Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ACÇÃO DE DESPEJO
RECURSO COM EFEITO SUSPENSIVO
PRESTAÇÃO DA CAUÇÃO
PROCESSO PENDENTE
Sumário
I - O n°2 do art° 693° C.P.Civ. prevê as hipóteses (1ª) ou de a apelação ter efeito devolutivo e o apelado, podendo, optar por não suscitar, ou até por não querer, a acção executiva, ou (2ª) de a apelação ter efeito suspensivo - e portanto o apelado não poder executar a decisão da primeira instância - e o apelado não estar garantido por hipoteca judicial ou por caução, como acontece na situação do art° 692° n°4, tudo isso independentemente de o efeito suspensivo resultar ex lege, designadamente do disposto no artº 692° n°2 (suas diversas alíneas). II - Na exegese do disposto no art° 11° n°l DL. n° 303/2007 de 24 de Agosto, para as situações de apensação de processos ou incidentes processuais, o alcance do conceito do "processo pendente" ou "processo iniciado" conduz a que se indague, em cada situação de apensação, da relação de interligação e funcionalidade entre os dois processos (principal e apenso) ou de perfeita autonomia entre eles III - A exigência de caução a que alude o disposto no art° 693º n°2 C.P.Civ. tem a ver com uma condenação proferida e que não vai ser executada, daí que o montante a caucionar se deva reportar a essa mesma condenação, que não ao valor da acção.
Texto Integral
● Rec. 505-A/1999.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisões recorridas de 12/9/2011 e 21/11/2011. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. Proença Costa.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Os Factos
Recursos de agravo interpostos no processo incidental de prestação de caução nº505-A/1999, do 4º Juízo Cível de Stº Tirso. Autor/Requerente/Agravado/Apelado – B…. Réus/Requeridos/Agravantes/Apelantes – C… e mulher D….
O ora Agravado intentou acção de despejo contra os ora Agravantes, pedindo que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento da fracção locada e a condenação dos ora Agravantes no pagamento das rendas vencidas.
Foi proferida sentença que, declarando resolvido o contrato de arrendamento, ordenou o despejo imediato do locado bem assim como o pagamento das rendas vencidas e vincendas até entrega efectiva do locado.
Os ora Agravantes interpuseram recurso desta sentença, ao qual foi atribuído o efeito suspensivo.
Em face do efeito atribuído, o ora Agravado veio requerer que os ora Agravantes prestassem caução idónea, como garantia das obrigações impostas na condenação constante da sentença e ao abrigo do disposto no artº 693º nº2 C.P.Civ.
Os Agravantes opuseram-se à obrigação de prestação de caução, uma vez que o efeito do recurso, em acção de despejo, é o suspensivo - artº 692º nº2 al.b) C.P.Civ.
Na decisão proferida, e ora em primeiro lugar recorrida, foi decidido que o Apelado tem direito de exigir dos Apelantes a prestação de caução, ao abrigo do artº 393º C.P.Civ., na procedência do requerimento de prestação de caução formulado pelo Apelado.
Dessa decisão foi interposto o primeiro agravo.
Em matéria de valor da caução, foi proferido novo despacho no qual se decidiu que o valor da caução deveria corresponder à soma das rendas vencidas, desde a relativa ao mês de Junho de 1999 até ao mês de Novembro de 2011, de acordo com a condenação constante da sentença.
Denegou-se assim a pretensão dos Requeridos, no entender dos quais o valor da caução deveria corresponder ao valor atribuído à acção principal - € 10.800.
Deste segundo despacho interpôs-se o segundo agravo.
Conclusões do Primeiro Recurso de Agravo
1º - A caução é um meio pelo qual se assegura ou garante o cumprimento de uma obrigação, possibilitando a existência de uma garantia que facilmente se pode fazer valer.
2º - É possível recorrer para a Relação, independentemente da alçada, nas acções de despejo e naquelas em que se discute a existência ou subsistência de arrendamento – artº 678º nº3 al.a).
3º - A tal recurso é sempre atribuído efeito suspensivo, não se aplicando a exigência de caução.
4º - Prestar caução desvirtua o sentido da lei.
5º - O efeito suspensivo, atribuído por força da lei, como efeito extraprocessual suspensivo que é, impede a produção dos efeitos da decisão recorrida fora do processo em que foi proferida e a sua exequibilidade, mesmo provisória (artº 47º nº1 C.P.Civ.).
6º - Com o início da vigência do D.-L. nº38/03, a apelação passa a ter, como regra geral, efeito meramente devolutivo; daí a possibilidade de o vencedor obter, querendo, a execução provisória da sentença.
7º - Já não assim nas hipóteses contempladas nas diversas alíneas do nº3, em que ocorre a suspensão da execução da decisão.
8º - Se assim não for entendido, o pedido de prestação de caução só pode ser pedido na alegação – artº 693º nº2.
Conclusões do Segundo Recurso de Agravo
1ª – Recorrido e Recorrentes condicionaram a validade do contrato de arrendamento à obtenção da obrigatória licença de funções para o estabelecimento de restauração sediado no locado.
2ª - Enquanto não fosse obtida a sobredita licença, não entrava em vigor o pagamento da renda atribuída e que, in casu, fixaram Recorrido e Recorrentes, em 135.000$00/mês.
3ª - Tendo o próprio Tribunal reconhecido que não foi administrativamente concedida a sobredita licença, deveria o mesmo concluir pela não obrigação do pagamento das rendas, atenta a condição necessária e absoluta a que sujeitaram as partes quanto à obrigação de pagar as mesmas: tão somente e desde que a entidade administrativa concedesse a licença de utilização/funções para o estabelecimento sediado no locado.
4ª – Mesmo que assim não fosse entendido – como, de facto, o não foi - o valor a caucionar deve compreender a utilidade económica imediata do pedido.
5ª – A utilidade económica imediata do pedido foi fixada pelo Autor em 10.800,00 Euros.
6ª - Como refere Rodrigues Bastos, in Notas ao C.P.C., Vol II, 2ª Edição, pag. 111, o normativo previsto no artº. 309º “aplica-se ao caso da acção ter por objecto próprio o pagamento de prestações periódicas, distingue-se com clareza da hipótese figurada na segunda parte do nº. 2 do artº. 306º, em que o pedido de juros, rendas e rendimentos, figura como acessório de outro pedido principal”, ou seja, no valor da acção não deve tomar-se em conta as prestações vincendas, mas tão somente as vencidas.
7ª - Nada justifica, por isso, a prestação de caução, relativamente ao segmento condenatório acessório ilíquido, in casu, o pagamento das rendas vencidas.
8ª - Por via do exposto, entendem os Recorrentes que o douto despacho enferma de nulidade, pois condena em quantidade superior ao pedido, para além de violar os normativos invocados, como fossem os artº.s 305º, 306º, 307º, nº. 1 e 308º, nº. 1, todos do C.P.C.
Por contra-alegações, em ambos os recursos, o Agravado pugna pelo bem fundado das decisões recorridas.
Incidentalmente entende também que, por aos recursos se dever aplicar o regime de interposição e alegação decorrente da lei em vigor após 1/1/2008, o segundo recurso foi extemporaneamente apresentado, porque decorrido já o prazo de 15 dias a que alude o disposto no artº 685º-A C.P.Civ.
Factos Apurados
Encontram-se provados os factos supra resumidamente descritos e relativos à alegação das partes no presente apenso de prestação incidental de caução e no recurso, bem como à tramitação do processo, para além da substância das decisões judiciais impugnadas.
Fundamentos
O conhecimento dos presentes recursos conduz-nos à análise das seguintes questões:
- do primeiro recurso, saber se poderá o Autor/Apelado, em acção de despejo, exigir a prestação de caução, ao abrigo do disposto no artº 693º nº2 C.P.Civ., quando ao recurso tiver sido fixado efeito suspensivo, por força das alíneas do disposto no artº 692º nº2 C.P.Civ., na redacção do D.-L. nº38/2003 de 8 de Março;
- do segundo recurso, e na improcedência da questão colocada pelo recurso anterior, saber se o montante da caução deve abranger o cálculo de prestações vencidas e vincendas, após a propositura da acção, e devidas a título de renda;
- incidentalmente, conhecer da questão colocada pelo Agravado, relativamente a saber qual é o regime processual de recursos aplicável ao caso dos autos, para se concluir pela tempestividade, ou não, do momento da apresentação das alegações do segundo recurso.
Vejamos de seguida.
I
A primeira questão, suscitada que foi pelos Agravantes, merece resposta negativa.
Isto é: não é o facto de o efeito suspensivo resultar ex lege, designadamente do disposto no artº 692º nº2 (suas diversas alíneas), nas redacções posteriores à reforma de 2003 do Código de Processo Civil, que impede o Apelado de requerer a prestação de caução.
Isto mesmo dizia o Prof. M. Teixeira de Sousa, nos Estudos, pg. 520, reportando-se embora à redacção de 95, mas aludindo à garantia pela caução sempre que ao recurso estivesse deferido o efeito suspensivo, que à data do escrito era o regime regra.
A mesma doutrina sufraga Luís Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos, 2008, pg. 11 – “o nº2 prevê as hipóteses (1ª) ou de a apelação ter efeito devolutivo e o apelado, podendo, optar por não suscitar, ou até por não querer, a acção executiva, ou (2ª) de a apelação ter efeito suspensivo – e portanto o apelado não poder executar a decisão da primeira instância – e o apelado não estar garantido por hipoteca judicial ou por caução, como acontece na situação do artº 692º nº4”.
Também a jurisprudência se pronunciou neste sentido. O Ac.R.E. 28/1/88Col.I/265 refere que o prazo de três, cinco ou dez dias a que se referia a lei anterior à actualmente vigente, no que toca à redacção do artº 693º nº2, para requerer a prestação de caução pelo apelante, se justificava precisamente pelo facto de o requerimento de prestação de caução ser independente do efeito do recurso, suspensivo (a regra antes de 2003) ou devolutivo, já que a caução sempre poderia ter lugar, em ambos os casos e indiferentemente (louvando-se no Consº Eurico Lopes-Cardoso, C.P.C. Anotado, 3ª ed., 1967, pg. 427).
Note-se até que, no regime de recursos de 2003, no qual o efeito regra do recurso passou a ser o devolutivo, não faria sentido que a caução pudesse ser excluída nos recursos exceptuados por lei, de efeito suspensivo, já que naqueles em que o efeito suspensivo dependesse de apreciação judicial, o apelante deveria logo à cabeça oferecer-se para prestar caução – artº 692º nº3.
Daí se segue que a caução requerida pelo apelado que não pudesse obter a execução provisória da sentença apenas faria sentido nos casos em que o efeito suspensivo fosse determinado “ex lege”.
Também o Ac.S.T.J. 10/11/93Col.III/116: “O efeito suspensivo não consente que o recorrido possa obter a execução provisória da decisão objecto do recurso; permite-lhe então a lei – artº 693º nº2 CPC – que exija do recorrente a prestação de caução; quer dizer que a prestação de caução tem como contrapartida a não instauração da execução; e esta tem como pressuposto que o recorrente tenha sido condenado a satisfazer ao recorrido determinada prestação”.
Note-se, finalmente, que o pedido só passou a dever ser efectuado na alegação no regime de recursos de 2008 – artº 693º nº2, na redacção em vigor para os processos instaurados após 1/1/2008.
II
A questão prévia colocada pelo Agravado tem suscitado opiniões jurisprudenciais divergentes.
A procedência da mesma teria outras consequências processuais, desde logo a necessária qualificação dos recursos interpostos nos autos, já não como agravo, antes como apelação.
De todo o modo, a opinião que vimos defendendo é de manter.
O D.-L. nº 303/2007 – conferindo, com a citada redacção, um “regime monista de recursos cíveis”, voltado para a simplificação e celeridade processuais – entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 (cf. artº 12º nº1), ressalvou a sua aplicação aos processos pendentes àquela data (de 01/01/2008), tendo estabelecido, no seu artº 11º nº1, que as suas disposições se não aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
Colocando-se no processo a questão de saber o que abrange esta expressão “processo pendente”, entendemos que a questão, quanto aos incidentes processados por apenso, como é o caso da prestação de caução dos autos, se resolve (como referido nos Acs.T.R.P., todosinwww.dgsi.pt, de 14/1/2010, pº nº 1581/07.3TMPRT-A.P1, relator: Teixeira Ribeiro, de 29/9/09, pº nº 520-C/1998.P1, relator: Pinto dos Santos, e de 5/11/09, pº nº 165/04.2TBPRG-B.P1, relator: Madeira Pinto) indagando, em cada situação de apensação, da relação de interligação e funcionalidade entre os dois processos (principal e apenso) ou de perfeita autonomia entre eles; nos casos de interligação considera-se que é o regime de recursos do processo principal que se deve aplicar ao incidente ou apenso, pese embora este se haja iniciado em data posterior a 1/1/2008 (como é o caso dos autos).
Só na segunda situação (em que existe completa autonomia processual entre o processo principal e o apenso) se deve aplicar o novo regime processual dos recursos, introduzido pelo aludido D.-L. nº 303/2007, de 24 de Agosto, e não obstante o processo principal ter sido instaurado antes de 1 de Janeiro de 2008.
Como se escreve no Ac.R.G. 12/5/2011, inwww.dgsi.pt, pº nº 1642/03.8TBPTL-E.G1, relatora: Conceição Saavedra, “a solução (…) tem de passar, segundo entendem boa parte da doutrina e da jurisprudência, por uma relação de dependência entre o processo pendente em 1.1.2008 e o apenso correspondente, do carácter incidental do último com relação ao primeiro, da efectiva ligação entre eles para além de razões de ordem meramente formal ou pragmática. Se, com efeito, existir uma “unidade orgânica” entre ambos, deve aplicar-se a lei antiga. Se tal não suceder, ao apenso instaurado após 1.1.2008 deve aplicar-se o novo regime dos recursos”.
E acrescenta: “muitos processos correm por apenso a outros já findos apenas por motivos de ordem pragmática, como sucede, por exemplo, com a acção de honorários de um mandatário judicial (artº 76º nº1 C.P.Civ.). São, por outro lado, exemplo dessa “unidade orgânica” a oposição à execução e a reclamação de créditos por referência à acção executiva ou o procedimento cautelar incidental requerido (necessariamente por apenso, ao abrigo do artº 383 nº3 C.P.Civ.) no âmbito de processo já iniciado”.
E assim, encontrando-se a acção declarativa pendente em 2008, não tinha o Recorrente que apresentar alegações em prazo idêntico ao do requerimento de interposição do recurso.
III
Quanto ao montante pelo qual a caução deve ser prestada.
Entendem os Recorrentes que a utilidade económica da acção, tal como expressa no pedido, é que define o interesse a acautelar pela caução, não já o valor resultante da condenação do Recorrentes, de resto ilíquido.
Vejamos. Se é verdade que o montante resultante da condenação se revelava ilíquido, no sentido de não se encontrar determinado ou fixado o respectivo montante (cf. Ana Prata, Dicionário, 3ª ed., pgs. 620 e 693), não menos verdade é que tal montante era determinável, à data em que foi formulado o pedido de prestação de caução, tanto assim é que o Mmº Juiz “a quo”, na decisão recorrida, atingiu o referido montante através de mera operação aritmética.
Ora, pode ter-se por assente que a exigência de caução tem a ver com uma condenação proferida e que, podendo, em abstracto, ser executada, não o será, porque o apelado vencedor não pode ou não quer obter a execução provisória, o que se retira, quase “ipsis verbis” do disposto no artº 693º nº2 C.P.Civ.
O conteúdo da sentença e nomeadamente o seu conteúdo condenatório é que determinam, como condição essencial, a prestação de caução.
A própria alusão a “hipoteca judicial”, no artº 693º nº2 C.P.Civ., alude ao instituto regulado pelo artº 710º nº1 C.Civ., segundo o qual “a sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é título bastante para o registo da hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado, mesmo que não haja transitado em julgado”.
Assim, é manifesta a sem razão dos Recorrentes quando pugnam pela fixação de um montante a título de caução inferior ao que resultaria da necessária execução da sentença condenatória proferida em 1ª instância, impondo-se, também neste particular, a confirmação do douto despacho recorrido.
Resumindo a fundamentação: I – O nº2 do artº 693º C.P.Civ. prevê as hipóteses (1ª) ou de a apelação ter efeito devolutivo e o apelado, podendo, optar por não suscitar, ou até por não querer, a acção executiva, ou (2ª) de a apelação ter efeito suspensivo – e portanto o apelado não poder executar a decisão da primeira instância – e o apelado não estar garantido por hipoteca judicial ou por caução, como acontece na situação do artº 692º nº4, tudo isso independentemente de o efeito suspensivo resultar ex lege, designadamente do disposto no artº 692º nº2 (suas diversas alíneas). II – Na exegese do disposto no artº 11º nº1 D.-L. nº 303/2007 de 24 de Agosto, para as situações de apensação de processos ou incidentes processuais, o alcance do conceito do “processo pendente” ou “processo iniciado” conduz a que se indague, em cada situação de apensação, da relação de interligação e funcionalidade entre os dois processos (principal e apenso) ou de perfeita autonomia entre eles III – A exigência de caução a que alude o disposto no artº 693º nº2 C.P.Civ. tem a ver com uma condenação proferida e que não vai ser executada, daí que o montante a caucionar se deva reportar a essa mesma condenação, que não ao valor da acção.
Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, acorda-se neste Tribunal da Relação:
No não provimento dos agravos, confirmar os doutos despachos recorridos.
Custas pelos Agravantes.
Porto, 6/III/2012
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Maria das Dores Eiró de Araújo