pessoal ou profissional do arguido CC e a quem, na mesma altura, fez a proposta de se tornarem, sem qualquer tipo de encargo financeiro, accionistas da “XX”, bem como sócios da AC - caso de AF, de AG, de AH e de AI;

Nos contactos então mantidos com eles, o arguido CC pediu-lhes os respectivos dados pessoais e apresentou, a cada um deles, uma Proposta de admissão de sócio (da AB) e declaração de compromisso, que os mesmos assinaram.

Apenas com AJ o arguido CC não manteve qualquer tipo de contactos, tendo todavia obtido -por meios não completamente apurados - os respectivos dados pessoais;

Assim, com os dados pessoais daqueles cinco indivíduos, o arguido CC elaborou e preencheu todos os documentos necessários com vista à obtenção de um crédito na AB em nome dos mesmos: Ficha de assinaturas; Proposta de admissão de sócio e declaração de compromisso; Ficha de Proposta de crédito; Escrito Particular para Empréstimo concedido por Fiança e Questionário Informativo;

Apenas as assinaturas constantes dos documentos intitulados Proposta de admissão de sócio e declaração de compromisso relativos a AF, AG, AH e AI correspondiam às dos respectivos signatários - pois que os haviam assinado - tendo todas as outras (as constantes dos outros documentos) sido apostas por outrem que não as mencionadas pessoas, mas imitando as assinaturas verdadeiras e com conhecimento dos arguidos CC e AA;

As assinaturas constantes dos documentos intitulados Escrito Particular para Empréstimo concedido por Fiança (apostas por terceira pessoa, com conhecimento dos arguidos CC e AA, e que imitavam as de AF, AG, AH, AI e AJ) foram, em 24 de Janeiro de 1994, reconhecidas presencialmente no 9º Cartório Notarial de Lisboa pela Demandada FF, funcionária do referido cartório, sem que todavia qualquer daquelas cinco pessoas tivesse estado presente no aludido acto;

O arguido CC fez chegar a documentação assim obtida às mãos do Administrador da “XX , S.A.” RR e a mesma documentação foi apresentada junto da AC, tendo em vista a obtenção de um crédito de Esc. 25.000.000$00 por cada um dos novos sócios, num total de Esc. 125.000.000$00;

O arguido CC elaborou, ainda, vários relatórios sobre os aludidos cincos “novos sócios da AC e candidatos a accionistas da XX” - AF; AG; AH; AI e AJ - com a indicação dos bens móveis e imóveis de que os mesmos supostamente eram proprietários, bem como da actividade profissional que desempenhavam na altura - sem que nenhum desses dados correspondesse inteiramente à realidade;

Em 30.03.1994 a Direcção da AC - em reunião em que estiveram presentes os arguidos AA e BB e bem assim o referido RR - aprovou então os referidos créditos - no montante cada de Esc. 25.000.000$00 - de que eram beneficiários os aludidos indivíduos;

 Nessa reunião, o arguido BB era apenas um de entre vários Directores que tinham o poder deliberativo na AC. Não detinha qualquer voto de qualidade ou poder de influência ou de decisão sobre os demais Directores, sendo que as deliberações eram colegiais;

Como garantia de tais créditos foram apresentadas cinco livranças em branco, tendo as assinaturas nelas constantes (supostamente dos cinco beneficiários do crédito) sido efectuadas por terceira pessoa, por mero decalque;

Os Esc. 125.000.000$00 concedidos pela AC nessa operação de crédito foram, em 30.03.1994, depositados em cinco contas bancárias cujos titulares nominais eram os mesmos cinco novos sócios;

E, na mesma data, foram transferidos de cada uma dessas contas:

- Esc. 22.172.803$00 para a conta da “XX” – perfazendo o total de Esc. 110.864.015S00;

- Esc. 2.807.197$00 para a conta do arguido DD - perfazendo o total de Esc. 14.035.985$00;

Os referidos Esc. 110.864.015$00 transferidos para a conta da "XX" destinaram-se a liquidar de imediato as responsabilidades da mesma sociedade junto da AC, provenientes dos empréstimos concedidos à mesma em 27.01.1993.

Com efeito, a conta corrente da “XX” junto da aludida instituição bancária apresentava, em 31.03.1993, um saldo devedor de Esc. 110.851.366$80, tendo passado, em resultado das aludidas transferências bancárias feitas em 31.03.1993, para um saldo credor de Esc. 12.648S00;

O Arguido BB à data em que foram aprovados os mencionados créditos não detinha quaisquer funções executivas na Direcção daquela AC;

Os titulares, meramente nominais, dos referidos cinco empréstimos entraram em incumprimento logo no primeiro vencimento, em 31.05.1994;

O arguido CC nunca chegou a liquidar qualquer quantia referente a juros ou a amortização do capital dos supra aludidos 6 empréstimos - aquele de que era titular e os outros cinco - os quais perfaziam o montante global de Esc. 149.500.000$00/€ 745.702,86.

                                                                  IV.

Entretanto, veio a ser convocada para o dia 26 de Março de 1994 a realização de uma Assembleia Geral Ordinária que visava, entre outros pontos constantes da respectiva ordem de trabalhos, autorizar o Conselho de Administração a constituir hipoteca sobre o imóvel da sede, a favor da AC e com cláusula de futura inonerabilidade, além da eleição dos órgãos sociais para o triénio de 1994-1996;

Dada a possibilidade de não se encontrarem presentes, naquela data, accionistas representando 51% do capital social, ficou desde logo designado, nessa convocatória, o dia 11 de Abril de 1994 para a realização da Assembleia Geral Ordinária;

Tal Assembleia Geral veio a realizar-se em tal data - 11 de Abril de 1994 -, tendo sido aprovado:

- que fossem alterados os estatutos da sociedade, de modo a que o número de elementos do Conselho de Administração passasse de três para até sete;

- a eleição do Conselho de Administração e dos restantes órgãos sociais;

- que fosse autorizado o Conselho de Administração a constituir hipoteca sobre o imóvel da sede da “XX” para garantia de um empréstimo de Conta Corrente Caucionada (CCC) a conceder pela AB, até ao limite de 30 000 000$00;

Na mesma Assembleia Geral, o arguido CC fez uma apresentação dos nomes dos supostos cinco novos accionistas da sociedade - os já mencionados AF; AG; AH;

AI e AJ;

Na mesma ocasião, aprovou-se designar o dia 16 de Maio de 1994 para a realização de uma nova Assembleia Geral com vista à ratificação da eleição dos órgãos sociais e aprovação da pretendida alteração de estatutos;

E, em 16 de Maio de 1994, foi realizada a referida Assembleia Geral, na qual:

- foram aprovados o Relatório e as Contas do exercício do ano de 1993;

- foi aprovada a alteração dos estatutos da sociedade;

- foram eleitos os órgãos sociais, tendo de imediato tomado posse:

- como Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral o arguido EE;

- para o Conselho de Administração da sociedade os arguidos BB, CC e DD, além de outros quatro membros (AL, RR; AM e AE);

O deliberado em tal Assembleia Geral em 16 de Maio de 1994 foi documentado no Livro de Actas de Assembleias Gerais da mesma sociedade sob o n.° 11, estando a mesma exarada imediatamente a seguir e na sequência cronológica da Acta n.° 10 (da Assembleia Geral realizada em 11 de Abril de 1994);

Dando execução a plano anteriormente gizado, o arguido CC lavrou no Livro de Actas de Assembleias Gerais da “XX”, sob o n.° 11-A (e imediatamente exarada após a Acta n.º 11, que reproduzia o deliberado na Assembleia Geral de 16 de Maio de 1994), uma acta que pretendia documentar uma Assembleia Geral supostamente realizada no dia 17 de Abril de 1994;

Com efeito, a referida Acta n.º 11-A não correspondeu a qualquer Assembleia Geral que tivesse sido realizada na mesma data, nem os arguidos haviam sido nomeados para os cargos que nela invocavam.

Em tal acta, o arguido CC exarou que se havia procedido à deliberação, em Assembleia Geral, do aumento de capital social da sociedade de Esc. 144.000.000$00 para Esc. 269.000.000$00, representando um aumento de capital de 125.000.000$00, bem como se havia procedido à alteração dos respectivos estatutos e da denominação da própria sociedade para “XX e Produtores Agro-industriais do Ribatejo, Alentejo e Algarve, SA”.

De posse de cópia de tal acta, o arguido CC, na qualidade de Administrador, em nome e representação da sociedade “XX, S.A.”, entregou-a no 14° Cartório Notarial de Lisboa, para que fosse minutada escritura pública de aumento de capital da sociedade;

Depois, os arguidos CC, DD e BB, na qualidade de administradores, em nome e representação da mesma sociedade, compareceram, em 14 de Dezembro de 1994, no 14° Cartório Notarial de Lisboa, onde outorgaram uma escritura pública de aumento de capital da sociedade (de 144 000 000$00 para 269 000 000$00) e de alteração total do contrato de sociedade;

O arguido BB apenas esteve presente na escritura de 14.12.94, no 14° Cartório Notarial de Lisboa, a pedido do Administrador Sr. RR. Afirmando-lhe não poder ali deslocar-se, pediu o referido RR ao Arguido BB que ali comparecesse, visto poder o arguido BB igualmente assinar em tal acto;

O arguido DD outorgou a escritura de aumento do capital social lavrada em 14.12.1994, no 14° Cartório Notarial de Lisboa, a pedido do Presidente do Conselho de Administração, Sr. RR, que para esse fim o convocou, alegando que pelo motivo do arguido ter que deslocar-se aos mercados, para Lisboa, Porto e Coimbra, era-lhe mais fácil a ele, comparecer para a assinatura da escritura, para evitar que ele RR tivesse que deslocar-se;

O arguido DD não conhecia previamente o conteúdo da escritura;

O arguido DD não participou na sua elaboração, nem foi portador de quaisquer documentos quer para sua preparação quer para a sua celebração;

Ouviu ler a escritura e, como os demais outorgantes, a assinaram, fez como eles;

O arguido DD tem como habilitações literárias, o 2º ano do antigo ciclo preparatório, e tem a profissão de electricista. Não tinha qualquer experiência anterior de pertencer a órgãos sociais de quaisquer sociedades ou pessoas colectivas;

Para efeitos do referido aumento de capital de 125 000 000$00, declaram aqueles arguidos (CC, BB e DD) ter-se o mesmo processado “...mediante a emissão de doze mil e quinhentas novas acções no valor nominal de dez mil escudos cada uma, aumento esse realizado em dinheiro e já entrado na caixa social”;

Todavia, nunca foram emitidas quaisquer acções nem foi subscrito nem realizado o aludido aumento de capital de 125 000 000$00, não tendo tal montante dado entrada efectiva na caixa social da “XX”;

Aliás, tanto o referido aumento de capital como as despesas com a aludida escritura não foram contabilizadas pela sociedade;

Com a suposta injecção de tais capitais, a sociedade “XX” viu assim o seu passivo amortizado, ficando o arguido CC como o detentor de facto da maioria do capital social da empresa - não só através das sua próprias acções, mas também na qualidade de "único representante" dos cinco "novos accionistas" - AF, AG, AH, AI e AJ;

Ora, no dia 9 de Janeiro de 1995 foi realizada uma Assembleia-Geral Extraordinária da “XX”, na qual, face à nova correlação de forças decorrente da subscrição das acções emitidas com o suposto aumento de capital, foi deliberado, entre outras matérias, ratificar a alteração dos estatutos da sociedade entretanto já efectuada;

Na acta da aludida Assembleia-Geral, ficou documentada uma suposta sub-rogação das acções dos mesmos cinco novos accionistas na sociedade denominada “AN, Lda” - através de cartas supostamente subscritas pelos mesmos - a qual era controlada pelo arguido CC;

Na mesma acta ficou também documentada a sub-rogação das acções detidas pelo arguido DD numa sociedade denominada “C..., Lda” - sociedade aliás inexistente - ali também representada por CC;

Posteriormente, o arguido CC lavrou no Livro de Actas de Assembleias Gerais da “XX”, sob o n.° 24, uma acta que pretendia documentar uma Assembleia Geral supostamente realizada no dia 25 de Julho de 1995;

Com efeito, tal acta não correspondeu a qualquer Assembleia Geral que tivesse sido realizada naquela data, nem as assinaturas de outros dois supostos accionistas que nela constam - AO e AP - são as dos próprios;

Em tal acta exarou o mesmo arguido que, por deliberação em Assembleia Geral, havia sido decidido instituir o arguido CC (na qualidade de Presidente do Conselho de Administração) administrador delegado e mandatário com poderes especiais da sociedade;

Entre tais poderes especiais figuravam os seguintes:

- de “aquisição ou alienação de todo o equipamento necessário ao funcionamento da “XX”,

- de “alienação ou aquisição de móveis ou imóveis necessários e inerentes ao funcionamento da empresa”;

- de “movimentar todas as contas da empresa existentes ou a existir, apenas com a sua assinatura”;

- de “obrigar a sociedade apenas com a sua assinatura”.

                                                                 V.

Em finais de 1995, a “XX” cessou de facto a sua actividade, encontrando-se a mesma, nessa altura, com elevadas dívidas por liquidar, incluindo créditos contraídos junto da AC;

                                                                VI.

Os arguidos AA, CC e o Administrador RR agiram de uma forma livre, deliberada e consciente, na sequência de plano que juntos previamente delinearam e com o intuito de causar - como causaram - um prejuízo à AC.

         Fizeram-no com o intuito de obter um enriquecimento ilegítimo para si próprios, não ignorando ainda que causavam, com tal conduta, um prejuízo patrimonial à mesma ofendida, a qual ficou desde logo desembolsada dos montantes mutuados;

        

      Este ponto de facto provado foi substituído no acórdão recorrido, por:
        «Fizeram-no com o intuito de obter um enriquecimento ilegítimo para a «XX» e para o arguido CC, não ignorando ainda que causavam, com tal conduta, um prejuízo patrimonial à mesma ofendida, a qual ficou desde logo desembolsada dos montantes mutuados»;

O arguido AA - detentor, nesse período, dos cargos de Presidente da Direcção e Director Executivo da AC - permitiu, de uma forma livre, deliberada e consciente, que outras pessoas se apropriassem ilegitimamente da supra mencionada quantia de 125 000 000S00/6 623 497,37 pertencente ao sector cooperativo;

Por seu turno, o arguido CC, agindo de uma forma livre, deliberada e consciente, e tendo em vista a obtenção junto da AC de um crédito do montante de 125.000.000S00 / € 623.497,37, prestou informações escritas falsas, inexactas e incompletas, as quais eram importantes para a respectiva decisão;

Os arguidos AA e CC sabiam que as respectivas condutas eram proibidas por lei penal.

                                                                 *

                                                                 VII.

Por escritura de 22 de Dezembro de 1999, lavrada a fls. 149 do livro 96-F do Cartório Notarial de Olhão, a AC do A…, CRL, então ainda denominada AC do A… - Centro, CRL, adquiriu a totalidade dos activos e passivos da AC, CRL, declarada extinta por lhe haver sido revogada a autorização de funcionamento pelo Banco de Portugal;

A AC era (e a Demandante AC do A… CRL é), instituição especial de crédito sob a forma de sociedade cooperativa, cujo escopo é a actividade de crédito agrícola mútuo, em benefício dos seus associados;

Em processo de execução para cobrança de um dos cinco créditos de Esc. 25.000.000$00, a AC do A… obteve pagamento no valor de Esc. 5.000.000$00;

                                                                *

                                                                VIII.

GG, Lda., HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ eram accionistas da sociedade comercial “XX, S.A.”, detendo cada um deles 200 acções, no montante de Esc. 2.000.000$00 [€ 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos)];

Os referidos accionistas investiram o montante de capital na sociedade na expectativa de obter dividendos;

A sociedade “XX, S.A.” utilizou o capital na aquisição do imóvel e de equipamentos;

                                                                *

Da prova produzida em audiência, resultou, ainda, demonstrado o seguinte, com interesse para a decisão a proferir:

                                                                IX.

Os arguidos AA e CC não têm antecedentes criminais;

                                                                X.

O arguido AA é natural de Olhão, onde nasceu integrado num grupo familiar detentor de um estrato sócio-económico equilibrado;

Concluiu o antigo 7º ano dos liceus e, depois de dois anos de inactividade, ingressou aos 22 anos de idade na Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, como funcionário administrativo. Exerceu tais funções durante um ano;

A nível laboral, efectuou um trajecto ascendente no sector bancário - aos 23 anos de idade ingressou no Banco AD, em Grândola, como funcionário bancário - balcão, aí tendo permanecido por dois anos. Depois foi sucessivamente transferido para Faro e para Setúbal, onde exerceu a função de contabilista;

Em 1968 o arguido deslocou-se para Angola, onde permaneceu até 1976, como inspector e gerente de zona do Banco AQ;

Regressado a Portugal, desenvolveu diligências no sentido da sua integração nos quadros do Banco AQ, sem sucesso, por recusa da instituição bancária em questão (tendo em 1983 sido indemnizado, depois de ter impugnado judicialmente a recusa);

Com o apoio do sindicato dos bancários, veio a ser integrado no Banco do Algarve, instituição que, posteriormente foi incorporada no Banco AD, tendo o arguido ficado integrado no quadro de pessoal desse Banco. Exerceu funções com a categoria de sub-chefe administrativo de serviços, em Tavira;

Paralelamente com a sua actividade no sector bancário, o arguido AA começou a desenvolver tarefas no sector agrícola, em terrenos dos progenitores, tendo procedido à sua inscrição como sócio (juntamente com a família mais próxima) na AC;

Em 1983 foi eleito membro da direcção da AC. Porém, o Banco AD, enquanto sua entidade empregadora, inviabilizou a aceitação do desempenho do cargo, alegando tratar-se de uma actividade similar. Por isso, o arguido AA demitiu-se do cargo para que fora eleito;

Em 1989, voltou a ser escolhido para desempenhar cargo de Direcção na AC, como supra referido;

O arguido vive com a mulher, em casa própria (vivenda);

Colabora com uma empresa de venda de automóveis usados, como vendedor de automóveis, desde 2001;

                                                               *

                                                               XI.

O arguido CC, foi criado pelos avós, desde os 5 anos de idade até aos 17;

Aos 21 anos de idade ingressou na Marinha, onde permaneceu cerca de 9 anos, tendo concluído o ensino secundário e tirado a especialidade de técnico de telecomunicações;

Com cerca de 30 anos deixou a instituição militar, acabando por entrar para a Emissora Nacional como técnico de telecomunicações.

Anos mais tarde, ingressou na carreira jornalística, tendo sido colocado junto da Assembleia da República;

Após o 25 de Abril de 1974 o arguido esteve em situação de inactividade laboral, tendo voltado a estudar e concluído a licenciatura em Direito;

O arguido CC vive com dois filhos, ambos maiores;

Como aposentado da RDP aufere pensão de aproximadamente € 1.500,00 (mil e quinhentos euros). Aufere, ainda, rendimentos variáveis (não inferiores a € 1000 mensais) na sua actividade como advogado.

                                                                 

                                                              *******

      O acórdão recorrido determinou o aditamento à matéria de facto provada de mais um parágrafo com a seguinte redacção:

«Em data não apurada, o arguido AA vendeu as acções de que era titular no capital da «XX».
     À matéria de facto dada por não provada foi aditado um parágrafo adicional, com a seguinte redacção:

«O arguido AA e o administrador RR agiram com o propósito de obter um benefício económico para si próprios»”.

                                                                                    ****************

        Apreciando – Fundamentação de direito.

        Questão I – Nulidade por omissão de pronúncia

       Ao longo das dezassete conclusões que vão da A. a Q. e, como mais claramente se vê da parte inicial da abrangente conclusão BB., o recorrente manifesta a sua discordância relativamente à forma como foi fixada a matéria de facto, para tanto invocando violação do artigo 127.º do CPP, contradição insanável entre a decisão e a fundamentação e omissão de pronúncia determinativa de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), por força do artigo 425.º, n.º 4, do CPP, pretendendo, no fundo, ao longo de todas estas conclusões, a reapreciação de matéria de facto. 

      A invocada nulidade por omissão de pronúncia é abordada nas conclusões das alíneas A. a F., H. a K., P. e Q., maxime, alíneas K. e P., defendendo o recorrente a nulidade na conclusão BB. nestes termos: “ao não se pronunciar específica e autonomamente sobre as provas produzidas em primeira instância e sobre as concretas razões aduzidas pelo recorrente para impugnar o julgamento de facto em primeira instância”.

       O recorrente começa por afirmar na conclusão A. que o acórdão sob recurso não sanou as nulidades apontadas pelo STJ – acórdão de 08-06-2011 – no acórdão da Relação de Évora de 21-12-2010.

      Vejamos se assim foi.

      A intervenção do Colectivo que produziu o acórdão ora recorrido tinha por missão suprir as nulidades apontadas ao anterior acórdão da mesma Relação de 21-12-2010, pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 08-06-2011, tratando-se de questões que se cingiam a matéria de facto. 

     Na sequência do primeiro acórdão deste STJ, de 17-10-2007, foi o recorrente convidado a apresentar novas conclusões, o que fez em 9-06-2008, juntando as oitenta conclusões de fls. 4870 a 4883, do 17.º volume, que assim passaram a substituir as primitivas trinta e três, de A. a GG., de fls. 4468 a 4473, do 14.º volume, aí cumprindo o disposto nos n.º s 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, indicando os suportes técnicos onde se encontravam as passagens dos depoimentos invocados, de SS, autor do relatório de fls. 3956 a 3961 [conclusões f), k), x), z), aa), ii), ss), jjj)], de TT [conclusões hh), jj), ll), oo), tt), yy), aaa), bbb), ccc), ppp)] e de Al [conclusão y)], bem como declarações do co-arguido CC [conclusões q), v), w), kkk), lll)].

     As matérias contidas nestas conclusões passaram a ser o objecto de cognição do acórdão da Relação de Évora de 21-12-2010, encontrando-se insertas no texto deste, de fls. 5004 a 5015.

    O arguido interpôs recurso deste acórdão, apresentando motivação com outras conclusões, agora em número de vinte, de fls. 5127 a 5130 e, em original, de fls. 5165 a 5168, do 18.º volume, que passaram naturalmente a demarcar o território de intervenção do acórdão do STJ de 8-06-2011, e onde não há nas conclusões então enunciadas uma única referência às anteriores conclusões.    

      Nesse recurso a questão central em sede de matéria de facto, como se enunciava no início da motivação a fls. 5136, era a da nulidade do acórdão então recorrido por falta de apreciação especificada das questões de facto impugnadas pelo recorrente na motivação e nas conclusões do recurso da decisão da primeira instância.

       Se é certo que por força do n.º 4 do artigo 425.º do CPP é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto no artigo 379.º, ou seja, a arguição ou o conhecimento oficioso de nulidade (no caso por o tribunal ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar - alínea c) do n.º 1 daquele artigo 379.º), não menos verdade será que tal aplicabilidade terá os limites decorrentes da própria natureza da intervenção do tribunal de recurso a nível da fundamentação de facto e mais especificamente da motivação e do exame crítico das provas, que têm lugar na 1.ª instância, com amplas possibilidades de cognição e investigação, actuando em registo de oralidade, imediação e concentração, o que não acontece na Relação.

      Como se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal de 13-11-2002, SASTJ, n.º 65, pág. 60, “aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente, não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação, ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista.

     Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido”.

     No mesmo sentido, cfr. os acórdãos de 13-02-2008, processo n.º 4729/07-3.ª; de 07-05-2008, processos n.ºs 294/08-3.ª e 1132/08-3.ª; de 25-06-2008, processo n.º 2046/07-3.ª, onde se aduz: “a fundamentação decisória da Relação é exercida sobre uma outra decisão que, por seu turno, já motivou a convicção; nesse sentido, não é uma fundamentação originária, mas uma fundamentação derivada, sendo-lhe lícito recorrer à fundamentação da decisão recorrida para justificar as suas próprias soluções”; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08-3.ª; de 08-10-2008, processo n.º 3068/08-3.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 5/05.5PBOLH-3.ª; de 23-09-2010, processo n.º 65/09.9JACBR.C1.S1-3.ª; de 19-05-2010, processo n.º 459/05.0GAFLG.G1.S1-3.ª.

    Como diz o acórdão de 06-01-2011, proferido no processo n.º 355/09.1JAAVR.C1.S1-5.ª, em matéria de fundamentação da decisão, a posição hierárquica do tribunal recorrido que é um Tribunal da Relação (um tribunal de recurso, que tendo embora competência para conhecer de facto e de direito, exerce um poder de controle sobre a decisão recorrida numa óptica de reexame do decidido, com vista a detectar erros in judicando ou in procedendo, mas não a proceder a um segundo julgamento), tem reflexos que se traduzem em o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, no que respeita ao exame crítico dos meios de prova, não poder ser directamente transposto para a fase de recursos, o que é evidente, por uma razão elementar: o tribunal de recurso não procede a um julgamento com subordinação aos princípios da imediação e da oralidade, não estabelecendo contacto directo com as provas produzidas, nomeadamente, com as provas pessoais, nem com os participantes do processo, salvo casos pontuais de renovação da prova; a fundamentação exigida quanto ao exame crítico da prova não pode, pois, ser do mesmo tipo da que se exige para a 1.ª instância.

O artigo 374.º só indirectamente é aplicável, através do art. 379.º, mas com as devidas adaptações (correspondentemente), sendo que essas adaptações têm de levar em conta que os tribunais da relação, embora tenham competência em matéria de facto não apreciam directamente a prova produzida e não a apreciam nos mesmos termos da 1.ª instância, pelo que a fundamentação exigida para as suas decisões tem de estar em consonância com a natureza do seu objecto, que é a reapreciação de uma outra decisão, no universo de questões levantadas pelo recurso.

 Fundamentalmente, ao tribunal de recurso cabe verificar se a decisão recorrida fundamentou a sua opção em matéria de decisão de forma consistente, lógica e racional e de acordo com as regras da experiência comum, isto é, se tal opção decisória se mostra convincente do ponto de vista da lógica interna da explicitação da sua motivação, referindo criticamente os meios de prova decisivos para a formação da respectiva convicção, e se mostra consentânea com as máximas, os princípios e os ensinamentos da vida, segundo a experiência normal das coisas.

    Como se extrai do acórdão de 13-01-2011, processo n.º 316/07.5GBSTS.G2.S1-5.ª, citando o acórdão de 10-12-2009, proferido no processo n.º 22/07.0GACUB.S1-3.ª, a omissão de pronúncia, no âmbito da impugnação de decisão proferida sobre matéria de facto, só ocorre quando o Tribunal da Relação, em lugar de responder com precisão à interpelação feita pelo recorrente sobre factos considerados provados, em relação à prova produzida, se remete a uma enunciação genérica, sem qualquer correspondência com as questões concretas que lhe são colocadas, não tomando posição sobre os diversos pontos da materialidade considerada provada que são impugnados nem analisando a prova que, quanto a eles, foi produzida.

                                                            ******       

        O recorrente parece entender, como expressamente decorre da conclusão K., que mesmo os argumentos devem ser todos examinados, sob pena de nulidade, por omissão de pronúncia.

         Conforme estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Penal, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do artigo 425.º do mesmo diploma. 

       A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.

       Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. 

    Como uniformemente tem sido entendido neste Supremo Tribunal, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.

    A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas  sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal ( o thema decidendum),  e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas.

      Neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 01-06-1971, BMJ n.º 208, pág. 126; de 02-07-1974, BMJ n.º 239, pág. 168; de 22-03-1979, BMJ n.º 285, pág. 254; de 10-07-1979, BMJ n.º 289, pág. 235; de 11-01-2000, proferido no processo n.º 1089/89, BMJ n.º 493, pág. 385, em sede de propriedade horizontal, onde se afirma que “a omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d), e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, só existe se o Tribunal não resolver todas as questões que deva apreciar, sendo que essas questões não se confundem com os argumentos, as razões ou os pressupostos em que as partes fundam as suas posições na controvérsia”; na síntese do acórdão de 19-06-2002, processo n.º 1450/01: “ a nulidade da alínea c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP não resulta da omissão de conhecimento das razões, mas sim de questões”; de 30-11-2005, processo n.º 2237/05; de 21-12-2005, processo n.º 4642/02; de 11-01-2006, processo 3013/04-3.ª, onde se afirma que a respeito de omissão de pronúncia interessa ter presente que “não há omissão de pronúncia quando o tribunal conhece da questão que lhe é colocada, mesmo que não aprecie todos os argumentos apresentados, como impressivamente resulta da alínea c) do n.º 1 do art 379.º do CPP, ao declarar a nulidade da sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar”; de 27-04-2006, processo n.º 1287/06; de 25-10-2006, processo n.º 2170/06-3.ª; de 08-11-2006, processo n.º 967/06-3.ª (com citação de Rodrigues Bastos, Notas …); de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 25-01-2007, processo n.º 3943/06-5.ª; de 23-05-2007, processo n.º 1405/07-3.ª; de 17-1-2008, processo n.º 607/07-5.ª; de 06-03-2008, processo n.º 4634/07-5.ª; de 26-03-2008, processo n.º 820/08-3.ª; de 07-05-2008, processo n.º 1132/08-3.ª; de 03-07-2008, processo n.º 1312/08-5.ª; de 16-09-2008, processo n.º 2491/08-3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 1881/08-5.ª; de 08-10-2008, processo n.º 3068/08-3.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2864/08-3.ª; de 23-10-2008, processo n.º 2869/08-5.ª; de 19-11-2008, processo n.º 3776/08-3.ª; de 08-01-2009, processo n.º 3861/08-5.ª; de 21-01-2009, processo n.º 111/09-3.ª; de 18-02-2009, processo n.º 4128/08-3.ª; de 12-03-2009, processo n.º 3781/08-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 313/03.0JABRG.S1-5.ª; de 21-10-2009, processo n.º 192/08.0GDLRS.L1.S1-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 22/07.0GACUB.E1.S1-3.ª; de 13-07-2011, processo n.º 127/09.3PCPRT.P1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1-3.ª.

      Como de forma clara dizia o acórdão do STJ de 11-11-1987, processo n.º 38920, BMJ n.º 371, pág. 374, há que distinguir: uma coisa é uma «questão» sobre a qual o Tribunal tem de se pronunciar, nos termos do artigo 660.º, n.º 2, do CPC, outra é uma «razão», ou um «argumento» para se decidir de outro modo o problema.

      A nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o não conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes.

    A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante.

    Na doutrina podem ver-se, a propósito, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, n.º 3, pág. 247; José Alberto dos Reis, CPC Anotado, volume 5.º, págs. 137 e 143; Abílio Neto, CPC Anotado, 5.ª edição, págs. 501 e ss.

                                                              ******     

       Como se referiu, as exigências de fundamentação serão necessariamente diferentes consoante se esteja perante apreciação das provas de quem beneficiou da oralidade, imediação e concentração, ou num plano diverso, de quem a juzante, cabe a tarefa de reapreciar o material produzido, sem tal benefício, num registo completamente diverso, em função de transcrição de depoimentos (possível à época do julgamento, mas que não foi efectuada no caso, conforme se colhe da informação constante de fls. 4988 e 4991) ou de audição de cassetes, na lonjura do tempo e no isolamento de espaço, circunstâncias a conferir um incontornável modo de percepção e apreensão de uma matéria que é trazida a cognição fora do preciso contexto da sua produção, em que se passa do momento, vivido em directo e ao vivo, a uma reprodução, a sonoro é certo, mas sem a directa vivência da audiência, sem enquadramento de cenário, de vida, de interacção, estando-se longe de um segundo julgamento, procedendo-se a avaliação de prova, sem a proximidade e vantagens conferidas pela imediação, oralidade e concentração.

          Ora, tendo em vista estas considerações, passar-se-á a analisar o texto do acórdão recorrido em ordem a indagar da existência de omissão de pronúncia sobre alguma das questões colocadas no acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Junho de 2011, pois a incumbência do acórdão de Évora era suprir a falta ou insuficiência de fundamentação e omissão de pronúncia ali apontadas, tendo de mover-se na reapreciação da matéria de facto nos moldes traçados pela vinculação temática ali determinada.

      Passar-se-ão em revista as abordagens às concretas deficiências apontadas à matéria de facto no acórdão anulatório nos pontos 3.1.1.6.1, 3.1.1.6.2, 3.1.1.6.3, 3.1.1.6.4 e 3.1.1.6.6.

      Acerca da prova da existência do “plano” a que alude o § 1.º do Capítulo III dos factos provados e da comparticipação do arguido no mesmo.

     Este ponto foi posto em crise no acórdão anulatório do STJ de 08-06-2011, no ponto 3.1.1.6.1, de fls. 5274 a 5281.

    O acórdão recorrido versa a concreta questão, a fls. 5429, e de fls. 5431 a 5440, e de seguida aspectos da sua concretização, os factos indiciários. 

   Quanto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto aborda a questão do posicionamento do recorrente em relação aos membros da Direcção da AC, da sua proeminência no quadro da direcção da sociedade e da sua capacidade ou não de determinar o sentido das deliberações desse órgão social, com base na análise dos depoimentos de SS e TT complementados em alguns aspectos pelos depoimentos de UU e de VV e o documento de fls. 3401 a 3421, sendo certo que o exame crítico efectuado pela Relação pode conduzir ao mesmo resultado da primeira instância.

     O acórdão recorrido aborda igualmente a questão de o recorrente ter tido conhecimento ou não de que os contratos celebrados em nome dos novos accionistas da XX não haviam sido genuinamente outorgados pelos próprios e que tinham sido forjadas as assinaturas a eles atribuídas, invocando para tanto o depoimento de TT no sentido de os documentos recebidos pela AC para formalização dos contratos terem inscritas assinaturas com sinais evidentes de terem sido decalcadas, o que foi do conhecimento do recorrente.

     O acórdão ora em reapreciação aborda a questão do impugnado propósito de angariação de benefício económico ilegítimo (colocada no ponto 3.1.1.6.4, a fls. 5282/3 do acórdão anulatório), o que faz da forma que consta de fls. 5441 a 5444, com alteração da matéria de facto neste ponto particular, sendo igualmente abordada a questão da intensa pressão a que estava sujeita a AC, conforme se evidencia de fls. 5444 a 5446, e ainda a questão da alienação das acções da XX de que o recorrente era titular, de fls. 5446 a 5449, com alteração de matéria de facto neste segmento, abordando ainda a questão de o recorrente ter tido ou não contactos com os ditos «novos accionistas» - fls. 5449 a 5450 -, bem como a questão do pedido de empréstimo do  co-arguido CC de € 25.000,00 e subsequente concessão de fundo de maneio de € 24,500,00 (cfr. fls. 5450/2), considerando integrar o caso o mesmo plano.

     No que respeita à questão da “comprovação do dolo”, versada no acórdão anulatório de 8-06-2011, no ponto 3.1.1.6.2, a fls. 5281, foi igualmente tratada no acórdão recorrido, a fls. 5452/3/4, explicando com detalhe as razões porque a factualidade apurada depois da valoração probatória a que procedeu, se apresenta caracterizada em termos de preencher o dolo inerente ao tipo criminal de burla.

     No que toca à questão da “motivação deficiente ou mesmo falta de motivação” sobre o facto de o recorrente “viver ou não viver em casa própria”, que o acórdão anulatório de 8-06-2001 tratou no ponto 3.1.1.6.3, a fls. 5281/2, o acórdão ora recorrido abordou o tema com algum desenvolvimento, a fls. 5454/6, como se verá infra, a propósito da alegada “contradição insanável”, sendo este manifestamente um caso em que de todo não se pode falar de omissão de pronúncia, pois não há tal falta quando a emissão de pronúncia não conduz ao resultado pretendido. A questão foi abordada, não se acolhendo as razões ou argumentos avançados pelo recorrente.

     Em suma, o acórdão recorrido procedeu com cuidado ao suprimento dos apontados vícios de falta ou insuficiência de fundamentação e de omissão de pronúncia detectados pelo acórdão anulatório de 8-06-2011, no segmento de fundamentação de facto e de motivação de decisão de facto levada a cabo no acórdão do TRE de 21-12-2010, na parte em que este conheceu do recurso interposto da decisão do Colectivo de Olhão em sede de fixação de matéria de facto.

    O acórdão recorrido procedeu ao reexame, foi efectivamente interveniente, tendo debatido os pontos em questão e inclusive determinou a alteração da matéria de facto julgada provada e não provada pelo acórdão da primeira instância, sendo as alterações as constantes de fls. 144 e 148 do acórdão, fazendo no processo, respectivamente, fls. 5444 e 5448.

   O acórdão recorrido procedeu a modificação a propósito do benefício ilegítimo que o recorrente teria obtido com a sua actuação, alterando a matéria de facto respectiva, constante do capítulo VI, a fls. 5444 (fls. 144 do acórdão) nos termos seguintes:
     “O segundo parágrafo da matéria assente passará a ter a seguinte redacção:
     «Fizeram-no com o intuito de obter um enriquecimento ilegítimo para a «XX» e para o arguido CC, não ignorando ainda que causavam, com tal conduta, um prejuízo patrimonial à mesma ofendida, a qual ficou desde logo desembolsada dos montantes mutuados»;
     - A matéria de facto não provada passará a comportar um parágrafo adicional, com a seguinte redacção:

      «O arguido AA e o administrador RR agiram com o propósito de obter um benefício económico para si próprios»”.

     A fls. 148 após se pronunciar sobre a questão da alienação das acções da XX de que era titular o recorrente concluiu o acórdão recorrido poder apenas dar como provado que o ora recorrente alienou as suas acções da XX em data não apurada, e reparando a nulidade de omissão de pronúncia do acórdão de 21-12-2010, detectada no acórdão anulatório, determinou o aditamento à matéria de facto provada de mais um parágrafo com a seguinte redacção:

«Em data não apurada, o arguido AA vendeu as acções de que era titular no capital da «XX»

       No caso presente é patente que na fundamentação da matéria de facto constante do acórdão recorrido, que acolheu a proveniente da decisão da 1.ª instância, com ligeiras alterações, foram indicadas as provas produzidas e descrito o seu exame crítico, por forma a explicar o porquê de serem ou não atendidas, permitindo compreender o percurso lógico-racional seguido pelo tribunal, «de modo a poder afirmar-se que a condenação procede de uma apreciação correcta das provas, apresentando-se como uma peça coerente, fundada, convincente e à margem do arbítrio, não enfermando de contradições ou lacunas de pensamento, não violadora das regras da experiência e do bom senso, capaz de se impor quer aos sujeitos processuais quer à comunidade mais vasta dos cidadãos, seus destinatários.» – cfr. o acórdão do STJ de 28-02-2007, processo n.º 3646/06 - 3.ª.

      Contrariamente ao que parece pretender o recorrente, v. g., conclusão da alínea K., não se impunha ao tribunal, no cumprimento do dever de fundamentação, que se pronunciasse sobre todo e qualquer argumento ou dúvida que se tenha colocado ao recorrente, ou que justificasse discriminadamente, facto a facto, as razões da sua convicção.

      Sobre todos e cada um dos aspectos focados no acórdão anulatório recaiu a atenção do acórdão recorrido, afrontando, analisando, como se referiu, de forma minuciosa, as questões propostas, emitindo a sua opinião, concluindo que a decisão recorrida no essencial não merecia censura. Em suma, tomou posição de forma expressa, com a qual obviamente o recorrente pode não concordar.

      Como é evidente, pode manifestar o recorrente a sua discordância com o ponto de vista defendido pela Relação, mas uma coisa é discordar de uma posição assumida de forma expressa, patente, clara, e com ela não estar em concordância, outra coisa é, por se discordar da mesma, invocar que houve uma omissão de pronúncia. (O texto escrito – concorde-se ou não com ele – pela forma como o foi, com o sentido e o alcance que lhe foi dado, não consente, nem legitima, tal imputação).

        Não passa a haver omissão de pronúncia só porque o recorrente discorda da posição tomada, assumida, expressa, pelo Tribunal da Relação no sentido da confirmação quase integral do decidido pela primeira instância.

      Conclui-se não se verificar qualquer omissão de pronúncia, desatendendo-se, pois, a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, condensada nas conclusões K. e P., sendo o recurso de rejeitar por manifestamente improcedente neste segmento de tentativa de reapreciação de matéria fáctica.

        Questão II – Contradição insanável entre a decisão e a fundamentação

     Na conclusão inserta na alínea G. insurge-se o recorrente contra a posição do acórdão recorrido que reconhecendo não estar provado nos autos que o arguido viva em casa própria, no sentido de casa de que é proprietário, mantém tal facto como provado, com o que, em seu entender, comete a nulidade da contradição insanável entre a decisão e a fundamentação.

    Em primeiro lugar, dir-se-á que o alegado vício não gera nulidade, antes consubstancia um vício decisório, mais concretamente o previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

    E porque assim é coloca-se desde logo a questão da legitimidade do recorrente para arguir o vício neste recurso.

     Para além do mais, o arguido pretende ainda impugnar a matéria de facto pela via da alegação de um dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, determinando o reenvio para novo julgamento.

     Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro - Março de 1994, pág. 121 – cfr. acórdão do STJ, de 05-11-1997, processo n.º 549/97-3.ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 222.

Ilegitimidade de arguição pelo recorrente  

       Não é possível deduzir esta forma de impugnação de matéria de facto, mitigada embora, em recurso dirigido ao Supremo, o que ocorre, aliás, seja ele interposto de acórdão final de tribunal colectivo, seja de acórdão da Relação.

       Em causa está averiguar da legitimidade de arguição deste tipo de vícios no presente recurso, consabido sendo que com a decisão da Relação se encerra o ciclo da matéria de facto.

       Perante a presente arguição de vício decisório é de colocar a questão de saber se o Supremo Tribunal de Justiça pode dele conhecer em recurso interposto de decisão do Tribunal da Relação.

       Como é sabido, a partir de 01-01-1999, na sequência da reforma do CPP, operada pela Lei n.º 59/98, de 25-08, deixou de ser possível interpor recurso para o STJ com fundamento na verificação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, isto é, a incursão do STJ no plano fáctico da forma restrita consentida por esse preceito não é já possível face a questão colocada pelo interessado, ou seja, como fundamento do recurso, a pedido de recorrente, mas tão-só por iniciativa própria deste Supremo Tribunal, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas pelo STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios, conforme é jurisprudência corrente.
      Nada impede o STJ, em tais casos, de conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.  
      A intervenção oficiosa justificar-se-á, mesmo que não haja uma impugnação da matéria de facto, isto é, mesmo que se esteja perante recurso restrito a matéria de direito.
      Conforme consta do acórdão do STJ de 13-12-2007, processo n.º 1404/07 - 5.ª «a não impugnação da matéria de facto pelo recorrente não impede o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, de conhecer oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. É o que resulta do disposto no art. 434.º do referido Código. E compreende-se que assim seja. Para proceder a uma adequada revisão da matéria de direito, é necessário que a matéria de facto se encontre perfeitamente estabilizada. Por isso, se o tribunal de revista, analisando a decisão, conclui pela existência de insuficiências na matéria de facto (…), outra solução não lhe resta senão a de determinar o reenvio do processo, para colmatar o vício».
      Neste sentido de possibilidade de conhecimento oficioso, diversos arestos deste Supremo Tribunal, de que são exemplo: os acórdãos de 17-01-2001, processo n.º 2821/00 - 3.ª; de 25-01-2001, processo n.º 3306/00 - 5.ª e de 22-03-2001, processo n.º 363/01 - 5.ª, publicados em CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 210, 222 e 257, respectivamente; acórdão de 04-10-2001, processo n.º 1801/01 - 5.ª, em CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 182 (aqui se esclarecendo que o Tribunal de recurso tem o poder-dever de fundar a “boa decisão de direito” numa “boa decisão de facto”, ou seja, numa decisão que não padeça de insuficiências, contradições insanáveis da fundamentação ou erros notórios na apreciação da prova); de 30-01-2002, processo n.º 3739/01-3.ª; de 16-05-2002, processo n.º 1072/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 202; de 20-03-2003, processo n.º 397/03-5.ª, CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 232 (afirmando não haver qualquer contradição nesta posição, e seguindo interpretação que colheu a concordância de Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, revista e actualizada, pág. 371); de 24-03-2003, processo n.º 1108/03 - 5.ª, em CJSTJ, 2003, tomo 1, pág. 236; de 27-05-2004, processo n.º 766/04 - 5.ª, em CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 209 (como regra, está vedado ao STJ o conhecimento da matéria de facto, só podendo (devendo) conhecer os vícios a que se alude no art. 410.º , n.º 2, do CPP, se concluir que, por força da existência de qualquer deles, não pode chegar a uma correcta solução de direito); de 30-03-2005, no processo n.º 136/05; de 03-05-2006, nos processos n.ºs 557/06 e 1047/06; de 18-05-2006, nos processos n.º s 800/06 e 1293/06, todos da 3.ª Secção; de 20-12-2006, processo n.º 3505/06 - 3.ª, em CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 248; de 04-01-2007, no processo n.º 2675/06-3.ª; de 08-02-2007, no processo n.º 159/07 - 5.ª; de 15-02-2007, nos processos n.ºs 15/07 e 513/07 (defendendo-se neste o conhecimento oficioso dos vícios como preâmbulo do conhecimento do direito), ambos da 5.ª Secção; de 21-02-2007, no processo n.º 260/07 - 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 447/07; de 15-03-2007, processo n.º 663/07; de 29-03-2007, processo n.º 339/07; de 02-05-2007, nos processos n.ºs 1017/07, 1029/07 e 1238/07, todos da 3.ª Secção; de 24-05-2007, processo n.º 1409/07 - 5.ª, em CJSTJ, 2007, tomo 2, pág. 200; de 12-09-2007, processo n.º 2583/07; de 10-10-2007 no processo n.º 3315/07; de 24-10-2007, processo n.º 3238/07; de 13-02-2008, processo n.º 4729/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 26-03-2008, processo n.º 4833/07; de 21-05-2008, processo n.º 678/08; e de 02-07-2008, processo n.º 3861/07, todos da 3.ª Secção; de 27-05-2009, processo n.º 145/05-3.ª; de 17-09-2009, processo n.º 421/07.8JACBR.S1-3.ª; de 23-09-2009, processo n.º 426/08-5.ª (a possibilidade de conhecimento oficioso mais não constitui do que uma válvula de escape do sistema, através da qual se assegura que o Supremo não tenha que decidir o direito quando os factos são manifestamente insuficientes, contraditórios ou errados); de 14-10-2009, processo n.º 101/08.7PAABT.E1.S1-3.ª; de 13-01-2010, processo n.º 274/08.9JASTB.L1.S1-3.ª; de 24-02-2010, processo n.º 3/05.9GFMTS-3.ª; de 03-03-2010, processo n.º 242/08.0GHSTC.S1-3.ª; de 07-04-2010, processos n.º 138/09.9JAFAR.S1 e 2792/05.1TDLSB.L1.S1, ambos da 3.ª secção; de 09-09-2010, processo n.º 312/05.7GAEPS.S1-5.ª.
      Explicam Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª edição, II volume, pág. 967, citado no referido acórdão de 25 de Janeiro de 2001, que: “O considerar-se que não podem invocar-se os vícios do nº 2 do art. 410º como fundamento do recurso directo para o STJ de decisão final do tribunal colectivo, não significa que este Supremo Tribunal não os possa conhecer oficiosamente, como ocorre no processo civil, e é jurisprudência fixada pelo STJ (…)”.

     Na fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20-10-2005, in DR Série I-A, de 07-12-2005, refere-se que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”.

      Por outro lado, continua em vigor o Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR, Série I-A, n.º 298, de 28-12-1995, que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.

      Em suma, o STJ conhece oficiosamente desses vícios quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.

      No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, como ora ocorre, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o Supremo se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.

      É que, mesmo nos recursos interpostos directamente deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação – cfr. acórdãos de 11-12-2003, processo n.º 3399 - 3.ª, de 22-04-2004 e de 01-07-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, págs. 165 e 239, de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª, de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª, de 28-02-2007, processo n.º 4698/06 - 3.ª, de 08-03-2007, processos n.ºs 447/07 e 649/07 - 5.ª, de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07 - 5.ª, de 29-03-2007, processos n.ºs 339/07 e 1034/07 - 5.ª, de 19-04-2007, processo n.º 802/07 - 5.ª, de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 - 5.ª.

      Todavia, a incursão no plano fáctico é ainda possível, não já face a questão colocada pelo interessado, mas por iniciativa própria do Supremo Tribunal de Justiça.

      Só com o âmbito restrito consentido pelo artigo 410.º, n.º 2, do CPP, com o incontornável pressuposto de que o vício há-de derivar do texto da decisão recorrida, e apenas dele, o STJ poderá avaliar da subsistência dos vícios da matéria de facto, o que é aplicável a recurso interposto de acórdão proferido pela Relação.

     Nos acórdãos de 08-02-2006, processo n.º 98/06 - 3.ª; de 15-02-2006, processo n.º 4412/05 - 3.ª; de 15-03-2006, processo n.º 2787/05 - 3.ª; de 22-03-2006, processo n.º 475/06 - 3.ª; de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª; de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª; de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07, ambos da 5.ª secção; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07 - 3.ª e de 21-06-2007, processo n.º 1581/07 - 5.ª; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08 - 3ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07-3.ª; de 13-07-2009, processo n.º 32/05.2TAPCV.C1.S1-5.ª; de 17-09-2009, processo n.º 169/07.3GCBNV.S1-5.ª; de 10-03-2010, processo n.º 112/08.2GACDV.L1.S1-3.ª; de 25-03-2010, processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1-3.ª; de 15-04-2010, processo n.º 18/05.7IDSTR.E1.S1-3.ª; de 27-05-2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1-3.ª; de 06-10-2010, processos n.ºs 936/08.0JAPRT.P1.S1-3.ª e 77/07.8TAPTB.G2:S1-3.ª; de 17-11-2010, processo n.º 18/09.8JAAVR.C1.S1-3.ª; de 02-12-2010, processo n.º 16/09.1JAPRT.P1.S1-5.ª; de 19-01-2011, processo n.º 376/06.6BLRS.L1.S1-3.ª; de 31-03-2011, processo n.º 117/08.3JAFAR.E2.S1-3.ª (Independentemente de o recorrente, no recurso para o STJ não poder, segundo a jurisprudência corrente, sindicar os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, a verdade é que este Tribunal pode/deve deles conhecer oficiosamente, nos termos dos arts. 434.º do CPP e 729.º, n.º 3, do CPC); de 07-04-2011, processo n.º 450/09.7JAAVR.P1.S1-3.ª; de 27-04-2011, processo n.º 7266/08.6TBBRG.G1.S1-3.ª, admite-se o conhecimento oficioso dos vícios por parte do Supremo, mesmo nos casos em que o recurso vem interposto de acórdão da Relação.

   Como se extrai do acórdão de 26-02-2004, processo n.º 267/04 - 5.ª Secção, está fora do âmbito legal do recurso para o Supremo a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação, sem prejuízo de o tribunal de revista, por sua iniciativa, conhecer daqueles vícios porventura patenteados no acórdão da Relação. 

   Como se consignou nos acórdãos de 05-12-2007, processo n.º 3406/07, de 30-04-2008, processo n.º 4723/07, de 22-10-2008, processo n.º 215/08, de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, por nós relatados, nestes casos de recurso de acórdão da Relação para o Supremo, em que o recurso é puramente de revista, cingindo-se a matéria de direito, é de admitir, exactamente pelas mesmas razões supra-expostas que sustentam a cognição oficiosa – razões de necessidade de certificação de substrato fáctico bastante, congruente, compatível, harmonioso e válido para suportar a decisão de direito – o exame oficioso da existência ou não dos vícios decisórios ao nível do assentamento da facticidade relevante.

   Tal possibilidade ocorrerá ainda nos casos em que o acórdão da Relação conclui de forma diversa, nas situações em que, reapreciando acórdão de colectivo que absolvera o arguido, modifica a matéria de facto, conduzindo a decisão contrária de condenação.

     Conclui-se ser inadmissível a invocação pelo interessado de vícios da decisão previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, sem que isso obste a que o STJ deles conheça oficiosamente, se o traçado quadro fáctico no concreto caso assim o impuser, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.

       Por outras palavras, não podendo ser invocados estes vícios como fundamento do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nada impede este Supremo Tribunal de conhecer oficiosamente dos vícios decisórios e compreende-se que assim seja. Para proceder a uma adequada revisão da matéria de direito, é necessário que a matéria de facto se encontre perfeitamente estabilizada. Em suma, o STJ conhece oficiosamente desses vícios quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.

                                                            *******
      Estabelece o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, na redacção dada pela Lei n.º 59/98:
“Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.
     A inovação da revisão de 1998 consistiu na introdução da alternativa final da alínea b) – ou entre a fundamentação e a decisão – o que veio alargar o leque das disfunções do texto passíveis de integrarem o vício da sentença em referência.
     A contradição insanável da fundamentação, segundo o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 325, «respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do nº 2 do art. 410º a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto», sendo de notar que estamos perante edição anterior a 1998.
     Pela sua especificidade este vício, constando necessariamente apenas do texto e a ele se confinando a análise da existência do mesmo, não permite para se concluir pela sua existência, a invocação das regras da experiência comum – acórdãos do STJ de 31-05-1991, CJ 1991, tomo 3, pág. 23 e de 16-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 610.
      A contradição insanável da fundamentação é a contradição ou oposição intrínseca na matéria de facto ou na respectiva fundamentação.
      O vício consiste na afirmação de factos animados de sinal contrário, cuja verificação simultânea é impossível, sendo a sua coexistência inexoravelmente inconciliável.
      Supõe oposições factuais ou a existência de factos contraditórios na factualidade apurada, e a partir de 1 de Janeiro de 1999, oposição entre a matéria de facto e/ou a fundamentação desta e a decisão.
     Como se discorre no acórdão do STJ, de 02-05-2007, processo n.º 1017/07-3.ª, o vício supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.

    Vejamos, oficiosamente, do acerto da arguição.

    Sobre a questão do arguido ser detentor/dono de casa própria, ora em causa, disse o acórdão recorrido, a fls. 5454/6:
«Por último, o douto Acórdão anulatório ajuizou que o acórdão declarado nulo enfermava uma vez mais de falta ou insuficiência de fundamentação, na medida em que confirmou o juízo probatório afirmativo emitido pelo acórdão da primeira instância no sentido de o arguido AA residir em «casa própria», sem discutir a impugnação feita pelo recorrente, limitando-se a aderir à decisão da primeira instância e alegando que o arrendatário também reside em casa própria e que, de todo o modo, a questão carece de interesse para a decisão da causa.
  Considerou o Colendo STJ, ao arrepio da segunda instância, que a expressão «casa própria», na linguagem corrente equivale a casa de que não se é arrendatário e que não é indiferente para a decisão a proferir, pois, tendo o recorrente sido condenado numa pena de prisão cuja execução foi suspensa sob a condição do pagamento de uma quantia por conta da indemnização em que foi condenado, o ajuizamento imposto por lei da razoabilidade tal condicionamento sempre teria de tomar em consideração se o arguido é proprietário ou mero arrendatário da casa onde reside.
    Com a motivação do recurso que interpôs do acórdão da primeira instância o arguido AA ofereceu um documento destinado, segundo ele, a fazer prova de que a casa onde habita não é propriedade sua, nem da sua mulher.
    Tal documento não foi admitido nos autos pelo acórdão desta Relação de 21/12/10, tendo o Colendo STJ, no douto Aresto que o declarou nulo, entendido por bem não se pronunciar sobre o bem fundado dessa não admissão.

     Em tese geral, os recursos ordinários (não assim os recursos extraordinários de revisão) consistem na reapreciação por uma entidade hierarquicamente superior de uma questão decidida por uma entidade hierarquicamente inferior, com base nos mesmos pressupostos que enquadraram a decisão questionada, não sendo, portanto, o momento processual próprio para alegar factos ou oferecer meios de prova que não tenham sido levados ao conhecimento da entidade «a quo», ressalvados os casos em que é admitida a renovação de prova (art. 430º do CPP), que não é aquilo que o recorrente pretende, pois trata-se da produção de um meio de prova «ex novo».

     O nº 1 do art. 335º do CPP estatui que não são válidas as provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência. Por seu turno, o nº 3 do art. 430º do CPP estipula que, em sede de recurso perante as Relações, a renovação da prova se realiza em audiência.

     Da conjugação destas disposições legais pensamos poder inferir, com segurança, que a consideração de elementos de prova pelo Tribunal de recurso que não foram objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido só é admissível em caso de renovação, o que não abrange a pretensão formulada pelo arguido AA na motivação do recurso do acórdão da primeira instância.

    Nesse sentido, o documento oferecido pelo mesmo arguido com essa motivação não será admitido.

  Para além do documento, cuja admissão agora denegámos, o recorrente invoca como fundamento da impugnação em apreço o teor do relatório social, que foi tido em consideração pelo Tribunal de julgamento (fls. 3532 a 3535).

  O relatório social não faz referência a que o arguido AA seja proprietário da casa onde vive, mas tão pouco diz que ele seja arrendatário da mesma e muito menos qual o valor da renda por ele suportada, sendo certo que, do ponto de vista da defesa do recorrente, era esta última hipótese que interessava provar.

   Assim, reconhecendo a equivocidade e a infelicidade do uso da expressão «casa própria», relativamente à situação habitacional do arguido AA, o certo é que a prova que é lícito a este Tribunal considerar não justifica uma alteração deste ponto da matéria de acto provada, no sentido pretendido pelo recorrente».

     Foi dado por provado pelo Colectivo de Olhão da Restauração no segmento X que “O arguido vive com a mulher, em casa própria (vivenda)”.

     O recorrente contrariou tal afirmação do Colectivo logo no primeiro recurso, na conclusão U., como se vê de fls. 4471, afirmando não viver em casa própria.

    Juntou então certidão do registo predial, fazendo fls. 4477 a 4482, adiantando ser a junção do documento justificada pela afirmação constante na decisão recorrida de que vive em casa própria, e donde consta que um prédio misto, sito em Estrada Nacional 125, da freguesia de Moncarapacho, esteve registado em nome do ora recorrente e mulher, sendo seus donos, sendo que pela inscrição G-3, Ap. 13/990723, foi registada a aquisição provisória por natureza de tal prédio a favor de outras pessoas, sendo convertida pelo Av.01-Ap.16/991227, ou seja, o prédio mudou de mãos em 1999.

     O acórdão da Relação de Évora de 5-12-2006, a quem competia apreciação da questão em análise em primeira mão, nada disse sobre a junção de tal documento, pelo que tacitamente o aceitou.

     A junção do referido documento só é analisada pelo acórdão da Relação de Évora de 21-12-2010, que apreciando a questão da propriedade da casa, então colocada nas conclusões FFF., GGG., HHH., invocando os artigos 165.º, n.º 1 e 355.º, n.º 1, do CPP, a fls. 5084/5, não admitiu a junção do documento, e não alterando a matéria de facto constante do referido ponto X.

    A exigência de junção de documento atendível até ao encerramento da audiência não colhe aqui, não se tratando de documento produzido ou examinado em audiência .

     O facto de o recorrente viver ou não em casa própria não fazia parte do objecto do processo.

    A afirmação deste facto dado por provado só surge no acórdão condenatório de Olhão da Restauração, sendo em si um facto posterior à audiência, cognoscível apenas posteriormente, pelo que não fazia sentido juntar certidão comprovativa de não propriedade da casa durante o julgamento, pois estando em causa questões de propriedade a única forma comprovativa da afirmação de impugnação do facto firmado é a certidão predial, cuja necessidade só supervenientemente surge.

    A questão da afirmação da propriedade do local de habitação só surge com o acórdão da primeira instância, e se a questão é nova, a novidade da colocação da impugnação advém de o facto dado por provado ser um facto novo neste sentido.

    E nem se diga que é irrelevante, pois interessará saber em que medida relevará a respeito do pagamento da quantia arbitrada, como melhor se verá infra, aquando da apreciação da questão da adequação da aposição da condição à suspensão de execução de pena de prisão.

      Conclui-se que não se verifica a invocada contradição, nem tão pouco a questão pode ser enquadrada a esse nível, estando em causa a atendibilidade de um documento autêntico, que faz prova plena dos factos em si narrados (artigos 363.º e 371.º do Código Civil), donde se retira – e apenas se pode retirar – que o recorrente não é dono do prédio a que a certidão se reporta desde 1999, o que será tido em conta na análise da questão a cujo propósito foi suscitada a presente arguição.

     

        Questão III - Erro na apreciação da prova   

     Na síntese da conclusão da alínea BB., o acórdão recorrido violou o artigo 127.º do CPP, ao não motivar racionalmente e de acordo com as regras da experiência a valoração das provas produzidas na primeira instância. Esta divergência vem espelhada nas conclusões L., M. e N.

      Uma vez mais, o recorrente impugna a matéria de facto, invocando erro de julgamento da matéria de facto, errada valoração da prova produzida, pretendendo a reapreciação da prova produzida.

    Quanto a poderes de cognição do STJ estabelece o artigo 434.º do Código de Processo Penal que “Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”.

Com o acórdão da Relação, que conhece de facto e de direito - artigo 428.º do CPP - fecha-se o ciclo da apreciação e fixação da matéria de facto.

     O recorrente insurge-se contra a decisão da Relação, por discordar da matéria de facto assente, pretende esgrimir argumentos no campo da matéria de facto, não podendo recorrer com tais fundamentos para o Supremo Tribunal de Justiça, esquecendo que ao Supremo compete apenas o reexame da matéria de direito.

     A arguição do recorrente reconduz-se a alegada errada valoração das provas que foram reapreciadas pelo tribunal recorrido.

     No fundo, o recorrente expressa uma manifestação de divergência com o acervo fáctico adquirido pela Relação, pretendendo, afinal, discutir as provas. Pretende no fundo atacar o concreto desempenho do princípio da liberdade de apreciação ou da livre convicção dos julgadores da Relação estabelecido no citado artigo 127.º, olvidando que as suas pretensões se situam no plano da matéria de facto, que se não contém nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal.

     Neste aspecto da valoração das provas, dir-se-á que na análise a efectuar há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do CPP, o que é insindicável no presente recurso.

     O que na realidade o recorrente faz é manifestar a sua discordância com o decidido pela Relação ao nível do assentamento da facticidade agora dada como apurada, pretendendo discutir de novo a prova, suscitar a questão da sua valoração, impugnar a convicção adquirida pelos julgadores no tribunal de recurso sobre os factos pertinentes à configuração do crime de burla qualificada, por que ora foi condenado, para tanto alterando a matéria de facto assente, tendo como objectivo final a sua absolvição, olvidando por completo a regra da livre apreciação da prova ínsita no artigo 127.º do CPP, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

O que o recorrente pretende discutir é a apreciação da prova feita pela Relação, procurando impor o seu ponto de vista, esgrimindo argumentos no campo da matéria de facto, olvidando que não pode recorrer com tais fundamentos para o Supremo Tribunal de Justiça, a quem compete apenas o reexame da matéria de direito.

      Como inúmeras vezes tem sido frisado por este Supremo Tribunal, são totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.

      A arguição do recorrente reconduz-se a alegada insuficiência de prova e errada valoração das provas produzidas.

      No fundo, o recorrente expressa uma manifestação de divergência com o acervo fáctico emanado do que foi deliberado pelo Colectivo de Olhão e confirmado na sua maioria pela Relação de Évora, pretendendo discutir as provas. Pretende afinal atacar o concreto desempenho do princípio da liberdade de apreciação ou da livre convicção do julgador estabelecido no citado artigo 127.º.

        Dir-se-ia estarmos face a uma “segunda via” de impugnação da matéria de facto agora completamente fora dos cânones previstos.

       A crítica ao julgamento de facto, a expressão de divergência do condenado/recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo Colectivo julgador, nos casos de recurso directo - e no caso presente, tendo a opção do Colectivo sido já debatida, reapreciada no acórdão em recurso, a merecer uma confirmação quase plena em que o juízo substitutivo funcionou e modificou em pequena parte o conjunto fáctico - são de todo irrelevantes, de acordo com jurisprudência corrente há muito firmada, pois, ressalvada a hipótese de prova vinculada, legal ou tarifada, o Supremo Tribunal de Justiça não pode considerá-las, sob pena de estar invadir o campo da apreciação da matéria de facto, que o Colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do Código de Processo Penal – neste sentido, os acórdãos do STJ, de 18-10-1989, processo n.º 40266-3.ª, sumariado na AJ, n.º 2, pág.  8 e citado no acórdão de 19-09-1990, BMJ n.º 399, pág.  260 (não se verifica o erro notório na apreciação da prova se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida, sobrevalorizando as testemunhas de acusação e ignorando completamente as restantes testemunhas e mais prova); de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório) - cfr. acórdãos do STJ, de 29-06-94, processo n.º 45530, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258; de 10-07-1996, processo n.º 48675, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 229 (maxime, 243), de 19-01-2000, processo n.º 871/99-3.ª; de 06-12-2000, processo n.º 733/00.

     Neste sentido podem ver-se ainda os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal, de:     

01-10-1997, processo n.º 627/97, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (Assessoria), II volume, n.º 14, pág. 121 - “O Colectivo e o Júri apreciam a prova segundo a sua convicção livremente formada, tratando-se de matéria subtraída ao controlo do STJ (arts. 127.º e 433.º do CPP)”;

01-10-1997, processo n.º 876/97-3.ª, ibidem, pág. 122 - “O erro na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente”; no mesmo sentido e do mesmo relator acórdão de 8-10-1997, processo n.º 874/97, ibidem, pág. 134 e de 24-03-1999, processo n.º 176/99, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 249;

02-10-1997, processo n.º 628/97, ibidem n.º 14, pág. 128 - “O art. 127.º do CPP estabelece o princípio da livre apreciação da prova, pelo que o STJ não pode, enquanto tribunal de recurso, exercer qualquer actividade sindicante sobre tal matéria, excepto no caso da prova vinculada”;

06-11-1997, processo n.º 666/97, Sumários Assessoria, volume II, n.ºs 15 e 16, pág. 156 - “A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo Tribunal a quo é irrelevante, pois o STJ não pode considerá-la, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto que o colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do CPP (salvo na hipótese de prova vinculada)”;

06-11-1997, processo n.º 519/97-3.ª, ibidem, pág. 157 - “A apreciação da prova pelo tribunal produzida em audiência segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, como manda o art. 127.º, do CPP, escapa aos poderes de cognição do STJ”;

06-11-1997, processo n.º122/97, ibidem, pág. 158 - “O vício de erro notório na apreciação da prova não existe quando o recorrente se limita a por em causa a valoração das provas produzidas, esquecendo que o STJ não tem acesso a elas e não pode sindicar a valoração que delas fez o colectivo em sua livre convicção e segundo as regras da experiência”;

4-12-1997, processo n.º 1018/97-3.ª, ibidem, pág. 199 - “O erro na apreciação ou valoração da prova produzida no julgamento e desde que não seja prova vinculada ou tarifada, escapa à censura do STJ”;

18-12-1997, processo n.º 47325-3.ª, ibidem, pág. 216 – “A simples discordância no domínio da prova, entre a análise feita por um arguido sobre o que em seu entender deveria ter ficado provado, e o que o colectivo considerou ter-se efectivamente provado, não tem o menor relevo como fundamento de recurso para este Supremo Tribunal, que não pode apreciar nem discutir ou alterar a matéria de facto apurada pela primeira instância”;

18-12-1997, processo n.º 701/97-3.ª, ibidem, pág. 220 – “A convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso”; 

18-12-1997, processo n.º 930/97, ibidem, pág. 220 e BMJ n.º 472, pág. 185 - “É irrelevante a alegação de que o colectivo fez errada interpretação das provas e deu como provados factos que não se provaram; o Supremo não pode entrar na discussão da valoração das provas cujo conhecimento lhe está subtraído”.

      Como esclareceu o acórdão de 21-05-1992, BMJ n.º 417, pág. 404 “O STJ, como tribunal de revista, não dispõe de poderes de crítica ou censura sobre o concreto desempenho do princípio da livre apreciação da prova exercitada pelo tribunal a quo”, e por seu turno, o acórdão de 25-03-1998, processo n.º 53/98, BMJ n.º 475, pág. 502, esclareceu que “O STJ não pode sindicar a valorização das provas feita pelo Colectivo em termos de o criticar por não ter sido dada prevalência a uma em detrimento de outra” - cfr. acórdão de 11-02-1998, processo n.º 1323/97-3.ª,  BMJ n.º 474, pág. 309, e mais recentemente, o acórdão de 08-02-2006, processo n.º 98/06-3.ª, no sentido de que “a deficiente apreciação da prova produzida é matéria que escapa aos poderes do STJ”.

       Fazendo aplicação destes princípios, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 05-12-2007, processo n.º 3406/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07; de 04-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 27-05-2009, processo n.º 484/09; de 27-05-2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.JELSB.E1.S1; de 28-09-2011, processo n.º 172/07.3GDEVR.E2.S1, de 20-10-2011, processo n.º 36/06.8GAPSR.L4.S4; de 09-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1; e de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, todos por nós relatados.

      Daqui resulta que se revelam processualmente inoportunas, impertinentes e irrelevantes as considerações a este respeito contidas nas conclusões L., M. e N.

      A impossibilidade deste Supremo Tribunal sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência dos recursos neste segmento, que assim, digamos, tem um objecto impossível, devendo ser rejeitados, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade - cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 352/98, de 12-05-1998, in BMJ n.º 477, pág. 18 e n.º 165/99, de 10-03-1999, in DR-II Série, de 28-02-2000 e BMJ n.º 485, pág. 93.

     Estabelece o artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, na versão actual, que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência.

     Como se referia no acórdão do STJ de 30-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 355, é de rejeitar o recurso por manifesta improcedência quando o recorrente se limita a discutir matéria de facto e a livre apreciação do tribunal.

     De igual sorte o acórdão de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278: “Apresenta-se como manifestamente improcedente, e, portanto, deve ser rejeitado, o recurso cuja fundamentação se circunscreve à interpretação da prova que se diz ter sido produzida em audiência, indicando-se os factos que deveriam ter sido considerados provados, em vez dos que foram dados por provados”.

      Como se extrai do acórdão de 8-10-1997, processo n.º 897/97-3.ª, Sumários da Assessoria 1997, n.º 14, pág. 132 “Na ausência de qualquer prova vinculada, é insindicável pelo STJ a convicção formada pelo tribunal a quo, sendo por isso de rejeitar, por manifestamente improcedente, o recurso em que o recorrente pretende fazer vingar a sua convicção”.

      Segundo o acórdão de 9-10-1997, processo n.º 623/97-3.ª, ibidem, n.º 14, pág. 137 “É manifestamente improcedente, e por isso de rejeitar, o recurso no qual o recorrente aponta os vícios referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, baseando os mesmos na circunstância de valorar de forma diferente as declarações prestadas pelas testemunhas de acusação e defesa, da valoração feita pelo tribunal”.

     Diz-se no acórdão de 27-11-1997, processo n.º 1130/97-3.ª, ibidem, pág. 186 “É manifesta a improcedência do recurso, e por isso de rejeitar, quando o recorrente não concorda com a maneira como o colectivo valorou o conjunto das provas e fixou a matéria de facto, fazendo dessas provas uma leitura e avaliação diferentes”.

     No mesmo sentido, o acórdão de 27-11-1997, processo n.º 291/97, 3.ª, ibidem, pág. 188: “É manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente quando este se limita a discordar do processo lógico usado pelo Colectivo para formar a sua convicção. O recurso é de rejeitar por manifestamente improcedente”.

     O acórdão de 19-05-2004, proferido no processo n.º 904/04 - 3.ª pronunciou-se nestes termos: «A recorrente apenas suscita questões relativamente à matéria de facto, discute depoimentos e o modo como a prova foi apreciada, designando como erro notório na apreciação da prova apenas a circunstância de a conclusão probatória do tribunal da Relação ser diversa daquela que, na sua apreciação, deveria ter sido a decisão sobre os factos.

   Ora, nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do art. 410.º do CPP.

   Sendo tal apreciação, por oficiosa, apenas do critério do Supremo Tribunal, quando considere que há motivos para conhecer dos referidos vícios, a invocação destes não pode constituir fundamento de recurso.

  E, de qualquer modo, também não vem invocado no recurso qualquer fundamento que se possa integrar em alguma das categorias que a lei de processo enuncia no referido artigo 410.º, n.º 2, do CPP.

   Discutindo apenas matéria de facto, o recurso é, assim, manifestamente improcedente, e deve ser rejeitado, como determina o art. 420.º, n.º 1 do CPP».

     Como se extrai do acórdão do STJ, de 22-11-2006, processo n.º 4084/06-3.ª “A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida”. (sublinhado nosso).

     (Citando o anterior pode ver-se o acórdão de 07-04-2010, processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1-3.ª).

    A rejeição, por manifesta improcedência, impor-se-á ainda quando, através de uma avaliação sumária dos fundamentos do recurso, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que o mesmo será claramente votado ao insucesso, que os seus fundamentos são inatendíveis – assim, acórdãos de 17-10-1996, processo n.º 633/96; de 06-05-1998, processo n.º 113/98; de 05-04-2000, processo n.º 47/00. 

    Podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-05-2008, processo n.º 678/08; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 4-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.JELSB.E1.S1; de 28-09-2011, processo n.º 172/07.3GBEVR.E2.S2; de 09-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, todos por nós relatados.

    O recorrente no fundo, pretende impugnar a convicção dos julgadores, o que não é permitido face ao princípio plasmado no artigo 127.º do CPP, que nesta interpretação não padece de inconstitucionalidade.

     Em suma, estamos perante recurso que neste segmento se apresenta como manifestamente improcedente, sendo, pois, de rejeitar.

        Questão IV - Burla qualificada

     Nas conclusões R. a W., que repetem ipsis verbis as conclusões J., K., L., M., N., O. do anterior recurso, coloca o recorrente a questão de integração do crime pelo qual foi condenado de burla qualificada por apropriação ilegítima de bens de sector cooperativo, p. p. pelos artigos 313.º e 314.º, alínea c) e 332.º, n.º 1, do Código Penal na redacção originária de 1982.

     O acórdão de Olhão da Restauração abordou o tratamento subsuntivo de forma correcta e devida e amplamente fundamentada, como se vê de fls. 4322 a 4331, fazendo cotejo entre o regime de 1982 e o de 1995, versando o preenchimento dos elementos constitutivos do crime em questão.

    O acórdão recorrido alterou a matéria de facto quanto ao enriquecimento próprio, dando-o por não provado, o que não afasta a configuração da burla, não sendo necessário a obtenção de proveito ilegítimo próprio, abrangendo o de outrem, bastando proporcionar enriquecimento ilegítimo, sendo a esse respeito concludente o ponto de facto dado por provado no terceiro parágrafo do capítulo VI do acórdão de Olhão da Restauração e por outro lado o acórdão recorrido marcou a presença do dolo - fls. 5452/3/4 – confirmando-se a afirmação da primeira instância de que “Demonstrou-se a intenção dos agentes de obter/proporcionar enriquecimento ilegítimo” -  fls. 4325 -, sendo acertada a asserção (fls. 5457) de que as alterações introduzidas são inócuas para a decisão de direito, que assim é de confirmar, sem necessidade de outras considerações.

        Questão V - Condição da suspensão da execução da pena de prisão

 

      Nas conclusões X., Y., Z. e AA., repetindo ipsis verbis o teor das conclusões P., Q., R. e S. do anterior recurso, invoca o recorrente nulidade do acórdão na medida em que condicionou a suspensão da execução da pena ao pagamento de quantia que seja manifestamente impossível pagar em função dos rendimentos do condenado.

     A questão da nulidade, a ter aplicação o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do Código Penal, que o recorrente invoca na conclusão X. (embora sem fazer qualquer alusão ao n.º 2 do mesmo preceito), reveste outros contornos, que não os apresentados pelo recorrente.

     Com efeito, a nulidade não se configura por se condicionar a suspensão ao pagamento de quantia que possa ser considerada exorbitante ou elevada ou de difícil cumprimento; o vício de nulidade nesta sede surge a propósito da necessidade de indagação do preenchimento de condições económicas na pessoa do arguido que suportem o concreto condicionamento imposto, o que é coisa diferente.

     No entanto, a questão da nulidade, mesmo nesta perspectiva, encontra-se ultrapassada, pois dela tomou conhecimento o Supremo Tribunal no acórdão de 08-06-2011, que apreciou e decidiu a nulidade arguida nas então conclusões P., Q., R. e S.

     Fê-lo a fls. 5283 do 18.º volume, no ponto 3.1.1.6.5, nos termos seguintes: “Relativamente à (im)possibilidade de o Recorrente pagar a quantia a que ficou condicionada a suspensão da execução da prisão, entendemos não proceder a nulidade arguida (ressalvada, obviamente, a questão já antes apreciada sobre a titularidade da “vivenda”).

     Como se vê do ponto X. dos “Factos Provados”, as instâncias investigaram a situação económica do Arguido, tendo chegado ao resultado espelhado nesses factos.

      Consequentemente não pode falar-se aqui em omissão de pronúncia, tanto mais que nem antes nem no presente recurso, tirando a questão da titularidade da “vivenda”, o Recorrente sugeriu ou invocou qualquer outro facto concreto relevante para o efeito que não tivesse sido averiguado e devesse sê-lo.

     Coisa diferente é saber se a condição imposta tem cobertura legal. Mas isso constitui matéria de direito, estranha a este capítulo”. (Realces do texto transcrito).

     Como se vê, foi já decidida a questão da arguida nulidade.

     Resta ver da bondade da solução encontrada, maxime, do quantitativo fixado.

     Vejamos da cobertura legal da imposição feita.

      O acórdão da primeira instância, a fls. 4343/4, sublinhando a necessidade de reparação do mal causado e por entender conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, designadamente na sua vertente de prevenção especial e invocando para tanto o disposto no artigo 49.º do Código Penal na versão de 1982, determinou que a suspensão da execução das penas aplicadas ao ora recorrente e co-arguido CC, ficasse subordinada ao dever de cada um dos arguidos, no decurso do prazo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da decisão, proceder ao depósito da quantia de 300.000,00 €, para posterior entrega à demandante.

      O recorrente invoca agora o artigo 51.º, n.º 1, do Código Penal com a versão de 1995, mas há que ter em conta o regime aplicado em primeira instância.

      O acórdão do Colectivo de Olhão da Restauração, como se alcança de fls. 4342, do 14.º volume, após proceder ao cotejo dos dois regimes aplicáveis, optou pela aplicação do regime do Código Penal de 1982, na versão originária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23-09, e não o fornecido pela revisão operada com o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, por aquele ser o regime em vigor à data dos factos e mostrar-se no concreto mais favorável aos dois arguidos condenados.  

        É jurisprudência sedimentada a de que em caso de sucessão de regimes aplicáveis o regime legal eleito é-o em bloco, não se aplicando a determinados segmentos uma lei e a outros a outra lei.

       A aposição de condição à suspensão de execução da pena estava prevista no artigo 49.º do Código Penal de 1982, o qual especificava os deveres que podiam condicionar a suspensão, nestes termos:

1 – A suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de certos deveres impostos ao réu destinados a reparar o mal do crime ou a facilitar a sua readaptação social, nomeadamente a obrigação de:

a) Pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea (…).

b) Dar ao lesado uma satisfação moral adequada;

c) Entregar ao Estado certa quantia sem atingir o limite máximo estabelecido para o quantitativo da pena de multa. 

     Sobre as consequências da falta de cumprimento dos deveres versava o artigo 50.º.

    A única limitação à condição resultava do n.º 2, onde se dizia não poder o tribunal exigir do condenado nenhuma acção vexatória, nem impor-lhe nenhum dever contrário aos bons costumes ou susceptível de ofender a sua dignidade pessoal. 

    Com a revisão de 1995 foi introduzida uma inovação constante do n.º 2 do artigo 51.º, que se prende com a observância do princípio da razoabilidade.

       O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que é constitucional e legal a imposição de condições de suspensão da execução da pena, mesmo que não haja sido formulado pedido de indemnização.

      Assim no acórdão de 03-04-1991, processo n.º 41431, Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, 1991, tomo 2, pág. 14 e BMJ n.º 406, pág. 499, decidiu-se que “Pode suspender-se a execução da pena, sob a condição de pagar uma indemnização ao ofendido, de acordo com o que dispõe o artigo 49.º-1 do Código Penal, mesmo que não haja sido requerida por este no processo qualquer pedido de indemnização”.

      No mesmo sentido, o acórdão de 11-11-1992, processo n.º 41820, Colectânea de Jurisprudência 1992, tomo 5, pág. 10 e BMJ n.º 421, pág. 305, em que se defendia que “a fixação de uma compensação pecuniária pelo julgador, a favor do ofendido, como condicionante de uma suspensão da execução da pena, ainda que não pedida, aparece (…) ao arguido, como uma contrapartida económica da manutenção da sua liberdade, ameaçada por ter cometido um acto ilícito, e tem, nessa medida, um efeito dissuasor muito significativo, numa sociedade que defende, na medida do possível, a primazia das sanções não detentivas”, o que foi reafirmado no acórdão do STJ de 10-12-96, processo n.º 48364-3.ª Secção.

     No acórdão de 11-02-1999, processo n.º 1339/98 – 3.ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 212, onde em caso de condenação (por crime de receptação), em pagamento de quantia ao lesado como condicionante de suspensão da execução da pena de 22 meses de prisão, pode ler-se: «A condição de reparar o mal do crime através de uma indemnização ao lesado, como pressuposto da suspensão, não está dependente do pedido de indemnização referido no art.º 71.º C.P.Penal. Sempre foi esta a jurisprudência deste Supremo Tribunal, como pode ver-se dos seus acórdãos de 9/4/91, in CJ XVI, 2, 14, de 20/1/93, no rec. n.º 43271 e de 15/9/94, no processo n.º 46587. E o próprio Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artº 49.º, n.º 1, c), do C.Penal/82, enquanto condiciona a suspensão da pena ao pagamento de uma indemnização (ac. n.º 440/87, in D.R. – IIª Série, de 17/2/88)».   

     Afirmam igualmente a constitucionalidade e legalidade da imposição da condição, mesmo que não tenha sido pedida a indemnização, os acórdãos de 20-01-1993, processo n.º 43271; de 25-03-1993, processo n.º 42471; de 15-09-1994, processo n.º 46587; de 14-11-1996, processo n.º 652/96; de 11-06-1997, recurso n.º 82/97, CJSTJ 1997, tomo 2, 226, invocando o acórdão de 11-11-1992 já citado e com um voto de vencido, entendendo que a suspensão não pode ser condicionada ao pagamento de indemnização que não tenha sido pedida; de 11-02-1999, processo n.º 1178/98, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 212; de 24-3-99, processo n.º 1422/98-3.ª, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 254; de 13-10-99, processo n.º 665/99; de 20-10-99, processo n.º 317/99; de 11-10-2000, processo n.º 1110/99-3.ª, com um voto de vencido do mesmo Conselheiro por entender que “a “indemnização” a que se refere o art. 51.º, 1, a), do CP, é apenas aquela em que o arguido foi condenado, em virtude da procedência do pedido cível, ou por se ter verificado o caso excepcional previsto no art 82.º-A, n.º 1, do CPP; fora desses casos a suspensão não pode ser condicionada ao pagamento de indemnização”; de 11-01-2001, processo n.º 2789/01; de 22-02-2001, processo n.º 3829/00-5.ª; de 1-3-2001, processo n.º 3904/00-5.ª; de 17-05-2001, processo n.º 683/01-5.ª; de 24-05-2001, processo n.º 1092/01-5.ª; de 20-06-2001, processo n.º 1678/01-3.ª; de 27-06-2001, processo n.º 767/01-3.ª; de 18-01-2002, processo n.º 1680/02-3.ª; de 31-01-2002, processo n.º 4006/01-5.ª; de 26-02-2003, processo n.º 250/03-3.ª.

     Sobre a natureza jurídica da obrigação de pagamento de quantia certa ou determinável (ou de complexo obrigacional albergando a vertente de obrigação pecuniária), enquanto condicionante da suspensão de execução da pena, tem sido entendido não se estar perante uma indemnização objecto de pedido formulado pelo lesado, um caso de responsabilidade civil conexa com a criminal, no âmbito de um processo de adesão da acção civil à acção penal, mas antes perante arbitramento de “reparação lato sensu”, autónomo, fora daquele quadro, como complemento penal, mais especificamente, como componente de pena de substituição, evitando aplicação de pena privativa de liberdade, v.g., aposição de condição para que opere e se viabilize a suspensão da execução da pena de prisão.

        No domínio do direito anterior, a par da acção civil conexa com a criminal, regulada nos artigos 29.º a 33.º do CPP de 1929, e do caso especial da responsabilidade rodoviária do artigo 67.º do Código da Estrada de 1954, em que estava em causa a indemnização por perdas e danos resultante de facto punível, por que fossem responsáveis os seus agentes, estabelecia o artigo 34.º, sob a epígrafe “Reparação por perdas e danos”, que “O juiz, no caso de condenação, arbitrará aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tenha sido requerida”.     

        Mais tarde, em 1975, o Decreto - Lei n.º 605/75, de 03-11, estabeleceria no artigo 12.º, sob a epígrafe “Da reparação do dano civil” que: “Nos casos de absolvição da acusação crime, o juiz condenará o réu em indemnização civil, desde que fique provado o ilícito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco.

        Nestes casos, aplicar-se-á o disposto no artigo 34.º e seus parágrafos do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações”.

        Figueiredo Dias, em Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, Almedina, Reimpressão, 1972 (trabalho escrito em 1963 como contribuição para os Estudos «in memoriam» do Prof. Beleza dos Santos que, em 1966, formaram o volume XVI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra), debruçou-se sobre o tema a propósito do artigo 34.º do CPP de 1929, afirmando a distinção entre a indemnização civil de perdas e danos e a reparação arbitrada em processo penal, por se tratar de coisas diferentes, aquela ligada ao dano e esta ligada à culpa, o que de resto, como dá nota, era assinalado em jurisprudência do STJ.  

       Quanto à natureza desta última, colocavam-se duas teses: não é nem pode ser coisa diferente da indemnização que o tribunal civil decretaria se o pedido surgisse perante ele, segundo uns, enquanto para outros tratava-se de efeito penal da condenação, que não tem de coincidir com a sanção de natureza civil.

      Afirmava a págs. 34, que sendo a reparação um efeito necessário, como que automático, da condenação penal, logo se exclui que o dano que a fundamenta tenha de ser exactamente, aquele mesmo dano que fundamenta a responsabilidade civil.

      Mais adiante - pág. 56 - considera a reparação como parte integrante da própria sanção penal, tendo uma função adjuvante da pena – pág. 57.

      A propósito da caracterização da “indemnização” a cujo pagamento fica condicionada a suspensão da execução da pena de prisão, o mesmo Autor, agora em Direito Penal Português, 1993, § 538, págs. 352/3, versando os deveres de conteúdo económico que podem condicionar a suspensão de execução da pena de prisão, focando as dúvidas que se podem colocar à correlacionação entre este dever e o pedido de indemnização civil, afirma: “Do que se trata, em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade da punição, não de reeditar a tese do carácter penal da indemnização civil proveniente de um crime, que o artigo 128.º (actual 129.º) quis postergar”.

      Para Mário Ferreira Monte, Da reparação penal como consequência jurídica autónoma do crime, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, págs.129-155, trata-se de um instituto autónomo num duplo sentido: relativamente à indemnização de natureza civil; e como verdadeira consequência jurídico-penal, independente de outras como as penas ou as medidas de segurança. Assim concebida, à reparação penal é de conceder um estatuto de verdadeira consequência jurídica autónoma do crime, como terceira via ou terceiro degrau nas reacções criminais, a par com as penas e as medidas de segurança.

      A reparação penal não coincide com a indemnização civil nem com a pena, sendo autónoma, conclui.  

      O Supremo Tribunal de Justiça tem tomado posição sobre a natureza jurídica do dever económico imposto como condição da suspensão nos seguintes acórdãos: 

Acórdão de 29-01-1997, em cujo sumário se pode ler:

“I - A suspensão da pena pode ser condicionada ao dever de pagar em certo período uma indemnização ao ofendido.

II - Porém, não se trata de obrigação de pagamento, de realização de uma prestação, ou de efeito civil da condenação, mas apenas da própria pena de suspensão da execução”.

No acórdão de 11-06-1997, recurso n.º 82/97, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 226, diz-se (realces do texto): «A quantia cujo pagamento ao lesado é imposto ao arguido como condição da suspensão da execução da pena não constitui uma verdadeira indemnização, mas apenas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, podendo assim ser fixada ainda que não tenha sido formulado pedido de indemnização (invocando aqui o acórdão de 11-11-1992, CJ 1992, tomo 5, pág. 10, e BMJ n.º 421, pág. 305 (quanto a este segmento com voto de vencido).

    Por isso a modificabilidade do quantum arbitrado se tal vier a justificar-se – cfr. artigo 49º, 3, do CP de 1982 (artigo 51º, 3 do CP de 1995).

    E por isso também que o montante assim arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação de indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar (arts 483 e ss e 562.º e segs do Código Civil)».

Acórdão de 29-10-1997, processo n.º 551/97-3.ª, Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, pág. 165, onde se pode ler:

I – A suspensão da execução da pena com o dever económico de reparar o mal do crime não importa uma obrigação de indemnização em sentido restrito. Esse dever (ou obrigação em sentido lato) vale apenas no seio do referido instituto, sendo o sancionamento pelo não cumprimento apenas o que deriva das regras da própria suspensão da execução.

II – Quando se suspende uma pena sob condição do pagamento de uma indemnização por perdas e danos ao ofendido, nem o Estado nem o beneficiário da reparação ou indemnização ficam, por virtude da imposição do dever, na situação de credores e, por consequência, também o arguido não fica adstrito ao cumprimento da uma prestação, com todas as consequências jurídicas civis derivadas do incumprimento pontual”.

Acórdão de 27-05-1998, processo n.º 274/98-3.ª – Não se prevê no artigo 51.º do Código Penal uma obrigação em sentido técnico ou relação jurídica de crédito (art. 397.º do C. Civil). Os deveres do art. 51.º fazem parte do conteúdo do instituto da suspensão da execução da pena, participando, portanto, da natureza penal do referido instituto. Composta a suspensão da execução da pena de prisão com o dever económico de reparar o mal do crime, não fica constituída e imposta uma obrigação de indemnização civil, dotada da tutela das demais indemnizações em sentido estrito. Tal dever ou obrigação em sentido lato vale apenas no seio do dito instituto, sendo o sancionamento pelo não cumprimento o que deriva das regras do instituto da suspensão da execução da pena.

       No sumário do acórdão de 2-06-1999, processo n.º 38/98-3.ª, escreve-se:

      “Não se trata, porém, de uma condenação em indemnização mas, unicamente, da imposição de um dever que, reforçando o sancionamento penal, visa levar o arguido a tomar a iniciativa de reparar o dano, não conferindo ao lesado qualquer direito a exigir o seu cumprimento”.

       Para o acórdão de 01-03-2001, processo n.º 3904/00-5.ª – A imposição de deveres condicionantes da suspensão de execução da pena aplicada (mormente se consubstanciado em pagamentos pecuniários) representa, essencialmente, um reflexo da razão de ser da medida penalizadora, destinado a fazer sentir ao condenado, apesar da suspensão, a gravidade do ilícito que haja cometido, destarte funcionando como um complemento penal.

    No acórdão de 04-06-2003, processo n.º 1094/03-3.ª dizia-se que o pagamento do imposto não constitui uma verdadeira indemnização, mas antes uma simples condição da pena de substituição, reforçando o conteúdo reeducativo e pedagógico.

    Sobre a questão de saber se a indemnização devida ao lesado a que se refere o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal tem diferente natureza da que é objecto do pedido de indemnização cível, mas com interesse para a aposição de condição ao abrigo do artigo 49.º debruçou-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 305/2001, processo n.º 412/2000, de 27-06-2001, in Diário da República, II Série, n.º 268, de 19-11-2001, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 50.º, pág. 715, onde se analisa a jurisprudência do STJ sobre o tema e recorda o acórdão do TC n.º 596/99, retirando-se que a “indemnização” ou “compensação” é tida – bem ou mal – como que um tertium genus, com uma natureza jurídica própria (cumprindo a «função adjuvante da realização da finalidade da punição»), onde desde logo avulta como traço diferenciador o facto de ela não ser exigível pelo lesado.

    Finalizando dir-se-á que o sancionamento pelo não cumprimento do dever económico de reparar o mal do crime imposto como condição da suspensão é o que deriva das regras do próprio instituto da suspensão da pena, não ficando subordinado aos condicionalismos específicos substantivos e processuais próprios do direito civil.

    Do que resulta que o eventual futuro incumprimento não significa a imediata execução da pena substituída.

     É tempo de decidir se deve manter-se ou reduzir o montante fixado como condicionamento da suspensão.

     Como vimos a propósito do vício da contradição insanável suscitado pelo recorrente - supra questão II - a questão da vivenda ser própria ou não, não se pode ter por certo que o recorrente viva em casa própria no sentido de da mesma ser proprietário.

    Em termos económicos a diferença entre ter casa arrendada e própria estará em ter na hipótese de arrendamento a obrigação de pagar a renda, mas também não pagar o IMI e as despesas de conservação que teria se fosse dono da casa, de modo que este elemento não teria grande força, sendo certo que alegando o recorrente que a casa é arrendada fácil seria juntar o contrato de arrendamento, certamente com menos dispêndio do que acarretou a certidão predial. Em suma, no caso, o ter casa própria no sentido de dela ser dono ou não, não é determinante, nem mesmo relevante, na fixação da quantia de compensação.

    No caso, haverá que atender a que o acórdão recorrido afastou a obtenção de proveito próprio por parte do recorrente.

     Atendendo à natureza e finalidades da imposição do condicionamento considera-se como mais equilibrado fixar o montante de € 100.000,00 como integrante da condição de suspensão da execução da pena de prisão.

      Anota-se que tendo em conta o disposto no artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do CPP, esta alteração não terá qualquer consequência em relação ao montante a que ficou obrigado o co-arguido CC, uma vez que o ora determinado o é em função de condições pessoais do ora recorrente, sabendo-se que diversamente do que ocorreu com aquele co-arguido que obteve benefício da actuação, o recorrente não retirou proveito da sua conduta. 

       Questão VI – Inexistência de danos - conclusões CC. a FF.

      A invocação desta matéria teria a ver com o pedido cível, pretendendo o recorrente afirmar, e só isso, que da sua actuação não resultaram quaisquer danos para a AC.

      Esta questão foi introduzida ex novo no presente recurso, sendo inexistente no anterior em que as conclusões terminaram com a conclusão T. correspondente à actual conclusão BB., ou seja, no anterior recurso sobre que se debruçou o acórdão recorrido, estas questões não foram colocadas, pelo que não poderão ser objecto de reapreciação.

     No entanto, sempre se dirá que como consta do Capítulo VI dos factos dados por provados a AC foi desembolsada das quantias assinaladas, nem se vendo como poderia ser extinto o crédito estando em causa “accionistas”, que não mutuários, tratando-se de “capitalistas” sem capital, sem património e sem crédito na banca, não olvidando as assinaturas falsificadas.

      De resto como ficou provado no último parágrafo do capítulo VII dos factos provados a AC apenas obteve pagamento de cinco mil contos.

         Decisão

      Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, no recurso interposto pelo arguido AA, em:

 I - Rejeitar o recurso por manifestamente improcedente no que respeita à alegada  omissão de pronúncia e invocado erro de julgamento;

II - Julgar o recurso improcedente no que toca à impugnação da qualificação jurídica e à invocada inexistência de danos;

III - Julgar o recurso parcialmente procedente no que concerne ao montante da condição de suspensão da execução da pena, que é reduzida, ora se fixando em € 100.000,00, confirmando-se o demais deliberado no acórdão recorrido.       

        Custas criminais pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 3, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sendo os dois últimos na redacção anterior à que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, uma vez que de acordo com os artigos 26.º e 27.º daquele Decreto-Lei, o novo regime de custas processuais é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009, e o presente processo teve início em 9 de Dezembro de 1998, e nos termos dos artigos 74.º e 87.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código das Custas Judiciais, com taxa de justiça de 4 unidades de conta.

        Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP, vai o recorrente condenado na importância de 4 UC.

       Custas cíveis pelo demandado/recorrente, atenta a total sucumbência, nos termos do artigo 446.º do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 523.º do CPP.

      Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 12 de Julho de 2012

Raul Borges (relator)
Henriques Gaspar