I - Numa acção proposta por autor contra réu pedindo a indemnização pelos danos que sofreu em consequência de estragos provocados no seu prédio pelas obras realizadas no prédio do réu – entre os quais a cessação de um contrato de arrendamento, entre o autor e um terceiro, que se mantinha no r/c do prédio e que havia sido acordado por 10 anos – não releva uma eventual invalidade desse mesmo contrato de arrendamento, uma vez que a existência de danos é independente da validade do mesmo e o vício (de nulidade), de que o réu se quer prevalecer, não se fundamenta na tutela de interesses seus.
II - Para efeitos de determinação dos danos a indemnizar têm de ser consideradas as rendas que, de facto, deixaram de ser pagas ao autor, por facto imputável ao réu, pois correspondem a ganhos que efectivamente aquele deixou de auferir (art. 564.º, n.º 1, do CPC).
III - Não faz sentido a decisão da Relação de – quanto ao montante da indemnização por lucros cessantes – fixar o momento final do pagamento dessas rendas no início das obras realizadas pelo autor no seu prédio, uma vez que resultou provado que a necessidade dessas mesmas obras, realizadas pelo autor, teve como causa os estragos causados pelo réu.
IV - É devida, assim, ao autor uma indemnização correspondente à renda mensal entre a cessação do contrato pelo arrendatário (por causa imputável ao réu) e a data em que esse mesmo arrendamento terminaria (não fora a cessação antecipada do mesmo).
O réu contestou. Em síntese, reconheceu que as referidas obras tinham causado danos no prédio do autor e disse que sempre tinha estado disposto a repará-los; mas discordou da gravidade que o autor lhes atribui e da forma como pretendeu “resolver o problema”. Quanto ao contrato de arrendamento, pôs em causa que o documento junto aos autos correspondesse ao contrato efectivamente celebrado, questionou a respectiva validade por não ter sido assinado pela usufrutuária, mãe do autor e entretanto falecida, alegou que a arrendatária pôs fim ao contrato para reduzir custos e rejeitou que fosse responsável “a título de lucros cessantes”. Requereu a intervenção acessória da empreiteira, Construções DD, Lda., que veio a ser admitida pelo despacho de fls. 199.
O autor respondeu.
Construções DD, Lda, contestou, sustentando que os trabalhos de demolição do prédio do réu, escavação e preparação do terreno foram realizados por um outro empreiteiro, “sendo que quando da sua entrada em obra tais trabalhos estavam realizados”, não tendo portanto qualquer responsabilidade nos danos em causa na acção.
Em articulado superveniente, a fls. 389, o réu veio alegar que o autor pretendia demolir parcialmente o prédio e construir um edifício novo; seguiram-se os articulados de fls. 513, 674 e 774, dando conta da evolução das obras, aos quais o autor respondeu.
Pela sentença de fls. 930, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo o réu condenado a pagar ao autor:
“a) A quantia de €51.250,00, acrescida do montante correspondente ao IVA à taxa que se encontrar em vigor aquando do pagamento;
b) A quantia de €131.601,51: e
c) A quantia mensal de €1.415,17 a partir de Maio de 2011 (inclusive), até à data em que vier a ser efectuado o pagamento da quantia referida na alínea a), ou até à data em que seja atingido o montante global peticionado de €245.671,80 (se tal ocorrer primeiro do que o referido pagamento).”
Em síntese, o tribunal considerou estar demonstrado que era de € 51.250,00 “o custo estimado da reparação do (…) prédio” do autor; e que, quanto às rendas que deixou de cobrar, “o lucro cessante do Autor surgiu com a cessação do contrato de arrendamento (portanto, a partir de 1/8/2003 (…), tem como medida a quantia mensal de € 1.415,07 (valor da última renda recebida pelo Autor – (…) e perdurará, pelo menos, até que o Réu lhe pague a indemnização devida pelos danos emergentes causados (a referida quantia de € 51.250,00, acrescida de IVA), embora com o limite (somatório de todos os danos) de € 245.671,80, correspondente ao montante global peticionado (princípio do pedido - Artigo 661° do C.P.C.). Até à presente data (Abril de 2011 – cfr. o disposto no Artigo 566°, n° 2, do Código Civil), o montante do dano em causa ascende a € 131.601,51 (€1.415,17 x 93 meses), à qual acresce a quantia mensal de € 1.415,17 a partir de Maio de 2011 (inclusive) até que o Réu pague ao Autor o referido montante de € 51.250,00, acrescido de IVA, ou até que a totalidade dos pagamentos que o Réu efectuar ao Autor atinja o montante global peticionado (€ 245.671,80).”
O réu recorreu para o Tribunal da Relação do Porto. Pelo acórdão de fls. 1157, a apelação foi julgada parcialmente procedente: “julga-se a apelação parcialmente procedente e altera-se a sentença, confirmando a condenação na quantia constante da alínea a) do decisório, e revogando a condenação contida nas alíneas b) e c), que se substitui pela condenação do R. no pagamento da quantia de € 58.017”.
A Relação considerou que o autor tinha pedido a condenação no pagamento das rendas correspondente ao tempo que medeia “entre a saída da locatária e o termo previsto para o contrato”, o que conduzia a um limite de 90 rendas, que a sentença não observou; e que, de qualquer modo, o início das obras por parte do autor, “nos moldes em que o fez, sempre teria de suspender o contrato de arrendamento aquando do seu início”; por isso, os danos só poderiam reflectir as rendas que o autor deixou de auferir até ao início das obras (€ 58.017,00).
2. Ambas as partes recorreram; e os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram recebidos como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações de recurso, o autor formulou as seguintes conclusões:
“1º O presente recurso tem por objecto a impugnação do acórdão recorrido no que toca à decisão que estabeleceu o quantum indemnizatório a que foi condenado o réu, ora recorrido, BB a título de lucros cessantes, seja € 58.017,87 (cinquenta e oito mil e dezassete euros e oitenta e sete cêntimos), porquanto o autor, aqui recorrente, discorda quer desse montante, por manifesto defeito quer da fundamentação – ou ausência dela – que levou àquela quantia.
2º O pedido de indemnização formulado pelo recorrente na petição inicial tem na sua génese as obras que o recorrido realizou no seu prédio e os danos que essas mesmas obras provocaram no prédio vizinho, propriedade do recorrente.
3º O recorrente pediu a condenação do recorrido no montante de € 118.315,50 a título de danos emergentes sofridos no seu prédio e no montante de € 127.356,30, a título de lucros cessantes resultantes da perda de rendas que deixou de auferir.
4º O recorrente discorda do montante, do raciocínio – e da (falta) de fundamentação – em que o acórdão de que se recorre condenou o recorrido a título de lucros cessantes, seja € 58.017,87 (cinquenta e oito mil e dezassete euros e oitenta e sete cêntimos).
5º O pedido de indemnização, formulado pelo recorrente visa compensá-lo pela frustração do ganho que ocorreu com a denúncia do contrato de arrendamento, por parte do seu inquilino "A CC, Lda.", em virtude de o seu imóvel, por causa dos danos provocados pelas obras no prédio do recorrido BB, ter deixado de reunir as condições necessárias para que a aludida sociedade comercial continuasse a desenvolver, naquele local, a sua actividade.
6º O montante de € 127.356,30 peticionado pelo recorrente corresponde ao valor das rendas mensais que o recorrido deixou de auferir desde o último pagamento de renda realizado pela "CC, Lda.", em Julho de 2003, até ao final do contrato de arrendamento, seja 31 de Dezembro de 2010 (€ 1.417,07 X 90 meses = € 1-27.536,30}
7º O tribunal de primeira instância condenou o recorrido no pagamento ao recorrente, a título de lucros cessantes, das seguintes quantias: '... b) A quantia de € 131.601,51; c) A quantia mensal de € 1.415,17, a partir de Maio de 2011 (inclusive), até à data em que vier a ser efectuado o pagamento da quantia referida na alínea a), ou até à data em que seja atingido o montante global peticionado de € 245.671,80 (se tal ocorrer primeiro do que o referido pagamento)'.
8º O Acórdão recorrido revogou esta parte da sentença substituindo-a pela condenação do recorrido no pagamento ao recorrente do montante de € 58.017,87, a título de lucros cessantes.
9º A causa de pedir que subjaz ao valor peticionado a título de lucros cessantes, seja €127.536,30, "... é a interrupção do percebimento das rendas entre a saída do locatário e o termo previsto para o contrato (cfr. art.s 24º, 25º, 33º e 48º da p.i.).".
10º O recorrente, com o devido respeito, discorda do montante e dos fundamentos com que o acórdão recorrido condenou o recorrido ao pagamento da indemnização a título de lucros cessantes.
11º O acórdão recorrido violou o artigo 564º do Código Civil, no que tange ao direito à indemnização do recorrente, a título de lucros cessantes, na medida em que a indemnização em que o recorrido foi condenado não compensa o recorrente da totalidade dos lucros que deixou de auferir em consequência dos danos infligidos no seu prédio pelas obras realizadas no prédio do recorrido.
12º A indemnização, a título de lucros cessantes, a atribuir ao recorrente, e que foi solicitada, teria de compensá-lo pela totalidade dos lucros cessantes que efectivamente teve, seja € 127.536,30, correspondentes às noventa rendas mensais que deixou de auferir até ao final do contrato de arrendamento celebrado com a CC, Lda, que ocorreria em 31 de Dezembro de 2010.
13º Em razão dos danos provocados no seu prédio e da denúncia do contrato de arrendamento, o recorrente viu o seu ganho frustrado em € 127.536,30, valor correspondente às 90 rendas que deixou de receber desde a denúncia do contrato de arrendamento até ao termo previsto para a vigência desse contrato.
14º As obras que o autor, ora recorrente, realizou no seu prédio foram obras forçadas e urgentes, que se ficaram a dever à extensão dos danos que foram infligidos no seu prédio e ao perigo que esses danos representavam para esse mesmo imóvel, facto que o próprio acórdão recorrido reconhece.
15º O recorrente alegou e demonstrou, como ficou reconhecido em primeira instância assim como pelo acórdão recorrido, a urgência em realizar obras urgentes no seu prédio, bem assim que as obras que submeteu a apreciação junto da Câmara Municipal de Matosinhos não alteram a volumetria do edifício e se traduziam na remodelação da compartimentação interior do R/chão e do lº Andar.
16º Do acórdão recorrido não resulta o raciocínio lógico que levou à fixação do montante indemnizatório em que o recorrido foi condenado.
17º O acórdão recorrido não especifica qual a previsão normativa em que se baseia para fixar tal indemnização.
18º O acórdão recorrido padece de omissão da fundamentação de facto e de direito que resultou na revogação da sentença proferida em primeira instância e que culminou na redução da condenação do recorrido no pagamento da indemnização a título de lucros cessantes.
19º O acórdão recorrido não indica nem interpreta qualquer norma jurídica que apoie a decisão final, seja a condenação do recorrido no pagamento ao recorrente de uma indemnização correspondente aos lucros cessantes no montante de € 58.017,87 (correspondente ao período compreendido entre a última renda paga pela CC, Lda. e o mês de início das obras -Janeiro de 2007), e não no montante peticionado de € 127.536,60 (correspondente ao número de meses – 90 – compreendidos entre a última renda paga pelo inquilino CC, Lda. – Julho de 2003 – e o final previsto para o contrato de Arrendamento, 31 de Dezembro de 2010).
20º A "opção" do acórdão recorrido em fixar o limite da indemnização por lucros cessantes no mês de início das obras no prédio do recorrente e não no final do contrato de arrendamento é injustificada – porque não justificada ou apoiada em qualquer previsão normativa – e, por conseguinte, ilegal e arbitrária.
21º O acórdão recorrido viola o nº 2 do artigo 659º do Código do Processo Civil.
22º O raciocínio plasmado no acórdão que levou à fixação da data limite para a determinação do quantum indemnizatório é ininteligível e contraditório.
23º Da factualidade dada como provada resulta que os danos provocados no prédio do recorrente "... punham em causa a estabilidade e a estrutura do prédio do Autor..." – cfr. ponto 24 da factualidade dada como provada – sendo que o início das obras foi fixado, pelo acórdão recorrido, em inícios de 2007.
24º Quando o recorrente apresenta o requerimento na Câmara Municipal de Matosinhos – Dezembro de 2005 – informando que pretendia proceder à demolição parcial do prédio e aí construir obra nova, solicitando licença pelo prazo de 24 meses, a CC, Lda., seu arrendatário, já havia denunciado o contrato de arrendamento, tendo pago a última renda em Julho de 2003 (ponto 29 da matéria de facto dada como provada).
25º As obras que o recorrente pretendia levar a cabo eram obras urgentes e que não implicavam a edificação de um prédio novo, o que é reconhecido pelo acórdão recorrido.
26º O início das obras não pode fazer cessar o seu direito a ser indemnizado pelas rendas que deixou de auferir entre Janeiro de 2007 e o final do contrato de arrendamento celebrado com a CC, Lda., que ocorreria em 31 Dezembro de 2010, na medida em que prosseguiu o não percebimento das rendas.
27º O acórdão recorrido viola o nº 3 do artigo 659º do Código do Processo Civil uma vez que não fez um exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
28º Compete ao julgador, através de um jogo crítico adequado – o exame crítico das provas –, extrair das provas as suas consequências lógicas, o que não ocorreu.
29º No acórdão recorrido verifica-se uma absoluta ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão pela qual o julgador decidiu da forma como o fez, ou seja, ocorreu uma verdadeira falta de fundamentação.
30º O raciocínio levado a cabo no acórdão recorrido, acerca de outros pontos alvo de recurso por parte do agora recorrido, é contraditório com a decisão alvo de impugnação por parte do recorrente.
31º Ao considerar que as obras levadas a cabo pelo recorrente no seu prédio como necessárias e urgentes, que não implicam a construção de um novo imóvel e que este se encontra devoluto, impunha-se ao acórdão uma decisão distinta, nomeadamente a condenação do recorrido no pagamento ao autor de uma indemnização, a título de lucros cessantes, que o compensasse pelo valor das rendas que deixou de auferir desde a última renda paga pela CC, Lda., Julho de 2007, até ao final do contrato de arrendamento, 31 de Dezembro de 2010.
32º A decisão recorrida não especificou os fundamentos de facto e de direito que a justificam, resultando do acórdão, ainda, uma oposição entre o raciocínio, os seus fundamentos, tecidos sobre pontos suscitados pelo recorrido no seu recurso e a decisão final de que o recorrente ora recorre.
33º o acórdão recorrido é nulo, na medida em viola o disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 668º do Código do Processo Civil.
34º Da conjugação das razões atrás expostas resulta que a decisão do acórdão recorrido deveria ter sido outra, ou seja, impunha-se a condenação do recorrido no pagamento ao recorrente de uma indemnização, a título de lucros cessantes, no montante de € 127.536,30 correspondente ao valor das noventa rendas (cada uma no montante de € 1.415,07) que o recorrido deixou de auferir desde o pagamento da última renda por parte da CC, Lda. – Julho de 2003 – até ao final do contrato de arrendamento celebrado com esta firma, seja 31 de Dezembro de 2010, como consequência dos danos que as obras no imóvel do recorrido provocaram no prédio do recorrente.
35º O acórdão recorrido é nulo na medida em que violou o disposto nos artigos 659º, nºs 2 e 3 e 668º, nº 1, alíneas b) e c), todos do Código do Processo Civil.”
Nas alegações do recurso que interpôs, o réu apresentou as seguintes conclusões:
“1. Na sua contestação, o ora Recorrente pôs em causa a validade do contrato de arrendamento invocado pelo Autor, o que reiterou em sede de apelação, nenhuma razão havendo para que tal questão deixasse de ser apreciada jurisdicionalmente.
2. O acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668°.l. d) do Código de Processo Civil, porquanto o Tribunal não se pronunciou sobre a questão, expressamente colocada, da (in)validade do contrato de arrendamento pretensamente titulado pelo documento de fls. 59-61.
3. O contrato de arrendamento objecto destes autos é nulo, pela aplicação conjugada dos artigos 892° e 939° do Código Civil, porquanto estamos perante o arrendamento de bem alheio, acto que foi praticado pelo Autor, sem poderes e sem legitimidade para tal.
4. Nos termos do disposto no artigo 286° do Código Civil, a nulidade é de conhecimento oficioso, sendo invocável a todo o tempo por qualquer interessado.
5. Um negócio nulo não produz efeitos ab initio, sendo que a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289°.l do Código Civil).
6. No caso de um contrato de arrendamento nulo em que, apesar da nulidade, tenha havido fruição da coisa e tenha havido entrega da renda convencionada, a verificação da nulidade implica a restituição do locado.
7. Todavia, não tem lugar a devolução dos valores entretanto pagos pelo locatário, sendo tais valores tomados como a contrapartida da fruição que o locatário efectivamente teve.
8. Mas quanto a outros valores, nomeadamente rendas futuras ou vincendas, nada o locador pode reclamar, pois esse crédito pressupõe a validade do arrendamento – pressuposto que falha, visto ser nulo o negócio.
9. No caso dos autos, pouco importando a razão pela qual isso sucedeu, se a entidade arrendatária deixou o local em Julho de 2003 e se a última renda que pagou respeita a esse mês, não poderia o Autor reclamar daquela entidade qualquer "renda" quanto aos meses seguintes (por muito que alegasse que o período de vigência convencionado fora de 10 anos), o que é mais uma decorrência da nulidade do arrendamento e, assim, das respectivas cláusulas.
10. Se o arrendamento é nulo, não produz efeitos; se não produz efeitos, não há crédito de rendas; se não há crédito de rendas, não pode falar-se em perda de rendas; se não pode falar-se em perda de rendas, não há lucros cessantes; se não há lucros cessantes, nada pode ser peticionado e concedido a esse título.
11. Nada nos autos permitia ao Tribunal afirmar a existência de um contrato de arrendamento comercial válido, a vigorar por dez anos, entre 01/01/2001 e 31/12/2010, tendo por objecto o rés-do-chão do prédio identificado em A) da "Matéria de facto assente" e com uma renda mensal de 1.415,07 €.
12. Por isso mesmo, deveriam ter sido dadas como não escritas as respostas aos quesitos 13 e 16 da base instrutória, por incompatíveis com um quadro de nulidade do contrato.
13. Se, na parte dos alegados lucros cessantes, toda a pretensão do Autor se baseia num contrato de arrendamento e nas respectivas cláusulas (incluindo a da renda e a da duração do contrato) e se a pretensão assim deduzida pelo Autor perante o ora Recorrente radica nesse alegado contrato de arrendamento, é evidente que o Recorrente tem legitimidade para discutir a validade desse contrato e invocar a sua nulidade, devendo ser considerado interessado para os efeitos do artigo 286° do Código Civil, na certeza de que entendimento inverso significaria manietar o Recorrente e impedi-lo de se defender em juízo.
14. É inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20° da Constituição da República Portuguesa, o art. 286° do Código Civil interpretado no sentido de que não tem legitimidade para arguir a nulidade de um contrato aquele perante quem é deduzida pretensão ancorada nesse contrato e nas respectivas cláusulas.
15. Nulo que é o contrato, a declaração dessa nulidade implicará o não reconhecimento do pretenso crédito em sede de lucros cessantes, pois estes não existem, já que o crédito em causa sempre exigiria a validade do contrato.
16. De uma mera situação de facto, que não é merecedora de tutela jurídica, não pode resultar a constituição de um direito.
17. Se o Autor não tinha condições jurídicas para ceder o gozo do prédio, se não tinha condições jurídicas para retirar proventos disso e se agiu nos termos documentados, o que houve foi apenas uma situação de facto, sem qualquer substrato jurídico, não podendo jamais o Autor invocar a titularidade de um direito (direito a receber rendas) com tal origem.
18. Não pode jamais reconhecer-se ao Autor o direito a ser indemnizado por qualquer valor que tivesse deixado de receber, pois não era suposto (juridicamente suposto) receber fosse o que fosse.
19. No limite, sempre seria de entender que, visando tirar partido de uma situação contrária à lei por si próprio criada, o Autor actua em abuso de direito, sendo que o abuso de direito é uma excepção peremptória de conhecimento oficioso, mesmo em sede de revista.
20. A responsabilidade do Recorrente perante o Autor deve limitar-se àquilo que ficou fixado já em Iª instância, mais exactamente na alínea a) da parte decisória da sentença.
21. Mostram-se violados os artigos 286°, 289°, 334°, 892° e 939° do Código Civil.”
O autor contra-alegou, concluindo:
1.O acórdão recorrido, assim como a sentença de primeira instância, pronunciou-se sobre a questão da (in)validade do contrato de arrendamento titulado pelo documento de fls. 59-61.
2.Os pressupostos de onde parte o réu / recorrente no presente recurso são falsos e/ou inexactos.
3.O prédio foi dado de arrendamento ao arrendatário do autor/ recorrido por quem tinha legitimidade para tal, seja a usufrutuária, mãe do autor.
4.Do depoimento da testemunha EE (minuto 08:42 e sgs.) resultou que o contrato não foi assinado pela mãe do autor porque esta não sabia assinar.
5.A usufrutuária era conhecedora do contrato, tendo concordado com o mesmo.
6.A usufrutuária ajudou o arrendatário a colocar materiais na loja arrendada.
7.A testemunha EE referiu, ao minuto 51: 59 e sgs. do seu depoimento, que quando quis instalar a sua actividade no prédio do autor / recorrido foi falar, inicialmente, com o inquilino que na altura tinha a loja arrendada.
8.Após o que contactou a usufrutuária, a qual o encaminhou para o autor.
9.O autor/ recorrido confirmou à testemunha que a loja "... era da mãe...".
10.A razão de o contrato não se encontrar assinado pela usufrutuária decorreu do facto de a mesma não saber assinar
11.O tribunal de primeira instância analisou a questão da forma do contrato de arrendamento, tendo-o considerado válido e eficaz, produzindo todos os seus efeitos, tendo em conta o facto de a usufrutuária não saber assinar.
12.O réu / recorrente não logrou demonstrar a invalidade (nulidade) do contrato de arrendamento.
13.Não ocorreu qualquer arrendamento de bem alheio por parte do autor/recorrido.
14.O autor/recorrido provou a validade do contrato de arrendamento.
15.A (in)validade do contrato é alheia ao réu /recorrente.
16.Não existe qualquer relação contratual ente o réu / recorrente e o autor / recorrido.
17.O eventual vício contratual entre o autor/ recorrido e o arrendatário da sua loja é alheio ao réu/recorrente, sendo irrelevante para efeitos do cálculo da indemnização peticionada.
18.Não tem o tribunal de se pronunciar – apesar de o ter feito – sobre o alegado vício contratual.
19.O não cumprimento do disposto no artigo 7º, nº 2, alínea a) do regime de arrendamento urbano (DL 321-B/90, de 15 de Outubro) representa uma nulidade atípica, com vista à protecção dos outorgantes do contrato de arrendamento.
20.A nulidade aí prevista não pode ser invocável por terceiros, nem oficiosamente conhecida.
21.O contrato de arrendamento nunca foi colocado em causa pelo arrendatário, esse sim interessado numa eventual (in)validade do contrato.
20.É constitucional a interpretação do artigo 286º do Código Civil no sentido de que não tem legitimidade para arguir a nulidade de um contrato de arrendamento um terceiro ao mesmo.
21.A falta da assinatura da usufrutuária no contrato subjudice não o torna, pelas razões supra expostas, inválido, nulo, por vício deforma.
22.A nulidade por omissão de pronúncia apenas ocorre quando o tribunal deixe, de todo, de se pronunciar sobre questão ou questões que lhe foram colocadas e não quando se pronuncie de forma insuficiente e/ou aligeirada
3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):
“1. Encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, com o n.º 00000000000, freguesia de Matosinhos, a favor do A., um prédio urbano, sito na Av............, com os números de policia 305 a 307, inscrito na matriz sob o art. 619, composto por um andar e loja, com pátio (A).
2. Tal imóvel confronta a nascente com um prédio urbano, inscrito na matriz sob os Arts. 622 e 623, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, com o n.º 00000000000 freguesia de Matosinhos, registado em nome do R. (B).
3. O rés-do-chão do prédio do A. era na altura ocupado pela firma “CC, Ldª” na qualidade de arrendatária (C).
4. No mês de Fevereiro de 2002, o R. iniciou trabalhos de demolição do seu prédio, com o intuito de edificar um edifício composto por cerca de cinco andares, edifício esse que se encontra praticamente concluído (D).
5. Com a finalidade de implantar os alicerces do novo prédio o R. viu-se obrigado a proceder a trabalhos de escavações após a aludida demolição (E).
6. Por contrato realizado em 3 de Maio de 2002, o R. contratou a firma “Construções DD, Ldª”, sediada na Via Padre ................., ...., BL. ..., 4475-608, Avioso, Santa Maria, para proceder à construção de um novo prédio, nos termos do contrato de empreitada junto a fls.137 a 140 dos autos, cujo teor aqui se reproduz para todos os efeitos legais (F).
7. Por carta enviada pelo A. ao R., em 15 de Maio de 2002, o mesmo alertou o R. para os danos que as referidas obras de edificação estavam a causar no seu prédio (fls. 27) (G).
8. Em 06 de Setembro de 2002, o R. escreveu ao A., alegando que as obras que estava a realizar estavam a ser feitas com todos os cuidados, reconhecendo contudo que causaram danos no prédio do A. cuja responsabilidade assumia, comprometendo-se a fazer a reparação a partir do mês de Novembro de 2002 (fls. 55) (H).
9. Entre A., “CC, Ldª”, R. e Câmara Municipal de Matosinhos foi trocada correspondência entre Agosto de 2002 e Outubro de 2002, onde o R. se manifestava disposto a reparar os danos causados na casa do A., mas não se entendendo quanto à extensão desses mesmos danos (fls. 63, 98 a 121) (I).
10. Em 06 de Outubro de 2002 foi feito um relatório de avaliação de danos causados no prédio do A. tendo-se verificado que o mesmo tem cerca de 60 anos e sofrera obras de beneficiação há cerca de 15 anos (fls. 21 a 25 que aqui se dá por reproduzido) (J).
11. Através do documento de fls. 67 a firma “ CC, Ldª”, comunicou ao A. que pretendia “(…) cessar, a partir de 31 de Julho de 2003, o contrato de arrendamento do estabelecimento sito na Av. ..........., n.º000, em Matosinhos, pelo motivo de o citado estabelecimento não reunir as condições necessárias à nossa actividade comercial” (L).
12. Por requerimento dirigido à Câmara Municipal de Matosinhos, entrado em Dezembro de 2005 e dando origem ao processo n.º 353/05, o A., na qualidade de proprietário do prédio a que respeitam os presentes autos, expôs àquela entidade que pretendia proceder à demolição parcial do prédio e aí construir obra nova, solicitando licença pelo prazo de 24 meses (M).
13. Tal requerimento foi instruído com o termo de responsabilidade do arquitecto responsável pelo projecto e a memória descritiva (onde consta a projecção de um edifício de rés-do-chão e dois andares, sendo aquele destinado a comércio e estes à habitação tipo T2 (N).
14. O A. continuou com trabalhos de construção civil posteriormente a 21/05/2007 (O).
15. Ao nível do 1º andar foi colocada uma placa de betão (P).
16. As escadas existentes foram também substituídas por escadas em betão (Q).
17. O anterior pavimento do edifício era de madeira (R).
18. O prédio do autor sofreu abatimento do piso térreo na ordem dos 2 a 5 cm, numa faixa de 1 a 2 metros de largura em toda a extensão do prédio, em consequência dos trabalhos de demolição e de escavação referidos nas alíneas d) e e) (2º).
19. E sofreu assentamento diferencial das fundações do alçado principal, sendo de 4 a 5 cms junto do cunhal sul (3º).
20. Tendo provocado a rotura de elementos estruturais de betão armado, a abertura de fendas profundas nas alvenarias e o desnivelamento do entablamento da cobertura e o empeno dos vãos das janelas do 1º andar e das montras do r/c (4º).
21. No alçado tardoz deu-se a abertura de fendas e empenos pronunciados de vãos, de portas e janelas e destruição associada de caixilharias e vidros (5º).
22.º. Observando-se ao nível do 1º piso, o deslocamento horizontal da empena sul na ordem dos 5,0 cm (6º).
23. No interior e ao nível do 1º piso o deslocamento relativo entre o madeiramento de suporte de pavimentos e as paredes de apoio levou ao abatimento do referido pavimento, desalinhamento dos vãos interiores e diversa fendilhação em paredes divisórias (7º).
24. Os referidos danos punham em causa a estabilidade e a estrutura do prédio do Autor, pelo menos enquanto não foi iniciada a construção do prédio do Réu (10º).
25. Em virtude do referido, a arrendatária do rés-do-chão, “CC, Ldª, viu-se impedida de desenvolver a sua actividade comercial no espaço arrendado (12º).
26. Sendo que tal espaço havia sido arrendado pelo período de 10 anos, com terminus previsto para o dia 31 de Dezembro de 2010, pelo valor mensal de 320.000$00, tudo conforme contrato de fls. 59 a 61 cujo teor aqui se reproduz para todos os efeitos legais (13º).
27. Tendo-se o R. oferecido para pagar o arrendamento em outro espaço comercial em frente ao prédio do A. a fim de minorar os prejuízos, até estarem reunidas as condições para a arrendatária regressar ao locado (14º).
28. O que a arrendatária aceitou, mas, tendo o R. cessado o pagamento das rendas relativas ao novo espaço, viu-se obrigada a voltar (15º).
29. A última renda paga pela dita arrendatária ao A. foi no valor de € 1.415,07 euros, relativa ao mês de Julho de 2003 (16º).
30. A loja das bicicletas saiu do local arrendado por falta de condições do mesmo para o exercício da sua actividade (17º).
31. A reparação do prédio do A. teria um custo estimado de cerca de € 51.250,00 (IVA não incluído) (18º).
32. Com vista a tentar minorar os danos sofridos no prédio do A., o R. tentou efectuar algumas obras no R/C desse prédio, tendo o A. impedido que essas obras se realizassem (19º).
33. A firma “Cabil” ocupava não só o rés-do-chão do prédio do A. como também um outro espaço comercial na mesma rua, no qual pagava a quantia mensal de € 997,60 (pagando pelo R/C do prédio do Autor a quantia já acima referida) (20º).
34. Tendo deixado os dois locais na mesma altura, indo instalar-se num outro espaço, na mesma rua, pagando de renda apenas 1500 euros mensais (21º).
35. Quando a chamada (Construções DD, Lda) iniciou a sua intervenção no prédio do Réu, o prédio do Autor já apresentava parte dos danos acima referidos (os quais eram então menos acentuados e foram-se agravando até se estabilizar a situação em que o prédio veio a ficar, acima referida) (23º).
36. O edifício projectado implica as modificações que constam do projecto camarário certificado a fls. 859 e seguintes (designadamente as constantes nas plantas que assinalam as modificações a efectuar) (24º).
37. Ao nível do 1º andar, foi feita uma placa para sustentar um novo piso (27º).
38. Tal placa foi aplicada sobre as paredes originais do prédio (28º).
39. Foram retiradas as janelas da fachada voltada para a Avenida de.........., nesta cidade, as quais se encontravam em perfeito estado (29º).
40. O A. demoliu todas as paredes divisórias do 1º Andar e aplicou duas placas de betão (33º).
41. Foram mantidas as paredes da fachada principal e das empenas laterais, tendo sido demolida e construída uma nova parede na fachada posterior, tendo as lajes de pavimento e tecto do 1º andar sido encastradas (apoiadas) nas empenas laterais (34º).
42. As paredes da fachada principal e das empenas laterais mantiveram-se, cumprindo a sua função estrutural, sendo nova a fachada posterior; as escadas interiores, a parede lateral das mesmas e as lajes do pavimento do 1º piso, do tecto do 1º piso e da cobertura do prédio são novas (36º).
43. O A. substituiu os materiais de madeira por betão (37º).
44. A placa de betão colocada no 1º andar destinou-se a substituir a anterior que assentava em vigas de madeira (38º).
45. As vigas de madeira encontravam-se totalmente impossíveis de recuperar devido à acção da água que entrava no prédio do autor (39º).
46. Também as escadas de betão se destinaram a substituir as anteriormente existentes em madeira (40º).”
4. Cumpre conhecer dos recursos. Em ambos se questiona, apenas, a decisão relativa ao pedido de indemnização por lucros cessantes, as rendas que o autor alega ter deixado de receber quando a arrendatária CC, Lda. pôs termo ao arrendamento.
Para além de arguir a nulidade do acórdão da Relação, o autor entende que tem direito ao montante correspondente ao tempo que ainda faltava para se completar o prazo de dez anos, estipulado para o arrendamento, sob pena de violação do disposto no artigo 564º do Código Civil; o réu sustenta não ter o autor direito a qualquer indemnização, por ser nulo o contrato de arrendamento que invoca como fundamento para o correspondente pedido.
5. Cabe começar por apreciar as nulidades atribuídas pelo autor ao acórdão recorrido, por violação dos nºs 2 e 3 do artigo 659º e nos termos das als. b) e c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
Antes de mais, há que ter em conta que uma eventual violação das regras definidas pelos nºs 2 e 3 do artigo 659º do Código Civil apenas provocará a nulidade da decisão – do acórdão recorrido, no caso – se simultaneamente couber nas causas de nulidade constantes do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil; no caso, e porque o autor questiona a fundamentação do acórdão e a sua coerência com a decisão, nas citadas als. b), falta de fundamentação, e c), contradição da decisão com a fundamentação, do nº 1 respectivo.
Exclui-se desde já que o acórdão recorrido não tenha procedido ao “exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”, por se tratar de afirmação não concretizada e que no fundo traduz uma divergência quanto às “consequências lógicas” que o autor entende que a Relação deveria ter retirado da situação em que o prédio se encontrava, de necessidade de obras urgentes.
Não procede a arguição de nulidade por falta de fundamentação. Para escolher a data até à qual deveriam ser contadas as rendas que o autor deixou de receber, a Relação considerou relevante o momento do início das obras, por parte do autor, explicando que sempre implicaria “suspender o contrato de arrendamento”, tendo em conta “os moldes” em que decidiu fazê-las. Estes moldes estão descritos no acórdão. O autor discorda desta decisão; mas isso não significa que não esteja fundamentada, de facto – como se viu – e de direito – o acórdão recorrido é claro quando esclarece que está a determinar quais são os lucros cessantes, pois são esses os danos a indemnizar. Não há qualquer dúvida sobre “qual a previsão normativa em que se baseia para fixar a indemnização”, para utilizar as palavras do recorrente. O regime em aplicação resulta claro da leitura global do acórdão.
Nem se verifica qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, nem nenhuma ininteligibilidade: a arguição de nulidade traduz, mais uma vez, a divergência com o momento final que deve ser considerado para o cálculo dos danos decorrentes das obras no prédio do réu. A urgência da realização das obras no prédio do autor não é contraditória com a escolha do momento em que tiveram início, para a delimitação dos lucros cessantes a indemnizar: o acórdão esclarece que os moldes concretos em que as obras foram decididas sempre implicariam a suspensão do arrendamento.
6. Também o réu acusa de nulidade o acórdão recorrido, mas por omissão de pronúncia, “porquanto o Tribunal não se pronunciou sobre a questão, expressamente colocada, da (in)validade do contrato de arrendamento pretensamente titulado pelo documento de fls. 59-61”; mas sem fundamento.
Com efeito, a questão foi expressamente considerada; mas não na perspectiva e com as consequências pretendidas pelo recorrente.
Lê-se no acórdão recorrido o seguinte:
“(…) o apelante insurge-se contra o facto de o tribunal se não ter pronunciado sobre a questão por ele suscitada da invalidade do contrato de arrendamento celebrado entre o A. e a arrendatária CC, Lda.
Cumpre analisar.
Na contestação o R. não pôs em causa a existência do arrendamento, que reconhece nos art.s 32 e 44, onde afirma que pagou a renda da nova instalação para onde a arrendatária se mudou, 47, onde afirma que ela regressou ao locado, 51, onde afirma que a arrendatária pagava ao A., em Junho de 2003, a renda líquida de € 1 415,07, 52, onde afirma que através da rescisão do contrato a arrendatária quis livrar-se do peso dessa renda.
É verdade que põe em causa a validade do contrato, por falta de poderes do A. para, sozinho, sem a mãe, o outorgar (art. 35), bem como a data em que terá sido outorgado (art. 36) e a duração nela prevista (art. 42).
Portanto, aceita a existência de um locatário na loja, a pagar a mencionada renda, apenas questionando a validade do contrato e a sua duração.
Ora, a validade do contrato é-lhe completamente alheia e irreleva para efeitos desta indemnização, pois para a mesma o que é determinante é que o A. estivesse a perceber uma determinada renda e que tivesse sido acordada, válida ou invalidamente, do ponto de vista dos poderes do A. para outorgar, a vigência do respectivo contrato.
O Tribunal não tem que pronunciar-se sobre um vício contratual que não diz respeito a qualquer relação jurídica estabelecida entre A. e R., quando este nem põe em causa que o negócio por ele afectado foi aceite pelo outro interveniente. Esse negócio, relativamente ao apelante, é res inter allios acta.
Inexiste, pois, fundamento para se dar como não escrita a resposta ao quesito 13.º.
Ainda mais evidente é a falta de fundamento para dar como não respondido o quesito 16.º, cuja matéria o R. até admitiu na contestação, como se disse atrás.”
Uma decisão só é nula por omissão de pronúncia quando se abstém de apreciar questões de que deveria ter tomado conhecimento, valendo para a determinação de tais questões o regime constante do artigo 660º do Código de Processo Civil. Ora do nº 2 deste preceito resulta que o tribunal não tem que resolver questões “que as partes tenham submetido à sua apreciação” que fiquem prejudicadas pela “a solução dada a outras”. É manifestamente o caso: entendendo a Relação que lhe é alheia e que não releva, para os efeitos em causa na acção, a (eventual) invalidade do contrato que o autor suscita, ficou prejudicado o conhecimento da invalidade em si.
7. Afastadas as nulidades invocadas por autor e réu, cumpriria apreciar a discordância que aquele manifesta quanto ao montante da indemnização por lucros cessantes; o que se traduz em verificar se o momento do início das obras no prédio do autor deve ter como consequência a desconsideração das rendas que seriam devidas desde então, e até ao termo fixado para o contrato.
No entanto, cabe determinar previamente se, nesta acção, releva a questão da invalidade do contrato de arrendamento, suscitada pelo réu.
E a resposta não pode deixar de ser negativa, como a Relação entendeu.
O autor propôs contra o réu uma acção de indemnização, pelos danos que sofreu em consequência dos estragos provocados no seu prédio pelas obras realizadas no prédio do réu. Está inequivocamente provado que, entre esses danos, figurou a cessação do arrendamento que se mantinha no r/c do prédio, e que esse arrendamento fora acordado por dez anos, a terminar em 31 de Dezembro de 2010. Não está em discussão que o arrendatário pôs fim ao arrendamento em consequência dos danos provocados no prédio do autor.
Nada releva, realmente, que o contrato seja eventualmente inválido, por não ter sido assinado pela usufrutuária, cujo nome figura no texto, mas apenas pelo proprietário; para efeitos de determinação dos danos a indemnizar, têm de ser consideradas as rendas que, de facto, deixaram de ser pagas por acto imputável ao réu, pois correspondem a ganhos que efectivamente o autor deixou de auferir (nº 1 do artigo 564º do Código Civil).
A esta irrelevância, afirmada, como se viu, pelo acórdão recorrido, o réu contrapõe:
– Que um negócio nulo não produz efeitos; no entanto, esta afirmação tem de ser devidamente entendida. Ainda que a nulidade do contrato seja invocada por quem tiver legitimidade, nos termos do artigo 286º do Código Civil, a destruição retroactiva de um arrendamento tem limitações relevantes (aliás referidas pelo recorrente); e tem de ser compatibilizada com as regras da boa fé e do abuso de direito, por exemplo, o que pode conduzir à paralisação da nulidade. O mais importante no contexto desta acção, no entanto, é que a existência de danos é independente da validade do contrato: de facto, havia um acordo quanto à utilização de parte do imóvel, pelo qual era paga uma renda mensal; e a renda deixou de ser paga, em prejuízo do autor, por acto imputável ao réu;
– “Deveriam ter sido dadas como não escritas as respostas aos quesitos 13 e 16 da base instrutória, por incompatíveis com um quadro de nulidade do contrato”: não tem fundamento esta observação; o conteúdo de tais respostas tem de ser entendido no plano fáctico, não implicando nenhuma posição sobre a validade do contrato;
– Tem de se lhe reconhecer legitimidade para arguir a nulidade, sob pena de lesão do seu direito de defesa: esta objecção já está respondida, é o dano de facto que tem de ser indemnizado;
– “É inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20° da Constituição da República Portuguesa, o art. 286° do Código Civil interpretado no sentido de que não tem legitimidade para arguir a nulidade de um contrato aquele perante quem é deduzida pretensão ancorada nesse contrato e nas respectivas cláusulas”, sustenta. Para além de ser difícil analisar a eventual inconstitucionalidade de uma “interpretação” tão genérica, sabido que há interesses muito diferentes que podem ser protegidos pela invalidade e que frequentemente se limita a legitimidade para a arguir em função desses interesses, mesmo quando o vício é de nulidade e não apenas de anulabilidade, a verdade é que não se analisa a alegada nulidade por ser irrelevante no contexto da presente acção. O que significa que se não interpretou e aplicou o artigo 286º do Código Civil;
– Haveria abuso de direito por parte do autor, que viria “tirar partido de uma situação contrária à lei por si próprio criada”: Não tem fundamento esta alegação: o vício de que o réu se quer prevalecer não se fundamenta no objectivo de tutelar interesses seus. Injustificado seria, porventura, permitir ao réu invocar a nulidade para se eximir da obrigação de indemnizar;
Sempre se acrescentam duas notas:
– Que o réu invoca o regime da venda de bens alheios para justificar a nulidade do contrato de arrendamento, apelando ao artigo 939º do Código Civil (aplicação das regras da compra e venda aos demais contratos onerosos, “pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles”, verificados certos requisitos). No entanto, é sabido que a nulidade cominada para a venda de bens alheios pelo artigo 892º do Código Civil, que o réu cita, é justamente uma nulidade significativamente atípica, prevendo-se nomeadamente a convalidação do contrato (artigo 895º e segs.);
– Que o vício invocado pelo autor para fundar a nulidade do arrendamento não implica a violação de nenhuma norma que torne o contrato contrário à ordem pública ou aos bons costumes, nos termos previstos no nº 2 do artigo 280º do Código Civil, casos em que haveria que o analisar de outra forma.
8. Aqui chegados, resta apreciar a questão do montante da indemnização por lucros cessantes.
A 1ª Instância entendeu, como se viu, que havia que contabilizar, a este título, as rendas que o autor deixou de receber desde “a cessação do contrato de arrendamento (portanto, a partir de 1/8/2003” até ao pagamento da “indemnização devida pelos danos emergentes causados”; diferentemente, a Relação fixa o momento final no início das obras do autor.
Não se mostra adequada a escolha da Relação. A prova revela que foi em consequência dos estragos causados que se tornaram necessárias obras no prédio do autor; e que a sociedade “CC, Lda.” pôs termo ao arrendamento por causa desses estragos e deixou de pagar a renda em 31 de Julho de 2003 (estando convencionado que o mesmo perduraria até 31 de Dezembro de 2010).
Não consta que o local tenha sido arrendado a outra entidade até 31 de Dezembro de 2010, ou que o pudesse ter sido; antes resulta dos termos da condenação em 1ª Instância que, na data da sentença, Abril de 2011, nenhuma renda era paga.
Conclui-se que, apesar dos “moldes” em que o autor procedeu às obras no seu prédio, a partir do “início do ano de 2007”, como considerou o acórdão recorrido, a causa da perda das rendas continuaram a ser as obras realizadas no prédio do réu. Não pode ver-se na actuação do autor o aditamento de um nova causa do dano (a perda das rendas futuras) e, consequentemente, uma concorrência (sucessiva) de causas, ou a transformação das obras levadas a cabo no prédio do réu em causa virtual, a partir do início das obras no prédio do autor (cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08B157).
No caso presente, o início das obras traduz-se, antes do mais, no início da reparação dos estragos causados por actuação imputável ao réu. Esta verificação não é infirmada pela circunstância de não terem como objectivo a mera reconstituição do prédio. Como se escreveu no acórdão recorrido, entendemos que nada impunha que decidindo o A. levar por diante as obras de reparação se circunscrevesse à situação existente, para além do que foi exigido pelas instâncias licenciadoras da obra e que não dizem respeito ao R.. Releva, com efeito, que o A. não tenha alterado a volumetria do edifício e que as alterações se tenham traduzido na remodelação da compartimentação interior do r/chão e do 1.º andar.”
Procede, assim, a revista do autor, excepto no que toca à pretensão do pagamento de juros, não oportunamente formulada – ou seja, na petição inicial com que propôs a acção. O réu deve ser condenado no pagamento de €1.415,17 por mês, entre a cessação do contrato (31 de Julho de 2003) e 31 de Dezembro de 2010, no montante de € 127.356,30.
9. Nestes termos, decide-se:
a) Negar provimento à revista do réu;
b) Conceder provimento parcial à revista do autor, condenando o réu no pagamento da indemnização de € 127.356,30;
c) Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o réu no pagamento da indemnização de € 58 017,87.
Custas pelo réu.
Lisboa, 06 de Dezembro de 2012
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso