I - A possibilidade contemplada no art. 434.º do CPP de o STJ declarar a existência dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, só existe nos casos em que o recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou seja, quando esses vícios não são invocados no recurso, pois, se o forem, o recurso não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. O STJ, visando o recurso para ele interposto exclusivamente para o reexame da matéria de direito, como por exemplo, a qualificação jurídica dos factos provados ou a determinação da pena, deparando-se com qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP que inviabilize a correcta decisão sobre essas questões de direito, não está impedido de fazer oficiosamente a sua verificação, e deve fazê-lo, tirando as devidas consequências, ou seja, decretando o reenvio do processo para novo julgamento, por lhe estar vedado decidir sobre matéria de facto.
II - Resultou provado que depois de o arguido M haver desferido facadas sobre o ofendido em dois momentos, antes e depois de este ir contra o automóvel 8 …, o recorrente aproximou-se empunhando uma faca. O M voltou a desferir facadas no ofendido. Este deixou cair o cofre e procurou fugir em direcção ao exterior. Então, M e o recorrente, que «aderiu aos intentos» daquele, perseguiram-no, golpeando-o por diversas vezes com a faca que cada um empunhava, «determinados a tirar-lhe a vida», até a vítima «cair e dar sinais de desmaio», após o que, convencidos de que «morreria», abandonaram o local.
III - Quis, assim, o recorrente matar G e nesse sentido, conjuntamente com outro, aderindo a projecto criminoso já em andamento, ou seja, em «co-autoria sucessiva», na designação de Figueiredo Dias (in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 791) praticou actos de execução do crime que «decidiu cometer» – homicídio –, mais precisamente, «actos idóneos a produzir o resultado típico», que só não ocorreu «por circunstâncias alheias à sua vontade».
IV - Nos termos do n.º 1 do art. 132.º do CP, o crime de homicídio é qualificado se «a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade», enumerando-se, exemplificativamente, no n.º 2 circunstâncias susceptíveis de revelar essa especial censurabilidade ou perversidade. Significa isto que a verificação de qualquer dessas circunstâncias constitui só um indício da especial censurabilidade ou perversidade, podendo negar-se este maior grau de culpa, apesar da presença de uma das referidas circunstâncias, e concluir-se pela especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, pela qualificação do homicídio, apesar de se negar a presença de qualquer dessas circunstâncias, se ocorrer outra valorativamente análoga.
V - O recorrente decidiu matar o ofendido e praticou actos de execução desse crime, actos idóneos a produzir a morte, desferindo-lhe facadas, em ordem a encobrir a prática de um crime de roubo. Essa circunstância é, à luz da al. g) do n.º 2 do art. 132.º do CP, indício do especial tipo de culpa do homicídio agravado, especial tipo de culpa esse que só não se terá como verificado se existirem circunstâncias que dêem do facto uma imagem global fortemente atenuada, retirando à conduta assumida a carga de desvalor suposta.
VI - No caso não se provaram quaisquer circunstâncias com esse valor atenuativo. Nem o recorrente as indica (limitando-se a referir que são «substancialmente» diferentes os graus de culpa dele e do co-arguido M, bem como a motivação para a prática do ilícito e a contribuição de cada um para o resultado). De facto, residindo o fundamento da agravação no especial desvalor da relação de meio/fim entre os crimes, o maior grau de culpa que aqui faz funcionar a agravação decorre do mais acentuado desvalor da conduta do recorrente, ou seja, de um elemento ligado ao facto e não ao agente, o que remete para a especial censurabilidade. Foi, assim, correcta a decisão recorrida ao considerar a tentativa de homicídio qualificada pela via da al. g) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
VII - O regime penal especial previsto no DL 401/82, de 23-09, como decorre do seu art. 1.º, n.ºs 1 e 2, «aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime», sendo «considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21», tendo como consequência a aplicação da atenuação especial da pena nos termos dos arts. 72.º e 73.º do CP. Tendo nascido em 09-12-1992, o recorrente tinha 17 anos à data da prática dos factos, sendo por isso considerado jovem para o efeito aqui em causa.
VIII - A atenuação especial da pena aqui prevista depende apenas da verificação de um pressuposto material: ter o juiz «sérias razões para crer» que dela resultarão «vantagens para a reinserção social do jovem condenado», não havendo, no âmbito desta norma, lugar para considerações de culpa ou de defesa da sociedade.
IX - A prática dos crimes aparece ligada a um período atípico na vida do recorrente, que coincidiu com menor acompanhamento familiar e a mudança de estabelecimento de ensino. Esse mau período parece ultrapassado, com o acompanhamento psicológico, que deu frutos, e o envolvimento da família, principalmente a mãe, trazendo-o de novo para o bom caminho, mostrando-se empenhado em levar no futuro a vida de acordo com o direito, obtendo competências e cultivando ambições profissionais. Nestas circunstâncias, é de concluir que existem sérias razões para crer que a atenuação especial é vantajosa para a reinserção social do recorrente, pois a aplicação por cada um dos crimes de uma pena dentro da moldura normal acarretaria, no final, a fixação de uma pena em medida que poderia comprometer essa reintegração. Deve, assim, ser atenuada especialmente a pena.
X - Em função da atenuação especial, a pena aplicável, nos termos do art. 73.º, n.º 1, als. a) e b), do CP, é de:
- 7 meses e 9 dias de prisão a 10 anos de prisão, para o crime de roubo; e
- 5 meses e 27 dias de prisão a 11 anos, 1 mês e 11 dias de prisão, para o crime de homicídio qualificado tentado.
XI - A determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, de acordo com o disposto no art. 71.º do CP, em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
XII - O recorrente planeou com os outros o roubo na pessoa do ofendido com alguma antecedência. Sabiam que ele transportava consigo valores quando, depois do fecho do estabelecimento de «pizzaria» que explorava, se dirigia à sua residência e conheciam o percurso que normalmente seguia, estacionando o automóvel na garagem subterrânea do prédio onde reside e passando depois para o hall de acesso ao elevador Esperaram-no escondidos, tendo consigo o recorrente uma faca, o co-arguido M outra faca e o co-arguido N uma barra de ferro, instrumentos com que pretendiam intimidar a vítima. Já o haviam esperado na madrugada anterior, com o intuito de o assaltarem, mas sem sucesso, em virtude de o não terem visto chegar. Esse planeamento, o tempo ao longo do qual perdurou a resolução criminosa e a espera frustrada no dia anterior são dados que revelam uma vontade muito determinada de levar a cabo o roubo, ou seja, um dolo muito intenso. O grau de ilicitude, no que respeita a este crime, dado pelo valor subtraído (€ 4000) e pela perigosidade das armas transportadas para intimidar o ofendido é considerável.
XIII - Quanto ao homicídio, o recorrente aderiu ao projecto criminoso de M, quando o facto já estava em execução. O ofendido sofrera já diversos golpes de faca vibrados por M, quando correu em direcção ao portão de acesso pelo exterior à garagem. Foi então que o recorrente, juntamente com M, o perseguiram, com vista a «evitar que a vítima pedisse ajuda, obstando assim que fizessem seu o cofre», e «viessem a ser descobertos», tendo-o ambos atingido com diverso golpes vibrados com a faca que cada um empunhava, «determinados a tirar-lhe a vida». O recorrente não tinha qualquer propósito homicida quando se dirigiu para o local onde esperavam o ofendido, só o tendo formulado no momento em que a vítima, fugindo dos golpes que já lhe estavam a ser vibrados por M, correu para o portão da garagem, procurando alcançar o exterior. E fê-lo com aquela motivação. Mas o ofendido já deixara o cofre para trás, com o dinheiro, sendo recolhido pelo co-arguido N. Mesmo que a vítima alcançasse o exterior da garagem e pedisse ajuda, antes que esta pudesse ser prestada, o recorrente, com os outros, tinha todas as possibilidades de fugir dali, levando os bens de que pretendia, com os outros, apropriar-se, sem ser descoberto, visto que, tendo o rosto coberto por um gorro, não podia ser reconhecido pelo ofendido. Nessa atitude surpreendem-se qualidades muito desvaliosas da personalidade, como o egoísmo e o enorme desprezo pela vida alheia, que se propôs suprimir sem qualquer motivo.
XIV - Por outro lado, o ofendido que, antes de o recorrente entrar na execução do facto, por adesão ao projecto criminoso de M, ainda estava em condições físicas que lhe permitiam correr em direcção ao exterior da garagem, após os golpes vibrados por ambos, em decisão conjunta, ficou caído «dando sinais de desmaio», apresentando lesões gravíssimas necessariamente causadas ou agravadas pela actuação conjunta do recorrente e de M.
XV - A culpa situa-se, assim, em patamar muito elevado em relação a ambos os crimes, a permitir que a pena ultrapasse o ponto intermédio da moldura penal aplicável.
XVI - As exigências de prevenção geral são elevadas no que respeita ao roubo e muito elevadas em relação ao homicídio qualificado tentado, em função do respectivo grau de ilicitude, constituindo o último um fortíssimo abalo para a paz social, cujo restabelecimento exige penas muito distanciadas do limite mínimo da moldura penal, mais ainda no caso da tentativa de homicídio.
XVII - Das necessidades de prevenção especial importa dizer que o recorrente, a quem não se conhece a prática de outros delitos, vem dando sinais de pretender no futuro conduzir a sua vida em conformidade com as normas, investindo na sua formação e tendo ambições profissionais. Essas indicações positivas no sentido da sua recuperação social tornaram-se mais consistentes em face do bom ambiente familiar de que beneficia. Nestes termos, a pena não deve ir muito além do limite mínimo exigido pelo restabelecimento da confiança colectiva na ordem jurídica.
XVIII - Ponderando estes dados, têm-se como necessárias, suficientes e permitidas a pena de 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo, e de 6 anos pelo crime de homicídio qualificado tentado.
XIX - A pena do concurso, nos termos do n.º 2 do art. 77.º do CP, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes, 9 anos e 6 meses de prisão, e como limite mínimo a mais elevada dessas penas, 6 anos de prisão.
XX - Na fixação dessa medida concreta devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art. 71.º do CP – exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial dado pelo n.º 1 do art. 77: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
XXI - A gravidade global dos factos, traduzida na medida das penas aplicadas por cada um dos crimes é considerável. Daí que a culpa pelo conjunto desses factos, ou o grau de censura a dirigir ao agente por esse conjunto, e as exigências de prevenção geral sejam também muito significativas, permitindo aquela que a pena se fixe na zona intermédia da moldura do concurso e impondo um mínimo de pena distanciado do limite mínimo.
XXII - Mas, por outro lado, nos crimes cometidos, embora se apresentem entre si numa relação de meio/fim, na medida em que um foi cometido para encobrir o outro, não se revela uma personalidade com propensão criminosa, devendo os factos ser vistos como ocasionais, fruto de um período crítico na vida do agente, já ultrapassado. Nestas circunstâncias, a pena, à qual o recorrente, como tudo indica, será sensível, não deve fixar-se muito acima do mínimo exigido pela prevenção geral, de modo a não comprometer a sua ressocialização.
XXIII - Ponderados estes dados, mostra-se adequada e suficiente a pena única de 7 anos de prisão [em substituição da pena única de 12 anos e 6 meses de prisão fixada pelo tribunal recorrido].
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
No 1º juízo criminal da comarca de Leiria, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi proferido acórdão que, além do mais que aqui não importa, condenou o arguido AA, nascido em 09/12/1992, a
-6 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo agravado p. e p. pelo artº 210º nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artº 204º, nºs 1, alínea f), e 2, alínea f), do CP;
-10 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos artºs 131º, 132º, nºs 1 e 2, alínea g), 22º, nºs 1 e 2, alínea b), 23º, nºs 1 e 2, 73º, nº 1, alíneas a) e b), do CP; e, em cúmulo jurídico,
-na pena única de 12 anos e 6 meses de prisão.
O arguido interpôs recurso para a Relação de Coimbra que, por acórdão de 09/05/2012, lhe negou provimento, se bem que tenha alterado em determinados pontos a decisão proferida sobre matéria de facto pelo tribunal de 1ª instância.
Ainda inconformado, o arguido interpôs, em 06/06/2012, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo assim a sua motivação:
«1. Reporta a presente motivação a recurso interposto perante esse Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que confirma na íntegra a sentença do Tribunal de Círculo de Leiria que condenou o Recorrente na pena de prisão de 12 anos e 6 meses.
2. Revela o acórdão recorrido desrespeito pelas regras e princípios fundamentais que informam a Lei Penal e Processual Penal e a própria Constituição da República, que conduziu à decisão injusta e, a nosso ver, insustentável da condenação do Arguido, à pesadíssima pena (doze anos e seis meses de prisão efectiva) que lhe foi imposta.
3. A decisão do Tribunal da Relação de Coimbra não se pronunciou, como deveria, sobre questões que lhe foram submetidas à apreciação, estando o mesmo ferido de nulidade por Omissão de Pronúncia (art. 379°/1, al. c) do Código de Processo Penal).
4. O acórdão recorrido não valorou a perícia à personalidade do recorrente (nem dos demais arguidos o que se imporia em termos de justiça relativa) que constitui meio de prova que teria de ser obrigatoriamente considerado (quando não fundamentada divergência) no item “Factos Provados”.
5. O Relatório Pericial constitui prova do maior relevo para a decisão, quer no quadro da ressocialização, quer no da avaliação dos elementos passíveis de induzir pela perigosidade do examinado, sempre sendo considerado elemento necessário e imprescindível à ponderação dos factos, à definição da culpa do recorrente e à medida da pena.
6. Ao Tribunal de Leiria competia – o que não fez! – quando se pronunciou sobre a medida da pena, tomar em consideração a personalidade do Recorrente, o seu índice de perigosidade (relatório psiquiátrico), os seus antecedentes criminais (cfr. facto 92), a sua integração social e familiar, as circunstâncias concernentes ao desvalor da acção, a ponderação autónoma da culpa do recorrente por confronto com os demais co-arguidos, como elementos coadjuvantes da aplicação do regime penal para jovens adultos.
7. A perícia sobre a personalidade dos arguidos, constitui meio de prova apreciado nos termos do art. 127° e 151° do CPP, e vem prevista no artigo 160° do mesmo diploma, sendo que aquela “pode relevar, nomeadamente para a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção”, considerando-se que a mesma é, não só relevante, mas de extrema importância para a boa decisão da causa.
8. A total omissão ou referência na sentença condenatória ao relatório pericial do Recorrente (ou a falta de suficiente fundamentação da divergência pelo Tribunal), que sequer foi considerado pelo Colectivo de Leiria, porquanto e infundadamente o OMITE, constitui NULIDADE daquela sentença, por omissão de pronúncia sobre uma questão (e o seu valor e relevo probatórios!) que deveria apreciar. Cabendo ao Tribunal da Relação de Coimbra reparar tal vício invocado em sede de recurso, (art. 414°, n° 4 do CPP), certo que o não fez, incorrendo, por consequência, também ele, em Omissão de Pronúncia.
9. A perícia à personalidade do arguido debruça-se sobre áreas não abrangidas pelos demais exames referidos nos factos provados, por ser diverso o seu objecto e a metodologia científica utilizada, produzindo conclusão quanto à “não perigosidade” do recorrente (contrariamente à proferida sobre ambos os co-arguidos) que foi não aflorada naquelas, que necessariamente teria de ser considerada no juízo de prognose que abarca a ressocialização do recorrente.
10. O Tribunal recorrido errou, ainda, no enquadramento que fez dos factos e das suas circunstâncias na intenção e no propósito dos arguidos envolvidos, nas respectivas motivações, na sua personalidade, pois não teve em consideração todo o historial que precedeu o assalto e a subsequente agressão, que liga, com irrefutável compromisso, BB ao conjunto de factos praticados e à arquitectura do plano que apresentou aos seus co-arguidos (cfr. factos).
11. A adesão volitiva em itinerário lógico e mental do Recorrente ao projecto de BB – tese defendida pelo Colectivo de Leiria e que a Relação de Coimbra acaba por erradamente confirmar – no espaço de segundos, a ter ocorrido (e não ocorreu !), não permitia sequer um espaço de reflexão sobre a fuga, sobre a ocultação do crime, sobre a apropriação do cofre já apropriado, e em consequência, não permitia concluir pela adesão ao projecto da fuga e às demais circunstâncias compagináveis com a agravante da alínea g) do n° 2 artigo 132° do Código Penal.
12. Mesmo considerando a matéria de facto assente, sempre seriam substancialmente diversos os graus de culpa de BB e de AA, as respectivas motivações para a prática do ilícito, o contributo da actuação de cada um para o resultado, pelo que estaria vedado ao Tribunal recorrido concluir que o Recorrente AA deu duas facadas à vítima para, por esse modo encobrir o crime de roubo, por(em)-se em fuga, evitar(em) ser descoberto(s) e lograr(em) escapar com o cofre subtraído, por esse juízo não ser compatível com os factos, com as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, nem com a personalidade do arguido AA tal como vem desenhada nos relatórios sociais e psicológico.
13. A circunstância qualificante da alínea g) do n° 2 artigo 132° do Código Penal, não poderia estender-se ao ora recorrente, pelo que, mesmo com o percurso fáctico a que o Tribunal da Relação de Coimbra aderiu, não seria justa a condenação deste por homicídio qualificado, mas tão só, por homicídio simples (art. 131° do CP), pois que se importaria proceder a uma ponderação autónoma da Culpa de cada um dos agentes nos termos do artigo 29° do Código Penal.
14. Recorrendo aos princípios da presunção da inocência do arguido e o “dubio pro reo” (art. 32° da Constituição da República Portuguesa) e aplicando-os in casu, concluímos que nada se provou no âmbito dos factos que denunciasse que AA teve a intenção de agredir CC com o propósito de encobrir o crime de roubo, pôr-se em fuga, evitar ser descoberto e lograr escapar com o cofre subtraído, pelo que sendo tal juízo matéria de dúvida séria que perpassa o plano objectivo dos factos, deveria o Tribunal da Relação socorrer-se de tais princípios para subtrair do crime em apreço tal qualificação.
15. Nenhum elemento probatório resulta dos autos que aponte que o Recorrente efectivamente aderiu ao propósito desenvolvido por BB de agredir CC, aceitando e querendo utilizar as aludidas facas, nem sequer deixando espaço ao julgador para imaginar o «jogo de probabilidades» (que não lhe seria admitido por tributo ao Princípio de Apreciação de Prova em Processo Penal).
16. Os depoimentos “indirectos” prestados pelos familiares da vítima encontram-se eivados de manifestas contradições e insustentáveis incorrecções, que não sustentam a tese da co-autoria de AA.
17. Defende a Relação de Coimbra, após análise das declarações prestadas pelo Recorrente, que das mesmas não resulta uma dúvida séria e só esta se imporia à íntima convicção, mas certo é que ao Arguido não está cometida a responsabilidade de contrapor duas versões razoáveis e diferentes mas antes demonstrar que, da prova produzida no presente processo, não era possível ao Colectivo de Leiria apreender de modo inequívoco, obter um juízo de certeza sobre a realidade dos factos, pelo que sempre teria aquele de lançar mão do princípio do in dubio pro reo.
18. Pela ausência de meios probatórios inequívocos, de testemunhas que nada viram e de perícias profundamente inconclusivas, sempre na decisão sobre os factos que respeitam ao arguido e na imputação respectiva, pelo forte grau de incerteza que em relação a eles existe, deverá esse Venerando Tribunal lançar mão da aplicação do princípio do in dubio pro reo, absolvendo, sem mais, o recorrente quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada.
19. A inobservância do princípio do in dubio pro reo fez o Tribunal Recorrido incorrer em Erro no Julgamento em Matéria de Direito por violação ao artigo 32° da Constituição da República, ainda do dispositivo do artigo 127° do Código Penal, devendo a decisão ser revogada, produzindo-se acórdão deste Venerando Tribunal que absolva o recorrente do crime de homicídio, o que se peticiona.
20. O art. 4° do Decreto-Lei 401/82, de 23.09 impõe um dever ao julgador de atenuar especialmente a pena sempre que este tenha razões sérias para crer que dessa atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, haja ou não diminuição da ilicitude ou da culpa, o que o Tribunal Recorrido não fez.
21. O arguido tinha – REITERE-SE! – 17 anos à data dos factos.
22. Tinha, há pouco, ultrapassado a fronteira da inimputabilidade em razão da idade.
23. A sua maturidade psíquica e espiritual, como de resto decorre dos vários exames, está ainda distante de se aproximar da do adulto consciente e autodeterminado (cfr. Relatórios social e perícia à personalidade).
24. É, para mais, um jovem influenciável e imaturo com um percurso recente marcado por alguma ligação a consumos de drogas e pela influência de companhias que marcaram nele alteração de comportamento: “mudanças de grupos e de hábitos sociais”.
25. Não existe notícia no seu percurso de vida que tivesse praticado qualquer acto penalmente censurável (cfr. facto 92), não tendo o tribunal, quanto ao passado, outros elementos de ponderação que não os que resultam dos vários relatórios expressos nos factos provados, ainda nos factos provados 78 a 86, 90 e 92. O factor “Perigosidade”, (contrariamente ao que dos relatórios ressalta quanto aos co-arguidos) não se lhe aplica.
26. No caso em apreço, estão reunidas e condições e preenchidos os pressupostos da aplicação do Regime Penal Especial para Jovens Adultos, cabendo a esse Venerando Tribunal prover pela sua aplicação.
27. A aplicação deste regime penal dos jovens não constitui uma faculdade, mas antes um poder dever vinculado que o juiz deve e tem de usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, deve aquele considerar no seu juízo de prognose positiva imposto tanto a actuação do jovem, como a sua situação pessoa! e social, o que implica conhecer da sua personalidade, das suas condições pessoais, da conduta anterior e posterior ao crime.
28. Dos elementos essenciais a ter em consideração pelo Tribunal recorrido no momento de fazer o seu juízo de prognose favorável por forma a concluir pela “interiorização do desvalor da conduta” do Recorrente, seria, incontornavelmente, a perícia à personalidade do Arguido que não foi valorada nem pelo Tribunal da 1ª Instância nem pela Relação de Coimbra.
29. A juventude (17 anos à pratica dos factos), imaturidade, não perigosidade, traços de personalidade, educação (educado e respeitador), consideração social, orientação comportamental pró-social, apoio familiar do círculo familiar alargado, vantagem de continuar tratamento psicológico como elemento de suporte de reestruturação de personalidade, o facto de estar socialmente integrado (facto provado 86), são elementos, quanto baste, reveladores (haja ou não diminuição da ilicitude ou da culpa!) para que conclua que houve uma interiorização do desvalor da conduta por parte do ora Recorrente e se “apure que essa atenuação favorece a ressocialização” do arguido.
30. Desse modo, ao não ter tido em consideração os supra referidos factores, determinantes da aplicação do Regime Penal Especial para Jovens Adultos previsto pelo Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, mal andou o Tribunal da Relação de Coimbra, violando, entre outras, as disposições do n° 4 do Decreto-Lei 401/82, do artigo 40°, 71°, 72° e 73° do Código Penal e as dos artigos 124°, n° 1, e 127° do Código de Processo Penal.
31. Deve, em consequência, nessa parte e, com atenção que infra se dirá, operar-se a atenuação especial das penas que vierem a ser determinadas ao recorrente em sede de recurso, nos termos do disposto nos artigos 72° e 73° do Código Penal (ex vi, art. 4° do supra citado diploma).
32. O Acórdão recorrido não apreciou os elementos essenciais à determinação da medida da pena com atenção pelo dispositivo legal (art. 71°, n° 1 e alíneas b), c), d), e f) do n° 2 do CP) e violou o princípio da justiça relativa (art. 29° do CP).
33. Considerados os elementos do artigo 71° do Código Penal, a atenuação especial que decorre da tentativa (arts. 22°, n° 1, al. b), 23°, n°s 1 e 2, e 73°, n° 1, als. a) e b), do CP), e as circunstâncias e exigências convocadas pelos artigos 50° do CP e art. 4° do Decreto-lei 401/82, de 23.09, que no caso se verificam, ainda ponderadas a gravidade do ilícito global, a avaliação unitária da personalidade do Recorrente AA (vg. perícia da personalidade e relatórios sociais), a ausência de perigosidade e de tendências para o crime, o comportamento pró-social, a integração social e familiar, a vantagem da reintegração, sempre deverá esse Venerando Tribunal fixar ao recorrente uma pena única inferior a cinco anos de prisão, suspendendo a sua execução em período igual ao da sua duração.
34. Mesmo a entender-se que deve prevalecer a qualificação jurídica dos factos efectuada pelo Tribunal recorrido, sempre será de considerar que a pena concretamente aplicada ao arguido é manifestamente desproporcionada e injusta, pois que se trata de um jovem sem antecedentes criminais (cfr facto 92) que à data dos factos tinha apenas 17 anos de idade e em qualquer caso lançar-se mão do Regime Especial.
35. Impor ao Recorrente a pesadíssima pena de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão, seria não só deitar por terra todas as perspectivas e aspirações pessoais, sociais e profissionais do Recorrente, que se encontra na fase de transição para a idade adulta, antes, produzir o efeito oposto ao da sua ressocialização com os riscos da estigmatização e da marginalização seriamente ligados às medidas institucionais (prisão).
36. A entender-se pela não aplicabilidade do regime especial para jovens delinquentes ao Recorrente (ao que se não concede) sempre a pena que lhe foi aplicada, atentas as razões supra expostas vertidas nos factos provados e no relatório psicológico (cfr. factos 79 a 86, 90 e 92,), é profundamente desproporcionada e injusta, tudo aconselhando a que a mesma se situe próxima dos mínimos das molduras aplicáveis, suspendendo-se a sua execução, o que subsidiariamente (e sem conceder) se pede.
37. Foram violados os Artigos 2°, 13°, 18°, n° 2, 32°, e 34°, n°s 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, atenta a interpretação dada a preceitos processuais, o que redunda em manifesta inconstitucionalidade.
38. O Tribunal Colectivo de Leiria ao condenar o arguido na pena de prisão de 12 e 6 meses, por entender que este teve a mesma comparticipação de BB na execução dos seus actos, tanto na vertente do roubo como do homicídio, tanto mais que – e no que ao crime de homicídio reporta – nenhum elemento probatório existiu que apontasse que o arguido efectivamente aderiu ao propósito desenvolvido por BB de agredir CC, aceitando e querendo utilizar as aludidas facas, extrapola o Princípio da Livre Apreciação da Prova, previsto no art. 127° do Código de Processo Penal, e os requisitos e limitações objectivas e subjectivas que o informaram.
39. É inconstitucional a interpretação do art. 127° do Código de Processo Penal no sentido de admitir uma Leitura da Prova que conduza à sedimentação de uma convicção Judiciária sobre a verificação de um conjunto de Factos, sustentada em contradições insanáveis e inconciliáveis, sustendo-se em meras presunções desprovidas de lógica e sem suporte da prova disponível no processo, sobretudo da que foi feita em julgamento, por violação dos arts. 1°, 2°, 12°, 25°, 26°/1, 32°, 202°/1 e 2 e art. 204° da Constituição da República Portuguesa, sendo, em consequência, inconstitucional a decisão do Tribunal Colectivo de Leiria e da Relação de Coimbra, que perfilharam tal entendimento.
40. O acórdão da Relação de Coimbra ofende o princípio da humanidade que deve caracterizar todo o direito penal de um estado de Direito material pois que, confirmando uma condenação de doze anos e meio de prisão, não oferece resposta às questões produzidas pelo arguido nem sustenta a infirmação das debilidades por este apontadas ao Acórdão que, inicialmente, o condenou, deixando-o resignado, não apenas ao encarceramento, mas a que não lhe seja sequer oferecida explicação sólida e segura sobre a validade e legalidade da decisão que atacou por expediente de Recurso.
41. São inconstitucionais os art. 374°/2 do Código de Processo Penal e o art. 660°/2 do Código de Processo Civil quando interpretados no sentido de admitirem a legalidade da decisão que, negando provimento ao Recurso, não aprecie cada uma das questões jurídicas que são apresentadas e que não demonstre de forma sólida, objectiva e suficiente o motivo por que a argumentação do recorrente não pode proceder e por que se revela inepta para sustentar a modificação da decisão, por violação dos arts. 1°, 2°, 12°, 25°, 26°/1, 32°, 202°/1 e 2 e 205°/1 todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que também se invoca face à interpretação de tais normativos pelo acórdão recorrido.
Em obediência ao estatuído no art. 412° do Código de Processo Penal, cumpre indicar
-As normas jurídicas violadas:
-Arts. 1°, 2°, 13°, n° 1, 18°, n° 2, 25°, n° 1, 26°, 29°, 32°, n°s 1 e 2, 202°, n°s 1 e 2, 204° e 205° da Constituição da República Portuguesa;
-Arts.4°, 61°, al. c), 126°, n° 3, 127°,187° a 190°, 343°, 355°, 357°, n° 2, 360°, 361°, 369°, 370°, 374°, n° 2 e 399° do Código de Processo Penal;
-Arts.1°, n°s 1 e 2, 29°, 40°, 70°, 71°, 72°, 73°, 132° do Código Penal;
-Art. 4° do Decreto-Lei n° 401/82 de 23 de Setembro;
-Arts.124°, n° 1, 127°, 160°, 163° e 340° e 374°/2, 379°, n° 1, al. c), do Código de Processo Penal, (Merece aqui também aplicação o disposto no art. 410°/2, do mesmo diploma);
-Art. 660°/2 do Código de Processo Civil, ex vi art. 4° do Código de Processo Penal (Merece aqui também aplicação o disposto no art. 379°/1, al c), do Código de Processo Penal).
-Os princípios Jurídicos violados:
Princípio da legalidade,
Princípio do Estado de Direito Democrático e Social,
Princípio da igualdade,
Princípio da necessidade da pena,
Princípio da proporcionalidade e adequação da medida da pena,
Princípio da dignidade da pessoa humana,
Princípio da livre apreciação da prova,
Princípio da presunção de inocência e
Princípio do in dubio pro reo.
O sentido em que o Tribunal Recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada:
Vide Conclusões 1. a final
No contexto enunciado, deve ser concedido provimento ao Recurso nos termos e com os fundamentos alegados, revogando-se a decisão proferida e, consequentemente, deve esse Supremo Tribunal de Justiça:
a) Considerar que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é nulo por Omissão de Pronúncia, nos termos e com os fundamentos ele gados;
Ou, quando assim se não entenda e sempre sem conceder, deve,
b) Ser aplicado ao recorrente o Regime Penal Especial para Jovens Adultos (Decreto-lei n°401/82, de 23.09),
c) Por via disso e em qualquer caso, reduzida substancialmente a pena de prisão em que foi condenado pelo crime de roubo, situando-a em limite não superior a dois anos de prisão;
d) O recorrente absolvido do crime de homicídio por que vem condenado, nos precisos termos e fundamentos alegados, ou quando assim se não entenda;
e) Por aplicação do mencionado regime especial, ser a pena pelo crime de homicídio, fixada próxima do limite mínimo da moldura penal, especialmente atenuada,
f) Fixando-se ao arguido uma pena global não superior a cinco anos, suspensa nos seus termos por igual período;
g) Quando se entenda pela não aplicação daquele regime especial (ao que se não concede), serem substancialmente reduzidas as penas a aplicar por tais ilícitos, situando-se perto dos limites mínimos das respectivas molduras penais;
Sempre e em qualquer caso, ainda que se não atenda ao supra disposto, deve,
h) O Tribunal entender por inconstitucionais os arts. 127° do Código de Processo Penal e os art. 660/2 do Código de Processo Civil ex vi art. 4° quando interpretados no sentido plasmado na Sentença em Primeira Instância e no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nos termos e com os fundamentos alegados, e
Por necessária deriva, absolvendo o arguido, sem mais».
Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Este foi admitido.
No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor procurador-geral-adjunto pronunciou-se no sentido da manutenção da decisão recorrida.
Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.
Não foi requerida a realização de audiência.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O tribunal de 1ª instância teve como provados os seguintes factos (transcrição):
1. No dia 11 de Junho de 2010, cerca da 1h45m, CC, transportando-se na sua viatura, regressou a casa sita na Rua Dr. ....
2. Tendo aparcado aquela na zona de garagens subterrâneas do mencionado lote.
3. Na parte do fundo das escadas que davam acesso do interior do prédio para a zona das referidas garagens, encontravam-se à sua espera, há algum tempo, os arguidos.
4. Aproveitando para fumarem diversos cigarros.
5. E recapitularem o plano por todos traçado e acordado, cerca de três semanas antes, no sentido de atacarem o CC, tirando-lhe todos os bens de valor que trouxesse consigo, nomeadamente, o dinheiro proveniente do exercício da sua actividade profissional.
6. E que sabiam que ele costumava transportar.
7. Depois do fecho do seu estabelecimento conhecido por «Pizzaria ...».
8. Logo que se aperceberam da chegada do carro dele a entrar na zona das garagens, o arguido BB abandonou o local onde se encontravam e dirigiu-se para o hall de acesso ao elevador ali existente, aí aguardando por aquele.
9. Permanecendo os arguidos AA e DD escondidos.
10. Quando ouviram o carro de CC os arguidos BB e AA taparam os rostos com gorros conhecidos por “passa-montanhas”.
11. O arguido BB avançou então na direcção do CC munido de uma faca, surpreendendo-o e acto continuo pediu-lhe o cofre.
12. Apercebendo-se das intenções do arguido BB, o CC recuou.
13. Dizendo-lhe que não era necessária violência e que lhe dava o que tinha em seu poder, no que foi escutado pelo arguido BB.
14. O arguido BB mostrou-se porém indiferente e golpeou-o, então, na zona da barriga, com a faca de que, previamente e para o efeito, se havia munido.
15. O CC, gemendo, procurou fugir para o interior da zona comum de acesso às Garagens.
16. E foi contra o veículo de matrícula ...-TJ, que aí se encontrava estacionado.
17. Quebrando o seu espelho retrovisor esquerdo e amolgando a sua porta traseira esquerda.
18. Para além de lhe provocar riscos.
19. Tendo aí o arguido BB desferido mais algumas facadas na zona do ombro direito de CC.
20. Nessa altura a vitima soltou um grito, surgindo então o arguido AA com uma faca na mão direita de que previamente se havia munido.
21. O arguido BB procurou de novo atingi-lo e desferiu-lhe várias facadas.
22. Altura em que o CC deixou cair, juntamente com as respectivas chaves, o cofre que agarrava com a outra mão.
23. Cofre onde eram guardados:
a) – cerca de 4000 euros e
b) – o cheque com o nº ... sobre o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, no valor de 683,55 €, tudo proveniente da actividade do referido estabelecimento.
24. Após o que CC fugiu em direcção ao portão exterior de acesso à garagem, para alcançar a rampa de acesso ao exterior daquela.
25. Os arguidos BB e AA perseguiram-no então em ordem a lograrem evitar qualquer reacção do CC e a que o mesmo obstasse aos seus intentos.
26. E atingiram-no por diversas vezes, com as facas que usavam, determinados a tirar-lhe a vida.
27. O que fizeram até CC vir a cair e a dar sinais de desmaio, já na referida rampa de acesso, após ter conseguido abrir e transposto o portão exterior.
28. Convenceram-se por isso que ele morreria.
29. Razão pela qual abandonaram o local.
30. Numa altura em que os arguidos BB e AA e CC já não se encontravam junto ao referido veiculo, surgiu o arguido DD, que entrara entretanto na garagem, levando consigo o cofre e os aludidos valores.
31. Os arguidos já haviam procurado surpreender CC e poderar-se do cofre na madrugada do dia 9 de Junho de 2010.
32. Só não tendo executado o plano de o assaltar por o CC não ter aparecido.
33. Chegaram, na altura, a estar igualmente à sua espera no fundo das escadas de acesso interior do prédio às garagens.
34. Os arguidos haviam concertado entre si um plano no sentido de se apoderarem de todos os bens que CC trouxesse consigo com vista à sua posterior repartição entre os mesmos, utilizando as facas e a barra de ferro descritos com vista a intimidar CC.
35. Os arguidos agiram sempre consciente, livre e deliberadamente,
36. Em actuação conjunta e concertada.
37. E com perfeito conhecimento de que as suas condutas não eram permitidas.
38. Bem como com a intenção de integrarem os referidos bens dele (cofre, dinheiro e cheque) nas respectivas esferas patrimoniais.
39. Não obstante saberem que eles não lhes pertenciam.
40. E que procediam contra a vontade do seu dono.
41. O arguido BB ao actuar da forma supra descrita agiu ainda com intenção de retirar a vida a CC, sabendo que os ferimentos que lhe infligia eram susceptíveis de causar a morte.
42. O arguido AA ao agir da forma supra descrita aderiu aos intentos perseguidos pelo arguido BB, procurando e sabendo de igual forma que os golpes por si desferidos eram susceptíveis de causar a morte a CC.
43. Os arguidos BB e AA ao actuarem da forma descrita quiseram evitar que a vitima pedisse ajuda, obstando assim a que fizessem seu o cofre e que os mesmos viessem a ser descobertos.
44. Os arguidos BB e AA sabiam que, com cada golpe desferido com as referidas facas provocavam sofrimento no CC e que poderiam tirar-lhe a vida, não tendo aquele vindo a morrer apenas por circunstâncias alheias à sua vontade.
45. Os arguidos BB e AA agiram de forma livre, voluntária e consciente, querendo desferir os golpes com as facas, nos termos supra descritos, actuando de forma conjunta e concertada.
46. Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
47. Em consequência das condutas dos arguidos BB e CC sofreu as lesões descritas no relatório de exame junto a fls.1158 a 1161 –aqui dado por reproduzido para todos os efeitos –, nomeadamente:
- a nível do crânio: cicatriz linear na região média parietal com 20 mm; cicatriz linear na região occipital à direita de 30 mm;
- a nível da face: cicatriz linear no supracilio esquerdo de 22 mm; vestígio cicatricial na região média frontal de 12 mm; cicatriz semicircular na hemiface esquerda de 15 mm após rectificada, aderente aos planos mais profundos;
- pescoço: cicatriz deprimida e aderente aos planos mais profundos de traqueostoma; cicatriz linear na face anterior, ligeiramente oblíqua para a direita e para baixo de 30 mm, entrecortada por outras duas cicatrizes lineares de cerca de 15 mm cada, distando entre si de um centímetro, todo este complexo cicatricial encontra-se à direita do traqueostoma cicatrizado. Na região posterior junto à base encontra-se cicatriz linear transversal, ligeiramente oblíqua para baixo de 30 mm;
- tórax: cicatriz linear no ombro esquerdo de 20 mm; cicatriz linear vertical na região lateral esquerda de 20 mm, distando cinco centímetros da linha médio clavicular e a nove centímetros do mamilo esquerdo; cicatriz linear transversal de 25 mm a quatro centímetros deste mamilo; cicatriz incisional no hemitorax direito de 25x5mm a quatro centímetros do mamilo direito (esta possível local do dreno) e outra à esquerda de idênticas características por eventual incisão de drenagem; cicatriz linear no terço inferior do emitiras, ligeiramente oblíqua para baixo e para dentro de 12 mm. Cicatriz na omoplata esquerda de 13 mm; no terço médio da região dorsal à esquerda, encontram-se duas cicatrizes semi-paralelas com 12 mm cada e distando entre si de um centímetro, a cerca de quatro centímetros abaixo destas encontra-se outra cicatriz linear de 12 mm;
- abdómen: cicatriz linear no flanco esquerdo a cinco centímetros do umbigo de 15 mm;
- membro superior direito: cicatriz transversal irregular, no terço médio da face posterior do braço de 20 mm;
- membro superior esquerdo: cicatriz no terço superior da face posterior do braço, ligeiramente oblíqua para baixo de 12mm; cicatriz no 1º espaço interdigital de 40 mm.
48. Lesões estas que:
- terão resultado de traumatismo de natureza cortante;
- determinarão, também directa e necessariamente, pelo menos, 181 dias para a consolidação com afectação quer da capacidade de trabalho geral (181 dias), quer da capacidade profissional (181 dias), bem como consequências permanentes, neste momento, indetermináveis para o resto da sua vida.
49. Posto que não venha a morrer, como poderá ainda vir em consequência das lesões supra descritas.
50. As facas de cozinha utilizadas pelos arguidos BB e AA haviam sido tiradas, cerca de duas semanas antes, do interior da residência de EE.
51. E têm as seguintes características:
- uma, o comprimento total de 32 cm; sendo o da lâmina com gume de 19 cm e largura máxima desta, na mesma zona (gume) de 2,5 cm;
- outra, com comprimento total de 22 cm, mas o da lâmina com 11,5 cm e, na zona do gume, 11 cm e a largura máxima, na mesma zona, de 2 cm.
52. Conheciam, perfeitamente, essas características.
53. Bem como a sua potencialidade para matarem.
54. Poucas horas depois, cerca das 14h25m, o arguido AA foi socorrido no Hospital de Santo André, apresentando:
- “feridas inciso-contusão no punho esquerdo feitas ontem à noite, uma das feridas foi explorada e mostra seção de um tendão extensor”.
55. Junto ao referido veículo veio a ser encontrada uma grande quantidade de sangue.
56. O qual, em salpicos, se encontrava também em diversas partes da sua chapa.
57. No hall de acesso que permite a entrada nas garagens e às escadas do prédio, foi encontrado, por sua vez, um gorro de cor preta, com as letras NY em cor branca.
58. Foram ainda encontrados sete restos de cigarros (vulgo “beatas”), contendo identidade de poliformismos dos vestígios biológicos aí detectados com os recolhidos aos arguidos.
59. Não obstante os ferimentos acima referidos, o CC conseguiu levantar-se, sair para o exterior e dirigir-se a um café para pedir socorro.
60. Havia despedido, sem qualquer compensação, o arguido BB, por suspeitar que este lhe tirava dinheiro.
61. Esse arguido disse, na altura, ao seu filho, que o assaltaria e tirar-lhe-ia todo o dinheiro que transportasse consigo.
62. Mais tarde, e através do seu telemóvel com o nº ..., enviou para o telemóvel dele, as seguintes mensagens:
a) no dia 31 de Maio de 2010:
- “Isto aqui não anda nada bem, eu preciso de falar consigo e tem k ser hoje”;
b) no dia 9 de Junho de 2010:
- “A brinkadeira vai ter fim”. “Quando é que o nosso caso esta resolvido, eu preciso do meu ordenado pa ir para o Algarve já perdi 1 semana d trabalho”; e
c) dois dias depois:
- “A minha paciência tem limites eu vou meter-te em tribunal se não me pagar até domingo. Desculpa mas tem que ser”.
63. Enquanto seu trabalhador (do CC) e por ser amigo do filho do mesmo, chegou a pernoitar na residência dele, no 6º andar «A» do aludido lote
64. O dinheiro acima indicado foi dividido entre os arguidos em partes iguais.
65. Tendo os arguidos DD e BB gasto, em conjunto, cerca de 600 euros de uma vez e 450 euros de outra, na aquisição de estupefacientes,
66. Para virem a rentabilizar essa importância, ganhando dinheiro.
67. No dia 22.6.10, cerca das 14h00m, no quarto utilizado pelo primeiro, na habitação sita na Rua ..., em cima de uma cómoda e entre outros objectos, foi encontrada uma pequena garrafa de “Martini Rosso”, com capacidade para 6 cl, contendo um líquido transparente que sujeito a análise laboratorial acusou ser amoníaco.
68. No mesmo dia, pelas 19h10m, no interior da residência, por sua vez, do segundo (o arguido BB), na Rua ..., mais precisamente, na casa de banho ao lado do seu quarto, foi apreendido um par de sapatilhas de marca Nike, de cor preta e com o símbolo em dourado, com o tamanho 44,5, com vestígios hemáticos, com identidade de polimorfismos com a vítima e o arguido BB.
69. Em poder do mesmo arguido encontrava-se ainda um telemóvel de marca Samsung, com o IMEI ..., com um cartão da operadora VODAFONE inserido relativo ao nº ..., sem pin de acesso.
70. Da parte que lhe coube, o arguido AA depositou 300 euros numa conta por si titulada, com o nº ... do Banco B.P.I.
71. Tendo gasto o restante em diversos produtos.
72. Na sua residência, na Urbanização ..., foi encontrado, nomeadamente:
a) no interior do sótão afecto à residência (na perspectiva da esquerda para a direita):
- em cima de um pequeno móvel constituído por duas prateleiras:
- um gorro de cor preta, em malha, com inscrição “MAKITA”, tendo como característica principal dois orifícios redondos, compatíveis ao nível dos olhos, constituindo assim uma espécie de passa-montanhas, vulgarmente utilizado para ocultar a identidade, o qual apresentou identidade de polimorfismos com o arguido AA;
b) na parte do fundo do sótão:
- uma mochila de cor preta e cinzenta, com inscrição “DDPP”, de três compartimentos, contendo no seu interior: um gorro de malha de cor verde, considerado um passamontanhas, dado que possuiu três orifícios arredondados, localizados e compatíveis com os dois olhos e nariz;
- uma réplica de uma pistola semi-automática, com inscrições “Tactical Smith & Wesson” e “GYMA P.525”, com um carregador inserido, sem qualquer tipo de projéctil (de qualquer espécie);
- uma faca com cabo em material plástico de cor preto, com três rebites, com 20 cm de lâmina, a qual estava impregnada e bastante suja com vestígios de natureza hemática, os quais demonstraram identidade de polimorfismos com CC. Tinha ainda o cabo danificado e a lâmina curvada;
- uma faca, com cabo em material plástico de cor castanho escuro, com dois rebites, com 11 cm de lâmina, a qual demonstrou identidade de polimorfismos dos vestígios hemáticos com a vítima;
- um porta-chaves em pele com inscrição “LENA”, contendo uma argola com seis chaves próprias para abrir/fechar cofres, cacifos ou cadeados e ainda uma etiqueta vermelha em plástico, contendo um papel com a inscrição “chave mestra”;
- umas calças brancas, da marca “Álvaro” de tamanho 40, com botões ao nível da braguilha, com fechos eclair nos bolsos das pernas, as quais se encontravam bastante sujas ao nível da parte da frente das perneiras, com material hemático, havendo identidade de polimorfismos dos vestígios hemáticos com a vítima e o arguido BB;
- uma t-shirt de cor verde, da marca “TIFFOSI DENIM”, de tamanho “L”;
- 1 frasco de álcool etílico a 96% devidamente lacrado;
- uma escova de dentes, com cabo alaranjado, com inscrição “ORALEX Soft”, possuindo a parte da escova embrulhada num pedaço de papel higiénico;
- uma caixa forte metálica preta contendo no seu interior:
a) diversos papeis referentes a movimentos e outros dados bancários, em nome de CC;
b) diversos papeis referentes a contratos laborais;
c) recibos de caixa registadora com datas manuscritas;
d) um saco contendo diversas canetas e lápis de diversas formas e modelos; e) - diversos folhetos publicitários da “MEO”;
f) outros papeis e manuscritos.
- Ainda no interior da mochila encontravam-se dois ferros, ambos de cor branco, com diâmetro de 1,5 cm, tendo um deles 53 cm e outro 44 cm de comprimento. O mais comprido encontrava-se danificado, (ligeiramente arqueado).
73. O arguido DD não está legalmente habilitado para conduzir veículos automóveis.
74. No prédio onde os factos ocorreram veio a ser encontrada uma barra de ferro de cor branca de que o arguido DD se havia munido.
75. CC foi transferido do Hospital de Santo André para o Centro Hospitalar de S. Francisco no dia 15.09.2010. À entrada na Centro Hospitalar de S. Francisco apresentava-se consciente e não colaborante, reactivo a estímulos dolorosos, apirético e eupneico mas com acumulação de secreções respiratórias. Ao exame neurológico verificou-se a presença de uma tetraparésia, afasia e disfasia com necessidade de sonda para alimentação. CC à data apresentava ainda marcada atrofia global, cortiço-subcortical, envolvendo os hemisférios cerebrais, cerebelosos e o tronco cerebral, estando associados a dilatação hidrocefálica supra-tentorial, compatíveis com esquémia por hipoperfusão cerebral. Em 27.04.2011 o internamento decorria sem intercorrências tendo o doente melhorado da traqueobronquite mas mantido o estado cognitivo. Apesar do programa de reabilitação não se verificou melhoria significativa dos défices musculares, tendo iniciado apenas levante para a cadeira que tolerou. Foi feita tentativa de alimentação por via oral, mas mostrou-se insuficiente para manter o estado nutricional do doente. Tendo o elevado risco de aspiração manteve-se a alimentação por sonda, apresentando igualmente sonda vesical. Em 27.04.2011 CC mantinha-se totalmente dependente nas suas actividades da vida diária.
76. Na sequência dos factos ocorridos no dia 11 de Junho de 2010 recebeu tratamento hospitalar CC.
77. O tratamento efectuado a CC importa em 30.901,33 €.
78. O arguido AA sofreu ferimentos profundos no braço esquerdo, pelos quais recebeu tratamento hospitalar.
79. O arguido tinha à data da prática dos factos 17 anos de idade.
80. Vive com a sua mãe em casa e a expensas desta.
81. E estuda na Escola Profissional de Leiria, no 1º ano de Gestão de Equipamento informático.
82. É educado e respeitador.
83. Tem tido respeito, atenção, consideração e carinho de todos que com ele privam.
84. Sentimentos que lhe vêm sendo demonstrados mesmo após ter sido divulgada a noticia do seu envolvimento nos factos a que os autos reportam.
85. O arguido tem um círculo familiar alargado que o envolveu e acompanha com muita proximidade desde os factos a que se faz referência.
86. E está socialmente integrado.
87. No relatório social do arguido BB consta escrito para além do mais o seguinte: (…).
90. No relatório social do arguido AA consta escrito para além do mais o seguinte:
AA Gonçalves cresceu no seio de uma família monoparental, sendo o agregado constituído pelo próprio e progenitora.
A ausência da figura paterna foi colmatada através do apoio prestado pelos tios e, em particular, pelos avós maternos que assumiram um papel de relevo no seu processo de desenvolvimento.
No percurso escolar, foi caracterizado como um aluno regular, sem retenções e com adequadas classificações, concluindo o 10º ano de escolaridade. Nos tempos livres, frequentava como actividades sócio-recreativas estruturadas; o Orfeão, onde tocava guitarra acústica e o Clube União de Leiria. (…)
O círculo de amigos era constituído por jovens da sua idade, que frequentaram os mesmos estabelecimentos de ensino, desportivos e culturais. No ano lectivo 2009/10, integrou o curso de formação profissional de “Gestão de Equipamentos Informáticos” na Escola Profissional de Leiria, o qual frequentou até à data dos factos. Com a mudança de estabelecimento de ensino, e também com uma diminuição da supervisão parental, registou-se uma alteração de hábitos e comportamentos, passando o arguido a relacionar-se com jovens associados a práticas desviantes. Intensificou o consumo de haxixe e registou elevado absentismo às actividades formativas.
(…) Para além do consumo de tabaco e derivados da “cannabis” ingeria bebidas alcoólicas, ocasionalmente e de forma moderada, em particular, quando frequentava espaços de diversão nocturna.
(…) Mantém a coabitação com a mãe, em apartamento da zona urbana da cidade de Leiria, local onde se verifica a existência de boas condições de habitabilidade.
Vive na dependência económica da mãe, situação que é considerada estável, dadas as funções que aquela exerce como funcionária pública.
A dinâmica familiar afigura-se equilibrada, assente em laços de coesão e solidariedade que resultam num consistente apoio de retaguarda ao arguido. No meio residencial, não há indicadores de rejeição à sua presença, sendo detentor de um bom relacionamento com os vizinhos, sem que lhe sejam atribuídos comportamentos delituosos ou práticas socialmente desadequadas.
(…) Encontra-se sujeito a acompanhamento psicológico, tendo vindo a registar uma evolução positiva.
No futuro pretende alistar-se no exército para cumprir o serviço militar e concluir o 12º ano de escolaridade.
Apesar de possuir sentido autocrítico quanto à sua conduta, não só relativamente aos factos subjacentes ao presente processo como ao período antecedente, manifesta dificuldades em aceitar a sua actual situação jurídica, exteriorizando algum inconformismo, atenta a forma como avalia o seu envolvimento nos autos.
O seu desfecho é percepcionado por si com apreensão, extensiva à progenitora que tem acompanhado esta situação e apoiado o arguido ao longo do presente processo.
91. No exame psiquiátrico efectuado ao arguido AA consta o seguinte:
O arguido não apresentava patologia psiquiátrica nem da personalidade que interferisse nem o impediam de avaliar, no momento da avaliação e da prática dos factos, a ilicitude dos mesmos, as suas consequências e nem influenciar a sua capacidade de se autodeterminar de acordo com essa avaliação. Assim sendo, do ponto de vista psiquiátrico forense, não foram apuradas razões de natureza psiquiátrica que permitam excluir ou atenuar a sua imputabilidade em relação aos factos para os quais está indiciado.
92. Do certificado de registo criminal do arguido AA nada consta.
93. No relatório social do arguido DD consta (…).
A Relação alterou a decisão proferida sobre matéria de facto pelo tribunal de 1ª instância, passando os factos dos nºs seguintes a terem a redacção que segue:
5. O plano foi por todos traçado e acordado, a partir de uma ideia do arguido BB, cerca de uma semana a uma semana e meia após 31 de Maio de 2010, no sentido de atacarem o CC, tirando-lhe todos os bens de valor que trouxesse consigo, nomeadamente, o dinheiro proveniente do exercício da sua actividade profissional.
15. O CC procurou fugir para o interior da zona comum de acesso às Garagens.
22. Altura em que o CC deixou cair, juntamente com as respectivas chaves, o cofre.
23. Cofre onde eram guardados cerca de 4000 euros, provenientes da actividade do referido estabelecimento.
30. Numa altura em que os arguidos BB e AA e CC já não se encontravam junto ao referido veiculo, surgiu o arguido DD, que entrara entretanto na garagem, levando consigo o cofre e o aludido valor.
38. Bem como com a intenção de integrarem os referidos bens dele (cofre e dinheiro) nas respectivas esferas patrimoniais.
59. Não obstante os ferimentos acima referidos, o CC conseguiu levantar-se e sair para o exterior.
60. O arguido BB havia-se despedido, sem a liquidação do salário do último mês, por suspeitas de retiradas de dinheiro.
Apreciando:
1. Da alegada nulidade por omissão de pronúncia:
O recorrente diz, em primeiro lugar, que a decisão recorrida enferma da nulidade de omissão de pronúncia, nos termos dos artºs 379º, nº 1, alínea c), primeira parte, do CPP, 714º e 668, nº 1, alínea d), do CPC, estes aplicáveis por força do artº 4º daquele primeiro diploma.
O vício estaria no seguinte:
-A decisão do tribunal de 1ª instância omite por completo qualquer referência ao relatório da perícia realizada sobre a personalidade do recorrente, nenhum dos seus dados constando dos factos provados ou não provados. Essa omissão integra a nulidade prevista naquele artº 379º, nº 1, alínea c).
-O recorrente, no recurso para a Relação de Coimbra, invocou essa nulidade, competindo à Relação repará-la nos termos do artº 414º, nº 4, do CPP.
-Porém, a Relação entendeu que não se verificava o apontado vício, na consideração que a demais prova existente nos autos era mais do que suficiente para aquilatar da personalidade do recorrente.
-Ao limitar-se a dar acolhimento à decisão de 1ª instância, não se pronunciando sobre a perícia psicológica nem a valorando, a Relação incorreu ela própria em omissão de pronúncia.
Vejamos.
Importa antes de mais esclarecer que ao caso não se aplicam as mencionadas normas do processo civil, por não haver caso omisso. A nulidade de omissão de pronúncia encontra-se prevista no artº 379º, nº 1, alínea c), primeira parte, do CPP, norma que se aplica aos acórdãos proferidos em recurso, como estabelece o artº 425º, nº 4, do mesmo código.
Não é igualmente exacta a afirmação do recorrente de que à Relação cabia, ao abrigo do artº 414º, nº 4, do CPP, a «reparação» da alegada nulidade da decisão do tribunal de 1ª instância. Essa norma tem objecto inteiramente distinto: permite, em certos casos, ao tribunal recorrido a reparação da sua decisão, antes de ordenar a remessa ao tribunal de recurso.
A Relação tinha que decidir sobre a verificação da alegada nulidade, porque a questão lhe foi colocada.
E conheceu dela, como o recorrente acaba por admitir.
Diz-se, na verdade, na decisão recorrida:
«Dispõe o artigo 379º, nº 1, al. c), do C.P.P., que a sentença é nula “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Isto significa que o juiz deve resolver todas as questões que tenham sido submetidas à sua apreciação, bem como aquelas que sejam do seu conhecimento oficioso.
Ficam exceptuadas deste dever de pronúncia as questões cuja decisão reste prejudicada pela solução dada a outra, bem como as questões juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido.
Decorre, do âmbito assim traçado, que o juiz não tem de se pronunciar sobre todas as razões ou argumentos esgrimidos pelos outros intervenientes processuais, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários que lhe são colocados, ou que ele próprio deva colocar.
Este dever de pronúncia, cuja inobservância leva à nulidade da sentença, tem como correspectivo um dever de não pronúncia, cujo incumprimento é também sancionado com a nulidade da sentença, ou seja, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, devidamente admitidas no processo.
Na verdade, não consta do acórdão qualquer referência à aludida perícia sobre a personalidade.
Concede-se que teria sido mais correcto fazer alusão a tal meio de prova.
Porém, nos factos provados nº 90 e nº 91, estão contidos vários elementos que servem para aquilatar da personalidade do arguido (relacionados com outros meios de prova), o que significa que o acórdão, na prática, acaba por abordar a respectiva questão, com base em aspectos mais do que suficientes.
Sempre defendemos que não há necessidade do Tribunal fazer alusão a toda a prova existente no processo, nomeadamente quando alguma dela está contida numa outra, como é o caso.
Aliás, se bem repararmos, da referida perícia, salienta o recorrente que não foram encontrados elementos que induzam a concluir pela sua perigosidade.
Ora, dos factos provados, nada resulta em sentido contrário.
Logo, tal elemento nada adiantaria à matéria dada por assente.
Assim sendo, não há que falar em omissão de pronúncia.
E, por ser assim, voltando um pouco atrás, não há que falar em erro de julgamento, em virtude de nada constar relativo a esta perícia nos factos dados como provados.
Este raciocínio aplica-se, como é óbvio, ao que consta do nº 8 das conclusões apresentadas por este recorrente».
Perante este trecho não podem restar dúvidas de que a Relação apreciou a questão suscitada pelo recorrente da pretensa nulidade por omissão de pronúncia.
Saber se decidiu bem ou mal ao recusar a existência do vício é questão que se coloca noutro plano.
Ao dizer que o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre factos que, constando da perícia sobre a sua personalidade, eram relevantes para a determinação da pena, designadamente para efeito de aplicação do regime penal especial para jovens contido no DL nº 401/82, não os dando como provados nem como não provados, o que o recorrente está no fundo a pretender é que o tribunal de 1ª instância não emitiu decisão sobre factos relevantes para a decisão de direito (note-se que a decisão poderia ser no sentido de não dar como provados factos afirmados na perícia, ao abrigo do disposto no artº 163º, nº 2, do CPP). Era esse erro que pretendia ver reconhecido pela Relação.
Mas, então, a sua alegação subsume-se na previsão do artº 410º, nº 2, alínea a), ou seja, tem o significado de imputar à decisão recorrida, sem o nomear, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que consiste precisamente em o tribunal não decidir toda a factualidade com relevo para a correcta decisão de direito.
A Relação, ao decidir nos termos transcritos sobre esta questão, sem se colocar explicitamente nesse plano, mais não fez que negar a existência desse vício.
E a sua decisão neste ponto, porque a alegação dos vícios do nº 2 do artº 410º é uma das formas, a mais restrita, de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto (sendo a mais ampla a prevista no art. 412º, nºs 3), está fora dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que, como estabelece o artº 434º, o recurso para ele interposto, enquanto tribunal de revista, como no caso, visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
A possibilidade contemplada no artº 434º de o Supremo Tribunal de Justiça declarar a existência dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º só existe nos casos em que o recurso vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou seja, quando esses vícios não são invocados no recurso, pois, se o forem, o recurso, como se viu, não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. O Supremo Tribunal de Justiça, visando o recurso para ele interposto exclusivamente o reexame da matéria de direito, como, por exemplo, a qualificação jurídica dos factos provados ou a determinação da pena, deparando-se com qualquer dos vícios do nº 2 do artº 410º que inviabilize a correcta decisão sobre essas questões de direito, não está impedido de afirmar oficiosamente a sua verificação, e deve fazê-lo, tirando as devidas consequências, ou seja, decretando o reenvio do processo para novo julgamento, por lhe estar vedado decidir sobre matéria de facto. É neste sentido que o Supremo vem uniformemente interpretando o artº 434º (cf., por exemplo, os acórdãos de 08/02/2007, no processo nº 07P159, de 15/02/2007, no processo nº 07P015, de 08/03/2007, no processo nº 07P447, de 15/03/2007, no processo nº 07P663, de 29/03/2007, no processo nº 07P339, de 27/05/2009, no processo nº 05P0145, de 17/09/2009, no processo nº 169/07.3GCBNV, de 14/10/2009, no processo nº 101/08.7PAABT, de 13/01/2010, no processo nº 274/08.9JASTB, de 24/02/2010, no processo nº 3/05.9GFMTS, e de 07/04/2010, no processo nº 2792/05.1TDLSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Improcede, pois, esta alegação do recorrente.
2. Sobre a qualificação do homicídio tentado:
As instâncias consideraram a tentativa de homicídio qualificada pela circunstância da alínea g) do nº 2 do artº 132º do CP – «a circunstância de o agente: Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime».
O recorrente diz que não cometeu qualquer homicídio tentado, seja o simples, seja o qualificado.
Nesse sentido alega que
-«nunca lhe perpassou a ideia de ferir quem quer que fosse»;
-«a tese da adesão do AA ao projecto de homicídio de CC no estertor da fúria atacante do BB e a meio do processo de “alargamento” da acção que este desencadeou, é inconsistente e algo perversa»;
-«tentou parar a agressão do BB, sendo por isso ferido»;
-estava vedado ao tribunal recorrido concluir, à semelhança do que fez a 1ª instância que o recorrente AA deu duas facadas à vítima, para desse modo encobrir o crime de roubo, por(em)-se em fuga, evitar(em) ser descoberto(s) e lograr(em) escapar com o cofre subtraído».
E conclui pela violação do princípio in dubio pro reo dando-se como provados factos nesta parte.
O que aqui há é discordância relativamente à decisão proferida sobre matéria de facto pelas instâncias. Mesmo quando invoca a violação do apontado princípio, o recorrente suscita uma pura questão de facto, pois não pretende que da decisão recorrida resulta que o tribunal se deparou com uma dúvida insanável acerca da verificação de um ou mais factos, resolvendo-a contra o arguido, mas antes que, perante a prova produzida, o tribunal devia ter ficado na dúvida em relação a determinados factos e, em consequência, devia tê-los considerado não provados.
Ora, como se viu, o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente de matéria de direito, pelo que as alegações acabadas de referir não podem aqui ser consideradas.
Diz, por fim, o recorrente nesta parte que, mesmo a considerar-se que cometeu o homicídio tentado, o que só admite «em tese», seria na modalidade não qualificada, pois «são substancialmente diversos os graus de culpa de BB e de AA, as respectivas motivações para a prática do ilícito, o contributo da actuação de cada um para o resultado», estando «desse modo» vedado «ao tribunal recorrido concluir (…) que o recorrente deu duas facadas à vítima» para por esse meio «encobrir o crime de roubo, por(em»-se em fuga, evitar(em) ser descoberto(s) e lograr(em) escapar com o cofre subtraído».
Que, perante os factos provados, o recorrente praticou um crime de homicídio tentado não pode oferecer qualquer dúvida:
Depois de o arguido BB haver desferido facadas sobre o ofendido em dois momentos, antes e depois de este ir contra o automóvel ...-TJ, o recorrente aproximou-se empunhando uma faca. O BB voltou a desferir facadas no ofendido. Este deixou cair o cofre e procurou fugir em direcção ao exterior. Então, o BB e o recorrente, que «aderiu aos intentos» daquele, perseguiram-no, golpeando-o por diversas vezes com a faca que cada um empunhava, «determinados a tirar-lhe a vida», até a vítima «cair e dar sinais de desmaio», após o que, convencidos de que «morreria», abandonaram o local.
Quis, assim, o recorrente matar CC e nesse sentido, conjuntamente com outro, aderindo a projecto criminoso já andamento, ou seja, em «co-autoria sucessiva», na designação de Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 791) praticou actos de execução do crime que «decidiu cometer» – homicídio –, mais precisamente, «actos idóneos a produzir o resultado típico», que só não ocorreu «por circunstâncias alheias à sua vontade».
Há, pois, que decidir se o homicídio é ou não qualificado.
Nos termos do nº 1 do artº 132º, o crime de homicídio é qualificado se «a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade», enumerando-se, exemplificativamente, no nº 2 circunstâncias susceptíveis de revelar essa especial censurabilidade ou perversidade.
Nas palavras de Teresa Serra, haverá especial censurablidade quando “as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores”, podendo afirmar-se que a especial censurabilidade se refere às “componentes da culpa relativas ao facto”, fundando-se, pois, “naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude”. E especial perversidade quando se esteja perante “uma atitude profundamente rejeitável”, no sentido de “constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade”, estando aqui em causa as “componentes da culpa relativas ao agente” (Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1998, páginas 63 e 64).
Do que se trata é, pois, de uma censurabilidade ou perversidade acrescida em relação à perversidade ou censurabilidade que já tem de estar presente no homicídio simples. É nessa diferença de grau, nessa especial maior culpa, que encontra fundamento a qualificação do homicídio. Como nota Figueiredo Dias, a agravação tem “a ver com a maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta e querida pela ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples” (Colectânea de Jurisprudência, 1987, IV, página 52).”
A verificação de qualquer das circunstâncias exemplificadas no nº 2 constitui só um indício da existência da especial censurabilidade ou perversidade, podendo negar-se este maior grau de culpa, apesar da presença de uma das referidas circunstâncias, e concluir-se pela especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, pela qualificação do homicídio, apesar de se negar a presença de qualquer dessas circunstâncias, se ocorrer outra valorativamente análoga, como explica o mesmo autor:
“(…) a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a ‘especial censurabilidade ou perversidade’ do agente referida no nº 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no nº 2. Elementos estes sim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (…) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador” (Comentário Conimbricense, Tomo I, página 26).
Do facto de serem diversos os graus de culpa de BB e do recorrente, que não pode ser co-responsabilizado pela actuação anteriormente desenvolvida pelo BB sobre a vítima, não resulta que a conduta do recorrente não possa integrar a tentativa de homicídio qualificado. O homicídio qualificado comporta diversos graus de culpa.
Foi dado como provado que o recorrente e o BB, ao desferirem as facadas contra a vítima, «determinados a tirar-lhe a vida», actuaram «em ordem a lograrem evitar qualquer reacção» da parte dela e a que «obstasse aos seus intentos» (factos 25 e 26) e «quiseram evitar que a vítima pedisse ajuda, obstando assim a que fizessem seu o cofre e que (…) viessem a ser descobertos» (facto nº 43).
Se o recorrente e BB, ao desferirem as facadas sobre a vítima, determinados a matá-la, quiseram evitar que esta pedisse ajuda e eles viessem a ser descobertos, não pode haver dúvidas, no que ao recorrente se refere, de que teve em vista «encobrir outro crime», o crime de roubo, estando por isso verificado o exemplo-padrão da alínea g) do nº 2 do artº 132º («a circunstância de o agente: Ter em vista preparar, facilitar executar ou encobrir um outro crime …».
Com isso, não fica ainda assente a verificação da especial censurabilidade ou perversidade, pois o preenchimento de qualquer das circunstâncias do nº 2 do artº 132º é apenas «susceptível» de a revelar, ou, como diz Teresa Serra, é apenas indício da sua existência.
Mas, como defende esta autora, indiciada a existência da especial censurabilidade ou perversidade com o preenchimento de um dos exemplos-padrão, a qualificação só não se terá como verificada se existirem circunstâncias que contraprovem o efeito de indício, atribuindo ao facto uma imagem global insusceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente». Procurando caracterizar essas circunstâncias com valor de contraprova do efeito de indício, a autora recusa esse valor «às circunstâncias atenuantes especiais, quer sejam facultativas (…) quer sejam obrigatórias», considerando que «só circunstâncias extraordinárias» ou, então, um conjunto raro de circunstâncias especiais» pode «anular o efeito de indício». E dá como exemplos «o caso do filho que mata o pai, dominado pelo desespero de o ver sofrer de forma atroz no estádio terminal de uma doença incurável e dolorosa» e a «hipótese de o agente ter sido levado a matar por compreensível emoção violenta, empregando acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima» (ob. cit, páginas 66-69).
O recorrente decidiu matar o ofendido e praticou actos de execução desse crime, actos idóneos a produzir a morte, desferindo-lhe facadas, em ordem a encobrir a prática de um crime de roubo. Essa circunstância é, à luz da alínea g) do nº 2 do artº 132º, indício do especial tipo de culpa do homicídio agravado, especial tipo de culpa esse que só não se terá como verificado se existirem circunstâncias da espécie apontada que dêem do facto uma imagem global fortemente atenuada, retirando à conduta do recorrente a carga de desvalor suposta.
No caso não se provaram quaisquer circunstâncias com esse valor atenuativo. Nem o recorrente as indica. Diz que «são substancialmente diversos os graus de culpa» dele e de BB, «as respectivas motivações para a prática do ilícito, o contributo da actuação de cada um para o resultado». É certo que, como se disse, interveio no processo homicida quando este já fora posto em marcha por BB, mas desenvolveu a partir daí toda uma conduta que realizou plenamente a previsão do exemplo-padrão considerado, estando por isso indiciado o especial tipo de culpa fundador da qualificação. Os diversos graus de intervenção de um e outro na agressão à vítima poderão relevar em sede de determinação da pena, do que agora não se trata, mas não em termos de qualificação jurídica dos factos.
Residindo o fundamento da agravação no especial desvalor da relação de meio/fim entre os crimes, o maior grau de culpa que aqui faz funcionar a agravação decorre do mais acentuado desvalor da conduta do recorrente, ou seja, de um elemento ligado ao facto e não ao agente, o que remete para a especial censurabilidade.
Foi, assim, correcta a decisão recorrida ao considerar a tentativa de homicídio qualificada pela via da alínea g) do nº 2 do artº 132º do CP.
3. Sobre a pretensão de aplicação do regime penal especial previsto no DL nº 401/82:
3.1. Nesta parte pretende o recorrente que as penas correspondentes a cada um dos crimes sejam especialmente atenuadas, nos termos do artº 4º deste diploma.
O regime penal especial previsto no DL nº 401/82, como decorre, do seu artº 1º, nºs 1 e 2, «aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime», sendo «considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21».
Tendo nascido em 09/12/1992, o recorrente tinha 17 anos à data da prática dos factos, sendo por isso considerado jovem para o efeito aqui em causa.
Nos termos do artº 4º do diploma em referência, «Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artºs 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado». A remissão para os artºs 73º e 74º do CP deve hoje considerar-se feita para os artºs 72º e 73º, onde, com a reforma operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, passou a ser regulada a matéria que anteriormente o era naqueles preceitos.
A atenuação especial da pena aqui prevista depende apenas da verificação de um pressuposto material: Ter o juiz «sérias razões para crer» que dela resultarão «vantagens para a reinserção social do jovem condenado», não havendo, no âmbito desta norma, lugar para considerações de culpa ou de defesa da sociedade.
O recorrente cresceu num ambiente familiar bem estruturado, sendo que, se faltou a figura do pai, ela foi substituída pelo apoio dos tios e do avô materno. Teve um percurso escolar normal, concluindo o 10º ano de escolaridade, sem reprovações. Dedicou-se em paralelo a actividades culturais e desportivas, tendo um círculo de amigos constituído por jovens que frequentavam os mesmos estabelecimentos de ensino, culturais e desportivos.
No ano lectivo de 2009/2010, com a mudança para novo estabelecimento de ensino, onde passou a frequentar um curso profissional, e a menor supervisão da família, houve uma alteração de hábitos e comportamentos, passando a relacionar-se com jovens socialmente desinseridos, faltando às actividades formativas, consumindo bebidas alcoólicas e «haxixe».
Foi nesse período que praticou os crimes.
Depois disso, o recorrente vem tendo acompanhamento psicológico, registando «uma evolução positiva», auto-criticando-se pela prática dos factos delituosos em julgamento e pelos comportamentos que os antecederam.
Vive com a mãe, que é funcionária pública, a expensas dela, em apartamento da zona urbana de Leiria, com boas condições de habitabilidade. A mãe tem-no acompanhado e apoiado ao longo do processo.
Frequenta o 1º ano de Gestão de Equipamento Informático. Nutre a ambição de completar o 12º ano de escolaridade e de se alistar no exército. É educado, respeitador e tem tido o respeito e o carinho de todos que com ele privam, sentimentos que lhe vêm sendo manifestados mesmo após a divulgação do seu envolvimento nos factos que estão em julgamento neste processo. «Tem um círculo familiar alargado que o envolveu e acompanha com muita proximidade desde os factos», estando «socialmente integrado».
A prática dos crimes aparece, assim, ligada a um período atípico na vida do recorrente, que coincidiu com um menor acompanhamento familiar e a mudança de estabelecimento de ensino, após a conclusão do 10º ano de escolaridade, altura em que passou a relacionar-se com «jovens associados a práticas desviantes», consumia «haxixe» e bebidas alcoólicas.
Esse mau período da vida do recorrente parece ultrapassado, com o acompanhamento psicológico, que deu frutos, e o envolvimento da família, principalmente da mãe, trazendo-o de novo para o bom caminho, mostrando-se ele empenhado em levar a vida no futuro de acordo com o direito, obtendo competências e cultivando ambições profissionais.
Nestas circunstâncias, é de concluir que existem sérias razões para crer que a atenuação especial é vantajosa para reinserção social do recorrente, pois a aplicação por cada um dos crimes de uma pena dentro da moldura normal acarretaria, no final, a fixação de uma pena em medida que poderia comprometer essa reintegração.
Deve, assim, ser atenuada especialmente a pena.
3.2. No parecer que emitiu ao abrigo do artº 416º do CPP, o senhor procurador-geral-adjunto pronunciou-se no sentido de o recurso não ser admissível na parte respeitante ao crime de roubo, fazendo apelo à norma da alínea f) do nº 1 do artº 400º do mesmo diploma.
Nos termos desta disposição, «Não é admissível recurso: De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
Como vem sendo uniformemente decidido por este Supremo Tribunal, no caso de concurso de crimes, pena aplicada é tanto a pena imposta por cada crime como a pena conjunta, pelo que a irrecorribilidade se afere separadamente, por referência às penas fixadas por cada crime e à pena conjunta (cf., por exemplo, acórdãos de 07/05/2009, CJ, Acórdãos do STJ, Ano XVII, Tomo II, pág. 193; de 12/11/2009, proc. nº 200/06.OJAPTM, www.dgsi.pt.; e de 26/10/2011, CJ, Acórdãos do STJ, Ano XIX, Tomo III, pág. 198).
Pelo crime de roubo, o tribunal de 1ª instância aplicou ao recorrente a pena de 6 anos de prisão. A Relação manteve essa pena, mas alterou a decisão da matéria de facto concernente a esse crime em dois pontos, tendo o primeiro a ver com o período de antecedência relativamente ao crime do plano delineado pelo recorrente e demais participantes, que foi substancialmente encurtado, e o segundo com o objecto da subtracção, que foi restringido. Estas duas alterações, implicando a primeira com a intensidade do dolo, ou da vontade criminosa, e a segunda com o grau de ilicitude do facto, poderão reflectir-se na medida da culpa e a última também na medida das exigências de prevenção geral, com a inerente influência na determinação da pena.
O acórdão da Relação não é, assim, confirmatória da decisão de 1ª instância, devendo reconhecer-se ao recorrente o direito de pedir ao Supremo Tribunal de Justiça o reexame do processo de determinação da pena, à luz dos novos pressupostos de facto.
3.3. Vejamos então a medida da pena a fixar por cada um dos crimes.
Em função da atenuação especial, a pena aplicável, nos termos do artº 73º, nº 1, alíneas a) e b), do CP, é de
-7 meses e 9 dias a 10 anos de prisão, para o crime de roubo; e
-5 meses e 27 dias a 11 anos 1 mês e 11 dias de prisão, para o crime de homicídio qualificado tentado.
A determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, de acordo com o disposto no artº 71º, em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que ali se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.
À questão de saber de que modo e em que termos actuam a culpa e a prevenção responde o artº 40º, ao estabelecer, no nº 1, que «a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e, no nº 2, que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado.
Na lição de Figueiredo Dias, a aplicação de uma pena visa acima de tudo o “restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime”. Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da “prevenção geral positiva ou de integração” e dá “conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art. 18º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática”.
Há uma “medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, mas que não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois “abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial”.
Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, “entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)” actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da “necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial”, mas, se o agente não se «revelar carente de socialização», tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em «conferir à pena uma função de suficiente advertência» (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas 79 a 82).
O recorrente planeou com os outros o roubo na pessoa do ofendido com alguma antecedência. Sabiam que ele transportava consigo valores quando, depois do fecho do estabelecimento de “pizzaria” que explorava, se dirigia à sua residência e conheciam o percurso que normalmente seguia, estacionando o automóvel na garagem subterrânea do prédio onde reside e passando depois para o hall de acesso ao elevador. Esperaram-no escondidos, tendo consigo o recorrente uma faca, o co-arguido BB outra faca e o co-arguido DD uma barra de ferro, instrumentos com que pretendiam intimidar a vítima. Já o haviam esperado na madrugada do dia anterior, com o intuito de o assaltarem, mas sem sucesso, em virtude de o não terem visto chegar. Esse planeamento, o tempo ao longo do qual perdurou a resolução criminosa e a espera frustrada do dia anterior são dados que revelam uma vontade muito determinada de levar a cabo o roubo, ou seja, um dolo muito intenso.
O grau de ilicitude no que respeita a este crime, dado pelo valor subtraído (€ 4000) e pela perigosidade das armas transportadas para intimidar o ofendido, é considerável.
Quanto ao homicídio, o recorrente aderiu ao projecto criminoso de BB, quando o facto já estava em execução. O ofendido sofrera já diversos golpes de faca vibrados por BB, quando correu em direcção ao portão de acesso pelo exterior à garagem. Foi então que o recorrente, juntamente com BB, o perseguiram, com vista a «evitar que a vítima pedisse ajuda, obstando assim que fizessem seu o cofre», e «viessem a ser descobertos», tendo-o ambos atingido com diversos golpes vibrados com a faca que cada um empunhava, «determinados a tirar-lhe a vida». O recorrente não tinha qualquer propósito homicida quando se dirigiu para o local onde esperaram o ofendido, só o tendo formulado no momento em que a vítima, fugindo dos golpes que já lhe estavam a ser vibrados por BB, correu para o portão da garagem, procurando alcançar o exterior. E fê-lo com aquela motivação.
Mas o ofendido já deixara o cofre para trás, com o dinheiro, sendo recolhido pelo co-arguido DD. Mesmo que a vítima alcançasse o exterior da garagem e pedisse ajuda, antes que esta pudesse ser prestada, o recorrente, com os outros, tinha todas as possibilidades de fugir dali, levando os bens de que pretendia, com os outros, apropriar-se, sem ser descoberto, visto que tendo, como os outros, o rosto coberto por um gorro, não podia ser reconhecido pelo ofendido. Nessa atitude surpreendem-se qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente, como egoísmo e enorme desprezo pela vida alheia, que se propôs suprimir sem haver qualquer motivo.
Por outro lado, o ofendido que, antes de o recorrente entrar na execução do facto, por adesão ao projecto criminoso de BB, ainda estava em condições físicas que lhe permitiam correr em direcção ao exterior da garagem, após os golpes vibrados por ambos, em decisão conjunta, ficou caído, «dando sinais de desmaio», apresentando lesões gravíssimas necessariamente causadas ou agravadas pela actuação conjunta do recorrente e de BB. De realçar que a vítima poderá vir ainda a falecer em consequência dessas lesões (facto nº 49).
A culpa do recorrente situa-se, assim, em patamar muito elevado em relação a ambos os crimes, a permitir que a pena ultrapasse o ponto intermédio da moldura penal aplicável.
As exigências de prevenção geral são elevadas no que respeita ao roubo e muito elevadas em relação ao homicídio qualificado tentado, em função do respectivo grau de ilicitude, constituindo o último um fortíssimo abalo na paz social, cujo restabelecimento exige penas muito distanciadas do limite mínimo da moldura penal, mais ainda no caso da tentativa de homicídio.
Das necessidades de prevenção especial já se falou, cabendo agora dizer, em síntese, que o recorrente, a quem não se conhece a prática de outros delitos, vem dando sinais de pretender no futuro conduzir a sua vida em conformidade com as normas, investindo na sua formação e tendo ambições profissionais. Essas indicações positivas no sentido da sua recuperação social tornam-se mais consistentes em face do bom ambiente e apoio familiar de que beneficia. Nestes termos, a pena não deverá ir muito além do mínimo exigido pelo restabelecimento da confiança colectiva na ordem jurídica.
Ponderando estes dados, tem-se como necessária, suficiente e permitida a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de roubo, e de 6 anos pelo crime de homicídio qualificado tentado.
3.4. O passo seguinte será a determinação da pena do concurso.
Essa pena, nos termos do nº 2 do artº 77º do CP, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes, 9 anos e 6 meses de prisão, e como limite mínimo a mais elevada dessas penas, 6 anos de prisão.
Na fixação da sua medida concreta, como ensina Figueiredo Dias, devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artº 71º – exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial dado pelo nº 1 do artº 77º: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
Sobre o modo de levar à prática estes critérios, diz este autor: “Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, 2005, páginas 291 e 292).
A gravidade global dos factos, traduzida na medida das penas aplicadas por cada um dos crimes, ambas de média gravidade e muito próximas entre si, é considerável.
Daí que a culpa pelo conjunto desses factos, ou o grau de censura a dirigir ao agente por esse conjunto, e as exigências de prevenção geral sejam também muito significativas, permitindo aquela que a pena se fixe na zona intermédia da moldura do concurso e impondo estas um mínimo de pena distanciado do limite mínimo.
Mas, por outro lado, nos crimes cometidos, embora se apresentem entre si numa relação de meio/fim, na medida em que um foi cometido para encobrir o outro, não se revela uma personalidade com propensão criminosa, devendo os factos ser vistos como ocasionais, fruto de um período crítico na vida do agente, já ultrapassado. Nestas circunstâncias, a pena, à qual o recorrente, como tudo indica, será sensível, não deve fixar-se muito acima do mínimo exigido pela prevenção geral, de modo a não comprometer a sua ressocialização.
Ponderando estes dados, tem-se como necessária e suficiente a pena de 7 anos de prisão, que está longe de ultrapassar a medida da culpa.
Decisão:
Em face do exposto, decidem os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, no provimento parcial do recurso:
-alterar a decisão recorrida, nos seguintes termos:
-atenuando especialmente a pena, por aplicação do artº 4º do DL nº 401/82, condena-se o recorrente nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) de prisão, pela prática do crime de roubo, e 6 (seis) anos de prisão, pela prática do crime de homicídio qualificado tentado;
-em cúmulo jurídico destas penas, condena-se o recorrente na pena única de 7 (sete) anos de prisão;
-manter no mais essa decisão.
Havendo provimento parcial do recurso, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça – artº 513º, nº 1, do CCJ.
Lisboa, 25 de Outubro de 2012
Manuel Braz (Relator)
Santos Carvalho