RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
EMPREITADA DE OBRA PÚBLICA
ÂMBITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREITEIRO
DANO DE CLIENTELA
ESTADO DE NECESSIDADE
RESPONSABILIDADE POR FACTO LÍCITO
Sumário


1. A normal realização de determinado projecto de obra pública, em plena conformidade com os regulamentos e regras técnicas aplicáveis – geradora, pelo impacto causado nas imediações, de um prejuízo de clientela em certo estabelecimento comercial - sem qualquer urgência particular e sem qualquer necessidade imperiosa de remover um perigo actual para o interesse público não pode razoavelmente enquadrar-se no tipo particular de responsabilidade civil por facto lícito contido na previsão normativa do nº2 do art. 339º do CC. 
 2. Neste caso, os princípios da igualdade e da equidade na participação dos encargos públicos – eventualmente afectados pela imposição de prejuízos anormais ou especiais a determinado cidadão ou empresa – é alcançado através do regime normativo que constava do art. 9º do DL 48051, impondo ao Estado e demais pessoas colectivas públicas um dever de indemnização pelas consequências danosas da realização de actividades materiais lícitas e não culposas – não sendo, porém, este regime normativo aplicável a sociedades comerciais de direito privado que tenham agido como meras empreiteiras da obra pública em questão.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "Pastelaria AA, Lda." propôs acção de condenação, com processo ordinário, contra "BB, EP" e "CC, BPC e DD, EE-SBMS - Prolongamento da Linha Vermelha do Metropolitano, ACE", pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem-lhe a quantia de €137.571,97, acrescida de juros moratórios comerciais que se vencerem desde 13.12.2007, até efectivo reembolso, calculados à taxa anual de 11,07% (ou outra que entretanto vier a ser fixada) sobre o capital de €136.372,53.

   Como fundamento de tal pretensão, alegou os danos de clientela que sofreu em consequência dos inconvenientes que teve de suportar na sua actividade com a realização daquela obra pública.

As Rés contestaram:

O "BB, EP",, alegando, no essencial, ser uma empresa pública, competindo aos tribunais administrativos e fiscais a apreciação de litígios que tenham por objecto a responsabilidade extracontratual de pessoas colectivas de direito público, arguindo a incompetência dos tribunais comuns para dirimir o conflito.

Por seu turno, a R. "CC, BPC, DD, EE-SBMS, ACE", veio contrapor, em síntese, que como empreiteiro foi-lhe adjudicada pelo co-R. BB, como dono da obra, a execução da obra denominada "ML 613/02 Execução dos Toscos do prolongamento da Linha Vermelha, Alameda/São Sebastião, do BB, E.P.», tendo ambas as partes celebrado o correspondente contrato de empreitada, mediante o qual se vinculou a executar os trabalhos de construção compreendidos nesse contrato segundo o projecto de execução que lhe foi submetido pelo co-R. BB.

   Incumbia ao R. BB obter todas as autorizações e licenças de entidades terceiras que directamente ou indirectamente se encontram envolvidas no objecto do contrato de empreitada e seus adicionais. A afectação das áreas em superfície, definidas nos projectos de autoria do R. BB, foi objecto de prévia autorização pela Câmara Municipal de Lisboa. A localização dos estaleiros da obra, sua configuração e correspondentes alterações dos circuitos de tráfego viário e pedonal é parte integrante dos projectos submetidos ao R., para execução, pelo R. BB.

   O redimensionamento dos circuitos de tráfego foi aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa e a sua execução foi acompanhada pelos respectivos técnicos da

   Foi mantida a dimensão e a geometria dos passeios existentes anteriormente ao início da execução da obra e as passagens de peões criadas para permitir a execução da obra foram devidamente sinalizadas e iluminadas.

   Os passeios e os arruamentos que circundam o estabelecimento da A., nomeadamente a Avenida da República, e a estação de metropolitano do Saldanha, incluindo os respectivos átrios de entrada, são públicos, não dispondo a A. de qualquer direito, real ou de outra natureza, que determine a constituição de direitos indemnizatórios a seu favor no caso de a execução de uma obra de manifesto interesse público implicar algum estorvo à sua utilização, mesmo que afecte temporariamente a exploração da sua actividade comercial.

   Os equipamentos utilizados na obra cumpriam os requisitos estabelecidos no Decreto Lei n.º 221/2006, de 8 de Novembro, ou na demais legislação que se encontrava em vigor na data de seu fabrico, que estabelece as regras em matéria de emissões sonoras de equipamento para utilização no exterior.

   O R. mobilizou a PSP para regular o trânsito à frente do estaleiro e o passeio em frente à pastelaria da A. nunca esteve totalmente ocupado pela obra.

   A obra foi sujeita a um processo de avaliação de impacte ambiental, do qual resultou a emissão pelo Secretário de Estado do Ambiente de uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA), exigindo a implementação de várias medidas de minimização do impacto ambiental durante a fase de construção.

   O R. elaborou um Plano de Gestão Ambiental (PGA) para o estaleiro da Estação Saldanha II, com o objectivo de definir programas de acção para a implementação das medidas de minimização estabelecidas na DIA.

   Entidades terceiras, devidamente acreditadas, realizaram campanhas de monitorização para os descritores ruído, vibrações e qualidade do ar. Foram realizadas campanhas de monitorização de referência, com o objectivo de caracterizar o local quanto a ruído, vibrações e qualidade do ar; o estaleiro da Estação Saldanha II possui uma Licença Especial de Ruído, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa e, por despacho do Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, o R. está dispensado do cumprimento de certos limites de ruído estabelecidos na legislação vigente.

   Anteriormente ao início da execução da obra, o estacionamento na zona era extremamente difícil e, em frente ao estabelecimento da A., o estacionamento era proibido.

   Apesar de o R. não ter obrigação de assegurar a limpeza no exterior do local de realização da obra, sempre teve a preocupação e conseguiu que as imediações da obra estivessem limpas.

   A obra melhorará a rede do BB, cria uma nova estação e a sua execução cria condições para o crescimento do tráfego de pessoas junto do estabelecimento da A., implicando uma vantagem directa para a A., que compensa os incómodos causados pela sua execução.

    No mais, impugna a R./ contestante, no essencial, os factos alegados pela A., designadamente no que se refere ao montante dos prejuízos que a A. alega ter sofrido.

   Apresentou a A. articulado de tréplica, defendendo a competência do tribunal

onde a acção foi proposta.

   Foi realizada audiência preliminar na qual se julgou procedente a excepção de incompetência material arguida pelo BB, com a consequente absolvição da instância.

   Procedeu-se a julgamento e, subsequentemente, à prolação da sentença, onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se "a Ré, "CC, BPC e DD, EE-SBMS-Prolongamento da Linha Vermelha do Metropolitano ACE" a pagar à A. a quantia de €250.000,00"; e, a pagar (..), os juros de mora contados sobre a quantia referida em a), desde 15 de Janeiro de 2009", absolvendo-a quanto à"parte sobrante do pedido".

2. Inconformada com essa decisão, quer quanto ao julgamento de facto, quer quanto à aplicação do direito, veio a R. CC apelar da sentença, impugnando logo o decidido quanto à matéria de facto.

  A Relação alterou o decidido quanto ao ponto 39 do elenco dos factos provados, fixando o seguinte quadro factual para o enquadramento do litígio:

1-.A A. é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a exploração de um estabelecimento de restaurante e pastelaria, com fabrico próprio, sito na ... tornejando para a..., em Lisboa;

2-O objecto da A. materializa-se através da prestação de serviços de restauração, pequenos- almoços, almoços e lanches no "self-sevice";

3- bem como através da prestação de serviços de cafetaria e de produtos de pastelaria que a própria A. fabrica, cafés e outras bebidas, nas referidas instalações de "self-service" ou ao balcão;

4-E, ainda, através da venda dos mencionados produtos de cafetaria e pastelaria por ela fabricados, para consumo fora do estabelecimento;

5-O prédio onde está instalado o estabelecimento da A. situa-se na esquina da Av. ... (lado Poente) com a Av. ..., em Lisboa;

6-BB EP é uma empresa pública que explora o BB;

7-E é dona da obra de prolongamento da Linha Vermelha, no trajecto entre a Estação da Alameda e o Palácio da Justiça;

8-A R., é a empreiteira a quem a entidade referida em 6) adjudicou a mencionada obra de prolongamento denominada «ML 613/02 Execução dos Toscos do Prolongamento da Linha Vermelha, Alameda / S. Sebastião, do BB, E.P.», mediante contrato de empreitada;

9-Ao serviço e sob a direcção de quem estão os trabalhadores que executam a referida I obra de prolongamento da Linha Vermelha;

10-Obra que se iniciou em Setembro de 2004, e ainda prossegue;

11-É do conhecimento público que a mencionada obra obrigou a grandes escavações em toda a extensão da Av. Duque d'Ávila;

12-Designadamente no cruzamento desta avenida com a Av. da República;

13-O que implicou alterações ao trânsito de veículos automóveis, públicos e privados e ao trânsito pedonal na Av. Duque d'Ávila;

14- Bem como a alterações das paragens dos transportes colectivos;

15- E ao encerramento do átrio Norte da estação de Metro do Saldanha;

16-Quanto ao trânsito automóvel, foi cortado em ambos os sentidos da Av. Duque dÁvila numa extensão considerável, desde o cruzamento desta com a Av. Defensores de Chaves, passando pelo cruzamento com a Av. Da República, até ao cruzamento com a Av. 5 de Outubro;

17-Quanto ao trânsito pedonal, este sofreu enormes alterações que as fotografias anexas

documentam (doe. 1 a 14);

18-A colocação de vedações e tapumes aumentou em muitas dezenas de metros percursos tão curtos como, por exemplo, alcançar o estabelecimento da A., vindo no lado Poente da Av. da República, no sentido Norte/Sul (Campo Grande/Saldanha), estando o peão já no quarteirão que antecede a Av. Duque dÁvila, separado desta apenas pelo edifício do Colégio ... (cfr. doe. 4);

19-Nesta hipótese, o peão teria de entrar no "labirinto", virando à esquerda, percorrer lO m, virar àdireita, andar mais 12 m, virar à esquerda, palmilhar 22 m, virar à direita, calcorrear mais 14 m, ziguezaguear para a esquerda e direita, andar mais 4 m, virar à esquerda e, vislumbrando, ao fundo, a entrada de recurso da Pastelaria AA, arrastar-se ainda mais 14 m para lá chegar, percorrendo um total de 76 metros (doe. 15);

20.0 mesmo sucedendo a quem, estando perto da relojoaria/ourivesaria situada imediatamente a Sul, da Pastelaria AA, no mesmo lado Poente da Av. da República, pretendesse deslocar-se ao estabelecimento da A (cfr. doe. 7);

21.Nesta hipótese, o peão teria de iniciar uma deslocação de 12 m, no sentido Poente/Nascente, virar à esquerda, percorrer mais 24 m, no sentido Sul/Norte, virar à esquerda para andar mais 14 m no sentido Nascente/Poente, ziguezaguear para a esquerda e direita, andar mais 4 m, no mesmo sentido Nascente/Poente, para, finalmente, virar à esquerda e percorrer mais 14m, no sentido Norte/Sul, para, enfim, aceder à entrada de recurso da Pastelaria AA, percorrendo um total de 68 m (cfr. doe. 15);

22-E, finalmente, os estabelecimentos situados nas cercanias do átrio Sul da estação do Saldanha (que se manteve sempre aberto) e aqueles que se localizam nas cercanias do átrio Norte, mas longe do estaleiro dos RR., não sofreram qualquer prejuízo decorrente das obras e vão beneficiar delas tanto como a A.;

23-O lº R. vinculou-se a executar os trabalhos de construção compreendidos nesse contrato de empreitada segundo o projecto de execução que lhe foi submetido pelo BB;

24-Incumbe ao BB obter todas as autorizações e licenças de entidades terceiras que directamente ou indirectamente se encontram envolvidas no objecto do contrato de empreitada, e seus adicionais;

25-A afectação das áreas em superfície, definidas nos projectos de autoria do R. BB, foi objecto de prévia autorização pela Câmara Municipal de Lisboa;

26-A localização dos estaleiros da obra, sua configuração e correspondentes alterações dos circuitos de tráfego viário e pedonal é parte integrante dos

projectos submetidos ao R., para execução, pelo R. BB;

27.       O redimensionamento dos circuitos de tráfego foi aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa;

28-A sua execução foi acompanhada in loco pelos técnicos da Câmara Municipal de Lisboa;

29-Foi mantida a dimensão e a geometria dos passeios existentes anteriormente ao início da execução da obra;

30-As passagens de peões criadas para permitir a execução da obra foram devidamente sinalizadas e iluminadas;

31-O estaleiro tem, em permanência, um guarda, contratado a uma empresa de segurança privada;

32.0s passeios e os arruamentos que circundam o estabelecimento da A., nomeadamente a Avenida da República, e a estação de metropolitano do Saldanha, incluindo os respectivos átrios de entrada, são públicos, não pertencendo à A.;

33-Acresce que a utilização dessas vias para a execução da obra está devidamente autorizada pela entidade pública competente (no caso, a Câmara Municipal de Lisboa);

34-Os equipamentos utilizados na obra cumprem os requisitos estabelecidos no Decreto-Lei n." 221/2006, de 8 de Novembro, ou na demais legislação que se encontrava em vigor na data de seu fabrico, que estabelece as regras em matéria de emissões sonoras de equipamento para utilização no exterior;

35-O R. mobilizou a PSP para regular o trânsito à frente do estaleiro e durante o horário de expediente do estaleiro, tendo, em permanência, um agente da P.S.P. ordena o trânsito;

36-O passeio em frente à pastelaria da A. nunca esteve totalmente ocupado pela obra;

37.       Nas declarações fiscais, em sede de IRC, a A. apresentou prejuízos fiscais dedutíveis,

no ano de 2003, no valor de € 70.305,00; no ano de 2002, no valor de € 51167,00; no ano de 2000, no valor de €45072,00; no ano de 1999, o valor de € 37142,00; em 1998 o valor de € 66739,00; e no ano de 2006, o valor de €33969,04 e no ano de 2004, teve o lucro tributável de €562,59 cfr doe de fl.s 39 a 50 cujo teor se dá por reproduzido;

38-No que diz respeito à venda a retalho, a qualidade do bolo-rei que a A. fabrica, torna-o um dos mais procurados por quem vive ou trabalha em Lisboa;

39 "A partir da execução da 2.^ fase da obra, na estação do Saldanha, em finais de 2006, o estaleiro em obra foi instalado na Av.2 Duque de Ávila, ocupando parte da mesma, na qual se situa a Pastelaria AA, nessa parte tendo o trânsito automóvel sido interdito".

40 O circuito por onde circulam os peões, está ladeado por tapumes que diminuem ou eliminam a visão periférica dos transeuntes o que torna o percurso confuso;

41-Os RR. instalaram e fizeram circular e manobrar no estaleiro da obra, a poucos metros do estabelecimento da A., camiões pesados, com betoneiras incorporadas ou destinados ao transporte de materiais de construção ou à retirada de terras e entulhos, tractores pesados, gruas, martelos pneumáticos, guindastes, tractores pesados, retro escavadoras e outros equipamentos

destinados à realização da obra que se propuseram executar;

42-O que obrigou, entre 17.01.2007 e 26.02.2007, ao encerramento da porta da Pastelaria AA, no n^ll-C de polícia da Av. da República;

43-A A. procedeu à protecção dos vidros do estabelecimento contra possível          

44-Por força do referido em 42, a A. organizou o acesso aos seu estabelecimento por uma porta mais estreita, sita no n^lll de polícia, Av. Duque D'Ávila;

45-As obras tornaram as imediações do estabelecimento da A. num local onde, por vezes, o ruído era desagradável;

46-As vibrações produzidas pela circulação e manobras de veículos pesados, das gruas e dos guindastes e o matraquear de potentes martelos pneumáticos, fizeram vibrar o estabelecimento da A., o edifício onde este está instalado e os edifícios da área circundante o que criou nas pessoas uma sensação de incomodidade;

47-A A. é um local que as pessoas procuram para conviver e/ou para, num ambiente calmo e aprazível, consumir os serviços oferecidos e para proceder a encomendas ou adquirir, para consumo no exterior, produtos de cafetaria e de pastelaria;

48-A clientela da Pastelaria AA é constituída por pessoas da classe média, de meia-idade e idosos;

49-o referido em 17 a 21, 39, 42 e 46 a 48, provocou um afastamento da clientela do estabelecimento da A.;

50-O estabelecimento da A. está bem dimensionado, organizado e equipado, o que só um esforço de actualização de processos de atendimento e de fabrico, de modernização, de equipamentos e de contínua formação profissional e aposta na qualidade dos produtos oferecidos e dos serviços prestados é que faz com que esteja aberta ao público desde 1902;

51-A trepidação, o ruído e a emissão de poeira prejudica uma actividade - fabrico e comercialização de produtos e serviços de pastelaria - que tem especial preocupação com a higiene das condições de fabrico e laboração;

52-A A. teve de proteger o estabelecimento das poeiras e lixos provocados pelas obras do Metro;

53-Com especial atenção para os expositores de produtos alimentares e para o transporte desses produtos, para o exterior da Pastelaria AA;

54-O valor das receitas em 2007, após o fecho da porta, é o que consta da tabela constante do referido no art.289 da base instrutória (cfr. fls.300) com a alteração do valor de €2.285 devendo considerar-se o valor de €2.571,13;

55-Depois do fecho da porta, o valor das receitas entre 18.1.05 e 10.2.07, é o que consta do quadro constante do art.29? da base instrutória (cfr. fls.300) corrigindo-se o valor de €2.152,00 para 2.254,46;

56-As receitas globais de 2002 a 2006 têm vindo a diminuir em cerca de 12,91% (€98.869,00);

57-Em termos previsionais para o ano de 2007 e seguindo uma tendência linear dos anos anteriores, podemos afirmar que a variação de 2002 para 2007 será de -18,9%;

58-De 2002 para 2004 o decréscimo foi de 1,3% (€10.020) enquanto que de2004 para 2006 o decréscimo foi de €11,7% (€88.649);

59-De 2004 a 2007 o decréscimo desde 2004 cifra-se em 17,8% (€134.325);

60-O valor mensal efectuado em Dezembro de 2006 foi devido a uma venda de encomendas de bolo rei no valor de €15.232,00;

61-Os valores referidos em 54 e 60, expressam-se na tabela constante da resposta ao quesito 18^ da perícia efectuada;

62-A obra foi sujeita a um processo de avaliação de impacte ambiental, do qual resultou a emissão pelo Sr.Secretário de Estado do Ambiente de uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA);

63-O R. elaborou um plano de Gestão Ambiental (PGA) para o estaleiro da Estação Saldanha II, com o objectivo de definir programas de acção para a implementação das medidas de minimização estabelecidas na DIA, (cfr. escrito que se junta como doe. 2 e aqui se considera integralmente reproduzido);

64.       Mensalmente, o R. elabora relatórios de acompanhamento ambiental que evidenciam a implementação das medidas estabelecidas no PGA, e o R. BB envia-os para o Instituto do Ambiente;

65.-Entidades terceiras, devidamente acreditadas, realizam, com periodicidade previamente definida, campanhas de monitorização para os descritores ruído, vibrações e qualidade do ar;

66.       Previamente ao início dos trabalhos, foram realizadas campanhas de monitorização de referência, com o objectivo de caracterizar o local quanto a ruído, vibrações e qualidade do ar;

67-Da análise dos 11 relatórios de monitorização de ruído já realizados, verifica-se que os valores obtidos se encontram abaixo dos limites estabelecidos na legislação em vigor à data de realização da campanha, com excepção de uma campanha realizada em Março de 2005, devido à laboração pontual de uma grua móvel muito próximo do ponto de medição;

68-Foram elaborados relatórios de monitorização de ruído, vibrações, qualidade do ar, os quais se mostram juntos de fls. 505 a 571, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e cujos resultados são os aí constantes;

69-Para os índices de partículas no ar, contribui o tráfego automóvel;

70-As deslocações de automóveis e conversas de pessoas emitem ruídos;

71-Dá-se aqui por reproduzido o teor dos documentos juntos de fls.231 a 234;

72-Anteriormente ao início da obra, o estacionamento na zona era difícil;

73-A R. teve preocupações de limpeza das imediações da obra;74. A conclusão da obra referida em 8 cria condições para o crescimento de tráfego de pessoas na zona.

3. Relativamente ao mérito da causa, o acórdão recorrido começou por decretar a nulidade da sentença proferida, por ter condenado a R. a indemnizar em valor superior ao do pedido formulado. De seguida,  e após ter  passado em revista os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual , considerou – depois de reconhecer a existência de um dano de clientela e do nexo causal relativamente à execução da obra pública em questão:

A recorrente insurge-se quanto à sentença por ter julgado a sua eventual responsabilidade como se fosse uma entidade pública actuando na prossecução de um fim público, fundando a sua condenação no disposto no art.9 22.e da CRP e no art.9 9.9 do DL n.g 48 051, de 21.11.1967, preceitos que regulam a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas por actos de gestão pública, contrapondo que, tratando-se de uma entidade privada, a sua responsabilidade deveria ser aferida apenas nos termos da responsabilidade civil por facto ilícito.

E, na verdade, é o que resulta da sentença, onde consta, para além do mais, a invocação de que "o principio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento da responsabilidade por actos licítos, acolhido no art. 2 9. ^ do DL 48 051 de 21.11.1967 responsabilidade pública", para se afirmar que a R. actuou na realização de um interesse público, não ficando por isso eximida da obrigação de indemnizar, apesar de não se verificar a existência de qualquer ilicitude resultante da violação de normas a que aquela devesse obediência, tendo as obras sido devidamente licenciadas e cumpridas todas as legis artes. E, com base nessa premissa, concluiu-se que por isso, a ilicitude da R. não está

excluída, dado haver um prejuízo anormal e especial, por se revestir de certo peso ou gravidade, em termos de ultrapassar os limites do que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, extravasando em importância e em peso de sacrifício, os encargos sociais normais, exigíveis em contrapartida da existência de funcionamento e funcionamento dos serviços públicos.

Por seu turno, a recorrida, pugnando pela manutenção da sentença, defende que a R. pode qualificar-se como "agente de estado, no sentido de que ao serviço de uma pessoa colectiva de direito público, executou a vontade dessa pessoa colectiva" e, que por isso "não está isenta do respeito devido às normas constitucionais e aos deveres que estas lhe impõem enquanto pessoa e enquanto agente do Estado" e que foi com base no art.5 483.9do CC que o tribunal a quo concluiu pela condenação.

Da seguida – e após fazer uma análise detalhada do quadro normativo aplicável ao litígio – nomeadamente o regime de empreitadas de obras públicas em vigor e o regime da responsabilidade civil extracontratual , objectiva e subjectiva, emergente de actos de gestão pública – concluiu o acórdão recorrido:

Tendo em conta este elenco, conclui-se que estamos perante uma obra pública, da qual é dono o BB, EP, pessoa colectiva de direito público, que a mandou executar por empreitada, para o efeito tendo sido celebrado o respectivo contrato, no qual assume a posição de empreiteiro o R. agrupamento complementar de empresas (ACE), que através do mesmo vinculou-se "a executar o projecto de execução que lhe foi submetido pelo BB" (facto 23).

No âmbito das relações contratuais entre o dono da obra e o empreiteiro, decorrentes daquele contrato, aplicava-se o regime jurídico vigente relativo às empreitadas públicas, constantes do referido Decreto-Lei ns 59/99, de 2 de Março, entretanto revogado pela Lei n.s 67/2007, de 31 de Dezembro.

No que respeita à responsabilidade civil extracontratual, que é o que aqui nos interessa, há que distinguir entre o dono da obra e o empreiteiro. Ao primeiro, enquanto pessoa colectiva de direito público, agindo "no interesse geral, mediante actos administrativos legais", tem aplicação o disposto Decreto-Lei n.9 48051, de 21 de Novembro de 1967, entretanto revogado pela Lei n9 67/2007, de 31 de Dezembro. Mas já quanto ao segundo, apenas têm aplicação as regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, previstas nos artigos 483.2 e seguintes do CC.

Na verdade, a intervenção da R. é apenas a de executante da obra, através do contrato de empreitada, conforme definida e projectada pelo dono da obra, a quem cabia obter, como o fez, todas as autorizações e licenciamentos necessários (facto 24), nomeadamente quanto à ocupação do espaço público, com as obras e estaleiro, incluindo as alterações ao trânsito de veículos, pedonal ou alterações relativas ao acesso a transportes públicos na área onde decorria a obra (factos 25 a 28, e 33), bem assim quanto às questões de natureza ambiental, neste particular tendo sido emitido uma declaração de impacte ambiental, pelo Secretário de Estado do Ambiente (factos 62 a 64).

Nem a R. é uma pessoa colectiva pública, nem a qualidade de empreiteiro, executante da obra pública, significa qualquer intervenção como agente de administração, substituindo-se ao Estado ou ao BB, nomeadamente, dispondo de quaisquer poderes para praticar quaisquer actos de gestão pública.

Quanto ao que são actos de gestão pública, o Decreto-Lei n.s 48 051, de 21 de Novembro de 1967, não os define, mas a jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, tem

pacificamente decidido (no âmbito da distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada) que os actos de gestão pública os praticados pelos titulares dos órgãos ou por agentes de uma pessoa colectiva pública, que se compreendem no exercício de um poder público, na realização de uma função compreendida nas atribuições de um ente público, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente ainda das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos actos devem ser observadas [Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 04-03-2004, proc.s 010/03,

disponível em http://www.dgsi.pt].

Precisamente por isso, relativamente à R., não tem aplicação o regime de responsabilidade extracontratual civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública, constante do Decreto-Lei n.9 48051, de 21 de Novembro de 1967.

Significa isto, necessariamente e contra o que foi entendido na sentença, que relativamente à R. o dever de indemnizar não pode ser aferido face ao disposto no art.e 9.3 daquele diploma.

Por conseguinte, fazendo-se uso da lição do Professor Marcelo Caetano (Manual de Direito Administrativo, Tomo II, pp. 983 e 984, 9.^ ed., Coimbra Editora), invocado e citado pela recorrida, o empreiteiro de obras públicas "é responsável por todos os erros de execução que não resultem de obediência a ordens ou instruções escritas transmitidas pelo fiscal da obra ou que tenham obtido expressa concordância deste (..) A responsabilidade implica por um lado, a obrigação de efectuar as obras, alterações e reparações necessárias à adequada supressão das deficiências verificadas e, por outro lado, a obrigação de indemnizar a outra parte ou terceiros pelos prejuízos causados".

O que vale por dizer, contrariamente à interpretação que a recorrida pretende retirar, que qualquer dever de indemnização por prejuízos causados pelo empreiteiro na execução da obra, depende de os mesmos terem resultado de "erros de execução", ou seja, de uma actuação desconforme ao projecto que se obrigou a observar, ou então desconformes às regras da arte para aquele tipo de obra, em qualquer dos casos desde que tal resulte de uma conduta ilícita e culposa.

Ora, a verdade é que tal não se verifica.

Decorre inequivocamente dos factos assentes, de resto como se concluiu na sentença recorrida, que a R., no que respeita, à ocupação de espaço público em geral, cumpriu rigorosamente o projecto que  lhe foi submetido pelo Metropolitano, executando-o em

conformidade com as autorizações e licenciamentos concedidos pelas autoridades competentes, os quais foram previamente obtidos por aquele dono da obra.

O mesmo é de dizer quanto ao impacto ambiental provocado pela execução da obra, nomeadamente aos ruídos, vibrações e poeiras. Ficou provado estar evidenciado que a R. implementou as medidas estabelecidas no Plano de Gestão Ambiental elaborado pelo R. BB, EP, e as campanhas de monitorização realizadas periodicamente por entidades terceiras acreditadas revelaram, constando tal de 11 relatórios, que os valores obtidos se encontravam abaixo dos limites estabelecidos na legislação em vigor, excepto numa campanha realizada em Março de 2005, ai resultante da laboração de uma grua móvel muito próximo do ponto de medição (factos 63 a 68).

Como inicialmente se deixou dito, para além da responsabilidade civil contratual, o empreiteiro é também responsável no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, mas desde que no exercício dessa sua actividade e na execução dos trabalhos para realização da obra, desrespeite ilicitamente e com culpa direitos de terceiro, provocando-lhe danos (artigo 4839, ne. i/ d0 Código Civil).

Mas como também se deixou dito, para que haja essa responsabilidade é necessário que se mostrem verificados todos os requisitos da responsabilidade civil que então se enunciaram, cabendo à recorrida o ónus de alegação e prova (art.9 342.? 1, do CC).

Ora, do que se vem expondo, conclui-se não existirem factos provados que permitam considerar verificada a existência de qualquer ilicitude ou actuação culposa por parte da R. ao executar a obra.

4. Inconformada com este sentido decisório, interpôs a A. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões, que lhe definem o objecto.

   1.      Com a sua conduta ilícita a Recorrida causou à Recorrente prejuízos traduzidos na diminuição do valor das receitas da Recorrente, de 2002 a 2006, em 12,91% (€ 98 869,00), sendo que de 2002 a 2004 a diminuição foi de 1,3% (€ 10 020,00), e de 2004 a 2006 foi de 11,7% (€ 88 649,00), cifrando-se o decréscimo, no período de 2004 a 2007, em € 17,8% (€ 134 325,00).

2.         Após o início da execução das obras e ao longo dos meses, até 2007, houve um acentuar progressivo do decréscimo de receitas, a que não foi alheio todo o circunstancialismo

que envolveu aquela execução, nomeadamente com implicações nas alterações de trânsito em automóvel e a pé, bem como nos acessos aos transportes públicos, instalação do estaleiro junto ao estabelecimento, um período com o acesso principal sem possibilidade de utilização e a produção de ruídos, vibrações e poeiras, que conjuntamente concorreram para a diminuição de clientela.

3.         Houve, assim, dano e foi possível estabelecer o nexo causal entre o dano e aqueles factos, isto é, verificou-se o pressuposto essencial para haver obrigação de indemnizar, pois no tempo em que durou a obra houve efectiva quebra das receitas, sendo, porém, certo que não se conseguiu apurar, nem tal se afiguraria possível, nem exigível "probatio diabólica", a medida da perda da clientela efectivamente traduzida em números de receita.

4.         Por isso se recorreu à equidade, analisando as receitas dadas como provadas reportadas aos diversos anos apresentados.

5.         Com efeito, prescreve o art.566", n°3 do CCivil, que no caso de não ser possível averiguar o valor exacto dos danos, o Tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados. Tem-se porém doutrinado que a fixação da indemnização segundo critérios de equidade só se impõe quando esgotadas as possibilidades de apuramento com base nas quais o seu apuramento haja de ser determinado sendo, em nosso entender, este o caso.

6.         Ponderando, assim os valores de receitas dados como provados e todos os valores constantes da factualidade assente, o tempo de decurso da obra e considerando, ainda, que os danos se compensam com vantagens, sendo certo que também ficou dado como provado que a conclusão da obra cria condições para o crescimento de tráfego de pessoas na zona, o tribunal julga adequado fixar à A. a indemnização de € 250.000,00, decisão actualizada à data do encerramento da discussão em 1a instância e os juros de mora devidos por efeito do n° 3 do art. 805° vencem-se a partir da decisão actualizadora - isto é, do momento tido em conta ao operar aquele cálculo.

7.         Das respostas dadas à matéria de facto facilmente se retira a configuração do estado de necessidade em que a Recorrida colocou ilicitamente a Recorrente.

8.         A Recorrida praticou livremente e nos termos em que se propôs levá-la a efeito toda a actividade de que resultaram os alegados danos.

9.         Os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, absorver ou suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum ou da sociedade, cabendo a esta, nos casos em que aqueles sacrifícios possam ser e tenham de ser impostos, compensá-los dos prejuízos causados.

10.       O confronto e ponderação de interesses postulam um dever de solidariedade, que o n.° 2 do art. 339° do CCIV revela, como princípio geral, facultando a reparação dos danos por quem tirou proveito do acto ou contribuiu para o estado de necessidade. Deverá, pois, ter lugar

a reparação de lesões de direitos de particulares sacrificados em consequência de conflitos de interesses se o lesado não teve intervenção como causador da situação de conflito.

11.       Do exposto resulta a ilicitude na actuação da Ré.

12.       A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, tomada esta expressão no sentido de dano real.

13.       Rege esta matéria o disposto no Art.563° do C.C., disposição que consagrou a teoria da causalidade adequada: o Autor do facto será obrigado a reparar aquele dano que não se teria verificado sem esse facto e que abstraindo deste seria de prever que não se tivessem verificado.

14.       Assim sendo, estão abrangidos pela obrigação de indemnizar os danos causados à Recorrente, compreendendo não só o prejuízo causado nos bens existentes na titularidade da lesada - danos emergentes -, como também, os benefícios que a lesada deixou de obter por causa do facto ilícito -lucros cessantes. Cfr.Art.564°, n°1 do C.C.

15.       Os danos devem compensar-se com as vantagens e uma vez que determinados os danos, de que o facto foi causa adequada, serão esses os danos que o responsável será obrigado a reparar, pois a indemnização tem por fim reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento danoso e atender-se-á no seu cálculo, não só aos prejuízos causados como aos benefícios perdidos em consequência da lesão, incluindo os danos futuros previsíveis.

16.       Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (art. 483, n.° 1, do CCIV).

17.       Foi com base neste preceito que a Exma. Juiz da 1.a instância impôs à Recorrida, que manifestamente tirou proveito do estado de necessidade em que ilicitamente colocou a Recorrente e contribuiu para esse estado de necessidade, que reparasse os danos que comprovadamente lhe causou.

18.       Foi ao abrigo do referido preceito legal que a sentença recorrida decidiu pela reparação de lesões dos direitos da Recorrente, que foram comprovadamente sacrificados sem que esta tenha tido qualquer intervenção como causadora de conflito com a Recorrida.

19.       Assim, e ao contrário do que sustenta a Recorrida, houve violação ilícita do direito da Recorrente, traduzido na diminuição de receitas emergente da diminuição de clientela, esta afastada por causa das obras realizadas pela Recorrida.

20.       Sendo impossível a averiguação exacta dos danos sofridos pela ora Recorrente, nem sendo razoável a exigência de tal prova, a Exma. Juiz da 1 .a instância, nos termos do art. 566.°, n.° 3 do CCIV, recorreu à equidade para fixar o valor dos danos e fê-lo dentro dos limites que teve por provados.

21.       O recurso à equidade e à decisão actualizada têm cobertura na lei civil: a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

22.       Ora a data mais recente que a Exma. Juiz recorrida pode atender foi, exactamente, a data em que se encerrou a discussão em 1.a instância.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso de revista, com custas e procuradoria pela Recorrida.

A R. /recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do decidido – e salientando que a questão do eventual estado de necessidade constitui matéria inteiramente nova, insusceptível de ser invocada, pela primeira vez, no âmbito de um recurso de revista.

5. Importa começar por caracterizar, com o indispensável rigor, a presente situação litigiosa, apurando, nomeadamente, quais os seus aspectos peculiares e qual a exacta configuração da causa de pedir invocada pela A:

Assim, cumpre realçar que, no caso dos autos:

- está em causa a apreciação de pretensão indemnizatória deduzida exclusivamente contra o empreiteiro de determinada obra pública, já que – por decisão definitiva – se julgou incompetente em razão da matéria a ordem dos tribunais judiciais para conhecer do pedido indemnizatório apresentado contra a empresa pública/ dono da obra:

- o direito lesado tem, na presente situação , uma dimensão exclusivamente patrimonial, sendo configurado como lesão de um invocado «direito à clientela» do estabelecimento da A., afectado pelas consequências nocivas ou perturbadoras dos impactos da obra pública realizada nas imediações do seu estabelecimento comercial: não estão, deste modo, em causa – como tem sucedido a propósito de acções análogas - lesões de bens pessoais ou de direitos de personalidade, ocasionados pela realização de obras públicas que, pela sua dimensão e pela  forma ou intensidade como são executadas ( por exemplo, num regime de laboração contínua ou ininterrupta, ditado pela urgência de terminar a obra em causa – cfr. a situação objecto do Ac. de19/10/10, proferido pelo STJ no P. 565/1999.L1.S1 ) afectam negativamente e de forma muito intensa bens da personalidade de quem reside nas imediações.

   Por outro lado, a apreciação da responsabilidade civil invocada no confronto da R. depende decisivamente de nos movermos no âmbito da responsabilidade subjectiva ou objectiva – sendo evidente e inquestionável que, a tratar-se de responsabilidade subjectiva, o lesado tinha inquestionavelmente de provar – para preenchimento da fattispecie do art. 483º do CC - o cometimento de um facto ilícito e culposo : ou seja, que ocorreu violação de um seu direito subjectivo ou, pelo menos , de uma disposição legal destinada a proteger o círculo de interesses alheios em causa e que tal comportamento é, enquanto devido a dolo ou negligência do lesante, censurável.

   Ora, é nesta perspectiva que se parece situar a A., ora recorrente, ao sustentar na sua alegação a ilicitude da actuação da R e ao invocar, como base da sua pretensão , o disposto no art. 483º, nº1, do CC.: porém, e como bem realça o acórdão recorrido, não se vê, na matéria de facto provada, onde se possa situar tal juízo de ilicitude e de culpa, já que não estão minimamente demonstrados factos que revelem um erro, excesso ou desproporção na execução pela sociedade/empreiteira das suas obrigações contratuais ; ora,  não sendo notada a violação de quaisquer normas legais ou regulamentares ou de qualquer dever de zelo ou diligência na actuação do empreiteiro, as consequências nocivas ou desfavoráveis nas expectativas da actividade empresarial da A. surgem como consequência inelutável da realização, mesmo cuidadosa e diligente e em total harmonia com os regulamentos aplicáveis, da obra pública em questão.

   Isto não implica obviamente que, em determinadas circunstâncias particulares e específicas, as entidades públicas não possam estar obrigadas, em termos objectivos – ou seja, independentemente de culpa ou, inclusivamente, do cometimento de um acto ilícito -  a ressarcir os particulares de danos causados por actuações técnicas que não tenham  na sua base um comportamento ilícita e culposo, bastando – desde logo - que a realização do interesse público tenha implicado um prejuízo anormal ou especial para determinado cidadão, de modo a extravasar a normal contribuição para os encargos sociais a todos exigível como contrapartida da realização do interesse público: porém, como bem afirma o acórdão recorrido, este tipo peculiar de responsabilidade objectiva por actos de gestão pública, decorrente da previsão normativa que constava do art. 9º do DL 48051, não é convocável no confronto de uma sociedade comercial, mera empreiteira de certa obra pública, e, enquanto tal, desprovida da natureza de pessoa colectiva pública. E, não estando em apreciação na presente acção a possível responsabilidade do Estado ou da entidade pública/dona da obra, dado o decidido definitivamente em sede de incompetência absoluta, é manifesto que está arredada a possibilidade de aplicação à ora R, de tal regime normativo.

   Nem parece ser esta, em bom rigor, a linha argumentativa seguida neste recurso pela A./recorrente , que não insiste minimamente na aplicabilidade à R./recorrida do regime fixado naquele art. 9º do DL 48051 : subsidiariamente à referida tese da ilicitude do comportamento da R., vem agora a A. pugnar pela aplicabilidade  do nº2 do art. 339º do CC, enquanto nele se prevê um caso de responsabilidade civil por facto lícito, obrigando a indemnizar o autor da destruição ou danificação de coisa alheia, cujo comportamento seja justificado por uma situação de estado de necessidade.

   Porém, como é evidente, esta reconfiguração normativa da causa de pedir – pretendendo-se agora convolar do plano da responsabilidade por factos ilícitos para um tipo particular de responsabilidade civil por facto lícito , previsto na lei civil a propósito das causas de justificação da ilicitude – implicava obviamente que toda a factualidade relevante para esta inovatória qualificação jurídica constasse do processo: ou seja, os factos processualmente adquiridos deveriam demonstrar categoricamente a existência de uma situação de estado de necessidade, levando as RR. a danificarem ou destruírem coisa alheia para remoção de um perigo actual de um dano manifestamente superior ao causado – e surgindo o dever de indemnizar, apesar da justificação do facto lesivo, como corolário de um princípio de justiça e equidade.

   Não parece, todavia, que esta particular situação de facto seja minimamente retratada no elenco de factos provados : é que a normal realização de determinado projecto de obra pública, sem qualquer urgência particular e sem qualquer necessidade imperiosa de remover um perigo actual não pode razoavelmente enquadrar-se na previsão normativa do citado art. 339º do CC.  Na verdade, não tendo sido alegados nem provados factos susceptíveis de preencherem adequadamente os pressupostos desse tipo de responsabilidade civil por facto lícito, é manifesto que não tem qualquer cabimento a inovatória reconfiguração normativa da causa petendi, realizada em fase de recurso.

  Importa realçar de novo que a situação factual dos autos é substancialmente diversa de outros casos, nomeadamente a subjacente ao já citado Ac. de19/10/10, proferido pelo STJ no P. 565/1999.L1.S1 : na verdade, na peculiar situação em litígio nesse processo, os danos em bens de personalidade dos lesados haviam sido causados pela adopção de um modelo de funcionamento ininterrupto e totalmente contínuo da obra de construção da rede do metropolitano, sem respeitar qualquer período de repouso nocturno, determinada governamentalmente para possibilitar o acesso à Expo – 98 - sendo este objectivo de essencial e premente realização do interesse público que ditou precisamente a imposição aos lesados de particular compressão quanto aos seus direitos fundamentais de personalidade. Ora, se neste caso ainda será possível vislumbrar uma hipotética situação de estado de necessidade , por a conclusão da obra pública em prazo absolutamente imperativo poder representar a remoção de um dano manifestamente superior ( consubstanciado na inviabilidade dos acessos à Expo 98, a abrir em data não prorrogável, se a rede de metropolitano não estivesse tempestivamente concluída), no caso dos autos, em que não está alegada qualquer situação de especial urgência ou premência na realização da infra-estrutura pública em causa, não pode caracterizar-se adequadamente qualquer situação de estado de necessidade.

   Note-se que este entendimento – traduzido na não aplicabilidade ao caso dos autos da norma do art. 339º do CC – não significa obviamente que os particulares estejam sujeitos à necessidade de, em qualquer circunstâncias, em homenagem à realização do interesse público, terem de absorver exclusivamente lesões dos seus direitos ou interesses legítimos ou suportar individualmente sacrifícios irrestritos em nome do bem comum da colectividade

- cabendo a esta, nos casos em que sacrifícios desproporcionados tenham de ser impostos a determinados cidadãos, compensá-los dos prejuízos causados : o confronto e ponderação de interesses pode efectivamente  postular um dever de solidariedade ou de igualdade e justiça ou equidade perante a repartição dos encargos públicos, de modo a  facultar-se a reparação dos danos por quem tirou proveito do acto, sem que o lesado tenha tido intervenção como causador da situação de conflito.

Só que o instrumento jurídico adequado para alcançar tal indemnização equitativa de um dano individual desproporcionado, causado pela prevalente realização do interesse público, é – nas circunstâncias dos presentes autos - o que flui da previsão normativa contida no art. 9º do DL 48051, obrigando a colectividade/ beneficiária da obra pública – institucionalmente representada pela pessoa colectiva pública que a realiza – a indemnizar os danos especiais e anormais que tenham causado a cidadãos determinados, mesmo que através de uma actuação lícita e diligente.

Porém, como se viu, a aplicação desta norma está precludida pela circunstância de, por um lado, ter transitado em julgado a decisão que julgou incompetentes em razão da matéria os tribunais judiciais para apreciarem a responsabilidade civil imputada à entidade pública que procedia à realização da obra geradora do impacto ambiental lesivo; e, por outro, pelo facto de tal regime normativo especial não ser aplicável à R. nos presentes autos – mera sociedade comercial, insusceptível de se poder qualificar, enquanto empreiteiro de certa obra, como pessoa colectiva pública.

   Por outro lado, o sentido decisório alcançado torna obviamente inúteis as questões colocadas pela recorrente quanto ao montante indemnizatório peticionado e arbitrado.

6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Novembro de 2012

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor