REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
LEGITIMIDADE
CASAMENTO
REGISTO
DIVÓRCIO
Sumário


1) - Sendo o nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras, em regra, de revisão meramente formal, o tribunal competente deve verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa
2) - Por isso, dispõe-se no artigo 1.100º do Código de Processo Civil que o pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer desses requisitos, mencionados no artº 1096 ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados no artº 771º do mesmo diploma.
3) - Ou seja, o facto de não estarem em causa alegadas relações pessoais entre as partes não evita que os requeridos ou herdeiro destes não tenham que ser citados para deduzir impugnação a um pedido de revisão de sentença estrangeira.
4) - Sem assento do casamento não pode haver transcrição nele por averbamento de sentença de divórcio.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2011.05.09, no Tribunal da Relação de Évora, AA veio requerer contra BB que também usa o nome de CC E DD, a revisão de sentença estrangeira nos seguintes termos:

- a requerente e o requerido casaram em 1981.01.16,  em Sidney, na Austrália, casamento esse que foi dissolvido por divórcio decretado pelo Tribunal Federal da Austrália, por decisão proferida em 2005.01.20, transitada em julgado, em 2005.11.21;

- sucede que a requerente não tem este divórcio nem qualquer estado civil averbado no bilhete de identidade, porquanto na Conservatória dos Registos Centrais ainda não foi averbada a dissolução do primeiro casamento do requerido com EE , pois, para o efeito, aquela entidade exige que sejam revistas e confirmadas as sentenças de divórcio proferidas pelos Tribunais australianos quer quanto ao seu casamento com o requerido, quer quanto ao casamento deste com a referida EE;

- por decisão do Tribunal de Família da Austrália em Sidney de 1979.02.28, já transitada em julgado em 1979.03.29, foi dissolvido, por divórcio, o casamento entre o requerido e a referida EE que havia sido celebrado em 1957.05.10, em Hong Kong;

- ambas as decisões constam de documentos cuja autenticidade e inteligência não suscitam dúvidas, provêm de Tribunais competentes, transitaram em julgado e não contêm decisões contrárias aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

Conclui pedindo que sejam revistas e confirmadas as duas referidas decisões dos Tribunais australianos, proferidas em 2005.10.20 e 1979.02.28, para todas os efeitos legais, designadamente, para que os divórcios que as mesmas decretam, possam produzir todos os seus efeitos em Portugal.

Juntou certidão do seu casamento com o requerido, devidamente traduzida e bem assim certidão da sentença do respectivo divórcio, igualmente traduzida.

Mais juntou certidão do seu registo de nascimento e ainda certidão da sentença de divórcio que dissolveu o casamento celebrado entre o requerido e a referida EE, transitada em 29 de Março de 1979, devidamente traduzida.

Citado oficiosamente o requerido não apresentou qualquer contestação.

Pelo despacho de fls. 52, foi determinada a notificação da requerente para juntar aos autos documentos comprovativos da transcrição dos casamentos referidos na petição inicial, no registo civil nacional.

A requerente veio então a fls. 56/58 juntar certidão do assento do casamento do requerido com a sua primeira mulher a referida EE, devidamente transcrito nos registos centrais e a fls. 59/61, cópia do assento' de nascimento do requerido.

Em 2011.11.08, foi proferido acórdão, com o seguinte teor:

- Julgar o Requerido CC e DD, parte ilegítima, por preterição do litisconsórcio necessário, relativamente ao pedido de revisão de sentença estrangeira que decretou o divórcio e dissolveu o seu casamento com EE e, em consequência absolvê-lo da respectiva instância;

- Julgar improcedente o pedido de revisão de sentença estrangeira que decretou o divórcio e dissolveu o casamento celebrado entre a requerente e o requerido por falta de verificação do pressuposto da sua transcrição e, em consequência, absolvê-lo do respectivo pedido.

Inconformada, a requerente deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

O Ministério Público contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertos, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

a única questão proposta para resolução consiste em saber se as sentenças em causa deviam ser revista e confirmadas.

Os factos

Os factos a ter em conta são os resultantes do relatório, acima mencionados.

Os factos, o direito e o recurso

Como se disse, a recorrente AA instaurou a presente ação de revisão de sentença contra CC e DD, pedindo a revisão de sentença estrangeira que tinha decretado a dissolução por divórcio do casamento celebrado entre ambos e também a revisão de outra sentença estrangeira que teria também decretado a dissolução de anterior casamento do requerido CC com EE .

No acórdão recorrido entendeu-se, quanto ao primeiro pedido, absolver do mesmo o requerido porque o alegado casamento entre a recorrente/requerente e o recorrido/requerido não tinha sido transcrito no registo civil em Portugal.

E quanto ao segundo, absolver a requerida ou seus herdeiros da instância, por ilegitimidade derivada de preterição de litisconsórcio necessário porque a requerente não tinha demandado, como requerida, a EE ou seus herdeiros, se tiver falecido.

A recorrente entende, quanto à decisão do segundo pedido, que não havia necessidade dos herdeiros da EE serem parte no processo de revisão da sentença que decretou o divórcio dela com o CC, porque o que estava apenas em causa na presente ação eram apenas as relações pessoais do CC com a EE.

Não tem razão.

Com bem se diz no acórdão recorrido, “sendo o nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras, em regra, de revisão meramente formal, o tribunal competente deve verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa”.

Por isso, dispõe-se no artigo 1.110º do Código de Processo Civil que o pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer desses requisitos, mencionados no artº 1096 ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados no artº 771º do mesmo diploma.

Ou seja, o facto de não estarem em causa alegadas relações pessoais entre as partes não evita que os requeridos ou herdeiro destes não possam deduziu impugnação a um pedido de revisão de sentença estrangeira.

Concluímos, pois, que não merece censura a decisão proferida no acórdão recorrido no sentido de que os herdeiros da EE teriam que ser citados para a presente ação.

Quanto à decisão sobre pedido relacionado com a revisão da sentença que decretou o divórcio entre a requerente e o requerido CC, não se percebe bem em que a aquela discorda.

O certo é que é necessária a transcrição do assento do casamento na Conservatória Portuguesa competente, uma vez que a sentença que decretou o divórcio terá que ser averbada naquele assento – cfr. artigos 53º, nº1, alínea c) e 78º e 79º do Código do Registo Civil.

Dito doutro modo: sem assento do casamento não pode haver transcrição nele por averbamento de sentença de divórcio.

Também aqui, pois, não merece censura o acórdão recorrido.   

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

  Lisboa, 5 de Março de 2013

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento