I – Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do C.P.T., a arguição de nulidades da decisão deve ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso – assim viabilizando ao Tribunal recorrido que se pronuncie sobre os pretensos vícios e os repare, se achar dever fazê-lo – sendo entendimento firme o de que a exigência da norma se aplica igualmente à arguição de nulidades assacadas ao Acórdão da Relação.
II – Em substituição da reintegração, pode o trabalhador, ilicitamente despedido, optar por uma indemnização de antiguidade, cabendo ao Tribunal graduá-la entre 15 e 45 dias de retribuição-base e diuturnidades, conforme previsto no n.º 1 do art. 439.º do Código do Trabalho/2003.
III – A indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora e sancionatória), devendo ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do citado art. 439.º (valor da retribuição vs. grau da ilicitude), sendo o primeiro (retribuição) factor de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro da latitude legalmente prevista) e o segundo (ilicitude), de variação directa.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I –
Relatório
.
AA, casada, empregada de escritório, residente na Rua .................., n.º ....., ......, 0000-000 Lisboa, veio instaurar, em 28/05/2008, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum laboral, contra BB, advogado, contribuinte fiscal n.º 000000000, com domicílio profissional na Rua ............, n.º 000, ......, A,0000-000 Lisboa, pedindo, em síntese, que seja considerado ilícito o seu despedimento e, como tal, seja o Réu condenado:
1) A pagar à Autora a retribuição correspondente aos 30 dias antes da propositura da presente acção, no valor de 600 Euros, bem como as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão final;
2) A pagar à Autora as retribuições respeitantes a férias e subsídio de férias de 2007, vencidas em 01-01-2008, no valor de 1.200,00 Euros;
3) A pagar à Autora as retribuições respeitantes a férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo de serviço nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2008 e de 30 dias antes da propositura da presente acção, no valor de €335,74, bem como as que se vencerem até à decisão final;
4) A reintegrar a A. no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe a indemnização por antiguidade se por ela vier a optar, contada desde 1 de Julho de 1977 até ao trânsito em julgado da decisão, e que, atento o elevado grau de ilicitude da conduta do R., deverá ser fixada em 45 dias por cada ano ou fracção de antiguidade;
5) A pagar à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais, não inferior a 25.000 Euros.
Alegou para o efeito, em resumo útil, que foi despedida por extinção do posto de trabalho, sem ter sido observado qualquer dos procedimentos legais adrede previstos.
Frustrada a tentativa de conciliação a que se procedeu na Audiência de Partes, o R. contestou, aduzindo, em suma, que a A. só foi admitida ao seu serviço em Setembro de 1999, e que fora admitida antes, ao serviço de seu pai, em 1983, inexistindo todavia qualquer transmissão ou venda do escritório ao R., apenas se tendo transmitido o arrendamento.
Por dificuldades económicas supervenientes, foi acordado entre ambos a redução do contrato para meio tempo e redução da remuneração.
Não foi cumprido o formalismo imposto para a extinção do contrato por extinção do posto de trabalho porque tinha confiança e bom relacionamento com a A.
Discutida a causa, proferiu-se sentença em que se decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
1. Declaro ilícito o despedimento da Autora AA efectuado pelo Réu BB;
2. Condeno o Réu a pagar os créditos laborais à data da cessação do contrato no montante de € 1.535,34 (mil quinhentos e trinta e cinco Euros e trinta e quatro cêntimos);
3. Na sequência do despedimento ilícito condeno o Réu a pagar à A. ainda o seguinte:
a. A indemnização substitutiva da reintegração, nos termos do art. 439.º do Código do Trabalho no montante de € 10.200,00 (dez mil e duzentos Euros);
b. A compensação a que alude o art. 437.º do Código do Trabalho, no montante de € 25.240,00 (…), acrescida das remunerações que se vencerem até ao trânsito em julgado à razão mensal de € 600 (seiscentos Euros), quantia aquela à qual se descontarão as remunerações auferidas pela A. enquanto empregada de laboratório, nos termos do art. 437.º, n.º 2, do Código do Trabalho, a liquidar em execução de sentença.
4. Absolvo o R. do demais peticionado pela A.
Custas (…)”.
2.
A Autora, inconformada com tal sentença, interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo Acórdão oportunamente prolatado, a julgou procedente nos seguintes termos (reproduz-se o respectivo dispositivo, a fls. 514:
“Por todo o exposto, nos termos do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho e 713.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso de apelação interposto por AA (…), nessa medida se alterando a sentença recorrida, na parte em que atribuiu uma indemnização em substituição da reintegração de 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, fixando-se a mesma, ao invés, em 30 dias por cada ano ou fracção, o que perfaz até agora e sem prejuízo do trânsito em julgado do presente Acórdão, a quantia global de € 21.000,00 (€ 600x35 anos).
Custas (…)”.
A reclamação (com pedido de aclaração e reforma) apresentada pelo R. foi parcialmente atendida, nos termos do Acórdão de fls. 541/ss., deferindo-se a mesma no tocante ao erro material traduzido na incorrecta identificação do R. reclamante, devendo passar a ler-se no cabeçalho do Acórdão reclamado o seguinte: BB, advogado, contribuinte fiscal n.º 000000000, com domicílio profissional na Rua ............, n.º 000, ......, A,0000-000Lisboa.
No mais, foi o pedido de aclaração e reforma indeferido, mantendo-se inalterado o Acórdão anteriormente proferido.
Desta feita, é o R. que, irresignado, pede a presente Revista, no final de cuja motivação formula a seguinte síntese conclusiva:
I – Refere o douto acórdão ora sob censura (pelo menos por 2 vezes) que a A. trabalhou para o Réu durante 9 anos, o que não é exacto. Como decorre da factualidade provada na instância, a A. trabalhou para o Réu desde Setembro de 1999 até 1 de Fevereiro de 2008 (8 anos e dois meses). Ao conhecer do que não podia, o douto acórdão cometeu a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Devendo o acórdão ser considerado nulo, o que se requer.
II – Da impossibilidade de o falecido Dr. CC ter sido advogado no ano de 1975
Citando outro processo judicial, afirma-se, a dado passo, ter sido o Dr. CC, advogado desde o ano de 1975 (a pag. 6, item v., por referência a uma outra acção cível transitada em julgado).
III – Todavia, o Dr. CC terminou o seu curso de Direito no ano de 1977, tendo-se inscrito na Ordem dos Advogados apenas em Abril de 1979 – Doc. 1, digitalizado (e conforme documento já solicitado junto da Ordem dos Advogados e que desde já se protesta juntar para prova do alegado).
IV – Por outro lado, nos termos do que dispõe o art. 722.º, n.º 2, do CPC para a fixação dessa matéria de facto seria indispensável declaração certificada da Ordem dos Advogados, certificando desde que data o referido causídico iniciou a sua profissão, ("apud" o disposto no art. 370.º e 371.º do Código Civil). 0 que não consta dos autos.
V – Pelo que, ao fazer asserção (licenciatura em Direito e inscrição na Ordem dos advogados) quanto ao Dr. CC, não devidamente fundamentada, (apenas se invocando a qualidade de advogado) cometeu o acórdão a nulidade de excesso de pronúncia, prevista no art. 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC, que torna nulo o mesmo acórdão.
VI – Da impossibilidade de o Dr. CC ser advogado no ano de 1977 uma vez que apenas se inscreveu na O.A. em Abril de 1979.Afirma-se, a dado trecho (pag. 4,"OS FACTOS", sob o item 1 da Matéria de Facto o seguinte:
" I. Por acordo, celebrado no ano de 1977 entre a Autora e o Dr. CC, advogado, pai do ora Réu, foi aquela admitida ao serviço deste, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de empregada de escritório ".
VII – Ora, como se disse supra e se pretende provar agora documentalmente, o Dr. CC não era advogado no ano de 1977. Tendo-o sido apenas a partir de 4 de Abril de 1979 e com escritório na cidade de Évora - ............... n.° .... Apenas tendo mudado de escritório para Lisboa no ano de 1988! (Doc. 1, de que se pretende a junção superveniente ao abrigo do disposto no art. 722.º, n.º 2 e 727.º do C.P.C. - Fotocópia da sua Cédula Profissional, de que se protesta desde já juntar cópia certificada ou Declaração Certificada emitida pela Ordem dos Advogados).
VIII - Não podendo, ou não devendo, o douto acórdão conhecer de tal facto, sem a correspondente prova documental, que sempre seria necessária (sob a forma de documento autêntico - art. 371.º do CC) para ficar provada tal factualidade.
IX - Deste modo, foi cometida a nulidade de excesso de pronúncia (art. 668.º, n.º 1, d) do CPC, uma vez que o acórdão conheceu do que não podia - ou não devia - conhecer), o que enferma de nulidade o mesmo acórdão.
X - Da inexistência de transmissão de estabelecimento. Violação do disposto no art. 318.º do Código do Trabalho e sua interpretação inconstitucional.
Considera o recorrido acórdão que existiu tal transmissão, pela única razão de que o Réu fora ocupar o antigo escritório de seu pai, também advogado, o qual lhe cedera o arrendamento antes de morrer.
XI - Mas a sentença de 1.ª instância (e o recorrido acórdão igualmente) também consideraram provado que o Réu (item 22 da Matéria de Facto, a pag. 15 do acórdão recorrido) "passou a exercer a sua profissão de advogado no escritório da Rua ............, mas mantendo a sua carteira de clientes própria".
XII - Ora, tanto bastaria, para não se considerar este um caso a incluir na previsão do art. 318.º do Código do Trabalho, já que o sentido do preceito é a transmissão de uma "unidade económica" consubstanciada "numa empresa, ou estabelecimento". Mas nem empresa nem "estabelecimento" existe nos autos…
…Pelo que o douto acórdão recorrido sempre teria de concluir pela inexistência de continuidade contratual ou de negócio translativo entre transmitente e adquirente.
XIII - Aliás, em cumprimento do disposto no DL 124/84, de 18 de Abril, na redacção dada pelo DL 330/98, de 2 de Novembro, o Réu comunicou atempadamente (em 7 de Setembro de 1999), por requerimento por si elaborado e assinado em 6.09.1999, a Comunicação de Admissão de Novo Trabalhador (a ora A. - Doc. n.º 2).
XIV - Tendo ainda sido preenchida (pelo aqui Réu) a Declaração de Vínculo à Entidade Patronal, onde se refere ter sido a A. admitida pelo Réu no dia 1 de Setembro de 1999 (Entidade onde trabalha), descriminando-se depois "a entidade onde trabalhou anteriormente", Dr. CC.
XV - Dizendo-se no verso "É obrigatório o preenchimento desta declaração sempre que inicie qualquer actividade profissional ou se vincule a uma nova entidade patronal (Doc. 3, ora junto nos termos dos supra citados arts. 722.º, n.º 2 e 727.º, do C.P.C., protestando-se fazer junção aos autos do original do Doc. 3).
XVI - Pelo que o acórdão desta Veneranda Relação de Lisboa, ao aceitar a tese da instância, quanto a existência de uma transmissão da empresa ou do estabelecimento que nunca existiu, cometeu a nulidade de excesso de pronúncia.
XVII - Não existindo trânsito em julgado quanto a esta matéria, uma vez que, em sede conclusiva, a Autora refere (Conclusão 8 - pag. 3 do recorrido acórdão - ) que trabalhava com o Réu há mais de 30 anos (o que, como resulta à evidência dos autos não corresponde à verdade), tendo outrossim o acórdão recorrido aceite essa matéria como verdadeira.
XVIII - O art. 318.º, n.º 1, do Código do Trabalho (versão em vigor à data do despedimento), se interpretado no sentido ou com a dimensão normativa de que, num caso como o dos autos, existe "transmissão de estabelecimento comercial" - sendo certo que o que apenas foi cedido foi o arrendamento (posição contratual entre senhorio e arrendatário), encontra-se ferido de verdadeira e própria inconstitucionalidade material, quer por violação do disposto no texto constitucional, mormente nos seus arts. 27.º, n.º 1, 58.º, n.º 1 e 61.º, n.º 1, quer das normas constantes da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (arts. 3.º, 6.º e 13.º).
XIX – Violação dos arts. 429.º e 439.º do Código do Trabalho.
O acórdão ora sob censura, conclui pelo agravamento da ilicitude (e da culpa) do Réu na seguinte linha argumentativa: (pag.15, Item 33, alíneas a), b), c), d), e), f) h).
1.Despedimento ilícito porque não houve comunicação por escrito à A.(alínea a).
É certo que a formalidade (comunicação escrita) não foi cumprida.
Mas o Réu disse-lho, comunicando verbalmente essa sua intenção. (O que sempre diminuiria a ilicitude) e emitiu uma declaração para que esta obtivesse com brevidade emprego noutra área de secretariado, o que veio a conseguir, nem dois meses tinham passado! O que não foi considerado no aresto.
XX - 2.Despedimento ilícito porque operado segundo a estratégia do facto consumado, comunicação verbal, declaração, mudança de fechadura (alínea b).
A comunicação verbal e a declaração militam a favor do Réu, não se compreendendo neste "ínterim" em que medida a ilicitude sofre agravação.
XXI - 3.Por um jurista e advogado há 27 anos (alínea c).
Esta argumentação é absolutamente inconstitucional, violando o disposto no art. 13.º, n.º 2, da Lei Fundamental. O Réu deveria ser tratado como qualquer outro cidadão empregador que despediu ilicitamente uma funcionária. Não mais que isso.
XXII - O facto de o recorrente ser advogado e jurista há mais de 27 anos (hoje, há mais de 31 anos) não deveria poder agravar a ilicitude ou a culpa desse despedimento, nem o recorrido acórdão explica por que razão essa factualidade militaria contra o recorrente, que nem sequer é especializado em Direito do Trabalho.
XXIII - O sentido da decisão viola a lei e a Constituição da República. Havendo nítida violação do princípio da igualdade, consignado no art. 13.º, n.º 2, da CRP. Os factos foram interpretados pelo douto aresto recorrido com esse preconceito (o de o Réu ser advogado e jurista).
Ora a Lei é genérica e todos os cidadãos são iguais perante ela.
XXIV - O facto de o Réu ser advogado levou os julgadores a apreciar a matéria (de facto e de direito) com base nesse pressuposto como se o tratamento do cidadão face à Lei pudesse oscilar de acordo com a profissão.
XXV - Partindo do princípio e ideia formada (o recorrido acórdão), de que o Réu em resultado da profissão tem uma condição social e, com certeza, uma situação económica superior a outros cidadãos e quiçá de suposta condição social e económica inferiores.
XXVI - Pelo que a decisão recorrida discrimina claramente o Réu em razão da profissão, ao considerar que ele (o recorrente) por tal facto não tem que ter a mesma protecção e igualdade perante a Lei Geral que têm os outros cidadãos, discriminação essa que é evidente na expressão "advogado e jurista há 27 anos", o que notoriamente condicionou a actividade dos julgadores.
XXVII - Desta feita, se interpretado no sentido ou com a dimensão normativa de que numa acção de Processo Comum Laboral, o art. 439.º do Código do Trabalho possibilita aumento do grau de ilicitude do despedimento pelo facto de o Réu ser jurista e advogado há vinte e sete anos, encontra-se ferido de verdadeira e própria inconstitucionalidade material, por violação, clara e directa, do disposto no art. 13.º, n.º 2, da Constituição da República e do princípio da igualdade no mesmo consignado.
XXVIII - A restante argumentação usada no recorrido acórdão (relativamente a uma trabalhadora a quem o Réu tece os mais rasgados elogios, (alínea d); despedimento de uma trabalhadora, secretária do Réu ao longo de 9 anos, (alínea e), (quando são 8 anos e dois meses); não lhe tendo sido liquidadas as prestações que sempre lhe seriam devidas, (alínea f) - A Autora, tendo sido convocada, não as quis receber), o Réu - talvez como justificação para o despedimento - atravessava dificuldades económicas (alínea h)), não é de molde a fazer "aumentar a ilicitude do despedimento" a ponto de a indemnização se situar no dobro.
XXIX - Pelo que o recorrido acórdão violou, por erro de interpretação, o disposto nos arts. 429.º e 439.º do Código do Trabalho.
Assim, revogando o recorrido acórdão (declarando as apontadas nulidades) e substituindo-o por outro que, por mais douto e acertado, não faça aplicação do art. 318.º do Código do Trabalho e mantendo o montante indemnizatório em 15 dias por cada ano de antiguidade, exercerão, Colendos Conselheiros, a melhor e mais sã Justiça.
A recorrida contra-alegou, concluindo, por sua vez, nos termos que se sintetizam:
- A arguição das nulidades de Acórdão da Relação, em processo laboral, deve, por força do estabelecido nas disposições combinadas dos arts. 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 77.º, n.º 1, do Código Proc Trabalho, ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de se considerar extemporânea, não podendo delas conhecer-se quando arguidas, apenas, na alegação de recurso.
- Não há excesso de pronúncia quando no acórdão da Relação de Lisboa, sob recurso, se diz que a A. trabalhou para o Réu durante 9 anos.
- Tal pretensão do Réu não encontra fundamento na matéria de facto dada como provada, uma vez que o que dela consta é que "ainda antes da escritura de transmissão (09 Agosto de 1999) já o Réu se havia mudado para o escritório do pai, onde passou a exercer advocacia, mantendo ao seu serviço a A., nas mesmas funções de empregada de escritório", não se explicitando em que dia, mês ou ano isso aconteceu.
- Não tendo o R. impugnado a decisão da 1ª instância, no tocante à transmissão ex lege do contrato de trabalho do pai do R. para este, formou-se, nessa parte, caso julgado que obsta a sua reapreciação (art. 671.º, n.º 1, do Código Processo Civil).
- A alusão feita no acórdão da Relação de Lisboa ao facto de o R., recorrente, ser advogado é meramente residual; insere-se naquele conjunto de factos que por serem graves, impõem um grau elevado de censura ao comportamento do empregador para com a trabalhadora.
- Se qualquer cidadão tem obrigação de conhecer a lei (ignorantia legis non escusa), tal conhecimento é por demais exigido a quem, como o Réu, é advogado e jurista, sem que tal exigência, de forma alguma, constitua uma discriminação face aos restantes cidadãos, ou que tal exigência enquadre uma situação de arbítrio valorativa pela negativa das relações de igualdade ou desigualdade entre cidadãos.
Termos em que, termina, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o Acórdão da Relação de Lisboa na sua íntegra.
Já neste Supremo Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos termos do Parecer de fls. 623-627, entendendo que o recurso deveria improceder.
Notificado, não suscitou reacção das partes.
Colhidos os vistos, cumpre ora analisar, ponderar e decidir.
3.Ante as asserções conclusivas – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito do recurso, inexistindo, como no caso, temáticas de conhecimento oficioso – as questões que nos vêm propostas são as seguintes:
- As identificadas nulidades, todas havidas como excesso de pronúncia;
- A transmissão do estabelecimento;
- Da graduação da indemnização de antiguidade.
II –
Dos Fundamentos
A – De facto.
As Instâncias deram como assente esta factualidade:
1. Por acordo, celebrado no ano de 1977 entre a Autora e o Dr. CC, advogado, pai do ora Réu, foi aquela admitida ao serviço deste, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de empregada de escritório.
2. O Dr. CC tinha o seu escritório na Rua de D. .............., n.º 000 - ....., em Lisboa, onde a Autora exercia as suas funções de empregada de escritório.
3. Por escritura pública, datada de 09 de Agosto de 1999, o Dr. CC cedeu ao seu filho, Dr. BB, Réu nos presentes autos, o direito ao arrendamento do dito andar.
4. Local onde o Réu continuou a exercer a mesma profissão de advogado, ou seja, no apartamento correspondente ao ...... do prédio identificado, no mesmo escritório onde antes o Dr. CC exercera a sua actividade de advogado.
5. O Réu, em 1 de Fevereiro de 2008, emitiu uma declaração com o seguinte conteúdo:
Declaração
«Para os devidos efeitos se declara que AA, casada, com o número de contribuinte 181.365.758, emitido em 25.09.1990, exerceu a sua actividade profissional como empregada de escritório desde Julho de 1977 até Agosto de 1999 ao serviço do Dr. CC (meu pai, que também era advogado), e após o falecimento deste, ocorrido em 23 de Agosto de 1999, ao meu serviço, sempre se tendo revelado uma funcionária exemplar, pontual, cumpridora, leal, para além de revelar grande sentido de responsabilidade em todas (e foram inúmeras) as situações em que tal qualidade mais se fez sentir.
De salientar, ainda, a grande cortesia, afabilidade e correctíssimo trato manifestados no contacto com os clientes, quer ao nível do atendimento telefónico, quer no contacto pessoal.
Devo também referir – por ser a única expressão da verdade – que todas as pessoas que tiveram o privilégio de contactar com a funcionária em questão (clientes, colegas de profissão, ou entidades oficiais), são unânimes em apontar o seu elevado profissionalismo, prontidão e eficiência.
Devo ainda referir que a razão pela qual o escritório prescindiu dos serviços da sua colaboradora teve única e exclusivamente a ver com a necessária extinção do posto de trabalho, no momento da reorganização do escritório. Lisboa, 1 de Fevereiro de 2008».
6. Conforme autos de acção ordinária n.º 104/2001, da 2.ª Secção da 11.ª Vara Cível de Lisboa foi proferida sentença, confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 21-07-2007, transitado em julgado, com o seguinte conteúdo:
«DD, Lda., com sede na Rua de EE, n.º 000, Lisboa, intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra BB, residente na ......, n.º ......º, Lisboa, pedindo que se reconheça à Autora o direito de propriedade sobre o prédio sito na Rua ............, n.ºs 000 a 000-C, Lisboa; que se condene o Réu a restituir à Autora o ...... letra A completamente livre e desembaraçado de pessoas e bens; e que se condene o Réu a pagar à Autora uma indemnização pelos prejuízos sofridos, calculado com base no valor locativo mensal do andar, desde a citação, a liquidar em execução de sentença; sendo de salientar que, por força de decisão proferida no apenso de habilitação, foi EE, Lda., com sede na Rua Professor ...............s, n.º 00, ....., Lisboa, julgada habilitada a figurar como Autora a par de DD por esta última manter a posição processual no que toca à parte dos pedidos relativos ao período decorrido até 24 de Setembro de 2001. Para tanto, a Autora DD alegou, em síntese, que o prédio em questão nos presentes autos se encontra registado a seu favor; que o Réu se encontra instalado no ...... letra A do referido prédio; e que, com a sua actuação, o Réu priva a Autora da normal fruição das utilidades do andar.
O Réu, contestando, invocou a excepção da ilegitimidade activa e, em reconvenção, pediu a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 12.531,85 (cf. redução do pedido reconvencional de fls. 455, admitida por despacho de fls. 456), alegando, em síntese, que o prédio se encontra registado a favor de FF, Ld.ª; que foi cedido a CC o gozo do ......, letra A, mediante a renda mensal de Esc. 4.000$00; que CC cedeu ao Réu o direito ao arrendamento; que o Réu notificou o senhorio da cedência; que os elevadores não funcionam, causando prejuízos ao Réu; que o Réu fez obras de reparação; e que a casa de banho do andar tem infiltração no tecto.
A Autora DD apresentou réplica, alegando que as eventuais obras que o andar necessitava se ficaram a dever à incúria e desleixo a que o anterior ocupante votou o andar.
O Réu treplicou, pedindo a condenação da A. DD, como litigante de má-fé, a pagar indemnização a favor daquele.
São as seguintes as questões que importa solucionar:
· O da legitimidade activa (o conhecimento de tal questão foi relegado para final);
· O do direito de propriedade;
· O da existência de título que legitime a ocupação;
· O do direito de indemnização.
Matéria de facto provada:
i. O prédio sito na Rua ......, n.ºs 000 a 000-C, São Sebastião, Lisboa, descrito na 8.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 000000000 e inscrito na matriz sob o artigo 1649, encontra-se registado a favor da Autora DD desde 31 de Agosto de 1999 por compra a GG, Lda. e a favor da Autora EE desde 27 de Julho de 2001 por compra à Autora DD (A).
ii. O pai do Réu ocupava o andar dos autos (B).
iii. O Réu ocupa o apartamento correspondente ao 4.º A do prédio identificado no ponto 1 e, por isso, a Autora não pode arrendar tal andar a terceiro (6.º e 7.º).
iv. No dia 23 de Setembro de 1975, por escritura pública, HH, por si e na qualidade de procurador de II, declarou ceder a CC, e este declarou aceitar, o gozo do ...... porta A, com entrada pelo n.º 000 da Rua ............, São S............., Lisboa, "para escritório comercial, profissão liberal e sede de sociedade", pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos de tempo, com início a 1 de Outubro de 1975, mediante a renda mensal de Esc. 4.500$00, "mas só devida na importância de quatro mil escudos até à correspondente ao mês de Agosto de 1976", tendo sido estipulado que "o arrendatário poderá fazer obras no local arrendado...,obras e benfeitorias essas que uma vez feitas e autorizadas ficarão desde logo sendo pertença do prédio sem direito a retenção ou indemnização" (doc. de fls. 65 a 70).
v. CC exerceu a sua actividade profissional – advocacia - no apartamento correspondente ao 4.º A do prédio identificado no ponto 1 desde 1 de Outubro de 1975 (10.º).
vi. No dia 9 de Agosto de 1999, por escritura pública, CC declarou ceder ao Réu e este declarou aceitar, pelo preço de Esc. 2.000.000$00, o direito ao arrendamento referente ao ...... letra A do prédio sito na Rua.........., n.ºs 000 a 000 C, Lisboa (doc. de fls. 88 a 90).
vii. A 20 de Agosto de 1999, o Réu enviou carta registada com A/R para GG, Lda., pela qual comunicava a cessão da posição de arrendatário, carta essa que veio devolvida por não ter sido reclamada (12.º).
viii. O Réu, advogado de profissão há 22 anos, deposita mensalmente, a título de renda, a quantia de Esc. 4.000$00, na Caixa Geral de Depósitos (13.º).
ix. Já no tempo de CC, a renda era depositada (14.º).
x. O prédio está sujo, no exterior e no interior, as escadas estão sujas, a luz é quase inexistente, as caixas da electricidade encontram-se rebentadas nalguns andares (16.º).
xi. Os elevadores não funcionam e as suas portas estão danificadas no exterior (18.º), situação que se mantém há ano e meio a esta parte (19.º).
xii. O Réu sofreu diminuição de clientes, sobretudo clientes de maior idade, que não estão na disposição de subir quatro íngremes lances de escada, sujos e mal iluminados, para poder chegar à fala com o advogado (22.º).
xiii. Recentemente, por os elevadores não funcionarem, o Réu perdeu uma cliente com mais de 80 anos de idade, de que o Réu era advogado em várias causas (23.º).
xiv. No ano de 1999, em benfeitorias (porque o andar se encontrava a necessitar de obras), o Réu despendeu a quantia de Esc. 1.390.000$00 (24.º).
xv. A casa de banho do apartamento correspondente ao 4.º A do prédio identificado no ponto 1 tem uma infiltração no tecto (26.º, com rectificação de lapso manifesto).
xvi. O Réu não comunicou à Autora DD a cessão da posição de arrendatário (29.º).
xvii. A Autora DD não se recusou a receber as rendas do Réu CC, (mas) passou a depositar as rendas na Caixa Geral de Depósitos (31.º).
xviii. O Réu continuou a exercer a mesma profissão de advogado no apartamento correspondente ao 4.º-A do prédio identificado no ponto 1, no mesmo escritório onde antes CC exercera a sua actividade (36.º).
xix. CC foi internado de urgência no dia 20 de Junho de 1999 no Hospital Amadora-Sintra (49.º).
xx. A carta referida no ponto 7 foi enviada para a morada fornecida em 1991 pela esposa do porteiro como sendo a da senhoria. A 23 de Agosto de 1999, os correios deixaram aviso para essa carta ser reclamada pela sua destinatária (43.º).
xxi. Não foi comunicado a CC que o prédio havia sido vendido à Autora DD (54.º) (…)».
7. Após a escritura de cessão do direito ao arrendamento, a Autora continuou, no mesmo local, a exercer as mesmas funções de empregada de escritório ao serviço do Réu.
8. Ainda antes da escritura de transmissão, já o Réu se havia mudado para o escritório do pai (que fora internado no hospital Amadora/Sintra, no dia 20 de Junho de 1999), e onde passou a exercer a advocacia, mantendo ao seu serviço a Autora nas mesmas funções de empregada de escritório.
9. A retribuição da Autora era, actualmente, de 600 euros por mês.
10. No dia 31 de Janeiro de 2008, o Réu comunicou verbalmente à Autora a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho.
11. A Autora continuou a apresentar-se ao serviço, estando presente no local de trabalho nos dias 1, 6 e 7 de Fevereiro de 2008.
12. Porém, no dia 08 de Fevereiro, quando às 09H30 a Autora se dispunha a entrar no seu local de trabalho, não conseguiu abrir a porta, tendo constatado que a fechadura havia sido mudada.
13. No dia 11 de Fevereiro de 2008, a Autora foi levantar uma carta registada, subscrita pelo Senhor Advogado, Dr. JJ, que a convidava a comparecer no seu escritório para assinar um acordo revogatório do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho.
14. A Autora fez-se representar naquela reunião, pela sua mandatária, não tendo havido qualquer acordo quanto à cessação do contrato de trabalho.
15. O Réu entregou à Autora a Declaração para o Fundo de Desemprego (Mod. RP 5044), na qual constam como motivos da cessação do contrato de trabalho: despedimento por extinção do posto de trabalho e acordo de revogação, encontrando-se tal declaração datada de 31/01/2008.
16. Em consequência dos factos, a Autora ficou psicologicamente abatida.
17. A Autora tem dois filhos a seu cargo, que se encontram a estudar.
18. O seu estado de saúde levou-a a frequentar a consulta de neurologia, tendo-lhe sido diagnosticada uma depressão reactiva, consequência do desemprego.
19. O Réu não pagou à Autora as férias e subsídio de férias de 2007, vencidos em 01-01-2008, e também não lhe pagou as retribuições correspondentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao ano de 2008, vencidas à data do despedimento (31 de Janeiro de 2008).
20. A Autora encontra-se inscrita na Segurança Social com descontos efectuados desde o ano de 1983 a 2000, conforme documento junto aos autos a fls. 152.
21. A especialidade do Réu é o Direito Penal, enquanto a área do seu pai era o Direito Comercial e Administrativo.
22. O Réu passou a exercer a sua profissão de advogado no escritório da Rua ............, mas mantendo a sua carteira de clientes própria.
23. O Réu (advogado de profissão) começou por ter escritório na Rua ........, a partir de Janeiro de 1981, tendo obtido a sua Cédula Profissional em Março de 1981.
24. Local onde esteve instalado até Junho de 1991, tendo transferido o seu escritório, em 1 de Julho de 1991, para a Avenida .............., n.º 00– 00 –00 onde pagava uma renda de 160 mil escudos.
25. Em Abril de 1997, mudou o seu escritório para o apartamento vizinho (o 2.º B), por a renda ser mais barata (80 mil escudos).
26. Nesses locais, o Réu teve como empregada a D.ª KK, que também se encontrava a fazer os descontos na Segurança Social.
27. E que ainda no ano de 1997 rescindiu, amigavelmente, o contrato de trabalho que a ligava ao Réu, tendo voltado a trabalhar, agora em regime de “part-‑time” com o Réu, rescindindo novamente o Contrato de Trabalho em 16 de Abril de 1999.
28. O Réu procedeu a obras de envergadura no apartamento sito na Rua ............, 000, ......, em 0000-000 Lisboa, o qual necessitava de reparações necessárias e urgentes.
29. O Réu transferiu o seu escritório da Av. ................... para a Rua ............, de forma definitiva no dia 9 de Dezembro de 1999.
30. A partir do ano de 2008, o Réu começou a sentir dificuldades económicas.
31. A Autora auferiu subsídio de desemprego durante dois meses, no valor mensal de € 600.
32. A Autora encontra-se empregada num laboratório.
33. Deve o Réu à Autora as seguintes importâncias, totalizando €1.535,34 (admitido por acordo nos arts. 148.º a 150.º da contestação):
a. Férias de 2007, € 600;
b. Subsídio de férias de 2007, € 600;
c. Férias de 2008 (proporcionais a 68 dias) € 111,78;
d. Subsídio de Férias 2008 (proporcionais a 68 dias) € 111,78;
e. Subsídio de Natal 2008 (proporcionais a 68 dias) € 111,78.
Pode ler-se, na parte final da Decisão sobre a Matéria de Facto, a fls. 415, o seguinte:
«Não se provaram outros factos constantes dos articulados com relevância para a discussão da causa.
Não respondeu o tribunal aos artigos que contêm matéria conclusiva, de direito ou inócua para as questões em discussão».
A materialidade vinda de descrever não foi objecto de impugnação, nem se prefigura qualquer das situações referidas no n.º 3 do art. 729.º do C.P.C., pelo que será com base nesses factos que se hão-de resolver as questões suscitadas.
B – Os Factos e o Direito.
Proferida a sentença, dela apenas a A. apelou.
A única questão suscitada no âmbito da apelação – como se equacionou em C), a fls. 9 do Acórdão/fls. 507 dos Autos – foi a de saber se a indemnização por antiguidade fixada pelo Tribunal a quo se mostra conforme os requisitos legais definidos pelos arts. 429 e 439.º do CT/2003.
O dispositivo do Aresto, proferido em conformidade, acolheu as razões que motivaram o inconformismo da apelante, alterando a sentença recorrida tão-só na parte em que conferiu à A. uma indemnização em substituição da reintegração de 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, fixando a mesma, ao invés, em 30 dias por cada ano ou fracção.
B.1 – Da reacção do R.
- A arguição das nulidades.
Na revista interposta – seguimos o alinhamento que integra o acervo conclusivo, por onde se afere e delimita, como é sabido, o objecto e âmbito da impugnação – o R. inventaria, além das pretensas nulidades do Aresto, duas questões, concretamente, como resulta do remate da pretensão recursória em que pede, a final, a revogação do Acórdão recorrido e a sua substituição por outro que …não faça aplicação do art. 318.º do Código do Trabalho e mantenha …o montante indemnizatório em 15 dias por cada ano de antiguidade.
As nulidades, como logo se constata, foram deduzidas ex tempore, delas não se podendo conhecer, por isso.
Manda o art. 77.º/1 do C.P.T. (na versão aplicável, a do Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, com previsão homóloga na nova Codificação, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro), também extensivo ao recurso interposto de Acórdão da Relação, que a arguição das nulidades da decisão seja feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso.
Tal exigência, como é consabido, é ditada por razões de celeridade e economia processuais e destina-se a permitir ao Tribunal recorrido que detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento.
Assim não procedendo, e guardando-se a exercitação de tal pretensão apenas para as alegações, a arguição é inatendível, porque intempestiva.
Este é o entendimento firmado, reiterada e pacificamente, neste Supremo Tribunal e Secção, lembrando-se, inter alia, a título meramente elucidativo e para além do Aresto citado na contra-minuta oferecida pela recorrida, os Acórdãos de 25.2.2009 e de 20.1.2010, ambos consultáveis no site da dgsi.pt.
Destarte, de todos os pretensos vícios reconduzidos às identificadas nulidades (v.g. excesso/s de pronúncia) não pode conhecer-se.
- O caso julgado.
Contrariamente ao alegado e depois plasmado, concretamente, na conclusão X do respectivo rol, o Acórdão sob protesto não se pronunciou sobre a problemática da transmissão do estabelecimento, a que alude a previsão constante do art. 318.º do Código do Trabalho, considerando ter existido tal transmissão, no caso.
Essa temática foi considerada na sentença (da 1.ª Instância), da qual apenas a A. apelou, como se disse.
Não tendo o R. reagido então à decisão, sequer subordinadamente, essa questão – não integrando, obviamente, o objecto da apelação – passou a constituir ‘res judicata’, ou seja, tornou-se imodificável, transitou em julgado, assim se considerando a decisão que (já) não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, como proclama o art. 677.º, concertado com o art. 671.º/1, ambos do C.P.C.
Dessa matéria, indevidamente arvorada em fundamento da revista, não pode igualmente conhecer-se porque, como se disse, passou oportunamente em julgado.
- A questão decidenda.
Fica por solucionar a problemática atinente à graduação da indemnização de antiguidade.
Como se consigna do Acórdão sub judicio, esta foi a única questão suscitada no âmbito do recurso de Apelação, reagindo a A. à decisão da 1.ª Instância que a fixou em 15 dias de remuneração mensal por cada ano de antiguidade.
Adequadamente identificado o regime legal aplicável e delineado, circunstanciadamente, o quadro doutrinal e jurisprudencial adrede relevante, a deliberação sujeita analisou, fundamentou e ajuizou a questão nestes termos (transcrevemos):
“Chegados aqui e tendo como pano de fundo o quadro legal que deixámos exposto e a posição que assumimos relativamente às diversas questões que, ao nível da sua interpretação e aplicação, podem ser suscitadas, impõe-se ter em atenção os factos que, de uma forma directa ou indirecta, podem contribuir para uma correcta aferição da quantia indemnizatória a pagar pelo Réu à Autora:
“1. Por acordo, celebrado no ano de 1977 entre a Autora e o Dr. CC, advogado, pai do ora Réu, foi aquela admitida ao serviço deste, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de empregada de escritório.
2. O Dr. CC tinha o seu escritório na Rua de D..............., n.º 000 - 4.º A, em Lisboa, onde a Autora exercia as suas funções de empregada de escritório.
3. Por escritura pública, datada de 09 de Agosto de 1999, o Dr. CC cedeu ao seu filho, Dr. BB, Réu nos presentes autos, o direito ao arrendamento do dito andar.
4. Local onde o Réu continuou a exercer a mesma profissão de advogado, ou seja, no apartamento correspondente ao ...... do prédio identificado, no mesmo escritório onde antes o Dr. CC exercera a sua actividade de advogado.
5. O Réu, em 1 de Fevereiro de 2008, emitiu uma declaração com o seguinte conteúdo:
«DECLARAÇÃO
Para os devidos efeitos se declara que AA, casada, com o número de contribuinte 181.365.758, emitido em 25.09.1990, exerceu a sua actividade profissional como empregada de escritório desde Julho de 1977 até Agosto de 1999 ao serviço do Dr. CC (meu pai, que também era advogado) e após o falecimento deste, ocorrido em 23 de Agosto de 1999, ao meu serviço, sempre se tendo revelado uma funcionária exemplar, pontual, cumpridora, leal, para além de revelar grande sentido de responsabilidade em todas (e foram inúmeras) as situações em que tal qualidade mais se fez sentir. De salientar, ainda, a grande cortesia, afabilidade e correctíssimo trato manifestados no contacto com os clientes, quer ao nível do atendimento telefónico, quer no contacto pessoal. Devo também referir – por ser a única expressão da verdade – que todas as pessoas que tiveram o privilégio de contactar com a funcionária em questão (clientes, colegas de profissão, ou entidades oficiais), são unânimes em apontar o seu elevado profissionalismo, prontidão e eficiência. Devo ainda referir que a razão pela qual o escritório prescindiu dos serviços da sua colaboradora teve única e exclusivamente a ver com a necessária extinção do posto de trabalho, no momento da reorganização do escritório. Lisboa, 1 de Fevereiro de 2008».
7. Após a escritura de cessão do direito ao arrendamento, a Autora continuou, no mesmo local, a exercer as mesmas funções de empregada de escritório ao serviço do Réu.
8. Ainda antes da escritura de transmissão já o Réu se havia mudado para o escritório do pai (que fora internado no hospital Amadora/Sintra, no dia 20 de Junho de 1999), e onde passou a exercer a advocacia mantendo ao seu serviço a Autora nas mesmas funções de empregada de escritório.
9. A retribuição da Autora era actualmente de 600 euros por mês.
10. No dia 31 de Janeiro de 2008, o Réu comunicou verbalmente à Autora a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho.
11. A Autora continuou a apresentar-se ao serviço, estando presente no local de trabalho nos dias 1, 6 e 7 de Fevereiro de 2008.
12. Porém, no dia 08 de Fevereiro, quando às 09H30 a Autora se dispunha a entrar no seu local de trabalho, não conseguiu abrir a porta, tendo constatado que a fechadura havia sido mudada.
13. No dia 11 de Fevereiro de 2008, a Autora foi levantar uma carta registada, subscrita pelo Senhor Advogado, Dr. JJ, que a convidava a comparecer no seu escritório para assinar um acordo revogatório do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho.
14. A Autora fez-se representar naquela reunião, pela sua mandatária, não tendo havido qualquer acordo quanto à cessação do contrato de trabalho.
15. O Réu entregou à Autora a Declaração para o Fundo de Desemprego (Mod. RP 5044), na qual constam como motivos da cessação do contrato de trabalho: despedimento por extinção do posto de trabalho e acordo de revogação, encontrando-se tal declaração datada de 31/01/2008.
19. O Réu não pagou à Autora as férias e subsídio de férias de 2007, vencidos em 01-01-2008, e também não lhe pagou as retribuições correspondentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao ano de 2008, vencidas à data do despedimento (31 de Janeiro de 2008).
22. O Réu passou a exercer a sua profissão de advogado no escritório da Rua ............, mas mantendo a sua carteira de clientes própria.
29. O Réu transferiu o seu escritório da Av. ................... para a Rua ............, de forma definitiva, no dia 9 de Dezembro de 1999.
30. A partir do ano de 2008, o Réu começou a sentir dificuldades económicas.
33. Deve o Réu à Autora as seguintes importâncias, totalizando €1.535,34 (admitido por acordo nos arts. 148.º a 150.º da contestação):
a. Férias de 2007, € 600;
b. Subsídio de férias de 2007, € 600;
c. Férias de 2008 (proporcionais a 68 dias) € 111,78;
d. Subsídio de Férias 2008 (proporcionais a 68 dias) € 111,78;
e. Subsídio de Natal 2008 (proporcionais a 68 dias) € 111,78.
Encontramo-nos, assim:
a) Face a um despedimento ilícito porque carecido, em absoluto, do correspondente procedimento formal e legalmente previsto para a pretendida cessação por extinção do posto de trabalho (partindo do pressuposto de que era esse o despedimento perseguido pelo Réu e de que o mesmo era juridicamente possível, quer em termos abstractos, como concretos, face ao regime aplicável - artigos 402.º a 404.º e 398.º a 401.º do Código do Trabalho de 2003);
b) Operado, em termos praticamente imediatos e segundo a estratégia do facto consumado – comunicação verbal, declaração, mudança de fechadura, tentativa de camuflar o dito despedimento com um acordo revogatório;
c) Por um jurista e advogado há 27 anos;
d) Relativamente a uma trabalhadora, de quem o empregador tece os mais rasgados elogios, em termos pessoais e profissionais, na referida declaração, ainda que o faça como forma de a compensar da situação criada e de, mais facilmente, lhe abrir as portas a uma nova colocação profissional;
e) Trabalhadora que, com funções de empregada de escritório – secretária do pai do Réu e depois deste último, ao longo de 9 anos –, desempenhou funções no mesmo entre 1977 e 2008 (cerca de 31 anos), numa relação de grande proximidade e confiança pessoal e profissional;
f) Não lhe tendo sido sequer liquidadas as prestações que, em quaisquer circunstâncias, sempre lhe seriem devidas;
g) A Autora auferia, à data do despedimento, 600,00 Euros mensais;
h) O Réu, na mesma altura – e talvez como justificação para o mesmo – atravessava dificuldades económicas.
Este quadro factual justifica, em nosso entender, um valor indemnizatório superior ao mínimo de 15 dias por cada ano de antiguidade considerado na sentença impugnada, mas não tão próximo do limite máximo de 45 dias como persegue a Apelante, louvando-se, para o efeito, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-05-2006, Proc. 06S291.dgsi.net e de 19-12-2007, Proc. 07S3422.dgsi.net, julgando nós, à imagem do que foi decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2010, por nós acima citado, que tal indemnização deverá ser estabelecida no ponto intermédio entre os aludidos limites mínimo e máximo previstos no artigo 439.º do CT de 2003 (30 dias).
Logo, nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de Apelação, alterando-se a sentença recorrida na parte em que atribuiu uma indemnização em substituição da reintegração de 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção, fixando-se a mesma, ao invés, em 30 dias por cada ano, o que perfaz até agora e sem prejuízo do trânsito em julgado do presente Acórdão, a quantia global de € 21.000,00 (€ 600,00 x 35 anos).
(…)
IV – DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação, interposto por AA, nessa medida se alterando a sentença recorrida, na parte em que atribuiu uma indemnização em substituição da reintegração de 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, fixando-se a mesma, ao invés, em 30 dias por cada ano ou fracção, o que perfaz até agora e sem prejuízo do trânsito em julgado do presente Acórdão, a quantia global de € 21.000,00 (€ 600,00 x 35 anos).
Ao assim sentenciado contrapõe o Exm.º recorrente, em síntese, que, ao agravar a indemnização por antiguidade – argumentando com/valorando a falta de comunicação do despedimento por escrito à trabalhadora/A., relativamente à qual o R. tece os mais rasgados elogios, mas a quem não liquidou sequer as prestações que sempre lhe seriam devidas; a mudança da fechadura de acesso ao local de trabalho; a circunstância de o R. ser um jurista/advogado há 27 anos… – o Acórdão sub specie violou os arts. 429.º e 439.º do Código do Trabalho, afrontando, do mesmo passo, o disposto no art. 13.º/2 da Lei Fundamental ao reter como circunstância relevante/discriminatória o facto de o R. ser advogado e jurista há mais de 27 anos.
Como imediatamente se intui – e a seguir brevemente se demonstra – o Recorrente, com o devido respeito, não tem razão.
A fundamentação aduzida na deliberação em crise é proficiente e suporta a interpretação da norma de previsão que temos por consentânea, com a solução acertada.
Nos termos do art. 439.º/1 do Código do Trabalho, tendo o trabalhador optado por uma indemnização em substituição da reintegração, cabe ao Tribunal fixar o respectivo montante entre 15 e 45 dias da retribuição-base e diuturnidades por cada ano completo (ou fracção) de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude decorrente do disposto no art. 429.º.
(Qualquer tipo de despedimento é ilícito se não tiver sido precedido do respectivo procedimento – conforme princípio geral proclamado na alínea a) deste inciso).
Reportando-nos às oportunas alusões doutrinais adrede invocadas e transcritas no douto Acórdão revidendo – que aqui se têm presentes – lembramos, em suma, que o critério legal, não sendo tabelado, nem muito preciso/esclarecedor, permite, todavia, uma ampla latitude na determinação do ‘quantum indemnizatur’.
Assim, admitida a natureza híbrida desta indemnização substitutiva (reparadora e sancionatória), ante a consumada situação de um despedimento que não foi precedido do respectivo procedimento, como no caso, a sua fatal ilicitude conduz directamente o julgador aos parâmetros balizados no n.º 1 da citada norma: o valor da retribuição vs. o grau da ilicitude, devendo entender-se, na ponderação, que o valor daquela é factor de variação inversa (quanto menor for a retribuição, mais elevada deverá ser a indemnização) e o da segunda é factor de variação directa, ou seja, quanto maior for a ilicitude, maior deve ser a indemnização.
Operando estes factores conjugadamente (um salário baixo e um despedimento ‘ad nutum’, nas factualizadas circunstâncias de contexto, tratando-se de uma relação de trabalho com aquela longevidade), consideramos que a fixação intermédia do valor de aferição da indemnização nos 30 dias por cada ano de antiguidade é perfeitamente adequada/equitativa, não suscitando por isso qualquer reparo ou censura.
Contrariamente ao sustentado pelo Exm.º recorrente, a alusão, na ponderação constante da fundamentação em causa, à circunstância de o R. ser um advogado/jurista, com mais de 27 anos de actividade, nada tem de discriminatório e, por isso, de inconstitucional, concretamente face ao princípio programático constante do art. 13.º/2 da C.R.P.
Não é por ser advogado que o R. vê a indemnização ser agravada. Não é isso que se diz no Acórdão em crise.
Significa-se sim, seguramente – como é razoável e compreensivelmente aceitável, com o devido respeito – que sendo o R. uma pessoa com específica formação e sensibilidade jurídica, maior censura se suscita acerca da conduta do empregador, justificando por isso, no balanço das demais circunstâncias relevantes, a alteração do valor do referencial de cálculo da indemnização.
Tudo visto e ponderado – e ante a falência das razões que enformam as asserções conclusivas que rematam a motivação recursória – impõe-se-nos a confirmação do julgado.
Vamos terminar.
III –
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar a Revista e confirmar o douto Acórdão impugnado.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2013
Fernandes da Silva (Relator*)
Gonçalves Rocha
Leones Dantas