I - A deliberação do CSM é a decisão final relevante do processo disciplinar instaurado a funcionário, não a proferida pelo COJ.
II - Como está ultrapassado o prazo de 18 meses previsto no art. 6.º, n.º 6, do EDTFP, entre a data da deliberação do COJ que decidiu instaurar processo disciplinar ao recorrente e a data da notificação da decisão final do CSM, mostra-se prescrito o procedimento disciplinar que conduziu à aplicação da sanção impugnada.
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AA, secretário de justiça e ex-inspector do Conselho de Oficiais de Justiça, actualmente aposentado, foi sancionado com a pena disciplinar de repreensão escrita, em virtude de ter atrasos em vários processos disciplinares que lhe foram distribuídos, alguns dos quais foram declarados prescritos, considerando-se que com tal conduta violou o dever de zelo a que estava obrigado e a que se referem os artigos 9º, nº 1, alínea a), 10º, nº 1, 15º e 20º, todos da Lei 58/2008 de 9 de Setembro, aplicáveis por força do artigo 89º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ), conforme Acórdão do Conselho dos Oficiais de Justiça datado de 29 de Abril de 2011.
Inconformado, interpôs recurso hierárquico, ao abrigo do disposto no art. 118º do Estatuto dos Funcionários Judiciais, tendo o Plenário do Conselho Superior da Magistratura (doravante designado por C.S.M.), por Acórdão de 10.1.2012, deliberado negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Ainda irresignado, trouxe-nos o presente recurso contencioso, que motivou, e em que pede que seja anulada a decisão impugnada, invocando basicamente as seguintes razões:
Estar prescrito o procedimento disciplinar, nos termos do nº 6 do artigo 6º do Novo Estatuto Disciplinar.
Ter ocorrido a prescrição do direito de agir disciplinarmente, dado que os atrasos que lhe foram imputados eram conhecidos do COJ há mais de três meses, pois eram conhecidos desde Abril de 2005, pelo que e apenas lhe tendo sido instaurado o processo disciplinar em Novembro de 2009, há muito que se havia consumado aquele prazo.
Por outro lado, sustenta ainda que tal prazo de três meses para o exercício da acção disciplinar se mostra ultrapassado, pois tendo-lhe sido instaurado em 18 de Junho de 2008, um processo de inquérito, este era absolutamente desnecessário, razão por que, não se tendo suspendido aquele prazo com a instauração do inquérito, quando o processo disciplinar foi iniciado, o que aconteceu em 18 de Novembro de 2009, também já tinham decorrido mais de três meses contados do conhecimento dos factos de que foi acusado.
Cumpriu-se o disposto no art.174.º/1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ)[1], tendo o C.S.M. sustentado a improcedência do recurso.
Feita a notificação nos termos e para os efeitos do art. 176º daquele E.M.J., o recorrente veio alegar e pedir, em síntese, que seja declarada a prescrição do procedimento disciplinar, seja à luz dos nºs 2, 3 e 5 do artigo 4º e artigo 85º todos do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local /EDFAACRL), aprovado pelo artigo 1º do DL nº 24/84, de 16 de Janeiro, entretanto revogado pelo artigo 5º da Lei 58/2008 de 9 de Setembro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, seja à luz do nº 6 do artigo 6º deste último Estatuto, normas que são subsidiariamente aplicáveis por força do artigo 89º do EFJ.
O C.S.M. também ofereceu alegações onde sustenta que o recurso deve ser julgado improcedente.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto juntou proficiente Parecer em que propende no sentido da verificação da prescrição do procedimento disciplinar, tendo concluído que, entre a data em que foi instaurado o procedimento disciplinar e a data da notificação da decisão final, decorreram mais de 18 meses, o prazo previsto no n.º 6 do art. 6.º do EDTFP, prazo esse que decorreu em toda a sua extensão no domínio da lei nova.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Para tanto e ante as alegações/conclusões oferecidas, a questão primordial a resolver é a da prescrição do procedimento disciplinar por terem decorrido mais de 18 meses entre o início do processo disciplinar e a notificação da decisão final; caso esta improceda, suscita ainda o recorrente a questão da prescrição do direito de agir disciplinarmente em virtude da infracção ter sido conhecida do COJ há mis de três meses.
Para tanto, colhemos dos autos a seguinte factualidade que reputamos com interesse para a decisão do recurso:
2.1- O Recorrente era oficial de justiça e a partir de 2002 passou a exercer funções de inspector do COJ, em comissão de serviço, competindo-lhe tramitar processos de inquérito, averiguações, sindicâncias e processos disciplinares que lhe eram distribuídos.
2.2- Em 18 de Junho de 2008, foi-lhe instaurado um processo de inquérito relacionado com atrasos em processos disciplinares que lhe estavam distribuídos.
2.3- Esse mesmo processo foi convertido em processo disciplinar (n.° 240-D/08) em 18 de Novembro de 2009 por deliberação do COJ.
2.4- Foi elaborada acusação em 21-01-2010, a que o arguido respondeu em 26-02-2010 - documento nº 3.
2.5-A 16 de Maio de 2011, o Recorrente foi notificado do Acórdão do Conselho dos Oficiais de Justiça, datado de 29 de Abril de 2011, que lhe aplicou a pena disciplinar de repreensão escrita, em virtude de apresentar atrasos em vários processos disciplinares que lhe estavam distribuídos, alguns dos quais foram declarados prescritos, considerando-se que com tal conduta violou o dever de zelo a que se refere os artigos 9º, nº 1, alínea a), 10º, nº 1, 15º e 20º, todos da Lei 58/2008 de 9 de Setembro (NED), aplicáveis por força do artigo 89º do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ).
2.6- Inconformado, recorreu para o Conselho Superior da Magistratura, que por acórdão do Plenário de 10 de Janeiro de 2012, manteve a pena aplicada pelo COJ e de que foi notificado no dia 18 de Janeiro de 2012.
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E conhecendo:
Como deflui das conclusões da respectiva motivação, o recorrente suscita duas questões: a da prescrição do procedimento disciplinar e a da prescrição do direito de agir disciplinarmente.
Efectivamente, insurgindo-se contra o Acórdão do C.S.M. que manteve a deliberação do C.O.J., em que lhe foi aplicada a pena de repreensão escrita, o recorrente sustenta que o procedimento disciplinar se encontra prescrito, porquanto, quando a decisão lhe foi notificada, haviam transcorrido mais de 18 meses desde o início do procedimento disciplinar, que constitui o prazo a ter em conta para a conclusão do processo disciplinar, face ao preceituado no artigo 6º, nº 6 do novo Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro.
Ora e conforme resulta do artigo 7º deste último diploma legal, este estatuto entrou em vigor em 1.1.2009, sendo aplicável, além do mais, aos órgãos e serviços dos Tribunais e do Ministério Público, e neles, a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de constituição do respectivo vínculo.
Por outro lado, dispõe-se naquele artigo 6.º (n.ºs 1, 2 e 6, previsões aqui relevantes), relativamente à ‘Prescrição do procedimento disciplinar’, nos seguintes termos:
1. O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida.
2. Prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.
…
6. O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.
No caso concreto, em 18 de Junho de 2008 foi instaurado ao recorrente um processo de inquérito relacionado com atrasos em processos disciplinares que lhe estavam distribuídos, e que foi convertido em processo disciplinar em 18 de Novembro de 2009, por deliberação do COJ desta data.
Por isso e contando o início deste prazo de 18 meses desde 18 de Novembro de 2009, data em que o COJ determinou a conversão daquele inquérito prévio em processo disciplinar, temos de dar razão ao recorrente e considerar quando foi notificado da decisão final, já este prazo de 18 meses se havia esgotado, pois o acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, surgido na sequência de reclamação do recorrente, é de 10 de Janeiro de 2012, só lhe tendo sido notificado no dia 18 de Janeiro de 2012, ou seja, mais de dois anos depois.
Discorda o recorrido CSM deste entendimento, sustentando que este prazo, devendo ser contado a partir de 18/11/2009, pois foi nessa data que foi instaurado o procedimento disciplinar, o mesmo terminaria em 18/05/2011. Por isso, e tendo o Recorrente sido foi notificado em 16/5/2011, da decisão do COJ que culminou com a aplicação da pena disciplinar, o termo do prazo em apreço ainda não se tinha consumado.
Argumenta para tanto que o recurso hierárquico da deliberação do COJ para o Plenário do CSM já não constitui um passo processual do procedimento disciplinar situado antes da decisão final, tanto que tal passo pode nem existir, constituindo apenas parte integrante da fase impugnatória.
E nesta linha, sustenta, é a decisão do COJ que tem de ser considerada a decisão final, tendo sido nela que culminou o procedimento disciplinar, onde foram apreciados os pressupostos da responsabilidade disciplinar e aplicada a sanção impugnada, sustentando por isso, que a decisão do Plenário, em sede de recurso hierárquico, quando esta exista, constitui um momento posterior à decisão final, já situado na fase de impugnação desta última.
No entanto, esta pretensão improcede.
Efectivamente, o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, foi expressamente revogado pelo art. 5.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, que aprovou o (novo) Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, (doravante designado por ED), publicado em anexo ao mesmo diploma e dele fazendo parte integrante.
Regulando a sua aplicação no tempo, plasmou-se no art. 4.º da Lei:
1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Estatuto é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa.
2. O regime referido no número anterior abrange as disposições normativas relativas aos deveres funcionais, à sua violação e sancionamento, bem como ao respectivo procedimento, designadamente no que respeita à não previsão do anteriormente vigente instituto da infracção directamente constatada.
3. Os prazos de prescrição do procedimento disciplinar e das penas, bem como os de reabilitação e o período referido no n.º 4 do art. 6.º do Estatuto, contam-se a partir da data da entrada em vigor do Estatuto, mas não prejudicam a aplicação dos prazos anteriormente vigentes quando estes se revelem, em concreto, mais favoráveis ao trabalhador. (Sublinhado agora).
Ora, tendo este Novo Estatuto entrado em vigor em 1.1.2009, é aplicável aos processos disciplinares instaurados a partir da sua entrada em vigor, como é o caso presente, mesmo que digam respeito a factos praticados antes desta data.
Por isso, impõe-se determinar o que deve entender-se por decisão final, no âmbito da previsão constante do n.º 6 do referido artigo 6.º, elemento essencial à determinação do termo do prazo de 18 meses aí estabelecido.
Assim, estando assente que o procedimento disciplinar que conduziu à aplicação da sanção ao recorrente foi instaurado em 18/11/2009, data da deliberação do COJ que transformou em processo disciplinar o inquérito que tinha sido aberto sobre os atrasos que lhe foram imputados, torna-se efectivamente necessário determinar quando foi o arguido notificado da decisão final.
Como já vimos, a solução será diversa conquanto se considere como tal a decisão do C.O.J., datada 29/4/2011 e notificada ao recorrente em 16 de Maio de 2011, ou se tenha como decisão final a que integra a deliberação do C.S.M, que é datada de 10 de Janeiro de 2012, e que lhe foi notificada no dia 18 de Janeiro de 2012.
Ora, como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal (Secção de Contencioso) de 27/9/2011, e que passamos a citar,
“é entendimento jurisprudencial deste Supremo Tribunal e Secção, já reiterado em significativo número de decisões conformes, ao longo dos anos, vendo-se neste sentido o acórdão de 27/9/2011 e ainda os Acórdãos de 12.6.2003; de 25.9.2003; de 13.11.2003; de 18.12.2003; 15.6.2004; 1.7.2004; 14.12.2004; de 18.1.2005; de 10.1.2006; de 7.2.2007 e de 7.7.2009, inter alia, todos identificados no inventário constante dos ‘Sumários/Contencioso’, anos 1980-2010, Edição do S.T.J., em CD ROM), e em cujo sentido vai igualmente o proficiente Parecer do Exm.º Procurador-Geral Adjunto, o C.S.M. passou a ser – posteriormente às alterações introduzidas ao Estatuto dos Funcionários de Justiça pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril – o Órgão que detém a última competência, hierarquicamente superior e definitiva, relativamente ao exercício das matérias sobre a apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários, sendo a competência do COJ preliminar e não exclusiva.
A resposta, à vista, é uma decorrência directa da intervenção do legislador, que, através do Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12/4, contornou a declaração de inconstitucionalidade, proclamada pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, no Acórdão n.º 73/2002 (in D.R. I-A, n.º 64, de 16.3.2002), relativamente às aí identificadas normas do EFJ (Decreto-Lei n.º 343/99), que, em desconformidade com o art. 218.º/3 da C.R.P., conferiam ao COJ o exercício da acção disciplinar sobre os funcionários de justiça”.
…
Como se sumariou, em igual conformidade, no Acórdão desta Secção, de 7.7.2009, (consonante com o aí doutrinado), embora o COJ seja quem exerça, em primeira linha, ('ut' arts. 98.º, 111.º/1, a), e 118.º/2 do EFJ), os poderes disciplinares sobre os funcionários, a competência última nesta matéria está confiada ao C.S.M….
…
Conclui-se, pois, que, excluída a competência exclusiva do COJ, nos termos sobreditos, a decisão final na matéria é do Conselho Superior da Magistratura”.
Face ao exposto, não vemos razões para dissentir desta orientação, já largamente consolidada na jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Por isso, temos de dar razão ao recorrente.
Na verdade, a decisão final relevante para o efeito, não é a proferida pelo COJ, datada 29/4/2011 e notificada ao recorrente em 16 de Maio de 2011, mas antes a deliberação do C.S.M, que é datada de 10 de Janeiro de 2012, e que lhe foi notificada no dia 18 de Janeiro de 2012.
Por isso, tendo o processo disciplinar sido instaurado por deliberação do COJ de 18 de Novembro de 2009, desde esta data e até 18 de Janeiro de 2012, data da notificação da decisão final do processo disciplinar, decorreram mais de dois anos.
E assim sendo, mostrando-se ultrapassado o prazo de 18 meses previsto no artigo 6º, nº 6 do novo Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, temos de considerar prescrito o procedimento disciplinar que conduziu à aplicação da sanção impugnada.
E procedendo esta questão, fica consequentemente prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente.
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Termos em que e com os fundamentos expostos, se julga extinto, por prescrição, o procedimento disciplinar instaurado ao recorrente, AA.
Custas a cargo do Recorrido, conforme art. 446º, nº 1, do Código de Processo Civil, com taxa de justiça que se fixa em seis unidades de conta, nos termos do disposto na Tabela I- A, anexa ao Regulamento das Custas Judiciais e art. 7º, nº 1 deste mesmo diploma, sendo o valor da presente acção de € 30 000,01, atento o disposto no art. 34º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Lisboa, 19 de Setembro de 2012
Gonçalves Rocha (relator)
João Camilo
Pires da Graça
Garcia Calejo
Serra Baptista
Lopes do Rego
Manuel Braz
Henriques Gaspar