I - A violação do princípio constitucional da igualdade é, em princípio, fundamento de anulação da deliberação do Plenário do CSM que graduou os candidatos de acesso ao STJ, nos termos dos arts. 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP, 6.º do CPTA, 135.º e 136.º, n.º 2, do CPA.
II - Ao recorrente foi-lhe atribuída a pontuação de apenas 2 pontos quanto ao factor indicado na al. b) do n.º 1 do art. 52.º do EMJ, enquanto que aos demais candidatos, nas mesmas situações, foram atribuídos 3 pontos. Como indubitavelmente foi violado o princípio constitucional da igualdade, anula-se, nesta parte, a deliberação do Plenário do CSM, por ter tratado de forma diferente situações iguais.
III -O princípio da igualdade proíbe, na sua face negativa, comportamentos discriminatórios e, em termos positivos, obriga a tratar igualmente situações idênticas.
IV - Por seu lado, o princípio da proporcionalidade, previsto no n.º 2 do art. 266.º da CRP e n.º 2 do art. 5.º do CPA, determina que a Administração Pública, no exercício dos seus poderes discricionários, deve adoptar, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir os fins legais e prosseguir os interesses públicos, aquelas que impliquem menos sacrifícios ou perturbações para a posição jurídica dos administrados.
V - O princípio da imparcialidade, previsto desde logo na CEDH, mas também nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 6.º do CPA, circunscreve-se a dois aspectos: a Administração Pública no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionalmente os interesses particulares (imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade); à Administração exige-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público.
VI - O recorrente discorda da pontuação atribuída ao factor da al. f) do n.º 1 do art. 52.º do EMJ. Mas como essa discordância, na ausência de violação ostensiva dos princípios legais que regem a actividade da Administração Pública, não pode ser sindicada pelo STJ, soçobra com base neste fundamento o recurso contencioso.
Acordam na secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:
AA, Juiz Desembargador na Relação de ---, veio recorrer da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura ( CSM ) de 18-10-2011 que procedeu à graduação dos candidatos ao XIII Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, aberto pelo aviso nº 20679, publicado no DR, 2ª série, nº 202, de 18-10-2010, no que respeita aos concorrentes necessários.
Para tanto alegou, em síntese, o seguinte:
- O recorrente foi concorrente ao apontado Concurso, no segmento dos concorrentes necessários e naquela deliberação foi graduado em 12º lugar;
- De acordo com as regras definidas pelo respectivo júri do concurso, acolhidas naquela deliberação foi entendido que “não existindo elementos relevantes de ponderação pelo que concerne ao factor da alín. b) do nº 1 do art. 52º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, deve ser conferida, quanto a este item, uma pontuação inerente ao nível médio, de 3 pontos, sendo ainda que, de um lado, relativamente aos graduados nos segundos e terceiros lugares, a graduação atingiria 4 pontos e o primeiro 5 pontos”;
- Por isso, à grande maioria dos concorrentes foi atribuído nesse factor a graduação 3 pontos, mormente aos concorrentes que frequentaram o III Curso de Qualificação do Centro de Estudos Judiciários, para ingresso na magistratura judicial;
- Porém sem qualquer justificação foi atribuída nesse factor ao recorrente a pontuação de dois pontos, dado que nenhum elemento relevante foi apontado para tal discriminação;
- Cometeu, assim, o recorrido uma violação de vários princípios constitucionais, como o da igualdade e, ainda, uma omissão de fundamentação quanto a este ponto da deliberação, o que a torna anulável, nos termos do art. 23º, nº 2, da Portaria nº 83-A/2009, de 22.1, arts. 268º, nº 2 da CRP e 124º, nº 1 e al. a) do art. 125º, nº 1 e 135º e 136º do CPA;
- Além disso, a pontuação atribuída ao recorrente ao factor da al. f) do nº 1 do art. 52º do EMJ quer no respeitante ao prestígio profissional e cívico, quer à qualidade dos trabalhos e ao grau de empenho na formação e adaptação às tecnologias, a situação referente ao recorrente não é desigual da dos graduados em 4º, 5º e 9º lugares, pelo que, em vez da pontuação de 93 concedida ao recorrente, num critério de igualdade, e imparcialidade impunha-se fosse graduado com 98 pontos;
- Foi assim nesse aspecto violado o princípio da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, o que é motivo de anulação - art. 13º da CRP e 5º e 6º do CPA - e está inquinada de falta de fundamentação, nos termos do art. 268º, nº 2 da CRP e 124º, nº 1 al. a) e 125º, nº 1 e 135º e 136º do CPA.
Termina pedindo a anulação da graduação, na parte respeitante à pontuação atribuída ao recorrente no tocante às als. b) e f) do nº 1 do art. 52º do EMJ.
Juntou vários documentos e indicou os concorrentes ao Concurso graduados em 9º, 10º e 11º lugares, como potencialmente afectados pelo recurso, pedindo a respectiva citação.
Ouvido o recorrido CSM veio este em fundamentado articulado, por um lado, reconhecer que houve lapso e consequente erro, na pontuação atribuída ao recorrente ao factor da alínea b) do nº 1 do art. 52º do EMJ, na graduação do 13º Concurso de Acesso ao STJ que deveria ter sido 3 e não 2 pontos, estando este lapso em tempo de correcção pelo recorrido e sendo o resultado desta correcção insusceptível de modificar, só por si, a graduação do recorrente, pelo que não deve o erro ser fundamento para a anulação da deliberação impugnada.
Por outro lado, o recorrido defende que se não verifica o vício de falta de fundamentação da mesma deliberação na parte respeitante à pontuação atribuída ao recorrente no factor f) do nº 1 do art. 52º do EMJ, na graduação do Concurso em causa.
Refere ainda que o critério de pontuação utilizado pelo Júri e assumido pelo Conselho recorrido quanto a este ponto não é ostensivamente desajustado nem a sua aplicação ao recorrente enfermou de erro grosseiro ou crasso ou até de qualquer erro.
Finalmente acrescenta que se não mostram violados, na deliberação impugnada, os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça ou da imparcialidade.
Conclui pedindo da improcedência do recurso.
Citados os interessados visados na impugnação BB, CC e DD, nenhum ofereceu qualquer articulado em resposta à petição inicial.
Ouvido o recorrente nos termos do art. 175º do Estatuto dos Magistrados Judiciais ( EMJ ), não apresentou aquele novo articulado.
Ao abrigo do disposto no art. 176º, nº 1 do EMJ, o recorrido CSM remeteu para a resposta já apresentada e concluiu, de novo, pedindo que se negue provimento ao recurso.
Finalmente, o ilustre Magistrado do Ministério Público também em fundamentado e brilhante parecer tomou posição no sentido da improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Estão aqui apurados os seguintes factos:
- Pelo aviso do CSM publicado na 2ª série do DR de 18-10-2010, nº 202, foi declarado aberto o XIII concurso curricular de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 50º e seguintes do EMJ, para preenchimento das vagas que vierem a ocorrer no período de três anos, a partir de 12 de Março de 2011;
- No ponto 6 do citado aviso consta que o concurso tem natureza curricular, “sendo a graduação feita segundo o mérito relativo dos concorrentes de cada classe, tomando-se globalmente em conta a avaliação curricular, nos termos do art. 52º do EMJ”;
- Nesse ponto do aviso concretizaram-se os critérios e factores de avaliação;
- O recorrente concorreu a esse concurso na qualidade candidato necessário, ao abrigo do disposto no art. 51º, nº 2 do EMJ;
- Por deliberação do CSM de 18-10-2011 procedeu aquele organismo à graduação dos candidatos previstos no mencionado nº 2 do art. 51º, tendo o recorrente obtido a pontuação de 176 pontos e sido colocado em décimo segundo lugar, do total de trinta e quatro candidatos que foram graduados nessa classe;
- O júri previsto no art. 52º, nº 2 do EMJ reuniu em 2-02-2011 com vista a proceder à análise da lista dos concorrentes necessários, voluntários e juristas de mérito, a densificar os critérios subjectivos de apreciação dos respectivos trabalhos, definição e aprovação dos critérios avaliativos e calendarização dos procedimentos subsequentes;
- Nessa reunião foi deliberado no tocante à densificação dos critérios de avaliação que os candidatos devem ser graduados essencialmente em função da qualidade dos trabalhos apresentados e que a avaliação deve ser feita de forma global e evitar uma apreciação meramente contabilística de vários factores previamente considerados, que, em regra, cria injustiça no resultado final;
- Foram aí analisados e aprovados os critérios que servirão de base à avaliação dos concorrentes necessários, voluntários e juristas de mérito, os quais ficarão a constar no parecer final a elaborar pelo júri do concurso;
- Mais foi deliberado que após a análise dos processos dos vários candidatos os membros do júri remetem o relatório a este Conselho Superior da Magistratura, com indicação de três trabalhos forenses que se destacam, a fim de esses elementos serem distribuídos pelos restantes membros do júri;
- Na deliberação impugnada foi colocado em discussão o parecer do júri e após a correcção de pontuais lapsos, foi aprovado o mesmo parecer;
- Naquele consta que foi organizado um processo individual de candidatura, sendo cada um distribuído a um dos membros do júri, salvo pelo respectivo Presidente, e foram elaborados, por cada um daqueles membros, os pareceres preliminares;
- E também consta que a todos os membros do júri foram distribuídas cópias dos indicados pareceres preliminares, das notas curriculares dos candidatos e dos trabalhos científicos e forenses por estes apresentados;
- Mais ali consta que o júri realizou várias reuniões com vista a uma tanto quanto possível harmonização dos critérios de apreciação dos factores a valorar nos termos de para os efeitos do nº 1 do art. 52º do EMJ, tendo sido concluído que a avaliação dos candidatos deve ser efectuada atendendo à globalidade do mérito de cada um dos concorrentes, relevando a qualidade dos trabalhos apresentados, evitando-se, na medida do possível, o alcance de uma avaliação que transmita somente o resultado aritmético da adição pontual de cada um dos indicados factores;
- Também ali consta que foi sobrelevado, na avaliação global, o factor ínsito na alínea f) do nº 1 do art. 52º do EMJ, pois que as longitudes pontuais permitidas pela mesma nos termos da al. f) do nº 6 do Aviso permitem, num juízo de avaliação global, possíveis injustiças que, na aferição relativa dos candidatos, eventualmente poderiam ocorrer se se adoptasse o acima referido resultado aritmético;
- Ainda consta da acta da deliberação impugnada que foram objecto de discussão e análise pormenorizadas os currículos dos concorrentes, os trabalhos apresentados e os relatórios preliminares;
- Na mesma acta da deliberação impugnada consta que se procedeu à defesa pública por cada concorrente dos respectivos currículos, sendo as respectivas avaliações tidas em conta na avaliação global a efectuar;
- Consta ainda da referida deliberação que no concerne ao currículo universitário e pós universitário, ficou estipulado que as notações finais obtidas na licenciatura corresponderiam a uma pontuação de 1, 2 e 3, consoante essa notação se situasse entre os 10 e 11 valores, 12 e 13 valores, 14 ou mais valores, sendo a pontuação de 4 e 5 avaliada de acordo com a formação académica pós universitária
- Na acta da deliberação impugnada consta, também, que pelo que respeita aos factores atinentes à apreciação dos trabalhos científicos que não englobem os trabalhos correspondentes ao exercício específico da função e a actividade exercida no âmbito forense, no ensino jurídico ou na formação de magistrados, serão eles aquilatados e pontuados de harmonia com o juízo global de valia das específicas actividades realizadas nesses âmbitos pelos concorrentes segundo um juízo de apreciação eminentemente técnica;
- No tocante ao factor da al. b), do nº 1 do art. 52º do EMJ, o Júri referido decidiu que não existindo elementos relevantes de ponderação, deve ser conferida uma pontuação inerente ao nível intermédio, de 3 pontos, sendo ainda que, de um lado, relativamente aos graduados nos segundos e terceiros lugares, a graduação atingiria 4 pontos e o primeiro 5 pontos;
- Na referida deliberação e em relação ao resultado da avaliação levada a cabo pelo júri referente ao recorrente consta que “ após a frequência do III curso de qualificação, veio a ser nomeado Juiz de Direito na comarca da ---”;
- Na lista de graduação do III Curso de qualificação ( CEJ ) dos Juízes de Direito em regime de estágio que o ora recorrente surge graduado no grupo dos aptos, em condições de exercer funções mas, por ora, apenas em comarcas de ingresso, em 30º lugar, num conjunto de 34;
- Não consta de processo de candidatura qualquer outro elemento relevante para o item da al. b) do nº 1 do art. 52º do EMJ.
Do teor das conclusões do recorrente se deduz que o mesmo, para conhecer neste processo, levanta as seguintes questões:
A) É anulável a deliberação impugnada no tocante à pontuação atribuída ao recorrente relativamente ao factor da al. b) do nº 1 do art. 52º do EMJ ?
B) E é, ainda, anulável no que respeita à pontuação conferida ao factor da al. f) do nº1 do mesmo art. 52º ?
Antes de analisar separadamente as questões acima elencadas como objecto deste litígio, há que fazer algumas considerações sobre o âmbito deste tipo de acções administrativas que nos permitirão fundamentar a decisão daquelas questões.
Tal como judiciosamente entendeu o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27-10-2009, no proc. 2472/08, “o STJ funciona limitativamente enquanto órgão de jurisdição do contencioso administrativo, no julgamento de deliberação do CSM.
A impugnação do acto administrativo tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto ( art. 50º do CPTA ), tornando-se imperioso apurar se existem vícios da deliberação em causa, que sejam decisivos para a anulação, declaração de nulidade ou inexistência ( art. 95º, nº 2 do CPTA ).
A invalidade do acto administrativo nada mais é do que o efeito negativo que afecta o acto administrativo, em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos a que tendia.
Ocorre vício de violação de lei sempre que se verifique uma discrepância entre o conteúdo ou objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis. E esse vício é, como os demais, cumulável com outros e mesmo várias vezes susceptível de ocorrer no acto impugnado.
(...) A avaliação do concurso curricular do mérito dos candidatos, partindo da apreciação de elementos objectivo-formais, exige um juízo sobre o valor relativo de cada uma das candidaturas que passa pelo confronto com um modelo referencial, que se mostre suficientemente idóneo para fundar a indispensável capacidade pessoal humana, técnico-jurídica para exercer funções no STJ.
Os factores de ponderação para acesso ao STJ envolvem conceitos amplos, abertos, mais ou menos indeterminados, que o CSM usa, consentindo embora, o processo de graduação, uma certa discricionariedade na apreciação do mérito de candidato, não o dispensando – enquanto órgão de Estado, na administração judiciária – no aspecto da gestão e disciplina dos juízes, de evidenciar o processo, o procedimento lógico-racional que permita ao destinatário, através da fundamentação do acto administrativo reconstituir o iter cogniscitivo e valorativo que permitiu àquele órgão decidir.”
E decidiu o acórdão deste STJ de 16-12-2010 citado pelo recorrido. “ a tutela jurisdicional efectiva dos administrados consagrada no nº 4 do art. 268º da Constituição, que prevê entre o mais “ a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma”, haverá que coadunar-se com o art. 3º do CPTA, segundo o qual , “no respeito pelo princípio da separação e independência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação”.
Por outro lado, tem-se visto neste preceito um alargamento da competência dos tribunais administrativos comparativamente com o regime antecedente, mas, por outro, os poderes de plena jurisdição agora facultados não escamoteiam as limitações inerentes à salvaguarda da referida área de discricionariedade da Administração. Ora, é neste campo, em princípio vedado o controle por parte do tribunal, que se devem situar os poderes do CSM, quando se pronuncia sobre a valoração duma actuação, que alegadamente contrariou o dever de zelo exigido a um magistrado.
(...)
Trata-se aqui de uma actividade que apenas está sujeita ao dever de o juiz verificar, se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica, certo que o tribunal não pode reapreciar o acto da Administração para o substituir por outro, sob pena de estar a exercer uma função administrativa e não jurisdicional.”
Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no que toca ao dever de fundamentação, vem entendendo em consonância, citando-se exemplificadamente, o acórdão de 5-05-2010, no proc. 01081/09, citado igualmente pelo recorrido, o seguinte:
- A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
- Sendo garantido pelo art. 20º , nº 1 da CRP o direito constitucional à tutela judicial efectiva, impõe-se particular exigência a nível de clareza e suficiência da fundamentação de actos em que é feita aplicação de critérios subjectivamente influenciados, pois esta ela é imprescindível para maximizar a possibilidade de controle judicial, que se deve implementar para a concretização adequada daquele direito constitucionalmente garantido.”
E ainda o acórdão do STA de 12-11-1997, no proc. 029505, apreciando um caso de concurso curricular de provimento, refere:
“ A avaliação curricular dos candidatos a um concurso é uma actividade do júri que se insere na sua margem de livre apreciação ou prorrogativa de avaliação, também, por vezes, apelidada pela doutrina e pela jurisprudência de “discricionaridade técnica” – inserida no âmbito da chamada “justiça administrativa” – no domínio da qual a Administração age e decide sobre a aptidão e as qualidades pessoais ( prognoses isoladas ), actividade esta, em princípio, insindicável pelo tribunal, salvo com referência a aspectos vinculados ou a erro manifesto ou crasso ou com a adopção de critérios ostensivamente desajustados.
As avaliações por meio da discussão dos “curricula”, dada a imponderabilidade dos factores considerados em que releva a apreensão de elementos de convicção colhidos, entram pois no domínio da chamada “soberania dos júris”, no âmbito da qual a sindicabilidade contenciosa é, em princípio, restrita, salvas as excepções acima apontadas”.
Será dentro destes parâmetros jurídicos que serão apreciadas as questões acima apontadas levantadas pelo recorrente, o que faremos a seguir.
A) Nesta primeira questão defende o recorrente a anulação da deliberação no tocante à pontuação que lhe foi aplicada quanto ao factor da al. b) do nº 1 do art. 52º do EMJ.
Como fundamentos aponta vício de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e ainda violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da justiça.
Finalmente, aponta como também enfermando o mesmo segmento da deliberação do vício de falta absoluta de fundamentação.
O recorrido admite ter havido lapso naquela parte da deliberação por não haver razões para não atribuir ao recorrente nesse item a valorização de 3 pontos, em consonância com os critérios apontados na mesma deliberação.
Apreciando, diremos que foi adoptado pelo Júri o critério – acolhido pela deliberação impugnada - no sentido de que na apreciação do factor em causa, não existindo elementos relevantes de ponderação, se devia conferir uma pontuação inerente ao nível médio de 3 pontos, sendo que relativamente ao graduado em primeiro lugar atribuiria a pontuação de 5 pontos e aos graduados em segundo e terceiro lugar a pontuação de 4 pontos.
E tendo em conta que da avaliação da candidatura do recorrente nada de relevante foi encontrado no tocante à apreciação deste item, deveria ter-lhe sido atribuída a pontuação de 3 pontos e foi-lhe atribuída apenas 2 pontos.
Mas a deliberação em causa aos demais candidatos nas mesmas situações – sem algo de relevante nesse aspecto e situados após os três primeiros graduados – atribuiu 3 pontos.
Daqui resulta que foi clara e indubitavelmente violado o princípio constitucional de igualdade, por a deliberação haver tratado de forma diferente situações iguais.
No entanto, o recorrido atribuiu esse acto a erro que pode ser rectificado e que vai ser efectuado, mas que sendo irrelevante para a graduação, deve ser desvalorizado como não fundamentador de anulação da deliberação.
A violação do apontado princípio constitucional é, em princípio, fundamento da anulação da deliberação, nos termos conjugados dos arts. 13º e 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP ), 6º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( CPTA ) e 135º e 136º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo ( CPA ).
Alega o recorrido que tal vício, se corrigido, não afectaria a graduação por o candidato que, nessa classe de candidatos, ficou imediatamente à frente do recorrente, ter uma diferença superior a um ponto, pelo que não deve fundamentar a anulação peticionada.
Não podemos concordar com o recorrido.
Por um lado, este refere que vai proceder à rectificação do erro, mas não comprova ter já efectuado a rectificação.
Por outro lado, havendo vários recursos pendentes neste STJ e secção, interpostos por candidatos ao mesmo concurso e na mesma classe, nomeadamente de candidatos que ficaram colocados em lugares posteriores ao do recorrente, continua a ter interesse potencialmente a anulação da deliberação aqui peticionada.
É que pode ser concedida procedência a algum desses recursos e com a consequente reparação do respectivo vício, haver interesse para a renovada graduação a efectuar, de tomar em conta a rectificação do lapso cometido na pontuação do aqui recorrente.
Procederá, assim, esta parte do recurso.
B) Resta apreciar a segunda questão que versa a anulação da deliberação na parte que pontuou o recorrente ao factor da al. f) do nº 1 do art. 52º do EMJ.
Segundo o recorrente, a mesma parte da deliberação enferma de violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e a imparcialidade no tratamento que lhe foi dado em comparação com a pontuação que foi atribuída a esse mesmo item aos candidatos da mesma classe que vieram a ser graduados em 9º, 10º e 11º lugares. Além disso, o recorrente ainda defende que essa parte da deliberação enferma de falta de fundamentação.
Pensamos que aqui o recorrente não tem razão, tal como judiciosamente opinou o ilustre Magistrado do Ministério Público no seu parecer de fls. 162 e segs.
O princípio da igualdade tem assento na Constituição da República que no seu art. 13º prescreve:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
E o art. 266º , nº 2 do mesmo diploma fundamental, prescreve que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
Além disso, também, o art. 5º do Código do Procedimento Administrativo ( CPA ) prevê a obrigação de a Administração Pública respeitar aquele princípio.
Este princípio proíbe, na sua faceta negativa, comportamentos discriminatórios e, em termos positivos, obriga a tratar igualmente situações idênticas.
Citando os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I da 4ª ed., a pág. 339 diremos que “o conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade tem vindo progressivamente a alargar-se, de acordo com a síntese dialéctica dos “momentos” liberais, democráticos e sociais. O seu âmbito de protecção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento, para situações manifestamente desiguais; b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias ( cfr. nº 2, onde se faz expressa menção de categorias subjectivas que historicamente fundamentaram discriminações); c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural ( cfr. , por ex., arts. 9º/d e f, 58º-2/b e 74º-1).”
Por seu lado, o principio da proporcionalidade na vertente reguladora da actividade da Administração Pública, está previsto no art. 266º, nº 2 da CRP e, ainda no art. 5º, nº 2 do CPA.
Segundo este, a actividade da Administração Pública no exercício dos seus poderes discricionários, deve prosseguir os seus fins legais justificadores da concessão destes poderes, mas também deve “prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adoptando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados”- cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, vol. II, pág. 801, da 4ª ed.
Por seu turno, o princípio da imparcialidade está previsto desde logo na Convenção Europeia dos Direitos do Homem reconhecendo ao cidadão o direito a um processo equitativo.
Além disso, a CRP no seu art. 266º, nº 2 também prevê este princípio legal que também consta do art. 6º do CPA.
Este princípio legal pode-se circunscrever a dois aspectos:
Segundo o primeiro, a Administração Pública no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionalmente os interesses particulares ( imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade ).
Pelo segundo aspecto, à actuação da Administração em face dos vários cidadãos, exige-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público - cfr. autores e obra citada, pág. 802.
Finalmente, o último princípio que o recorrente citou como violado foi o da justiça.
Este “aponta para necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados, como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana ( art. 1º ), o princípio da efectividade dos direitos fundamentais ( art. 2º), sem esquecer o princípio da igualdade e da proporcionalidade. A observância destes princípios materiais de justiça permitirá à Administração a obtenção de uma “solução justa” relativamente aos problemas concretos que lhe cabe decidir” – cfr. autores e obra citada, pág. 802.
Tal como refere o douto parecer do Ministério Público, o recorrente apoia-se em comparações casuísticas com as notações atribuídas aos três concorrentes oponentes ao concurso - e até a outros candidatos graduados mais favoravelmente do que o recorrente -, nas menções produzidas pelo Júri a esses oponentes e ainda a trabalhos ou aspectos curriculares dos mesmos, não olhando globalmente cada um dos candidatos.
O recorrente nos artigos 25º a 33º da sua petição inicial faz uma apreciação parcelar da avaliação de cada um daqueles outros candidatos e do recorrente para concluir pela violação daqueles princípios legais.
Assim, nos artigos 25º a 27º da petição inicial, o recorrente salienta que tem mais classificações de serviço de Muito Bom do que os outros candidatos em causa e foram obtidas na 1ª instância ao contrário daqueles que, tendo apenas uma ou duas daquelas classificações, algumas delas foram obtidas na Relação.
Ora além de a deliberação impugnada ter decidido que a graduação não levará em conta o número daquelas classificações, a pontuação aqui impugnada não tomou em conta apenas esse aspecto, mas fez uma apreciação global dos vários factores que relevam para o efeito, tal como decorre da mesma deliberação, pelo que a pontuação não poderá ser classificada de injusta, parcial, desproporcional ou violadora do princípio da igualdade apenas pela apreciação de um dos variados factores que influenciam essa pontuação.
É que no próprio teor do aviso que deu início ao concurso em discussão consta que a avaliação ao referido factor da alínea f) deve tomar em conta: i) o prestígio profissional; ii) a qualidade dos trabalhos; iii) o grau de empenho revelado pelo Magistrado na sua formação e na adaptação às modernas tecnologias; iv) eventuais sanções constantes do seu registo disciplinar.
Nos artigos 28º a 30º da mesma petição inicial, o recorrente aponta a circunstância de os seus trabalhos científicos terem sido objecto de publicação ao contrário do que aconteceu com o colega que foi graduado em 11º lugar, o que refere constituir uma mais valia para a notação à al. f) aqui em apreço.
Ora tal como já cima referimos este aspecto parcelar da apreciação dos factores que relevam, para a notação em causa, não permite dizer que a diferenciação ligeira entre os dois candidatos viole os apontados princípios legais, pois como já dissemos, essa notação diz respeito a uma globalidade da actividade ou do currículo de cada um dos candidatos, cuja apreciação parcelar não pode ser aqui sindicada como violadora daqueles princípios legais, que apenas numa apreciação global poder-se-ia sindicar essa atribuição, e apenas se se verificasse uma violação ostensiva desses princípios que extravasasse da discricionaridade própria da actividade da Administração e, em especial, num ramo como o aqui em causa de apreciação da actividade de um júri de concurso público para ingresso num lugar público, tudo tal como acima expusemos.
No artigo 31º o recorrente refere a circunstância de ter um número superior de acções de formação do que os três candidatos oponentes, o que considera como relevantes para a pretensão aqui em causa.
Damos por reproduzido o que acabamos de dizer sobre a apreciação global que deve ser feita na pontuação da al. f) referida, o que não permite com uma apreciação apenas parcelar considerar ter havido violação ostensiva de qualquer um dos princípios referidos.
No artigo 32º daquele articulado o recorrente aponta a circunstância de ter sido censurado ao candidato colocado em 11º lugar a repetição ou colagem de textos em alguns dos seus acórdãos, deficiência esta que não foi censurada ao recorrente, como outra razão para considerar que aquela pontuação enfermou dos vícios referidos.
Também repetimos aqui o que já referimos acima sobre a apreciação parcelar de factores para a pontuação em causa.
Finalmente, o recorrente apontou no art. 33º da petição inicial a classificação mais elevada da prestação da defesa pública do seu currículo que lhe foi conferida em relação à classificação da defesa dos seus oponentes, como fundamento da pretendida violação dos princípios referidos.
De igual modo, aqui se tem de dar por reproduzido o que já acima referimos sobre o facto de a apreciação parcelar não permitir detectar uma violação aos apontados princípios legais na notação à referida alínea.
Resta apreciar a pretensão de esta parte da deliberação enfermar de falta fundamentação.
O recorrente na sua petição inicial – único articulado que apresentou nos autos - não fundamentou de forma muito clara em que medida a parte da deliberação impugnada omitiu a falta de fundamentação – cfr. artigo 27º daquele articulado onde se limita a referir a conclusão “acresce, ainda, que também quanto a este factor da alin. f) a deliberação em causa é falha de fundamentação, desse modo incorrendo no mencionado vício de forma, o que é gerador da sua anulação ( arts. 23º, nº2 , da Portaria nº 83-A/2009, de 22.1., 268º, nº 2, da CRP e 124º, nº 1 e alin. A) , 125º, nº 1, 135º e 136º , do CPA”.
Já acima referimos as características que reveste este dever de fundamentação, nomeadamente na transcrição que fizemos do acórdão do STA de 12-11-1997 que tratou de um caso de avaliação curricular como o dos presentes autos.
Por outro lado, consta da deliberação impugnada os factores que influem a notação da alínea f) referida e a decisão no sentido de que a sua apreciação será efectuada de forma global. Além disso, consta na deliberação os elementos de facto atinentes a esses factores apontados ao recorrente – cfr. elementos constantes da certidão da deliberação descritos a fls. 94 a 95 e verso que se dão aqui por reproduzidos.
Desta forma, fica cumprida a obrigação de fundamentação exigida por lei, tal como acima a definimos.
E nem sequer o recorrente apontou em que medida falta ou é insuficiente a apontada fundamentação.
O que nos afigura é que o recorrente está em desacordo com a pontuação atribuída a esses factores, mas essa discordância não pode ser aqui sindicada, como vimos já, na ausência de violação ostensiva dos princípios legais que regem a actividade da Administração e que acima apontamos de forma suficiente.
Por isso, soçobra este fundamento do recurso.
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, por isso, e nos termos das disposições citadas, se anula a deliberação do CSM de 18-10-2011 impugnada, por haver violado o princípio da igualdade ao pontuar o recorrente à alínea b) do nº 1 do art. 52º do EMJ com 2 pontos.
Mais se julga improcedente em relação ao demais peticionado.
Nos termos do art. 446º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, as custas ficam a cargo do recorrente e do recorrido, em partes iguais.
Sendo o valor da presente acção o de € 30 000,01 atento o disposto no art. 34º, nº 2 do CPTA, a taxa de justiça é de seis unidades de conta – Tabela I - A, anexa ao R. das Custas Judiciais e art. 7º deste diploma.
19-09-2012.
João Camilo ( Relator )
Paulo Sá
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Oliveira Vasconcelos
Pires da Graça
Isabel Pais Martins
Fernandes da Silva
Henriques Gaspar