I - Nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, o STJ cobra competência para conhecer do recurso directo da condenação de 1.ª instância, estando apenas em causa matéria de direito, quando foi aplicada ao arguido a pena conjunta de 6 anos de prisão, que operou o cúmulo das duas penas parcelares de 4 anos de prisão, cada.
II - Como a gravidade da situação tem que ser aferida pela pena que o condenado vai ter efectivamente de cumprir (e não por questões técnicas de direito), é preferível incluir na competência do STJ a sindicância das penas mais leves de prisão, sabido que a pena única aplicada é superior a 5 anos de prisão, do que retirar ao STJ a competência para apreciar as penas aplicadas, por mais graves que sejam, só pelo facto de, com os crimes que lhes deram origem, estar em concurso um ou mais crimes menores, a que foram aplicadas penas de menos de 5 anos, e cuja medida também se contesta.
III -No crime de violação do art, 164.º do CP, a gravidade da ameaça analisa-se não só na gravidade do mal anunciado como na probabilidade da sua efectivação, ou seja não se deve atender em termos exclusivamente objectivos ao comportamento do agente e prescindir do medo sentido pela pessoa a quem se dirige.
IV -Se o carácter mais assustadiço da vítima, relacionado com uma personalidade débil, pode levar a que o agente tenha que empregar a força em menor grau do que seria necessário com uma pessoa normal, nem por isso deixa de existir coação em termos suficientemente relevantes para preencher o tipo legal do crime de violação.
V - Estando em causa jovens entre os 16 e os 21 anos, o art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, prevê a atenuação especial da pena, pelo juiz, “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
VI -A atenuação especial em foco não opera automaticamente pelo simples facto de estar em causa um jovem imputável menor de 21 anos, deve ter por objectivo a mais fácil reinserção social desse jovem, impõe-se que atenda a todo o condicionalismo do cometimento do crime e não deve partir do princípio de que, quanto menor for a pena de prisão, mais fácil será a reinserção social do jovem.
VII - Também têm que ser significativas as razões apresentadas para fundamentar a atenuação especial. Quando a lei refere a exigência de “sérias razões”, para se crer que da atenuação resultarão vantagens para a reinserção social, não só se afasta a atenuação especial da pena como regra, como se lhe confere um certo grau de exceção.
VIII - É de lançar mão da atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82 quando se está perante um comportamento criminoso reduzido a dois crimes do mesmo tipo legal, para satisfação de apetites de índole sexual, surgidos pelos 16 e 17 anos do arguido, em plena adolescência, potenciados por o arguido e as vítimas conviverem no estabelecimento onde estavam institucionalizados.
AA, solteiro, estudante, nascido a ..., no ..., onde reside, foi julgado em processo comum e com a intervenção do tribunal coletivo, no 1ª Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, e condenado por acórdão de 28/5/2012, ente o mais, pela prática de dois crimes de violação, p. e p. pelo art. 164.°, n° l, alínea a) do CP, nas penas de quatro anos de prisão, cada um, e em cúmulo jurídico na pena conjunta de 6 anos de prisão.
Desta decisão recorreu para o STJ pondo em causa a qualificação dos factos, ou, se esta for confirmada, pedindo a modificação das penas aplicadas.
A - FACTOS
Na sentença recorrida deram-se por provados os seguintes factos:
“ 1. O arguido foi utente do "Abrigo de...", instituição de solidariedade social, que alberga crianças e jovens do sexo masculino, sita na rua do Abrigo de..., apartado 179, nesta cidade do Fundão, desde 3 de Setembro de 2001, até ao dia 7 de Maio de 2010, data em que fugiu para casa da mãe.
2. O ofendido BB, nascido a ..., é igualmente utente daquela instituição desde 8 de Fevereiro de 2008.
3. O ofendido CC, nascido a ..., é também utente do "Abrigo de..." desde o ano de 2003.
4. Motivo pelo qual o arguido e os ofendidos se conheciam e falavam.
5. No dia 1 de Maio de 2010, que era um sábado, logo a seguir ao almoço, numa casa de banho que se situa junto a uma sala com sofás e TV (fotografias de fls.72 a 75), o arguido disse para o ofendido BB lhe "mexer na pila", o que aquele fez com receio de sofrer uma agressão física, designadamente murros, se o não fizesse.
6. Na sequência daquele acto, e já com o pénis erecto, o arguido disse para o BB o meter na boca e o chupar, o que o BB fez sempre com medo de que o AA lhe batesse se o não fizesse.
7. Dias depois destes factos, na madrugada do dia 7 de Maio de 2010, o arguido fugiu do "Abrigo de..." e foi viver para casa da mãe.
8. No dia 14 de Outubro de 2010, na parte da tarde, o arguido dirigiu-se à Escola Serra da Gardunha, tendo aí contactado através das grades que ladeiam o recinto escolar, com o ofendido CC, ao qual disse que lhe batia se não fosse ter com ele.
9. O CC teve medo de ser agredido pelo arguido, e por isso, passando o portão da escola, foi ter com o arguido.
10. Já fora do recinto escolar, o arguido agarrou-o por um braço e levou-o consigo, contra a vontade daquele, pela estrada do lado direito da escola e depois por um caminho em empedrado, obrigando-o a saltar um muro de acesso a um recanto no mato (fotografias de fls.127 a 134.)
11. Naquele local, ermo e escondido, o arguido, contra a vontade do CC, que ainda esbracejou, puxou-lhe com força as calças e cuecas para baixo, ficando este, nu da cintura para baixo.
12. Depois, o arguido introduziu o pénis erecto no ânus do CC, onde após alguns minutos veio a ejacular.
13. Durante aquele tempo, o CC disse para o arguido que o estava a magoar, mas este continuou o movimento de penetração sem se importar.
14. O CC tem medo do arguido, e foi por isso, certamente aliado ao deficit cognitivo permanente que apresenta, que lhe determina um comportamento e entendimento abaixo da sua idade real (nascido a ...), que permitiu e não conseguiu se opor ao comportamento do arguido.
15. Devido à agressão de que foi alvo, o CC foi receber tratamento médico no Hospital da Covilhã no dia seguinte.
16. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, querendo satisfazer a sua libido, mesmo sabendo que só conseguia os seus intentos através da ameaça e da força física, aproveitando-se, no caso do BB, do facto de este ter apenas 11 anos de idade, e no caso do CC, de este apresentar um deficit cognitivo que o tornava mais dócil e sem reacção à sua agressão, e também, porque o CC tinha medo dele.
17. O arguido só conseguiu levar o CC para o local que já tinha escolhido para consumar a penetração anal, porque o agarrou com força e obrigou-o a caminhar com ele, sempre com a ameaça de que lhe batia se o não fizesse.
18. Sabia o arguido que o seu comportamento lhe era proibido e punido por lei penal.
19. Devido á conduta do arguido o CHCB prestou assistência hospitalar ao ofendido no montante de 108,00 Euros.
20. O arguido não regista passado criminal.
21. Condições pessoais, familiares e sociais do arguido:
É oriundo de uma família económica e socialmente desestruturada, tendo sido em 03.09.2001, institucionalizado em conjunto com um irmão gémeo, no Abrigo de..., face a negligência grave de que era vítima por parte da progenitora.
O progenitor, com o pretexto de procurar trabalho em Espanha, abandonou a família, na altura constituída pelos pais e cinco filhos menores, deixando de lhes prestar qualquer tipo de apoio económico ou afectivo.
Apesar de todo o apoio disponibilizado pelas entidades de solidariedade social locais, a progenitora revelou uma total incapacidade para se organizar, negligenciando os filhos, ao nível de higiene, alimentação e supervisão.
AA manifestou desde o início do internamento, dificuldades de adaptação à Instituição, revelando psicologicamente uma instabilidade emocional que lhe afectava as mais diversas áreas da sua vida.
Durante o internamento e apesar do acompanhamento estreito da equipa técnica da Instituição e de consultas de Pedopsiquiatria e de Desenvolvimento no Hospital da Cova da Beira, o jovem revelou uma elevada desmotivação para as actividades escolares e lúdicas, manifestando uma baixa auto-estima, com sentimentos de auto desvalorização, não fazendo qualquer esforço para alterar a sua forma de estar.
Apresenta grandes dificuldades em manter o autocontrolo, o que o leva a adoptar comportamentos de risco.
Foram-lhe também detectados consumos de álcool e tabaco.
Durante o período que frequentou o Abrigo de... beneficiou de um currículo adaptado, tendo após algumas retenções, completado o 6º ano de escolaridade. Prosseguiu os estudos na Escola Profissional do Fundão inicialmente num curso Técnico de Pastelaria e Panificação e mais tarde um de Electricidade tendo abandonado ambos.
Em 25 de Maio de 2010, AA ausentou-se injustificadamente do Abrigo de..., tendo passado a residir com a mãe.
O progenitor regressou também a casa, voltando a integrar o agregado familiar, o que veio alterar a dinâmica familiar, tendo este exigido à esposa maior empenhamento ao nível da higiene e organização da habitação. Ainda o progenitor passou a exercer uma maior supervisão sobre os filhos.
O agregado reside numa habitação pré-fabricada integrada num bairro camarário onde existem algumas problemáticas sociais. A casa possui boas condições de habitabilidade.
Actualmente o jovem desenvolve actividade laboral como ajudante de um casal de feirantes, auferindo segundo este, cerca de 15€ por feira.
Nos dias que não trabalha nos mercados, passa-os em casa e no café.
A progenitora assume uma postura de negação dos factos constantes na acusação, afirmando que a acusação não passa de uma invenção de alguém.
Os progenitores mostram-se disponíveis para continuar a prestar-lhe todo o apoio.
No meio de residência não existe conhecimento dos factos pelos quais o jovem se encontra indiciado, sendo um jovem bem referenciado.”
B - RECURSO
O arguido concluiu assim a sua motivação de recurso:
“1ª - Perante o teor dos elementos fácticos constantes pelo processo, impunha-se sentença distinta da prolatada, a qual condenou o arguido pela prática de dois crime de violação p. e p. no artigo 164° n° 1, al. a), do Código Penal, na pena parcelar de 4 anos de prisão por cada um e em cúmulo jurídico na pena unitária de 6 anos de prisão;
2ª- Nos termos do preceituado no artigo 164.° n.° 1 al. a) do Código Penal, verifíca-se que são elementos típicos objectivos do crime a existência de violência e de ameaça grave;
3ª - Entende-se por violência uma certa corporalidade, não sendo necessário que tenha de qualificar-se de pesada ou grave mas terá de ser idónea e adequada a vencer a resistência;
4ª - Quanto à ameaça, que integra o outro meio de coação típico do crime em causa nos autos, esta revelar-se-á no propósito de causar um mal ou um perigo exigindo-se, ainda, a gravidade da mesma, não só no seu conteúdo mas, também, na sua medida e na sua intensidade;
5ª - A facticidade dada por provada em relação BB não encerra qualquer comportamento do arguido, em relação a esta vítima, que traduza um qualquer acto de violência física, inexistindo a descrição de qualquer gesto destinado a constranger, através da força física, a vítima;
6ª - Também não se deu como provada qualquer ameaça que lhe provocasse medo;
7ª - A convicção errónea da vítima, o medo que lhe batesse, é irrelevante para o preenchimento do tipo objectivo do ilícito da causa;
8ª - Relativamente à vítima CC, o arguido e a vítima tinham, respectivamente, 17 e 15 anos, não apresentando a vítima qualquer limitação ou debilidade física (mas tão só cognitiva);
9ª - Agarrar no braço e caminhar com alguém num espaço público, perto de uma escola pública, no horário de funcionamento desta e, portanto, com bastantes outras pessoas perto, não se revela como meio adequado a vencer a resistência da vítima à pratica do acto sexual visado não havendo simultaneidade física - de lugar - nem sequer de tempo entre ambas;
10ª - O preenchimento do tipo objectivo do ilícito em causa impõe, também, que a ameaça seja grave, contudo, entre adolescentes, com idades próximas e com compleição física idêntica, a ameaça de bater não se configura como revestindo nem a gravidade, nem a intensidade nem a medida que o tipo legal exige.
11ª- Inexistindo factos provados que suportem e permitam subsumir a conduta ao preenchimento do crime de violação.
12ª - O recorrente, à data da prática dos factos contava 17 anos, tratando-se de jovem são vítima de maus tratos e negligência parental, institucionalizado desde criança
13ª - A finalidade ressocializadora das penas tem de ser equacionada perante todas as circunstâncias, o percurso de vida e a personalidade, que foi fruto de pluriocasionlidade, não se mostrando provada a personalidade por tendência criminosa;
14ª - A pena conjunta é uma sanção de síntese, na perspetiva da avaliação global, na sua dimensão de gravidade e sentido global, das circunstâncias reais e concretas vivenciadas e especificas do ciclo de vida do agente e em que foram perpetrados os crimes em causa.
15ª - A pena unitária deve ser reduzida para pena conjunta não superior a 5 anos, fixando-se nos seus limites mínimos as penas parcelares em causa, decidindo-se pela suspensão da sua execução.
16ª- Foram violados os artigos 9o, 71°, 77° e 164°, todos do Código Penal e, ainda, o artigo 4o do Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro.
Termos em que, deve revogar-se o acórdão recorrido, absolvendo-se o arguido da prática dos crimes pelos quais foi condenado, ou, quando assim se não entenda, deve a pena aplicada ser especialmente atenuada ao abrigo do disposto no Regime Geral Especial para jovens, ou, quando, assim se não entenda, deve a pena ser atenuada e fixada, em conjunto, em pena de prisão não superior a 5 anos, suspendendo-se a sua execução pelo período tido por conveniente, fazendo-se, assim JUSTIÇA”.
O Mº Pº respondeu, e são estas as conclusões da sua resposta:
“1. A materialidade dada por provada pelo douto acórdão recorrido em relação à vitima BB baseou-se, essencialmente, nas declarações da vítima que disse que temia o arguido porque quando os mais novos não faziam o que ele queria os batia, o que já tinha sucedido com ele, e que foi com receio que o batesse que não reagiu às suas pretensões no dia dos factos;
2. No depoimento da testemunha A...A..., que disse que o arguido convidava frequentemente os mais novos para irem à casa de banho com ele para praticar factos idênticos aos dos autos e que caso não o fizessem lhes batia, assim como os ameaçava de lhes bater caso contassem a alguém;
3. No depoimento do sociólogo do "Abrigo de...", DD e o técnico EE, que descreveram no seu depoimento o arguido como um líder dentro do grupo de internados na instituição;
4. À data dos factos a vítima tinha 11 anos e o arguido 16;
5. A diferença de 5 anos nestas idades, entre menores internados numa instituição destas e sem qualquer apoio familiar, estando subentendida uma ameaça eminente em caso de recusa, a mesma é suficientemente grave para constranger um colega mais novo a um acto como o dos autos;
6. No caso a ameaça foi séria e grave já que o ofendido BB não contou nada a ninguém e só se soube porque a testemunha A...A... terá contado a alguém que revelou os factos a outros colegas mais velhos que indignados com o comportamento do arguido entraram em confronto com ele, disso se apercebendo um funcionário que, indagando, descobriu o motivo do confronto com o arguido;
7. Antes da consumação dos factos o arguido levou o BB para a casa de banho e este só suportou o comportamento do arguido, como referiu em julgamento, com o medo de ser agredido, sendo certo que a violência aqui embora não tenha sido física, certamente foi exercida ameaça psicológica, já que conforme revelou a testemunha A... o próprio BB e outros colegas mais novos já tinham sido agredidos anteriormente pelo arguido com murros, pontapés e chapadas, sendo por isso conhecido da vítima o seu feitio agressivo, mandão e violento;
8. E foi com estes argumentos que o douto tribunal colectivo julgou preenchido o crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.°, n.° 1, alínea a) do C. Penal, na parte referente a este ofendido, condenando o arguido;
9. Mas caso se entenda que a ameaça não foi grave, o comportamento do arguido cairá na prática do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.°, n.° 1 e 2, do C. Penal, o qual tem a mesma moldura penal que o crime de violação pelo qual foi condenado, de 3 a 12 anos de prisão;
10. Relativamente ao ofendido CC, segundo a materialidade dada por provada, esta vítima tinha à data dos factos 15 anos e o arguido 17, tem um deficit cognitivo permanente que lhe determina um comportamento e entendimento abaixo da sua idade real, que o torna mais dócil e que permitiu o avanço do arguido sem conseguir opor-se aos seus intentos;
11. Mais foi dado por provado que o arguido contactou o ofendido através das grades da escola, ao qual disse para ir ter com ele no exterior da escola e se não fosse que o batia, tendo sido com medo de ser agredido que foi ter com ele, passando o portão da escola, onde já fora do recinto o agarrou por um braço e o levou consigo, primeiro pela estrada e depois obrigando-o a ir por um caminho e a saltar um muro de acesso a um recanto no mato, num lugar ermo e escondido, onde, apesar de esbracejar, lhe puxou as calças e as cuecas para baixo e, contra a sua vontade, lhe introduziu o pénis erecto no ânus, apesar de lhe dizer que o estava a magoar, onde minutos depois veio a ejacular,
12. Na altura destes factos o arguido já não estava institucionalizado no Abrigo de... e vivia no Fundão com a mãe e o ofendido deslocava-se a pé desta instituição para a Escola da Gardunha;
13. Só quando regressou ao Abrigo de... contou os factos à psicóloga A...P...C..., que confirmou em julgamento o que o ofendido lhe relatou;
14. O ofendido CC confirmou todos os factos constantes da acusação, nomeadamente que foi com medo de ser agredido fisicamente pelo arguido que saiu da recinto da escola para o exterior, onde foi agarrado por um braço pelo arguido e obrigado a acompanhá-lo a saltar um muro e a deslocar-se a um recanto de mato, contra a sua vontade, e a suportar o seu comportamento com medo de ser agredido fisicamente por ele;
15. No caso do ofendido CC a violência foi física porque foi por ele agarrado por um braço, esbracejou para evitar a penetração anal, mas não conseguiu devido à sua inferioridade física e mental em relação ao arguido e só não resistiu mais com o medo de consequências físicas ainda mais graves, sendo certo que, neste caso, a violência além de física foi também psicológica, traduzida em ameaça grave e séria, já que conforme revelou a testemunha A...A... o próprio CC e outros colegas mais novos já tinham sido agredidos anteriormente pelo arguido com murros, pontapés e chapadas, sendo por isso conhecido dele o feitio agressivo, mandão e violento do arguido;
16. Assim pelas circunstâncias pessoais de cada uma das vítimas e factualidade dada por provada, parece-me não haver dúvida que ambas as vítimas foram constrangidas com violência e com ameaças graves, uma a manter coito oral e a outra coito anal com o arguido;
17. A atenuação especial da pena para os jovens delinquentes, entre os 12 e os 21 de idade, não é de aplicação automática, já que o artigo 4,° do Decreto-Lei n.° 401/82, apenas o permite quando houver razões para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado;
18. O douto acórdão, equacionando a aplicação neste caso decidiu, fundamentadamente, pela não aplicação;
19. A esta douta fundamentação acresce que nesta Instituição, Abrigo de ..., não havia notícia da prática de factos idênticos, revelando-se durante a prova produzida em julgamento que o arguido já anteriormente tinha tido comportamentos idênticos, pelo que foi extraída certidão para procedimento criminal, que é uma razão muito forte para que não seja beneficiário deste regime especial, apesar de perfazer os 19 anos de idade a 30 de Setembro de 2012;
20. Atendendo ao que foi doutamente considerado pelo douto tribunal recorrido, bem assim a moldura penal do crime perpetrado, punível com a pena de 3 a 12 anos de prisão, o concurso real de crimes, a idade do arguido, o facto de não ter antecedentes criminais, não ter confessado nem mostrado arrependimento, ter agido com dolo directo intenso e a ilicitude ser grande, por praticado sobre colegas mais novos e com deficiências cognitivas e no interior de uma instituição que recebe jovens institucionalizados, a sua situação social, e as exigências de prevenção especial ser grande e sobretudo as exigências de prevenção especial pela enorme repercussão social que este tipo de crime tem entre a comunidade local e a frequência com que se vêm revelando comportamentos idênticos no interior destas instituições que têm o dever de formar, mas também de resguardar e proteger estes jovens de abusos físicos e sexuais, quer as penas parcelares quer a pena única encontram-se bem determinadas, dentro dos limites da lei e em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art.0 71.° do CPP);
21. Quanto à pretendida suspensão da execução da pena, face à pena fixada de 6 anos de prisão, a mesma não é permitida pelo artigo 50.° do C. Penal e, mesmo que não fosse superior a 5 anos de prisão, a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstancias deste, a mesma não deveria ser suspensa, porque, no caso, a simples censura do facto e a ameaça da prisão já não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
22. Assim, não assistindo qualquer razão ao recorrente, nem tendo sido violada nenhuma das normas que aponta, deverá ser negado provimento ao recurso confirmando-se o douto acórdão recorrido.”
Já no Tribunal da Relação de Coimbra, para onde os autos foram remetidos, o Mº Pº pronunciou-se, fundadamente, pela manutenção do decidido. Entendendo que a competência para conhecer do recurso cabia, neste caso, ao STJ, os autos foram enviados para este Tribunal, onde o Mº Pº aqui sediado tomou partido a favor da competência do Tribunal da Relação de Coimbra, não se pronunciando quanto ao objeto do recurso.
Colhidos os vistos os autos foram levados à conferência.
C - APRECIAÇÃO
1. Competência para conhecer do recurso.
Tomar-se-á posição, antes do mais, sobre a questão prévia da competência, suscitada pelo Merº Juiz Desembargador Relator na Relação e bem assim pelo Mº Pº junto do STJ.
O objeto do recurso é, para além da qualificação dos factos a medida das penas parcelares aplicadas pela prática dos dois crimes de violação em que o arguido foi condenado, e a pena conjunta aplicada em cúmulo. Ora, pelos crimes de violação foram aplicadas as parcelares de 4 anos de prisão.
No nosso ponto de vista, a opção de restringir o âmbito dos poderes de cognição do STJ, unicamente ao recurso das penas superiores a cinco anos, conjuntas ou parcelares, privaria o recorrente do reexame das penas parcelares ou conjuntas inferiores a cinco anos, ao menos num grau de recurso, se de todas tivesse recorrido para o STJ.
É que, o n..º 2 do artigo 432..º, do CPP, refere que “nos casos da alínea c) do número anterior”, ou seja, quando se considerar que o STJ cobra competência para conhecer de recurso directo da 1ª instância, “não é admissível recurso prévio para a relação”, isto estando em causa, evidentemente, apenas o recurso de matéria de direito.
A não cognição de tais penas inferiores a cinco anos, na medida em que significasse a negação de um único grau de recurso, colidiria mesmo com a garantia de defesa estabelecida a partir da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional n..º 1/97, de 20 de Setembro - com a introdução na parte final do n..º 1 do artigo 32..º da expressão “incluindo o recurso”. Ficou então claramente integrado nas garantias de defesa o direito ao recurso, dando-se corpo ao direito a uma proteção judicial efetiva, com o sentido de que o direito de defesa pressupõe, entre o mais, o acesso a um duplo grau de jurisdição.
Assim sendo, a opção que se perfila terá que ser entre a atribuição da competência para conhecer de todas as penas ao STJ (superiores e inferiores a cinco anos de prisão), ou remeter os autos ao Tribunal da Relação, no caso a Relação de Lisboa, para conhecer de todas essas penas.
No primeiro caso acolher-se-á uma posição segundo a qual, basta haver uma pena conjunta superior a cinco anos para o STJ conhecer de todas elas (se evidentemente o objeto do recurso a todas abranger).
Na segunda opção, o STJ só interviria, havendo recurso de todas as penas, se todas elas fossem superiores a cinco anos. Caso contrário a competência seria de Relação, que assim conheceria das penas superiores a cinco anos, bastando para tanto que coexistissem com uma pena inferior a tal medida.
A questão não é pacífica e encontrou respostas diversas nas Secções criminais deste Supremo Tribunal.
De um lado estarão quantos entendem que o STJ cobra competência para conhecer das penas todas, como tribunal com competência para “conhecer do mais” e que portanto deverá também “conhecer do menos”.
Acresce que, no caso de estar em causa o recurso de uma pena única e de penas parcelares em concurso, a medida da pena única, a encontrar numa “moldura de concurso”, depende necessariamente das concretas penas parcelares que foram aplicadas. Nessa hipótese, então, o conhecimento das parcelares seria não só instrumental, como necessário à sindicância da pena única que se pretendeu eleger, para além da simples análise da ilicitude global do caso e personalidade do agente, sem discussão da medida das parcelares.
A alteração introduzida no art. 432..º do CPP, neste particular, pretendeu restringir o acesso ao STJ, através da al. c) do n.º 1, que substituiu a anterior al. d) desse n.º 1.
Antes da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, esta al. d) previa o recurso de direito, direto, para o STJ, de decisões do coletivo. Sem mais. Com a atual al. c) do art. 432.º, que lhe corresponde, incluíram-se também as decisões do tribunal do júri (com um aumento irrisório, em termos globais, de casos que chegarão ao S T J por essa via), mas sobretudo com a exigência de que os acórdãos “apliquem pena de prisão superior a cinco anos”.
Segundo esta posição, a intervenção do STJ ficou circunscrita ao que o legislador reputou de criminalidade mais grave, com um critério de aferição cifrado na aplicação ao condenado de uma pena superior a cinco anos, no sentido de estar em causa, só ou também, uma pena de mais de cinco anos que este tenha que vir a cumprir, efetivamente.
Preenchido este requisito, não se poderá então extrair da norma em foco que o conhecimento das penas parcelares, ou conjuntas, porque inferiores a cinco anos de prisão, não seja da competência do S T J.
A partir do momento em que o acórdão recorrido aplicou penas inferiores e superior a cinco anos de prisão, e o arguido recorreu, também, de duas parcelares que não são superiores a 5 anos, é de aplicar o disposto no art. 402.º nº 1 do CPP, nos termos do qual “o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.”
Claro que, se o julgamento dos crimes, pelos quais foi aplicada pena parcelar inferior a cinco anos, tivesse sido feito em separado, o recurso da decisão seria para o Tribunal da Relação. E no caso de ulteriormente haver lugar à realização de cúmulo, só se a pena única aplicada excedesse cinco anos de prisão é que o recurso teria lugar para o STJ, mas para conhecer só dessa pena única.
Na posição contrária estarão todos quantos partem da regra base de que a instância normal de recurso, no nosso sistema, é a Relação, para onde se recorre, em princípio, das decisões de 1ª instância. É o que resulta do art. 427.º do CPP.
Ora, a excecionalidade da intervenção do STJ, reforçada com a já referida reforma processual penal, levaria a que só em casos muito contados o STJ fosse chamado a intervir, nunca podendo conhecer de penas inferiores a cinco anos de prisão.
Não faria qualquer sentido que o Supremo Tribunal se ocupasse com o julgamento de criminalidade leve, com a ponderação de penas parcelares que, só em cúmulo, dariam uma pena de mais de cinco anos ou por maioria der razão com penas que mesmo em cúmulo seriam inferiores a cinco anos de prisão (cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X).
Entendemos que o elemento literal de interpretação, da atual al.c) do n.º 1 do art. 432.º, aponta para a primeira opção. Ao falar em acórdãos que apliquem “pena”, no singular, e consciente que é normal chegarem ao S T J recursos com várias penas aplicadas, o legislador parece ter prescindido de que todas as penas fossem superiores a cinco anos. Se fosse essa a sua exigência nada lhe teria custado usar o plural. Que apliquem pena superior a cinco anos, portanto, no sentido de que, basta que uma das penas de que se recorra, seja superior a cinco anos.
Claro que este argumento tem um valor relativo, pelo que teremos que descortinar outro, de ordem sistemática e depois avançar para razões de ordem histórica e teleológica.
Quanto ao argumento de ordem sistemática poderá ponderar-se o seguinte:
Para se saber a que “pena” o legislador se refere na expressão “pena de prisão superior a cinco anos”, que se encontra na al. c) do n..º 1 do art. 432..º do CPP, se só às penas aplicadas de mais de cinco anos, se a estas e às outras, ter-se-á em conta que a decisão tem de ser igual à que previamente se adotou para a interpretação do art. 400.º, n.º 1 do mesmo código, onde estão previstos os casos genéricos de irrecorribilidade.
Nesta última norma, do art. 400.º, n.º 1, o legislador refere-se por duas vezes à “pena” (aplicada), nas alíneas e) e f).
Parece bastante óbvio que nestas duas alíneas a referência é para a pena única, pois ninguém defenderá, estamos em crer, que a pena (e não “as penas”) a que o legislador se reporta seja cada uma das parcelares.
Acresce que no domínio da lei anterior, no que respeita ao mesmo art. 400.º, a jurisprudência maioritária que se formou no STJ era a de que o legislador se referia à pena aplicável a cada uma das infrações em concurso, pois que era esse o melhor entendimento da expressão “mesmo em caso de concurso de infracções”.
Ora, o facto de agora o legislador se referir à pena aplicada e de ter retirado a menção expressa ao concurso de infrações, só pode significar que o que assume importância na visão atual, para efeito de recorribilidade, é a pena aplicada que o arguido tem efetivamente de cumprir, isto é, a pena única e não as penas parcelares acidentalmente aplicadas.
Acresce que o mesmo legislador tomou posição idêntica quanto à competência funcional do tribunal coletivo (art. 14..º, n..º 2, al. b), do CPP), pois que se cingiu à pena única e não às penas parcelares, como de resto já era jurisprudência pacífica, embora, naturalmente, como nessa fase ainda não há condenação, se tenha que reportar à pena aplicável.
A respeito da finalidade da lei e sua história, o que se pode afirmar, aliás consensualmente, é que a lei atual pretendeu restringir a intervenção do S T J, por comparação com a anterior.
Daí que tudo se cifre em descobrir qual o grau de restrição que afinal o legislador quis (o S T J só intervêm quando todas as penas a apreciar são de mais de cinco anos de prisão ou basta que uma pena conjunta ultrapasse os cinco anos?).
Na verdade, mesmo de acordo com a primeira opção, a de competência atual mais alargada para o STJ, não se poderá dizer que as coisas não mudaram significativamente em relação ao regime antecedente. Antes, qualquer decisão do coletivo poderia chegar em recurso ao STJ, diretamente (preenchidos os demais requisitos). E embora a competência do coletivo se determinasse já, fundamentalmente, pela aplicabilidade de pena máxima superior a cinco anos de prisão, ainda que em concurso de infrações (cf. art.14.º n.º 2 al. b) do CPP), o facto é que, em inúmeros casos, essa aplicabilidade não se traduzia em pena aplicada de prisão ou de prisão superior a cinco anos.
Na falta de argumentos decisivos quanto ao aludido grau de restrição pretendido, somos levados a tomar posição, em face dos resultados decorrentes de cada uma das teses em confronto, conforme esses resultados mais se aproximem ou afastem do propósito da lei: reservar o STJ para apreciar as situações mais graves.
Ora, a gravidade da situação terá que se aferir pela pena que o condenado vai ter efetivamente que cumprir (e não, por exemplo, pelas questões técnicas de direito suscitadas no recurso).
Então, a nosso ver, será preferível incluir na competência do STJ a sindicância das penas mais leves de prisão, sabido que uma pena aplicada (no sentido de pena que o condenado iria ter que cumprir), é superior a cinco anos, do que retirar ao STJ a competência para apreciar as penas aplicadas, por mais graves que sejam, só pelo facto de, com os crimes que lhes deram origem, estar em concurso um ou mais crimes menores, a que foram aplicadas penas de menos de cinco anos, e cuja medida evidentemente também se contesta.
Recorde-se que no presente caso estamos perante o recurso de uma condenação em que foi aplicada a pena conjunta de 6 anos de prisão, que operou o cúmulo das duas parcelares de 4 anos de prisão, cada.
Entendemos, pois, que a al. c) do n.º 1 do art. 432.º do C P P deve se interpretada no sentido de que é suficiente para que o S T J cobre competência para conhecer de todas as penas de cuja medida se recorreu, que uma pena (conjunta) aplicada e que o arguido vai ter que cumprir, de acordo com a decisão recorrida, seja superior a cinco anos de prisão. Daí que se considere o STJ, o tribunal competente, no caso presente.
2. Qualificação do comportamento do recorrente
Entende o arguido que os factos dados por provados, que não questiona, são insuscetíveis de preencher o tipo legal de crime pelo qual foi condenado.
O art. 164.º, nº 1 e al. a), do CP, prevê, entre o mais, que quem por meio de violência ou ameaça grave constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar consigo coito anal ou coito oral é punida com pena de 3 a 10 anos.
2. 1. Se tivermos em conta o comportamento de que foi vítima o menor BB, à data com 11 anos, vemos que o mesmo acedeu às exigências do arguido “com receio de sofrer uma agressão física, designadamente murros, se o não fizesse. A prática do coito oral teve lugar porque o BB esteve “ sempre com medo de que o AA lhe batesse se o não fizesse”. E na formação da convicção do Tribunal pesou o facto de, conforme depoimento produzido designadamente pela testemunha A..., o arguido já ter levado a cabo práticas semelhantes, na casa de banho da instituição, ao convidar para tanto os mais novos, sob pena de lhes bater se estes não acedessem às práticas sexuais pretendidas. Presenciou mesmo tais agressões físicas por parte do arguido incluindo as duas vítimas destes autos.
A partir daqui, e tendo em conta, sobretudo, a diferença etária do arguido (17 anos), para com o ofendido BB (11 anos), aceita-se a qualificação do acórdão recorrido.
Os factos mostram que o menor BB só acedeu á prática dos atos de cariz sexual descritos, por medo do arguido, e esse medo resultou da previsão do mal que lhe viria a acontecer se não acedesse ao arguido. Essa previsão estava naturalmente informada pelo comportamento pretérito do recorrente. Murros pontapés e chapadas, segundo aquela testemunha, já o BB tinha levado do mesmo.
Ora, a gravidade da ameaça analisa-se não só na gravidade do mal anunciado como na probabilidade da sua efetivação. Certo que, saber se a ameaça foi ou não grave não poderá prescindir do medo sentido pela pessoa a quem se dirige, não se analisando em termos exclusivamente objetivos que atendam só ao só ao comportamento do agente. A ameaça é grave se no condicionalismo se mostrar apta a vencer com facilidade a resistência da vítima.
Aliás, o não preenchimento deste elemento do tipo “ameaça grave”, levaria apenas à imputação do crime do art. 171.º nº 1 e nº 2 do CP, que se basta com a prática de coito oral com menor de 14 anos, sem mais, e também é punido com a pena de 3 a 10 anos de prisão.
2. 2. Quanto ao crime de que foi vítima o menor CC, mostram os factos provados que o arguido, alguns dias depois de deixar de viver no Abrigo de ..., porque começou a constar o que se passara com o BB (fls. 18), se dirigiu à Escola onde estava o CC, e contactado este através das grades do recinto escolar, disse-lhe “que lhe batia se não fosse ter com ele”.
“ O CC teve medo de ser agredido pelo arguido, e por isso, passando o portão da escola, foi ter com o arguido”.
“Já fora do recinto escolar, o arguido agarrou-o por um braço e levou-o consigo, contra a vontade daquele, pela estrada do lado direito da escola e depois por um caminho em empedrado, obrigando-o a saltar um muro de acesso a um recanto no mato (fotografias de fls.127 a 134.)”
“ Naquele local, ermo e escondido, o arguido, contra a vontade do CC, que ainda esbracejou, puxou-lhe com força as calças e cuecas para baixo, ficando este, nu da cintura para baixo”.
Durante a prática do coito anal, “o CC disse para o arguido que o estava a magoar, mas este continuou o movimento de penetração sem se importar”.
Deu-se por provado que “O CC tem medo do arguido, e foi por isso, certamente aliado ao deficit cognitivo permanente que apresenta, que lhe determina um comportamento e entendimento abaixo da sua idade real (nascido a 04-04-1995), que permitiu e não conseguiu se opor ao comportamento do arguido”. Acresce que “Devido à agressão de que foi alvo, o CC foi receber tratamento médico no Hospital da Covilhã no dia seguinte”
Refere-se na motivação do tribunal que já não era a primeira vez que o arguido atuava assim com o CC, e que logo a seguir aos factos este apareceu muito perturbado e contou tudo à psicóloga.
Ora, se no caso do BB estamos perante uma diferença etária que facilita o comportamento do arguido, no caso do CC releva no mesmo sentido a debilidade mental da vítima. Esta é apresentada como tendo um deficit cognitivo acentuado e dificuldades de comunicação, com atraso global do desenvolvimento (fls. 107), tudo nos termos do relatório psicológico de fls. 139.
Daí que o carácter mais frágil, timorato, assustadiço, da vítima, relacionado com a sua personalidade débil, leve a que o agente tenha que empregar a força em menor grau do que o que seria necessário com uma pessoa normal. No entanto, a coação, seja em termos de ameaça, seja em termos de violência, não deixa por isso de existir em termos suficientemente relevantes para se poder estar perante um caso de violação.
Daí que não nos ofereça reparos a qualificação feita.
3. Medida das penas parcelares
3.1. O arguido dos autos nasceu a .... Portanto, quando cometeu o crime de que foi vítima o BB tinha 16 anos e já tinha 17 quando violou o CC.
Importa pois ver se é de aplicar ao recorrente o regime especial para jovens adultos delinquentes, previsto no D L 401/82 de 23 de Setembro, e, especificamente, a atenuação especial do artº 4º do diploma.
O preâmbulo do D.L. 401/82, de 23 de Setembro, fornece-nos algumas indicações, quanto aos propósitos do legislador, na instituição de um regime penal diferente, estando em causa delinquentes menores de 21 anos e maiores de 16.
Fica claro o objetivo, logo à partida, de que a ressocialização do menor delinquente é prioritária, por ser exatamente em idades mais jovens que ela será mais viável, assim se devendo, portanto, investir mais aí.
Como se afirmou no Pº 2856/08 de 23/10/08, desta 5ª Secção (relatado pelo Cons. Santos Carvalho), que nesta parte subscrevemos,
«A atenuação especial da pena não implica a aplicação de uma pena meramente simbólica ou sequer aligeirada, antes o reconhecimento de que a imaturidade, própria de quem tem a personalidade ainda em desenvolvimento, merece da sociedade, em regra, uma menor severidade do que aconteceria se os mesmos crimes fossem cometidos por um adulto. Ao menos, aos jovens, deve ser reconhecida uma oportunidade de refazer a vida. Deve recordar-se que no domínio do C. Penal de 1886, impregnado de valores que não são os democráticos de hoje, não era permitida, em caso algum, uma pena superior a 8 anos de prisão aos menores de 18 anos e superior a 16 anos de prisão aos menores de 21 anos. É certo que a criminalidade de hoje é muito diferente do que era no passado, que os fenómenos juvenis são agora diversos e que há um maior acesso ao conhecimento por parte dos mais novos; mas a maturidade só se adquire com a experiência de vida».
A seu turno, no Pº 4428/03 de 11/3/2004, também desta 5ª Secção, o Cons. Carmona da Mota exprimiu o seu pensamento, dizendo entre o mais (do Sumário):
“1 - Se relativamente a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo de prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da protecção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que «sérias razões» levem a «crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» - impor, independentemente da (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena.
2 - O que o art. 9.º do CP trouxe de novo aos chamados jovens adultos foi, por um lado, a imperativa atenuação especial («deve o juiz atenuar»), mesmo que o princípio da culpa o não exija, quando «haja razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» (art. 4.º do DL 401/82), e, por outro (mas não só), a faculdade concedida ao juiz de lhe impor uma medida de correcção em lugar de uma pena de prisão até 2 anos «quando as circunstâncias do caso e considerada a personalidade do jovem maior de 18 anos e menor de 21 anos resulte que pena de prisão até 2 anos não é necessária nem conveniente à sua reinserção social» (art. 6.º, n.º 1).
3 - A atenuação especial dos arts. 72.º e 73.º do CP, uma das principais manifestações do princípio da culpa (ou seja, o de que a pena, ainda que assim fique aquém do limite mínimo da moldura de prevenção, «em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa» - art. 40.º, n.º 2, do CP), beneficia, evidentemente, tanto adultos como jovens adultos.
4 - Mas, relativamente aos jovens adultos (art. 2.º do DL 401/82) - e, aí, a diferença -, essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial se fundará nos arts. 72.º e 73.º do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade).
5 - É que a aplicação de penas - como resulta do art. 40.º, n.º 1, do CP - visa não só a protecção de bens jurídicos como a reintegração do agente na sociedade. E se, relativamente a adultos, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da protecção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que «sérias razões» levem a «crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» - impor, independentemente da (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena. “
Acolhemos estas considerações sem esforço.
Fica estabelecida depois outra orientação básica, e que vai do sentido de, tanto quanto possível, se aproximar o direito penal dos jovens imputáveis dos princípios e regras do direito reeducador de menores. E diz-se mesmo que o “princípio geral imanente a todo o texto legal é o da maior flexibilidade na aplicação das medidas de correção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão só uma medida corretiva” (§ 4).
Tem-se em especial atenção o carácter estigmatizante das penas, propondo-se portanto a adoção preferencial de medidas corretivas. Para além da pena de prisão, o juiz “deve dispor de um arsenal de medidas de correção, tratamento e prevenção, que tornem possível uma luta eficaz contra a marginalidade criminosa juvenil”.
Como “ultima ratio”, não se afasta a possibilidade de aplicação da pena de prisão, “quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos” (§ 7).
Manifestamente, o grande contributo que o diploma nos vem dar relaciona-se com o estabelecimento de reações diferenciadas, estando em causa jovens entre os 16 e os 21 anos, propondo-se a alegada flexibilização, numa área de eleição que só pode ser a da pequena e média delinquência. Para situações como esta, o artº 4º do DL 401/82, de 23 de Setembro, prevê a atenuação especial da pena, pelo juiz, “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Ora, da análise deste preceito parece-nos resultar que:
A jurisprudência deste S.T.J. não tem sido uniforme quanto aos pressupostos da atenuação especial. Numa postura, acima de tudo sensível à imaturidade decorrente da idade, já se tem defendido que se deve partir sempre do princípio de que a regra é a da atenuação especial, e a exceção a não atenuação. Assim paradigmaticamente, o acórdão desta 5ª Secção de 15/2/07 (Pº 4681/06), relatado pelo Cons. Carmona da Mota, ou o da 3ª Secção de 11/4/07 (pº 645/07), relatado pelo Cons. Henriques Gaspar.
Numa leitura mais apegada ao texto da lei, e, ao que se crê, mais atenta ao sério problema que é hoje a criminalidade protagonizada por indivíduos cada vez mais jovens, tem-se adotado a posição inversa. Aparentemente mais restritiva, mas que, perante o caso concreto, claro que pode levar às mesmas soluções que a anterior.
Entendemos que, como atrás se assinalou, a ponderação do grau de ilicitude ou culpa, referidas ao ato, não devem funcionar como variantes autónomas na ponderação da atenuação especial. Pelo contrário, a elas se poderá recorrer, mas na estrita medida em que deem algum contributo para o juízo, esse sim decisivo, sobre o modo mais correto de se alcançar a reinserção social do jovem.
No caso em apreço, e para já, não está em causa a subtração do recorrente aos efeitos estigmatizantes ou criminógenos da prisão. Tudo se reduz a saber se, num juízo que se não queira pessimista, sobre a personalidade do arguido, existe um importante grau de probabilidade de que o cumprimento de menos anos de prisão, redundem numa mais fácil reintegração social. E repete-se, o grau de ilicitude e culpa, só por si, não são fatores desta atenuação especial, mas o que é certo é que a necessidade de mais ou menos anos de prisão, para se lograr a reinserção social do arguido, depende também do ilícito praticado e do grau de censura que o arguido merece.
Recordemos que a idade é condição para que se aplique o regime especial atenuativo em apreço, mas, ao mesmo tempo, importa ter em conta que se está perante um comportamento criminoso reduzido a dois crimes do mesmo tipo legal, para satisfação de apetites de índole sexual, surgidos pelos 16 e 17 anos do arguido, ou seja em plena adolescência.
O desencadeamento dessas infrações terá sido potenciado pelo facto de arguido e vítimas conviverem no estabelecimento onde estavam institucionalizados. A disfunção familiar é evidente como causa do internamento do arguido, e terá favorecido as suas dificuldades de educação, esperando-se que um acompanhamento adequado, durante o cumprimento da pena, possa ainda proporcionar ao recorrente aquilo de que este carece para levar uma vida honesta.
O recorrente não tinha passado criminal. Do relatório social efetuado resulta toda a matéria levada ao facto provado 21. Ora, aí se vê que para além do apoio que a família está disposta a dar ao arguido, o que pode relevar face à presença em casa de uma autoridade paterna, inexistente antes, os factos dos autos são desconhecidos no meio da sua residência, onde o arguido era um jovem bem referenciado.
Afastamo-nos da sentença recorrida neste ponto, e portanto entendemos que é de lançar mão, no caso, da atenuação especial prevista para jovens do art. 4.º do D.L. 401/82, de 23 de Setembro.
Portanto, a pena a aplicar a cada um dos crimes cometidos deverá ser atenuada nos termos das als. a) e b) do nº 1 do artº 73º do CP. A moldura penal passa a ser de 7 meses e 6 dias (1/5 de 3 anos), a 6 anos e 8 meses de prisão (se 1/3 de 10 anos for descontado a este tempo).
3. 2. Passemos então à medida das penas parcelares a aplicar.
Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40.º do CP, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa.
Quanto aos fins utilitários da pena, importa referir que, contraposta no art. 40.º do CP a defesa dos bens jurídicos à reintegração do agente na sociedade, não podemos deixar de ver nesta uma finalidade especial preventiva, e, na dita defesa de bens jurídicos, um fim último que se há-de socorrer do instrumento da prevenção geral.
Quando, pois, o art. 71.º do CP nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40.º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cf. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica:
A partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos com atenção às expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cf. Idem pág. 229).
Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A prevenção geral negativa ou intimidatória surgirá como consequência de todo este procedimento.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir.
O nº 2 do art. 71.º do CP manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.
3. 2. 1. Regressando ao caso concreto, vemos que a atuação por que o recorrente foi condenado, no tocante aos crimes de violação, não beneficia de concretas atenuantes para além do que se disse a propósito da aplicação do regime previsto para os jovens delinquentes.
O arguido nunca reconheceu a conduta por que foi condenado.
A ausência do pai e a incapacidade da mãe levaram à sua institucionalização. O recorrente apresenta instabilidade emocional, dificuldades de aprendizagem, e um reduzido auto-controle que o faz assumir posições de risco. As necessidades de prevenção especial são fortes.
Quanto às exigências de prevenção geral, estão também na ordem do dia e com intensidade, porque a comunidade global passou a ser especialmente sensível a abusos de menores na área sexual, de que toma conhecimento, nomeadamente no caso de menores que têm que ser protegidos pelo seu internamento em instituições.
O comportamento do recorrente terá sido mais censurável no que respeita ao ofendido CC, pela resistência explícita deste, pelo tempo da própria atuação e pela necessidade de ser levado ao hospital, consequência da dita atuação.
Consideramos justa a aplicação da pena de dois anos e oito meses de prisão pelo crime por que foi vítima o menor BB, e a pena de três anos e quatro meses de prisão pelo crime de que foi vítima o menor CC.
3. 2. 2. À luz do nº 1 do artº 77º do C.P., para escolha da medida da pena única, importará ter em conta “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E é apenas isto que diretamente a lei nos dá como critérios de individualização.
Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 291).
A opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu por certo traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo artº 40º do C.P., em matéria de fins das penas, a que atrás já se aludiu. Sem que nenhum destes vetores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida.
Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade a idade, a integração familiar, as condicionantes económicas e sociais que pesaram sobre o agente, tudo numa preocupação prospetiva, da reinserção social que se mostre possível.
No caso em apreço, estamos perante o concurso de dois crimes de violação. Tudo no espaço de 5 meses. Denuncia-se uma propensão para a prática de crimes contra a liberdade sexual, aliada à exploração da situação de vulnerabilidade das vítimas. A ilicitude global dada pela junção destes crimes é significativa.
A personalidade do arguido que se retira da matéria provada, e sem necessidade de retomarmos as considerações já tecidas, é fonte de preocupação. Só uma pena com duração significativa poderá ajudar o arguido, a interiorizar a necessidade de levar a cabo modo de vida, à margem deste tipo de delinquência.
A pena mais grave por que o arguido ficou condenado é de três anos e quatro meses de prisão. A soma de todas as parcelares atinge seis anos de prisão.
Aplica-se em cúmulo a pena conjunta de quatro anos de prisão.
3. 2. 3. Coloca-se então, em face da nova medida da pena conjunta, a questão da suspensão da execução de tal pena de prisão.
O art. 70º do CP refere que, “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
O nº 1 do art. 50º do CP (redação da Lei nº 59/2007 de 4 de setembro) estipula, a seu turno, que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Segundo o nº 2 do preceito, “O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada do regime de prova.”
E de acordo com o nº 3 do art. 53º do CP, “O regime de prova é ordenado (…) quando a pena de prisão cuja execução foi suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos”.
É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjetiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso.
De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspetiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.
Acresce que a aposta que a opção pela suspensão, sempre pressupõe, há de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta. Personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.
No caso em apreciação, sem necessidade de retomar considerações já aduzidas, importa ter em conta que o sistema penal deve dar um sinal claro de que os comportamentos como os do arguido são intoleráveis, e isto mesmo deve ser percetível pela comunidade que teve conhecimento dos crimes dos autos. Acontece é que o sinal em questão não tem que passar exclusivamente pela reclusão.
Do mesmo modo, se o recorrente deve interiorizar, que as suas necessidades de ordem sexual não podem fazer-se à custa de menores especialmente vulneráveis, e a quem repugnam os comportamentos como os dos autos, essa consciencialização pode resultar de medidas que representem um sacrifício efetivo para o arguido, que não passe pelo ingresso em estabelecimento prisional.
O caso dos autos apresenta um conjunto de circunstâncias que permitem apostar na esperança de uma ressocialização em liberdade, e que aliás já puderam ser invocadas para efeito de atenuação especial da pena. Assim o arguido a aproveite.
Do ponto de vista da prevenção geral, importa ter em conta que o círculo das pessoas que tomaram conhecimento do crime não se estendeu á comunidade onde o arguido vive, em geral, tendo ficado limitado às vítimas, menores institucionalizados e pessoal do Abrigo de....
Se nos voltarmos agora para a pessoa do arguido e para as necessidades de uma prevenção especial positiva, vemos que o recorrente foi ele mesmo uma vítima de circunstâncias desfavoráveis por que não é responsável. A disfunção familiar acentuada com a partida do pai, os parcos rendimentos, o número de irmãos, a incapacidade da mãe levar a cabo a proteção e educação dos filhos.
O arguido foi ele mesmo institucionalizado, e foi nesse contexto que cometeu os crimes dos autos. E não cometeu, que se saiba, mais crimes diferentes. Encontra-se em liberdade. Tinha 16 e 17 anos quando cometeu as infrações por que foi condenado e agora tem 19.
Decide-se pois suspender a pena de quatro anos de prisão, em que o recorrente foi condenado, por igual tempo, sujeitando-o a regime de prova.
Esse regime de prova, bem como as próprias virtualidades da suspensão da pena, dependem, no caso, de um plano que inclua apertado regime de trabalho por parte do condenado, e eficaz vigilância dos serviços de reinserção social, para além do mais.
Na elaboração do dito plano proibir-se-á evidentemente o arguido de qualquer aproximação do Abrigo de... ou menores nele internados, e importará ponderar a possibilidade e vantagem do afastamento temporário do arguido, da terra onde tem vivido. Do mesmo modo, no caso de o arguido vir a obter alguns proventos com a sua atividade, atentar-se-á na eventualidade de, com os mesmos indemnizar as vítimas, de acordo com os art.s 51.º nº 1 al. a) e 54.º nº 3 do CP.
D - DECISÃO
Pelo exposto, delibera-se em conferência da 5ª Secção do STJ conceder parcial provimento ao recurso, e assim:
Isabel Pais Martins (“com voto de vencida em anexo, quanto à questão prévia da competência (…): não é o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso, cabendo, antes, a competência para dele conhecer à relação.”).
Santos Carvalho (“na qualidade de Presidente da Secção, com voto de desempate a favor do relator, quanto à questão prévia da competência do tribunal”).
-----------------------
Declaração de voto
1. Das conclusões formuladas pelo recorrente – pelas quais se define e delimita o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP) – decorre que a impugnação não se centra, exclusivamente, na medida da pena conjunta mas compreende, ainda, a questão da qualificação jurídica dos crimes de violação por que foi condenado, por cada um deles, na pena de 4 anos de prisão.
2. Nesta compreensão do objecto do recurso, entende-se que a competência para dele conhecer cabe à relação e não ao Supremo Tribunal de Justiça, pelas razões que passam a ser enunciadas Reproduzindo-se, no essencial, a fundamentação dos acórdãos de 25/03/2010 (processo n.º 70/09.6JAPRT.P1.S1), de 14/07/2010 (processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1), de 16/09/2010 (processo n.º 971/06.3GBLLE.S1), de 21/10/2010 (processo n.º 39/09.0PJSNT.S1), de 05/01/2012 (processo n.º 62/11.5JACBR.S1), de 10/05/2012 (processo n.º 356/10.7PBEVR.E1.S1), de 05/06/2012 (processo n.º 8/11.0GCODM), de 03/10/2012 (processo n.º 11/10.8JBLSB.S1), de 25/10/2012 (processo n.º 1101/05.4PIPRT.S2) e de 21/11/2012 (processo n.º 256/11.3JALSB.S1), que relatei, bem como das decisões sumárias de 11/11/2010 (processo n.º 415/05.8GTCSC.S1), de 17/11/2010 (processo n.º 367/09.5GFVFX.S1), de 15/04/2011 (processo n.º 33/10.9GDSNT.S1), que proferi..
2.1. Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a recorribilidade, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, dos acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos).
Nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 432.º do CPP, há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.
A alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º define, assim, por uma tripla ordem de pressupostos a recorribilidade directa para o Supremo: a categoria do tribunal de que se recorre (tribunal do júri ou tribunal colectivo), o objecto do recurso (exclusivamente reexame da matéria de direito) e a própria pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos).
Do que se extraem imediatamente duas consequências:
– o conhecimento dos recursos das decisões finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo que visem matéria de facto e matéria de direito, mesmo que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, cabe à relação;
– o conhecimento dos recursos das decisões finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, que visem exclusivamente matéria de direito, mas em que as penas aplicadas sejam iguais ou inferiores a 5 anos de prisão, cabe à relação.
A repartição das competências, em razão da hierarquia, pelas instâncias de recurso é, pois, delimitada por uma regra que pressupõe a confluência da referida tripla ordem de pressupostos.
O que significa que uma decisão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo em que a mesma não se verifique não deva ser (não possa ser) directamente recorrível para o Supremo.
2.2. Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos de prisão e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame da matéria de direito.
2.2.1. A questão foi sendo decidida, maioritariamente, nesta 5.ª secção criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do Supremo Tribunal de Justiça é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior(es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão.
«Mesmo que se leve em conta que a pena aplicada tanto é a relativa à pena singular, como à pena conjunta, a possibilidade de recurso directo para o STJ foi drasticamente restringida, pois só serão passíveis de tal recurso as decisões do tribunal colectivo ou de júri que isoladamente tenham aplicado por um crime pena superior a 5 anos ou que, num concurso de crimes, tenham aplicado uma pena única superior àquele limite, ainda que as penas parcelares sejam iguais ou inferiores a 5 anos. Neste caso, porém, o recurso será restrito à medida da pena única, a menos que alguma das penas parcelares seja também superior a 5 anos, caso em que o recurso abrange essas penas parcelares e conjunta – cfr. Ac. de 02-04-2008, Proc. N.º 415/08-3.ª» Acórdão de 07/05/2009 (processo n.º 108/09 – 5.ª secção), § V, do respectivo sumário.
Todavia, a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP tem também vindo a ser interpretada – interpretação que conta com cada vez mais seguidores –, «como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas» Acórdão de 07/10/2009 (processo n.º 611/07.3GFLLE.S1 – 3.ª secção), do respectivo sumário..
2.2.2. Se é pelo objecto do recurso que se pode afirmar um dos pressupostos da competência do Supremo (a questão ou questões postas serem exclusivamente de direito), deverá ser também pelo objecto do recurso que se deve verificar o pressuposto referente à medida da pena de prisão concretamente aplicada.
Por isso, no caso de ser aplicada mais do que uma pena de prisão (tanto parcelar como conjunta) verificando-se, relativamente a uma delas (ou mais do que uma), o pressuposto de recorribilidade para o Supremo, a competência do Supremo só deve ser afirmada se o recurso tiver por objecto, justamente, questões de direito relativas aos crimes por que essa ou essas penas (de medida concreta de prisão superior a 5 anos) foram aplicadas. Daí que, se na decisão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo forem aplicadas penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos e penas de prisão superiores a 5 anos mas o objecto do recurso se referir – ou, também, se referir – a questões de direito relativas aos crimes ou ao concurso de crimes por que foram aplicadas as penas de prisão iguais ou inferiores a 5 anos, a competência para conhecer do recurso caiba à relação.
Outra interpretação não só não salvaguarda o propósito do legislador, presente na “revisão” de 2007, de restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal Afirmada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X. como implicará que se aceite a recorribilidade directa para o Supremo mesmo nos casos em que a matéria de direito objecto de recurso não se prenda (ou não se prenda imediatamente) com a pena aplicada em medida superior a 5 anos.
Na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a norma que previa a recorribilidade directa para o Supremo dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo não continha qualquer limitação que não fosse visar o recurso exclusivamente matéria de direito. Dispunha a alínea d) do artigo 432.º que [recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça] “de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito”.
Na actual redacção, a recorribilidade directa para o Supremo é limitada, como já vimos, não só pela matéria objecto do recurso, mas também pela pena concretamente aplicada. Sendo, justamente, na introdução dessa nova limitação que se manifesta a intenção do legislador de restrição do acesso ao Supremo.
A admissão de que é bastante para determinar o recurso directo para o Supremo dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo a aplicação de uma pena de prisão superior a 5 anos (parcelar ou única), independentemente de o recurso se referir, ou não, a questões de direito relativas ou ao crime por que foi aplicada a pena superior a 5 anos de prisão ou ao concurso de crimes por que foi aplicada uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão não se apresenta congruente com o assinalado propósito legislativo.
Basta considerar, por exemplo, as hipóteses de competência do tribunal colectivo previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do CPP. Julgamento, num único processo, de vários crimes, porventura todos eles bagatelares, sendo, por cada um deles, aplicada uma pena parcelar inferior a 5 anos de prisão, mas em que a pena única aplicada é superior a 5 anos de prisão.
A aceitar-se que essa pena única, por si, satisfaz o pressuposto de recorribilidade directa para o Supremo Tribunal de Justiça de toda a decisão sobre questões de direito, as consequências podem ser as de, por via do recurso, o Supremo ser chamado a apreciar toda e qualquer questão de direito relativa aos crimes bagatelares, mesmo que nem seja (directamente) chamado a apreciar qualquer questão de direito relativa à pena única, aquela que, afinal, fornece o critério objectivo de recorribilidade directa para o Supremo.
2.3. Na definição dos pressupostos de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, o legislador não previne, de forma expressa, a situação de concurso de crimes.
Refere-se, tão só, à medida da pena aplicada. Ora, pena aplicada tanto é a pena aplicada por um crime, se o processo tiver por objecto um único crime, como a pena aplicada por cada um dos crimes e a pena aplicada pelo concurso de crimes, se o processo tiver por objecto uma pluralidade de crimes.
2.3.1. Para o modelo de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça assente nas medidas das penas aplicadas (superior a 5 anos de prisão, para a recorribilidade directa dos acórdãos do tribunal do júri ou do tribunal colectivo – alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º; superior a 8 anos de prisão, para a recorribilidade dos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1.ª instância – alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, a contrario), outra razão não se vê que não seja a prossecução do anunciado propósito de limitar a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça (menos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça).
Assim sendo, o entendimento de que, no caso de concurso de crimes, basta para assegurar a recorribilidade de toda a decisão a aplicação de uma pena (parcelar ou conjunta) que observe a medida definida pelo legislador não se mostrará teleologicamente fundado.
Por outro lado, se fosse propósito do legislador, nos casos de concurso de crimes, acautelar a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de toda a decisão em função, exclusivamente, da medida da pena única, seguramente não teria dificuldade em encontrar a fórmula legal que exprimisse essa intenção. Bastaria que, indicada a pena aplicada que asseguraria a recorribilidade acrescentasse, “mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior a pena aplicada a cada crime” Numa formulação similar à da definição da competência material do tribunal colectivo, âmbito em que, na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do CPP, o legislador estabelece a competência do tribunal colectivo para julgar os processos «cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime».
. Ou, no caso de pluralidade de penas conjuntas, bastaria que dissesse “mesmo quando, no caso de pluralidade de concursos de crimes, seja inferior uma ou mais do que uma das penas conjuntas”.
2.3.2. Partir-se do facto de o legislador se referir à pena aplicada e não fazer qualquer referência à situação de concurso de crimes para afirmar, como já se tem afirmado, que isso «só pode significar que o que assume importância na visão actual, para efeito de recorribilidade, é a pena aplicada que o arguido tem efectivamente de cumprir, isto é, a pena única e não as penas parcelares acidentalmente aplicadas» V.g., na declaração de voto do primitivo relator constante do acórdão de 05/01/2012 (processo n.º 62/11.5JACBR.S1). não nos parece acertado.
Desde logo porque, antes de decidido o recurso, nunca se pode presumir e muito menos afirmar qual é a pena que o condenado vai ter que cumprir. Isto é, antes de decidido o recurso não se pode antecipar qual será a pena efectivamente a cumprir.
Também porque, numa situação de concurso de crimes, as penas parcelares, pelos crimes em concurso, estão, enquanto consequências jurídicas dos crimes, no mesmo plano em que, como consequência jurídica do concurso de crimes, se encontra a pena conjunta, não podendo elas ser degradadas para uma qualquer “categoria inferior” como sugere a referência a serem «acidentalmente aplicadas», tanto mais quanto são, justamente, as penas parcelares aplicadas que vão definir a moldura penal abstracta da pena pelo concurso (artigo 77.º, n.º 2, do CP).
Finalmente, porque o objecto do recurso pode conter-se em questões de direito relativas aos crimes em concurso e só mediatamente (pela sua procedência, seja em função da absolvição por um ou mais do que um dos crimes em concurso, seja por razões de alteração, para menos, da medida da pena por um ou mais do que um dos crimes em concurso) se reflectir na pena aplicada pelo concurso de crimes, não sendo esta, directamente, visada no recurso.
2.3.3. Tem sido afirmado, se não uniformemente, ao menos maioritariamente, no Supremo Tribunal de Justiça, que a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º não comporta o entendimento de que a circunstância de o recorrente ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão assegura a recorribilidade de toda a decisão, compreendendo-se, portanto, todas as condenações ainda que inferiores a 8 anos de prisão.
Por isso, no caso de concurso de crimes e verificada a “dupla conforme”, sendo aplicadas ao recorrente várias penas pelos crimes em concurso, penas que, seguidamente, por força do disposto no artigo 77.º do CP, são unificadas numa pena única, haverá que verificar quais as penas superiores a 8 anos e só quanto aos crimes punidos com tais penas e/ou quanto à pena única superior a 8 anos é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Falha, a nosso ver, coerência e racionalidade quando, interpretando-se a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, no apontado sentido, já se interpreta a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º no sentido de que «é suficiente para que o STJ cobre competência para conhecer de todas as penas de cuja medida se recorreu, que a pena conjunta seja superior a 5 anos de prisão».
Ou quando, num caso de dois ou mais concursos de crimes, já se interpreta a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º no sentido de que é suficiente para que o Supremo Tribunal de Justiça cobre competência para conhecer de todas as penas conjuntas de cuja medida se recorreu, que uma das penas conjuntas seja superior a 5 anos de prisão.
Afinal, do que sempre se trata é da questão da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo indiferente, na perspectiva da análise da questão, que se trate, ou não, de recorribilidade directa.
2.3.4. Por último, dir-se-á, ainda, que a opção que se contraria poderá redundar, frequentemente, numa limitação do direito ao segundo grau de recurso (terceiro de jurisdição).
Por isso, a interpretação que se perfilha da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP é aquela que ainda melhor garante o direito ao recurso, na dimensão do acesso ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição.
3. Entende-se, em suma, que não é o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso, cabendo, antes, a competência para dele conhecer à relação.
(Isabel Pais Martins)