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INFRACÇÃO TRIBUTÁRIA
SÓCIO GERENTE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Sumário
A responsabilidade solidária pelas multas e coimas estabelecida no artº 8º/7 do RGIT sobre o sócio-gerente e legal representante da sociedade arguida, co-autor da infração tributária, é de natureza meramente civil e não penal – constituindo o valor da multa ou da coima, referencial para a quantificação do valor de tal responsabilidade.
Texto Integral
Processo comum singular 105/07.7idprt do 2º Juízo Criminal de Paredes
Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – Artur Oliveira
Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
I. 1. Transitada em julgado a sentença que condenou os arguidos B… e a sociedade C…, Lda., pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º/1 do RGIT, respectivamente, nas penas de multa de, 250 dias à taxa diária de € 10,00 e de 300 dias à taxa diária de € 10,00 e, não tendo a sociedade arguida procedido ao pagamento da totalidade da pena de multa que lhe foi imposta, o MP veio a promover que, após notificação do arguido, pessoa singular, se considerasse o mesmo solidariamente responsável pelo pagamento em que a sociedade foi condenada, ao abrigo do disposto no artigo 8º do RGIT
I. 2 Sobre tal promoção veio a recair, datado de 7SET2011, o seguinte despacho:
“por sentença de 10 de Julho de 2009, já transitada em julgado, e subsequente despacho de fls. 541 a 545 que operou a descriminalização de algumas condutas, foi o arguido B… condenado como autor material de um crime de abuso de confiança (IVA), na forma continuada, p. e p. pelos artigos 105º da Lei nº 15/2001, de 5/6 e 30º, nº 2 e 79º do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 10 (dez euros), o que perfaz a multa de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). Por seu turno, a sociedade «C…, Lda.» foi condenada pela prática, na forma continuada, de igual crime na pena de 300 dias de multa à razão diária de € 10, o que perfaz o montante global de € 3.000,00 (três mil euros). A pena aplicada ao arguido B… já foi declarada extinta por despacho proferido a fls. 384. Por seu turno, a sociedade arguida requereu o pagamento da pena de multa em que foi condenada em prestações o que lhe foi deferido por despacho de fls. 262, mas apenas procedeu ao pagamento de quatro prestações, no valor global de € 1.150,00, o que levou a que fossem declaradas vencidas as prestações em dívida. Não são conhecidos à sociedade arguida bens susceptíveis de serem penhorados. A fls. 412 veio a Digna Magistrada do Ministério Público requerer que o sócio gerente da sociedade arguida, B…, seja solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa em que a sociedade arguida foi condenada, nos termos do artigo 8º do RGIT e que se notifique o arguido B… para proceder ao pagamento restante da pena de multa em que a sociedade arguida foi condenada. Decidindo. A questão jurídica suscitada nos autos reconduz-se a saber se a norma do nº 7 do artigo 8º do RGIT permite ou não responsabilizar subsidiariamente pelo pagamento de multa penal aplicada em processo crime a pessoa colectiva ou equiparada as pessoas singulares que tenham colaborado dolosamente na prática da infracção tributária, no caso, o arguido. A questão tem vindo a ser decidia de modo diverso pelos Tribunais superiores nomeadamente nas Relações do Porto (Ac. de 23/06/2010 e 27/05/2009, publicados no sítio www.dgsi.pt), e de Guimarães (Ac. de 12/04/2010, também publicado no sítio www.dgsi.pt). Desde já se adiante que aderimos à posição sufragada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/04/2010 sendo, por isso, de indeferir a pretensão da Digna Magistrada do Ministério Público. Estabelece o artigo 8.º do RGIT sob a epígrafe “Responsabilidade civil pelas multas e coimas” que: 1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; (…); 2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.(…) 7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso. 8 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade. “Não restam dúvidas que em matéria crime rege o princípio da responsabilidade e da penalização individual. Isto significa que, mesmo perante situações de co-autoria ou de autoria mediata, a imputação da prática de determinados actos a um agente determina a apreciação individual e pessoal, relativamente a cada pessoa (seja ela singular ou colectiva) como entidade autónoma, da prática de um ilícito e, consequentemente, da imposição da pena que lhe deverá ser aplicada (vide, a título meramente exemplificativo, o disposto no artº 29º do C. Penal). O artº 30 da C.R.P., por seu turno, é taxativo ao determinar, sob a epígrafe Limites das penas e das medidas de segurança, que a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão (nº3). (…). Assim, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a eventual responsabilização das pessoas singulares referidas no artº 8º do RGIT por actos pelos quais foi igualmente responsabilizada a sociedade incumpridora, não pode nunca determinar, como seu efeito forçoso e automático (…) – a sua responsabilidade subsidiária por uma sanção que foi imposta a terceiro (no caso, à pessoa colectiva), sob pena de total subversão do princípio constitucional acima mencionado. É que a pena cujo cumprimento subsidiário se determina não é a sanção oportunamente imposta a um agente pessoa singular, mas sim a pena originariamente atribuída à sociedade – logo, a outrem – por um acto ilícito. Ora, esse acto atributivo de responsabilidade penal, é um acto de substituição, de transferência, de transmissão da responsabilidade que à sociedade pertencia, para outro co-arguido, que já tinha visto a sua actuação ser punida e que até já cumpriu a pena que lhe havia sido imposta. A assim se não entender, teríamos que seria constitucionalmente admissível (caso o legislador ordinário assim resolvesse determinar) que, nos casos de co-autoria material de um ilícito, havendo lugar a condenação de arguidos em penas de multa, não procedendo um deles ao pagamento de tal pena, o outro poderia ser subsidiária e solidariamente responsável por tal sanção (podendo chegar ao extremo de ter de cumprir pena de prisão subsidiária caso este último, por sua vez, não procedesse ao pagamento da pena imposta ao co-arguido primariamente faltoso). O exemplo que acaba de se referir serve apenas para demonstrar, de uma forma que nos parece muito simples, que estamos perante um mero artifício linguístico, quando afastamos a proibição constitucional, com base no argumento da co-autoria ou da autoria material. Ser co-autor de um ilícito não determina que o apuramento e a responsabilização de cada um dos agentes deixe de ser autónoma e individual, nem pode permitir justificar o afastamento de um imperativo constitucional que taxativamente proíbe a transmissão da responsabilidade, logo das consequências penais da mesma – isto é, da sanção correlativa. Chegados a este ponto, teremos então de concluir que o vertido no artº 8º do RGIT terá de ser interpretado e aplicado atendendo aos parâmetros legais criminais e constitucionais acima expostos. E isso significa, segundo cremos, que o seu campo de aplicação se restringe e limita às situações em que está em questão mera responsabilidade civil, mas já não a penal (como, para além de tudo o mais, até resulta da epígrafe dada pelo legislador ao artº 8º do RGIT). Diga-se, aliás, que o instituto da responsabilidade subsidiária e solidária é algo que pertence ao campo da civilística e não ao âmbito criminal. Assim, a primeira conclusão a retirar da apreciação a fazer a tal normativo, é a de que o seu campo de aplicação é forçosamente exterior a um processo criminal, em que tenha ocorrido uma condenação pela prática de um crime (ainda que de natureza fiscal), que tenha determinado a imposição de uma pena. Isto é, se o direito criminal – face ao conjunto de valores que o enformam e a proibição de transmissibilidade de penas constitucionalmente imposta – não permite a assunção por outro que não o próprio condenado, do cumprimento de uma pena, isto significa que nunca poderá, em sede de tal tipo de processo, ser convolado o cumprimento dessa pena, qua tale, para outrem, tenha este a relação que tiver com a prática dos factos. (…) Este artigo tem o seu âmbito de aplicação em sede de responsabilidade civil, o que manifestamente extravasa o âmbito dos presentes autos. (…)” (Ac. da RG de 12/04/2010, relatado pela Sra. Desembargadora Margarida Almeida e publicado no sítio www.dgsi.pt). Mostra-se assim necessário apurar a existência da mencionada responsabilidade culposa do gerente, ou outras pessoas que somente de facto exerçam funções equivalentes, pelo esgotamento do património da sociedade – que impediu o pagamento da multa – esse apuramento terá de se verificar em processo próprio e em acção proposta para tal fim, em que se invoque tal causa de pedir. Em face do exposto, e sem necessidade de outras considerações, indefere-se o requerido pelo Ministério Público. Notifique”.
I. 2. Inconformada com o assim decidido, recorreu a Magistrada do MP. - pugnando pela revogação do mesmo e a sua substituição por um outro, que desde já, determine a notificação do arguido B… para, querendo apresentar, em prazo concedido para o efeito, a sua defesa relativamente ao promovido e a final se decidir aplicando o aludido normativo legal - apresentando as seguintes conclusões:
1. a sociedade C…, Lda. foi condenada, por decisão transitada em julgado, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 10,00, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º/1 do RGIT; 2. a sociedade C…, Lda. Não procedeu ao pagamento da multa em que foi condenada e não lhe são conhecidos bens susceptíveis de obter a sua cobrança coerciva; 3. por seu turno, o arguido B… é sócio-gerente da sociedade C…, Lda., sendo ele quem, de facto, geria e administrava a sociedade arguida, tomando todas as decisões respeitantes ao seu funcionamento, dirigindo os negócios da sociedade, praticando quaisquer actos, nomeadamente, procedendo ao pagamento de salários aos trabalhadores e de impostos; 4. o arguido B… foi condenado por ter cometido o crime referido na sua qualidade de sócio-gerente da sociedade arguida e único responsável pela administração afectiva da arguida sociedade; 5. a questão jurídica suscitada no presente recurso e que se analisa em saber se a norma do n.º 7 do artigo 8º do RGIT permite ou não responsabilizar solidariamente pelo pagamento de multa penal aplicada em processo crime a pessoa colectiva ou equiparada as pessoas singulares que tenham colaborado dolosamente na prática da infracção tributária, independentemente da sua própria responsabilidade pessoal, penal ou de qualquer outra natureza; 6. com efeito, é nosso parecer que tal preceito implica exactamente uma resposta afirmativa à questão antes sintetizada e que aqui se discute, acentuando-se, nesta medida, a natureza civilística daquela responsabilidade e afastando, por isso, qualquer ideia de desconformidade constitucional da norma, por não estarem em causa os princípios da pessoalidade e intransmissibilidade da penas, tão pouco os da culpa e do ne bis in idem; 7. estipula o artigo 8º/7 do RGIT que, “quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente, da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso”; 8. o referido normativo expressamente estatui a solidariedade da responsabilidade quanto ao pagamento da pena e multa em que a sociedade arguida foi condenada por parte de quem colaborou dolosamente na prática da infracção, o que é o caso dos presentes autos; 9. como se sumariou no Ac. RP de 23.6.2010, “a responsabilidade subsidiária pelas multas e coimas estabelecida no artigo 8º do RGIT é de natureza meramente civil e não penal, pelo que tal norma não viola nenhum princípio constitucional em matéria penal”; 10. o que o artigo 8º/7 do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil solidária dos administradores e/ou gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo, o que ocorreu inequivocamente no âmbito dos presentes autos; 11. pelo que, quanto a nós, salvo o devido respeito, incumbia ao Tribunal aplicar o referido normativo legal sendo que o tribunal recorrido entendeu não aplicar a sua norma sendo que não invocou expressamente a sua inconstitucionalidade; 12. por outro lado, dúvidas não podem existir que é no processo penal e não em processo autónomo que deve ser proferida a condenação dos responsáveis civis, a que alude o artigo 8º do RGIT, sendo que se deve garantir o direito de defesa e de contraditório necessário, o que desde logo, afasta qualquer efeito automático da aplicação do artigo 8º/7 do RGIT; 13. para garantir os direitos de defesa constitucionalmente consagrados, o tribunal, antes de considerar quem não é agente da infracção como responsável pelo pagamento de multas ou coimas, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 8º do RGIT, deve dar-lhe os direitos de audiência e defesa, que são assegurados aos arguidos de infracções criminais, pelo artigo 32º/1, 5 e 10 da CRP; 14. os direitos de audiência e defesa que são constitucionalmente assegurados podem ser decisivamente salvaguardados se o Tribunal notificar, antes da decisão, quem não é agente da infracção, mas que deve ser declarado solidariamente civilmente responsável pelo pagamento da multa, da pretensão do MP e conceder-lhe prazo para apresentar os meios de defesa que entenda por pertinentes; 15. porque verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil pelas multas e coimas prevista no n.º 7 do artigo 8º do RGIT, deveria a Mma. Juiz a quo ter deferido a promoção de fls. 612 do MP.; 16. pelo que ao indeferir a promoção do MP violou o despacho ora recorrido o disposto no aludido normativo legal; 17. termos em que deve o despacho ora recorrido ser revogado e substituído por outro que deferindo a promoção do MP de fls. 612, determine a notificação do arguido B… para querendo, apresentar a sua defesa relativamente ao promovido, concedendo-lhe prazo para esse efeito e, a final, decidir aplicando o aludido normativo legal.
I. 3. O arguido não apresentou resposta.
I. 4. A Sra. Juiz sustentou tabelarmente o decidido.
II. Subidos os autos a este Tribunal, deles teve vista o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, que emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, no entendimento de que a leitura dada à norma contida no artigo 8º/7 do RGIT, ao estabelecer uma forma de responsabilidade objectiva, ser claramente inconstitucional, por ofender o princípio da individualização e da impossibilidade de transmissão da responsabilidade penal e, desde logo, porque o autor do facto ilícito não pode integrar o conceito de colaborador que a norma pressupõe e ainda porque a responsabilização dos membros dos órgãos e dos representantes quanto às multas aplicadas às pessoas colectivas é excluída como regra, cfr. artigo 7º/4 e 5 do RGIT e 8º/1 do RGIT é excluída como regra e as excepções não contemplam o caso sub judice.
No cumprimento do estatuído no artigo 417º/2 C P Penal nada mais foi acrescentado.
No exame preliminar o relator teve o recurso como lhe tendo sido fixado o correcto regime de subida e ainda que nada obstava à apreciação do respectivo mérito.
Seguiram-se os vistos legais.
Foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre agora apreciar e decidir.
III. Fundamentação
III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.
No caso presente, a questão que se coloca para apreciação, resume-se em saber se o sócio gerente da sociedade – também ele, de resto condenado em pena de multa que já pagou - pode ser responsabilizado pela pagamento da multa a esta aplicada - na parte não paga - no âmbito do mesmo processo crime em que ambos foram condenados pela prática do crime de abuso de confiança fiscal. Enquanto a recorrente defende que sim, para tanto invocando a norma contida no artigo 8º do RGIT – sem concretização, na promoção que antecedeu o despacho recorrido – mas que agora em sede de recurso restringe ao seu n.º 7, no despacho recorrido, com a concordância do representante do MP neste Tribunal defende-se o contrário – que tal norma não tem aplicação ao caso.
III. 2. Atentemos, desde já, na norma legal tida por violada.
Dispõe o artigo 8º do RGIT, sob a epígrafe “responsabilidade civil pelas multas e coimas”: 1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. 2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa. 3 - As pessoas referidas no n.º 1, bem como os técnicos oficiais de contas, são ainda subsidiariamente responsáveis, e solidariamente entre si, pelas coimas devidas pela falta ou atraso de quaisquer declarações que devam ser apresentadas no período de exercício de funções, quando não comuniquem, até 30 dias após o termo do prazo de entrega da declaração, à Direcção-Geral dos Impostos as razões que impediram o cumprimento atempado da obrigação e o atraso ou a falta de entrega não lhes seja imputável a qualquer título. 4 - As pessoas a quem se achem subordinados aqueles que, por conta delas, cometerem infracções fiscais são solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas àqueles aplicadas, salvo se tiverem tomado as providências necessárias para os fazer observar a lei. 5 - O disposto no número anterior aplica-se aos pais e representantes legais dos menores ou incapazes, quanto às infracções por estes cometidas. 6 - O disposto no n.º 4 aplica-se às pessoas singulares, às pessoas colectivas, às sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e a outras entidades fiscalmente equiparadas. 7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso. 8 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade”. Esta é a redacção conferida pela Lei 60-A/2005, de 30DEZ, sendo no que ao caso interessa que o actual n.º 7 corresponde ao anterior n.º 6, o que ocorreu por via da introdução do actual n.º 3.
III. 3. Apreciando.
No caso concreto o arguido foi condenado em pena de multa - cuja medida concreta foi, naturalmente, determinada em função das regras contidas nos artigos 40º e 71º C Penal – enquanto autor material pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por ter agido na qualidade de sócio-gerente da pessoa colectiva, a co-arguida sociedade, que, por sua vez, foi também, condenada, ao abrigo do artigo 7º/1 do RGIT,[1] ainda em pena de multa – não totalmente paga.
Será que se pode integrar o autor do facto - no caso omissivo de entrega do IVA - que actuou em nome e em representação da sociedade de que era sócio e gerente na previsão do artigo 8º/7 do RGIT? Será que se pode considerar que o sócio e gerente, autor material do crime de abuso de confiança fiscal “colaborou dolosamente na prática de infracção tributária? Consabido que é que colaborar significa, cooperar, auxiliar, coadjuvar. Será que o autor material do crime faz parte da “fattespecie” da norma? Será que o legislador teve esta situação em mente aquando da formulação da norma? Aparentemente pela sua literalidade, não e, então, desde logo estaria dada a resposta – necessariamente negativa - à pretensão da recorrente. No entanto, admitindo-se o contrário, convenhamos que a redacção da norma é no mínimo desajeitada e equívoca. Isto porque, por definição e pela própria natureza das coisas, o autor material do crime não colabora na prática da infracção. Pratica a infracção - tem o domínio do facto - e, por isso cai no âmbito da 2º parte da norma “aquela a quem foi aplicada multa pela prática da infracção”.
A propósito do n.º 7 do artigo 8º do RGIT “incorrerão nesta responsabilidade civil os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumulativamente com a sua própria responsabilidade”. [2]
Com base no referido nº 7 do artigo 8º do RGIT, já decidiu este Tribunal que tal preceito trata da responsabilização civil, fixando-se como quantitativo indemnizatório devido, a quantia monetária equivalente ao valor das multas ou coimas não pagas. Isto é que o que está em causa, é a enunciação de regras relativas à responsabilidade civil e não à responsabilidade penal e que a pena de multa ou a coima, apenas são referidas no preceito enquanto elemento de referência para a quantificação do valor da responsabilidade civil a que ele respeita.[3]
Entendimento que encontra apoio na jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente nos Acórdãos 129/2009 de 12.03.2009 e 150/2009 de 25.03.2009. Com efeito, o Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou sobre a constitucionalidade, quer do artigo 8º do RGIT, quer em maior números de casos, do correspondente 7º-A do RJIFNA, cfr. ainda, os Acórdãos 234/2009 de 12.05.2009 e 437/2011 de 3.10.2011. No entanto, no sentido da inconstitucionalidade do artigo 7º-A do RJIFNA pronunciou-se o Acórdão do TC 481/2010 de 9.12.2010, que no entanto veio a ser, por via de recurso para o Plenário por oposição com os Acórdãos 150/2009 e 234/2009, revogado pelo recente Ac. 561/2011 de 22NOV do Plenário do TC.
Contudo, o Tribunal Constitucional apenas se vem pronunciando sobre a constitucionalidade do nº 1 de tais preceitos e não já sobre a norma que aqui nos interessa, ou seja, o seu nº 7 actual ou o n.º 6 na redacção anterior a 2006. E, cremos que os fundamentos que o Tribunal Constitucional vem invocando – a propósito a previsão do n.º 1, quer do artigo 7-A do RJIFNA, quer do artigo 8º do RGIT - não são transponíveis nem para a justificação nem para a injustificação da responsabilidade solidária dos colaboradores dolosos na prática da infracção tributária pelas multas e coimas aplicadas. As situações previstas no nº 1 e no nº 7 do artigo 8º do RGIT e as obrigações delas decorrentes têm natureza diversa. Enquanto o nº 1 respeita à responsabilidade subsidiária [4], o nº 7 estatui sobre a responsabilidade solidária, em ambos os casos das multas e coimas, é certo. Em comum, reportam-se a conceitos oriundos do direito civil. Nas situações reguladas no n.º 7 do artigo 8º do RGIT "não se está, como no n.º 1, perante responsabilidades subsidiárias relativamente aos agentes das infracções, mas sim perante solidariedade em primeiro plano, podendo as dívidas ser originariamente exigidas, desde logo, aos responsáveis solidários, independentemente da existência de bens do autor da infracção. [5] Ou seja, enquanto o nº 1 do artigo 8º pressupõe uma conduta dos responsáveis subsidiários posterior à aplicação das multas ou coimas, determinante da impossibilidade de pagamento, o seu nº 7 dispõe a solidariedade pelo pagamento das multas ou coimas “quem colabora dolosamente na prática da infracção”.
Nas situações previstas nas alíneas a) e b) do nº 1, “não existe responsabilidade sem que o não pagamento da multa ou coima seja imputável ao responsável subsidiário, por lhe ser imputável a génese da insuficiência global do património da pessoa colectiva ou a concreta falta de pagamento”. [6] “A regra do nº 1 tem como pressuposto não a responsabilidade criminal do administrador, mas a sua culpa pelo não pagamento, quando tiver sido por culpa sua que o património do ente colectivo se tornou insuficiente para o seu pagamento ou por sua culpa não tiver sido efectuado”. [7] Já no que respeita ao nº 7 do artigo 8º do RGIT, "não se está, como no n.º 1, perante responsabilidades subsidiárias relativamente aos agentes das infracções, mas sim perante solidariedade em primeiro plano, podendo as dívidas ser originariamente exigidas, desde logo, aos responsáveis solidários, independentemente da existência de bens do autor da infracção”. [8] "Incorrerão nesta responsabilidade civil os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumulativamente com a sua própria responsabilidade". [9] "O n.º 6 (a que corresponde o actual n.º7) dispõe que quem colaborar dolosamente na prática de crime tributário é solidariamente responsável pelas multas aplicadas pela prática do crime, independentemente da sua própria responsabilidade criminal, quando for o caso. Assim, se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, a regra é a do n.º 6 (n.º7, hoje), ou seja, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva (…). O fundamento da responsabilidade solidária é a colaboração na prática do crime tributário e por isso que respondem solidariamente pelas consequências jurídicas do crime os seus agentes, ou seja, os agentes do crime, e se esses agentes forem administradores ou representantes do ente colectivo não respondem nos termos do n.º 1, mas deste n.º 6 (n.º7)”. “Enquanto que o n.º 1 segue o disposto no artigo 24º da LGT, já o actual n.º7 se afasta desse regime, embora se trate ainda de responsabilidade também por dívida de outrem, mas agora a responsabilidade é solidária porque o administrador colaborou dolosamente na prática da infracção e, por isso, vai responder solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua própria responsabilidade, porque foi o seu comportamento ilícito causa directa da multa, foi o seu comportamento a causa da multa aplicada à pessoa colectiva pela prática do facto ilícito penal. Tenha-se, porém, presente, que a responsabilidade de que trata este n.º, se refere exclusivamente às consequências jurídicas decorrentes da prática do crime enquanto que o artigo 24º se reporta às consequências decorrentes do não pagamento do imposto devido”. [10]
No caso não tinha aplicação, como certeiramente se considerou no despacho recorrido, a responsabilidade subsidiária, decorrente do nº 1 daquele artigo 8º, que assenta em diferentes pressupostos. O que vem de ser dito é importante para determinar a que realidade se reporta o nº 7 do artigo 8º do RGIT. Desde logo, quais os destinatários da apontada responsabilidade solidária, pois que é consabido constituírem princípios básicos do direito penal, quer o da responsabilidade estritamente pessoal pelas sanções aplicadas pela prática de qualquer crime, cfr. artigo 29º C Penal, quer o de que a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão, cfr. artigo 30º/3 da CRP.
Mas mesmo que se possa - num entendimento deveras abrangente da literalidade da norma, dada à estampa sem qualquer preocupação de rigor terminológico - entender que o autor material da infracção dolosa possa ser entendido como quem colabora dolosamente na prática da infracção, vejamos se mesmo assim assiste razão à recorrente. Como da epígrafe da norma consta, estamos em sede de “responsabilidade civil pelas multas e coimas”. Se é certo que a epígrafe não é lei, não será menos certo que será um contributo valioso para a interpretação da intenção do legislador sobre o sentido e real alcance da norma. E por estarmos no âmbito da epigrafada “responsabilidade civil”, a norma se reporta a responsabilidade subsidiária, n.º 1 [11] e a responsabilidade solidária, n.º 7. Ambos conceitos desconhecidos no âmbito da responsabilidade penal e, que assumem lugar de relevo no âmbito da responsabilidade civil, de onde são oriundos. Se à primeira vista não parece ser tarefa fácil proceder à análise dogmática desta norma, coerente com a qualificação constante da epígrafe, de “responsabilidade civil pelas custas e coimas”, cremos, no entanto, que a mesma se reporta à natureza civilística da responsabilidade em causa. Isto é, trata-se de efectivar uma responsabilidade de cariz ressarcitório, na pessoa de quem colaborou dolosamente na prática da infracção, ao defini-lo como solidariamente responsável pelas multas não pagas – independentemente da sua própria responsabilidade pela infracção. Não será a multa aplicada à sociedade, pelo ilícito criminal, que se transmite, mas, tão só, a responsabilidade civil pelo seu pagamento. Enquanto que a responsabilidade daquela é de cariz sancionatório, a do arguido configura-se como puramente civilística, com função e natureza ressarcitórias. Se isto é o que resulta da epígrafe, pode legitimamente questionar-se a adequação dessa qualificação à substância real do mecanismo de corresponsabilização, ab initio, consagrado no corpo do n.º 7 do dito artigo 8º. Poder-se-à colocar a questão de saber se não será esta qualificação como de responsabilidade civil, quando afinal em causa está a responsabilidade pelo não pagamento da multa criminal, imposta a outrem, algo artificial e de sentido precário. Se não estaremos perante uma autêntica burla de etiquetas, ao travestir de responsabilidade pelo cumprimento da sanção aquilo que na realidade é uma autêntica condenação, no caso à pessoa singular, no pagamento da multa imposta à sociedade. Se afinal, por detrás do “biombo” da responsabilidade civil daquele que colabora com a prática do acto, para com a obrigação de pagar as multa impostas no processo crime à sociedade, estaria a co-assunção, por ele, da posição de responsabilidade penal que a esta cabia. Perguntas e questões suscitadas pelo Conselheiro Sousa Ribeiro, relator do referido Acórdão do TC 481//2010 e que votou vencido no Acórdão 561/2011.[12]
Cremos, no entanto, como se considerou no último dos Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, o que aqui se estabelece é directamente a responsabilidade civil por multas ou coimas, sem a mediação de qualquer outro débito, de outra natureza e objecto. O que a norma prevê é uma forma de responsabilidade civil, que recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que tenha sido condenada a sociedade ou pessoa colectiva, que não tenham sido por ela pagas. Sem que tal importa uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal. A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano, que ao colaborador cabe reparar e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão da responsabilidade criminal para o colaborador, que pode ou não coincidir, com a figura do administrador ou do gerente. Por outro lado, o facto de a obrigação poder ser exigida ao colaborador é uma mera consequência substantiva e adjectiva da existência de uma responsabilidade solidária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada em processo de natureza criminal. Acresce que a responsabilidade solidária do colaborador assenta, no próprio facto típico que é caracterizado como infracção. É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil. Estamos perante uma responsabilidade civil solidária que resulta de um facto ilícito e culposo que se confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da multa. Donde, a natureza civilística da responsabilidade em causa - que visa efectivar uma responsabilidade de cariz ressarcitório - e já não, como forma de transmissão da responsabilidade penal ou das penas. Se é certo que num juízo sobre a necessidade e proporcionalidade da pena - artigo 18º da CRP - esta se deve limitar a assegurar a protecção dos bens jurídicos penalmente ofendidos e não a prossecução de receitas, o certo é que as finalidades da punição não podem ser invocadas para afastar, no caso, a responsabilidade civil, ainda que fundada no mesmo facto ilícito. O fundamento da responsabilidade civil por facto ilícitos é essencialmente a reparação de um dano, na consideração de que não deve ser o lesado a suportar um prejuízo ilicitamente causado por um comportamento alheio. Daí que os apontados princípios da necessidade ou proporcionalidade, no que respeita à génese da responsabilidade civil, não se mostre violado se o legislador impuser o dever de indemnizar – recorde-se - a quem causar (ou contribuir para sua causa) um dano – regime, que, de resto, resulta da regra da solidariedade da obrigação de indemnizar do artigo 497º C Civil. Em suma, a responsabilidade solidária pelas multas e coimas estabelecida no artigo 8º/7 do RGIT sobre o sócio-gerente e legal representante da sociedade arguida, co-autor da infracção tributária, é de natureza meramente civil e não penal – constituindo o valor da multa ou da coima, referencial para a quantificação do valor de tal responsabilidade - pelo que não existe qualquer obstáculo constitucional à sua aplicação ao caso concreto e, no âmbito do processo penal, não violando nenhum princípio constitucional em matéria penal, mormente os princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade. [13] [14] Responsável civil, a quem, no caso concreto, por ser o autor material da infracção – que de resto conduziu à sua, pessoal, condenação penal – goza de todos os direitos de defesa compatíveis com o assegurar dos seus interesses, o que conduziu a que tivesse já tido oportunidade de se defender da prática do crime e, portanto, da colaboração dolosa na prática da infracção. E que terá que continuar a gozar - o que significa que deve poder pronunciar-se acerca da questão da verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a sua responsabilidade civil, no tocante à qualificação como solidária, da obrigação pelo pagamento da multa imposta à sociedade.
III. 4. Em conclusão:
o artigo 8º/7 do RGIT é aplicável a casos em que a eventual responsabilidade civil dos gerentes se funda na condenação em processo criminal, da sociedade - em nome, em representação e no interesse de quem, de resto, actuou - em pena de multa; dizer-se que alguém é responsável civil solidário por uma pena imposta a outrem não é a mesma coisa, nem tem o mesmo significado, natureza nem consequências, do que admitir a transmissibilidade da responsabilidade penal, no caso do pagamento da multa imposta à sociedade para o colaborador que actuou dolosamente – mesmo que este seja o agente material, pessoa singular - no caso o gerente da sociedade – que foi também responsabilizado, criminalmente, pelo crime pelo qual a sociedade arguida foi também condenada.
IV. Dispositivo
Nestes termos e com os fundamentos expostos, os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que – depois de dar a oportunidade ao arguido para exercer o contraditório – se pronuncie sobre a promoção do MP. que não pode ser indeferida com o argumento utilizado no despacho recorrido – que, de resto, ao entender que, “se mostra necessário apurar a existência da responsabilidade culposa do arguido, pelo esgotamento do património da sociedade – que impediu o pagamento da multa – o que se terá que apurar em processo próprio e em acção proposta para tal fim, em que se invoque tal causa de pedir”, tem subjacente a situação de responsabilidade subsidiária, prevista no n.º 1 do artigo 8º do RGIT, quando em causa está a responsabilidade solidária do n.º 7 da mesma norma legal. Sem tributação.
Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.
Porto, 2012.Março.14
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Artur Manuel da Silva Oliveira
___________________ [1] “A responsabilidade que se consagra no artigo 7º do RGIT é uma responsabilidade cumulativa e derivada face à individual, não se acolhendo o critério de imputação autónoma, baseada no conceito de “défice” ou “culpa da organização”, cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, Universidade Católica, Edição 2009, 294 e ss. [2] Ibidem, 95. [3] Cfr. neste sentido, Acórdãos deste Tribunal 23.06.2010, de 12.01.2011 e de 28.09.2011. Também, ainda recentemente, quer o TRG por Acórdão de 21NOV2011 decidiu que “se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenada a sociedade, este é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva”, quer o TRC por Acórdão de 13DEZ2011 que, ”os representantes da sociedade arguida podem ser responsabilizados pelo não pagamento da multa a que a sociedade foi condenada a título solidário”. Em sentido contrário, no entanto, decidiu, também, este Tribunal através dos Acórdãos de 27.5.2009 e de 30.11.2011 e ainda o da RG de 12.4.2010, este, expressamente invocado e seguido na decisão recorrida. [4] Citando o referido Ac. do TC 561/2011 de 22.11, “o que o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo. O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas. A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra ordenacional. (…) Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal. É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.” [5] Cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2001, 93. [6] Cfr. Jorge Sousa e Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2008, 99, [7] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in A Responsabilidade Penal das Sociedades, 443, [8] Cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, ob. cit., 100, [9] Ob. cit, 103. [10] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 443 e 446. [11] A insuficiência do património do devedor originário, quando imputável ao administrador ou gerente, legitima o seu chamamento à responsabilidade, dando-se continuidade ao processo, através do mecanismo da reversão. [12] Nuno Brandão, pronunciando-se sobre o lugar paralelo do n.º 1 do artigo 8º do RGIT, consagrado no novel artigo 11º/9 C Penal (responsabilidade subsidiária dos administradores pelo pagamento de multas e indemnizações em que a pessoa colectiva for condenada), não poupa palavras críticas, considerando que esta distinção não é aceitável e constitui uma autêntica burla de etiquetas, ao travestir de responsabilidade pelo cumprimento da sanção aquilo que na realidade é uma autêntica transmissão da responsabilidade penal, ainda que operada por via legal”, in “O regime sancionatório das pessoas colectivas na revisão do Código Penal”, Direito penal económico e europeu: textos doutrinários, III, Coimbra, 461/469. Como acentua o Conselheiro Sousa Ribeiro, a propósito da epígrafe do artigo 8º do RGIT, com forte sentido crítico: “a qualificação, que consta da epígrafe do preceito, de “responsabilidade civil” é apenas, recorrendo ao nosso Eça, o “manto diáfano” que mal esconde a “nudez forte” da responsabilidade contra-ordenacional”. [13] Por outro lado, em termos de lei adjectiva, dispõe o artigo 49º do RGIT que, “os responsáveis civis pelo pagamento de multas, nos termos do artigo 8º desta lei, intervêm no processo e gozam dos direitos de defesa dos arguidos compatíveis com a defesa dos seus interesses”. [14] “A evolução do texto constitucional – que anteriormente previa a insusceptibilidade de transmissão de “penas” [e agora prevê que “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”] – não se ficou, porém, a dever a qualquer intenção de transcender o domínio do direito penal (como, aliás, resulta claramente também da nova redacção), mas sim evitar que o princípio da intransmissibilidade se confinasse às situações em que a decisão de aplicação da lei penal transitara em julgado, sobrevindo apenas na fase da aplicação da pena. Procurando decifrar o sentido e alcance da norma, também Gomes Canotilho e Vital Moreira salientam que a insusceptibilidade da transmissão da responsabilidade penal está associada ao princípio da pessoalidade, daí resultando como principais efeitos: (a) a extinção da pena (qualquer que ela seja) e do procedimento criminal com a morte do agente; (b) a proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros; (c) a impossibilidade de subrogação no cumprimento das penas. O que, em todo o caso, não obsta – como acrescentam os mesmos autores - à transmissibilidade de certos efeitos patrimoniais conexos das penas, como, por exemplo, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime, nos termos da lei civil (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pág. 504)).