EXECUÇÃO DE SENTENÇA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
Sumário

I - Há falta de citação, não só quando se emprega prematuramente a citação edital, sem se terem esgotado todas as possibilidades de determinar o paradeiro do citando, como também nos casos em que não esteja demonstrado que o citando não tenha tido conhecimento da citação por facto que lhe seja imputável, isto é, que se tenha colocado numa situação obstativa da efectivação daquela diligência.

II - O Tribunal só deverá recorrer à citação edital, quando não for, de todo em todo, possível, fazer actuar a citação pessoal quer através do procedimento regra, isto é a carta registada com aviso de recepção dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, nos termos do artigo 236º, nº1, quer por meio de contacto pessoal do funcionário de justiça com o citando, nos moldes definidos nos artigos 239º a 241º, estes como aquele do CPCivil.

III - A falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não dever considerar-se sanada nos termos do artigo 204º, nº2, considerando-se sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo tal falta, de harmonia com o normativo inserto no artigo 196º, constituindo fundamento de oposição à execução nos termos do artigo 813º, alínea d), todos do CPCivil.

IV- Embora na acção declarativa que deu origem à execução se tivesse procedido ao cumprimento do disposto no artigo 15º, nº1 do CPCivil, tendo sido citado o então Réu, agora Opoente/Recorrido, na pessoa do Ministério Público, o qual o veio a representar na mesma, tal intervenção sem nunca arguir a falta de citação ou irregularidade da citação edital realizada não fez sanar a mesma.

V- As situações em que se verifica a falta de citação, mostram-se prevista no art. 195º, nº 1 do CPCivil, sendo a estas situações que se refere o artigo 196º, do mesmo diploma, contemplando quer a falta de citação do Réu, que a falta de citação do Ministério Público, quando este intervém como parte principal, referindo-se o texto legal, em ambos os casos, à «falta da sua citação», não havendo tal omissão no caso sub especie, uma vez que o Ministério Público foi citado em representação do ausente: é que uma coisa é a citação do Ministério Público enquanto parte principal no processo e outra coisa, conducente portanto, a uma fattispecie diversa, será a citação do Ministério Público em representação de um Réu que se mostra ausente.

(APB)

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Por apenso aos autos de acção executiva de sentença que J lhe instaurou para obtenção do pagamento da quantia de € 24 939,99, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data da prolação do acórdão contra D e E, veio este deduzir oposição, alegando em síntese a falta de citação, a qual veio a ser julgada procedente.

Inconformado, apelou o Exequente, tendo o recurso sido julgado improcedente.

De novo inconformado, recorre o Exequente, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Vem o presente Recurso interposto da decisão contida no douto Acórdão da Relação de Lisboa, que julga improcedente a apelação e confirma a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, em sede de oposição à execução, por considerar que, no âmbito da acção declarativa o Tribunal de 1ª Instância não fez uso de todos os meios que estavam ao seu alcance para determinar o paradeiro do réu e errou na identificação do Réu, confundindo Moreira com Morais, inviabilizando que as autoridades dessem cabal resposta ao pedido de paradeiro feito.

- A questão fulcral e decisiva, objecto do presente recurso, é averiguar se a citação edital do R., foi efectuada indevida e irregularmente.

- À data da realização da citação edital, o artigo 244º nº1 do CPC determinava o seguinte:

“Quando for impossível a realização da citação, por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligenciará obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, podendo o juiz, quando considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital solicitar informações às autoridades policiais.”.

- Em cumprimento do mencionado artigo, tendo-se verificado impossível a realização da citação, a secretaria diligenciou, embora sem sucesso, na obtenção de informação sobre o paradeiro ou residência do R.

- Com efeito a Secretaria oficiou ao Ministério das Finanças informação sobre o paradeiro do R, tendo o Ministério das Finanças respondido negativamente.

- Perante o insucesso das diligências efectuadas pela Secretaria, o Juiz solicitou informações às autoridades policiais.

- Com efeito, até porque tendo por base a resposta negativa do Ministério das Finanças ao pedido de averiguação do paradeiro dos RR, poderia o Juiz ter ordenado a citação edital sem que estivesse obrigado a solicitar informações às autoridades policiais.

- A lei em vigor à data da citação determinava que a secretaria tomasse as diligências necessárias para obter informações sobre o último paradeiro ou residência do R, e assim aconteceu, embora não obtivesse qualquer resultado.

- Mais, embora a lei não o exigisse, mas para que nenhuma diligência ficasse por se realizar e se conseguisse apurar informação sobre o último paradeiro ou residência do réu, o Mº Juiz solicitou à PSP para que averiguasse o paradeiro dos RR D e E Moreira.

- Ora, tendo sido a citação postal para o domicílio profissional dos RR frustrada, e desconhecendo-se qualquer outro domicílio, os RR só poderiam ser citados nos termos do artigo 244° do CPC, antes da alteração do Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto.

- Com o devido respeito, mal andou o tribunal "a quo" ao considerar que o Tribunal não fez uso de todos os meios que estavam ao seu alcance para determinar o paradeiro do réu e errou na identificação do Réu.

- Desta forma, e ao contrário do referido pelo do Acórdão da Relação de Lisboa, estamos perante uma situação, em que o R. foi regularmente citado, ainda que a citação tenha sido edital, por terem sido cumpridos todas os pré-requisitos que a lei, à data de realização da mesma, determinava.

- Mais, de acordo com o disposto no art. 196.° do CPC, se o réu ou o Ministério Público intervierem no processo sem arguir a falta da sua citação, considera-se essa nulidade sanada.

- Determinante foi a intervenção Ministério Público ao longo de todo o processo sem nunca referir a alegada irregularidade.

- Veja-se que mesmo que a citação edital tivesse sido irregularmente realizada - que não o foi por ter cumprido todas os pré-requisitos que a lei, na altura, determinava - e essa irregularidade se traduzisse numa nulidade, a mesma seria considerada suprida.

- O Ministério Público interveio várias vezes no processo sem nunca arguir a falta de citação ou irregularidade (vide fls. 49, 50, 193, 243, conforme doc. 1, doc. 2, doc. 3 e doc. 4, entre outras, juntos com as alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa).

- Significa, isto, portanto, que mesmo que a citação fosse considerada irregularmente realizada, nulidade estaria, neste momento, já sanada.

- Perante o exposto, mal andou o Tribunal "a quo" ao julgar improcedente a apelação, por considerar indevida e irregularmente efectuada a citação edital.

 

Não foram apresentadas contra alegações.

II A questão solvenda, no âmbito do presente recurso, é a de saber se a citação edital do Opoente, aqui Recorrido, foi regularmente efectuada.

Foram dados como assentes os seguintes factos, no que tange à economia do processo:

-Em 24 de Março de 1999, J instaurou acção declarativa, com processo ordinário, contra, entre outros, o embargante E Moreira;

- A morada constante da Petição Inicial, para efeitos de citação, o domicilio profissional do opoente, sita nas instalações do jornal X.

- Foi tentada a citação de todos os demandados por carta registada expedida em 05 de Maio de 1999;

- A carta enviada para E Moreira veio devolvida em 06 de Maio de 1999, com a indicação de que não encontrava no local.

- Foi pedida a averiguação do paradeiro do réu à PSP e à DGCI, não como consta na cota de fls. 34, em 04/03/99, mas sim em 26 de Maio de 99.

- Em 27 de Maio de 99 o Ministério das Finanças deu resposta negativa.

- Em 20 de Setembro de 99 foi solicitada informação à PSP da Área Metropolitana de Lisboa para averiguação do paradeiro dos RR «D e E (Morais)».

- Em 14 de Outubro de 99 a autoridade policial respondeu negativamente.

- Em 12 de Novembro de 99 foi ordenada a citação edital do réu o que foi regularmente feito.

Insurge-se o Exequente/Recorrente contra o aresto impugnado uma vez que, na sua tese, tendo-se frustrado a citação postal efectuada para o domicílio profissional dos Réus e desconhecendo-se qualquer outro domicílio, aqueles só poderiam ser citados nos termos do artigo 244° do CPCivil, antes da alteração do Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto.

Vejamos.

Verifica-se dos autos que o ora Recorrente, Autor na acção declarativa, indicou como morada do Réu, aqui Opoente/Recorrido, o jornal X, local onde o mesmo exerceria a sua actividade profissional.

Todavia, a carta registada que foi na altura enviada para aquela morada veio a ser devolvida ao Tribunal, com a indicação de o citando não se encontrar no local.

Na sequência de tal informação prestada pelos serviços postais, urgia, além do mais, averiguar o paradeiro dos Réus, antes de ser ordenada uma eventual citação edital, requerida na altura pelo Autor.

A acção declarativa de onde provém a condenação do Opoente, aqui Recorrido, foi instaurada em 1999, sendo aplicável, como muito bem afirma o Apelante, no que tange à citação edital, o normativo inserto no artigo 244º do CPCivil, antes das alterações introduzidas pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto.

Preceituava então o supra mencionado normativo no seu nº1 que «Quando for impossível a realização da citação, por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligenciará obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, podendo o juiz, quando considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital solicitar informações às autoridades policiais.».

Todavia, impunha-se que o Tribunal tivesse usado todas as diligências possíveis, antes de avançar para aquela busca sobre o último paradeiro conhecido do citando e isto porque conforme deflui do preceituado no artigo 239º, nº1, do CPCivil na versão então aplicável «Se se frustrar a via postal, será a citação efectuada mediante contacto pessoal do funcionário de justiça com o citando, entregando-se-lhe os elementos e a nota de que constem as indicações a que alude o artigo 235.º e lavrando-se certidão assinada pelo citado.».

Como deflui do processado na acção declarativa, vide materialidade assente, foram desde logo ordenadas averiguações pelo Tribunal sobre o paradeiro dos Réus (Opoente incluído), sem que se tivesse antes ordenado a sua citação através de funcionário, o que sempre se imporia no nosso entendimento, atenta a razão aposta na carta que veio devolvida: a carta não teria sido entregue por o citando «não se encontrar no local».

Esta constatação efectuada pelo funcionário dos CTT é manifestamente vaga. Uma pessoa pode não se encontrar no local indicado como seu endereço, por variadíssimas razões, vg, por se encontrar momentaneamente ausente, por estar em gozo de férias e/ou por nunca ter tido aí a sua morada/local de trabalho.

E, partir-se de uma informação desse jaez, desde logo, para a efectivação de diligências com vista a uma eventual citação edital, parece-nos, de todo em todo, precipitado.

Contudo, foi essa a solução do primeiro grau, tendo as diligências ordenadas com vista a tal desiderato resultado infrutíferas, o que culminou com a citação edital do Recorrido, fls 41, 42 e 44 do apenso declarativo, a qual se mostra ter sido regularmente efectuada, nos termos do artigo 248º, nº1 do CPCivil, com a afixação dos pertinentes editais e publicação de anúncios.

Na ocasião, não se vislumbraram efectuar quaisquer outras «démarches» com vista à obtenção do paradeiro dos citandos, já que, a intervenção das autoridades a que se alude no mencionado normativo, na redacção que lhe foi dada pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto, nomeadamente, vg, consulta das bases de dados da identificação civil, segurança social e/ou DGSI e DGV, não se impunham na altura da citação, isto é, em 1999, data anterior àquela alteração.

Quer dizer, o Tribunal teria usado dos meios disponíveis e ao seu alcance, na ocasião, para obter as informações necessárias à efectivação da citação do aqui Recorrido, sem embargo de se constatar que houve lapso na indicação do seu apelido, escreveu-se «Morais», ao invés de «Moreira» e constata-se que apenas se obteve resposta dos serviços do Ministério das Finanças em relação ao co-Réu D, cfr fls 36 do apenso declarativo e já não em relação ao Recorrido, como incorrectamente se afirma nas conclusões de recurso.

Todavia, o Tribunal só deverá recorrer à citação edital, quando não for, de todo em todo, possível, fazer actuar a citação pessoal quer através do sobredito procedimento regra, isto é a carta registada com aviso de recepção dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, nos termos do artigo 236º, nº1 do CPCivil, como foi feito no caso sub judice, quer por meio de contacto pessoal do funcionário de justiça com o citando, nos moldes definidos nos artigos 239º a 241º, do mesmo compêndio processual, se se frustrar a citação por via postal, o que no caso sujeito se omitiu, como supra se deixou referido.

 

Quer isto dizer que a Lei processual restringiu a citação edital só a ela se recorrendo quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar, casos em que é manifesta a impossibilidade de fazer valer a citação pessoal, não surpreendendo desta sorte que o uso indevido da citação edital, fora dos casos acabados de indicar, mesmo que nesta tenham sido observadas todas as formalidades de que a lei do processo a reveste, seja configurado como verdadeira falta de citação e assim equiparado à completa omissão do acto.

Dispõe o artigo 195º, alínea c) e e) do CPCivil, no que à economia da questão decidenda concerne, o seguinte: «Há falta de citação: (…) c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; (…) e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.».

Torna-se inequívoca a constatação de que no caso sujeito não foram esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal, tendo em atenção os procedimentos supra indicados para o efeito, por forma a concluir-se ser impossível a sua realização por o citando estar ausente em parte incerta, pois, por um lado não foi tentada a sua citação através de funcionário judicial e por outro a secretaria não diligenciou convenientemente junto das entidades ou serviços oficiais, maxime, Finanças e PSP por informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida do citando, aqui Recorrido.

Estamos, desta sorte, face a um caso de falta de citação, não só porque se empregou prematuramente a citação edital, sem se terem esgotado todas as possibilidades de determinar o paradeiro do citando, como também não ficou demonstrado nos autos que o Opoente, aqui Recorrido, não tenha tido conhecimento da citação por facto que lhe fosse imputável, isto é, que se tenha colocado numa situação obstativa da efectivação daquela diligência, cfr José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, 1945, 414/426.

A falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não dever considerar-se sanada nos termos do artigo 204º, nº2, considerando-se sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo tal falta, de harmonia com o normativo inserto no artigo 196º, este como aquele do CPCivil.

Porque, subsequentemente, naquela acção declarativa, se procedeu ao cumprimento do disposto no artigo 15º, nº1 do CPCivil, tendo sido citado o então Réu, agora Opoente/Recorrido, na pessoa do Ministério Público, o qual o veio a representar na mesma, esgrime o Exequente, aqui Recorrente, em abono da sua tese, que tal intervenção sem nunca arguir a falta de citação ou irregularidade da citação edital realizada, teria feito sanar a mesma.

Quer o Recorrente defender que, assim sendo, sempre competiria ao Ministério Público em representação dos interesses daquele Opoente, aqui Recorrido, então Réu revel, arguir a falta da sua citação, por verificação de alguma das circunstâncias aludidas no artigo 195º, alíneas a) a e) do CPCivil e não o tendo feito, a nulidade eventualmente daí decorrente ficou desde logo sanada, de harmonia com o preceituado no artigo 196º, daquele mesmo compêndio processual.

Todavia, falha-lhe a razão.

As situações em que se verifica a falta de citação, mostram-se prevista no art. 195º, nº 1 do CPCivil, sendo a estas situações que se refere o artigo 196º, do mesmo diploma, contemplando quer a falta de citação do Réu, que a falta de citação do Ministério Público, quando intervém como parte principal, referindo-se o texto legal, em ambos os casos, à «falta da sua citação», cfr Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 1999, 335/336 e inter alia os Ac STJ de 28 de Setembro de 1999 (Relator Ribeiro Coelho), 26 de Junho de 2003 (Relator Salvador da Costa), 2 de Outubro de 2003 (Relator Santos Bernardino) e de 29 de Abril de 2004 (Relator Araújo de Barros), in www.dgsi.pt.

Ora no caso sub especie, perguntamos como poderia o Ministério Público invocar a falta da sua citação, se se mostra citado em representação do ausente? É que uma coisa é a citação do Ministério Público enquanto parte principal no processo e outra coisa, conducente portanto, a uma fattispecie diversa, será a citação do Ministério Público em representação de um Réu que se mostra ausente e aqui, a intervenção daquele no lugar deste, não equivale automaticamente à intervenção do Réu para efeitos de se poder considerar sanada a falta de arguição da omissão da citação deste mesmo Réu, o qual não se encontra a pleitar por si no processo, mas antes através de um representante ex lege, de harmonia com o preceituado no nº1 do artigo 15º do CPCivil.

E, mostrando-se arguida a falta de citação pelo próprio Opoente, aquando da sua primeira intervenção processual, isto é, em sede de oposição à execução, nos termos do disposto nos artigos 813º, alínea d) e 196º do CPCivil, as conclusões de recurso estão condenadas ao insucesso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão sob recurso, embora com fundamentação algo diversa.

Custas da Revista pelo Recorrente.

Lisboa, 5 de Março de 2013

(Ana Paula Boularot)

(Pires da Rosa)

(Maria dos Prazeres Pizarro Beleza)