I - Tendo a Relação apreciado e decidido um recurso intercalar, esse recurso está definitivamente decidido, não sendo admissível recurso para o STJ da decisão da Relação que dele conheceu. O objecto desse recurso era constituído por questões interlocutórias, intermédias, sendo sobre essas questões que recaiu o acórdão da Relação, na parte em que dele conheceu. Isto é, ao conhecer desse recurso, a Relação não conheceu, a final, do objecto do processo, não julgou o mérito da causa.
II - Embora a decisão do recurso intercalar esteja integrada na mesma peça processual em que foram conhecidos os recursos da decisão final – como não poderia deixar de ser, por o recurso interlocutório ter sido retido (admitido a subir a final, nos próprios autos, para ser julgado conjuntamente com os recursos interpostos da decisão que viesse a pôr termo à causa – art. 407.°, n.º 3, do CPP) – , não perde, por isso, a sua natureza de decisão que não conhece, a final, do objecto do processo.
III - Ora, a al. c) do n.º 1 do art. 400.° do CPP estatui que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que não conheçam, a final, do objecto do processo. E, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 432.° do CPP recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do art. 400.°. Consequentemente, não é admissível o recurso nesse particular.
IV - No caso em que a decisão relativa à perda de vantagens não foi decretada contra o arguido (o agente do crime) mas contra um terceiro (na medida em que foi esse terceiro o beneficiado com a prática do crime, o beneficiário das vantagens), essa decisão não afecta o arguido, em si mesmo, em termos de se poder considerar que a decisão foi contra ele proferida (art. 401.°, n.º 1, al. b), do CPP). A legitimidade para recorrer, quanto à decisão de perda de vantagens auferidas com a prática do crime, tem de ser reconhecida à entidade que “sofre” a decisão da perda de vantagens e, no caso, foi condenada a pagar ao Estado o montante de € 200 000, e não ao arguido.
V - O arguido foi condenado, na 1.ª instância, além do mais, pela prática de um crime de abuso de poder, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 382.° e 386.°, n.º 1, al. c), do CP, na pena de 6 meses de prisão. A Relação, quanto a esse crime, apenas alterou a medida da pena, fixando-a em 8 meses de prisão.
VI - Na conclusão do recurso interposto para o STJ em que se refere a essa parte da condenação, limita-se o arguido a alegar que «pelas razões já adiantadas no recurso anterior, deve o suplicante ser absolvido». Temos, assim, que no recurso para o STJ, do acórdão da Relação, quanto ao mencionado crime de abuso de poder, o arguido não leva propriamente às conclusões uma questão de direito porque se abstém de conferir qualquer substrato útil à alegação de que deve ser absolvido. Com efeito, a mera remissão para a alegação constante de outro recurso (o recurso para a Relação) não é modo processualmente adequado de cumprir a exigência contida no n.º 1 do art. 412.° do CPP.
VII - No recurso interposto para o STJ, nem a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso, quanto ao crime em questão, nem as conclusões contemplam qualquer resumo das razões do pedido de absolvição do arguido do crime de abuso de poder. Por isso, não é caso de convite ao arguido para completar ou esclarecer as conclusões formuladas (art. 417.°, n.º 3, do CPP), mas, verdadeiramente, de falta de motivação, a impor, nessa parte, a não admissão do recurso (art. 414.°, n.º 2, do CPP) e, consequentemente, a sua rejeição (art. 420.°, n.º 1, al. b), do CPP).
VIII - Ao longo do recurso, vai o arguido aludindo ao pré-juízo que, na sua perspectiva, contaminou a apreciação da prova, a fixação dos factos dados por provados e, se bem entendemos a sua argumentação, até, as soluções jurídicas deles tiradas. Quanto a determinadas referências tecidas no acórdão da 1.ª instância a respeito das suas declarações, reagiu o arguido, no recurso que interpôs para a Relação, vendo nelas uma depreciação da sua estratégia processual, violadora do direito que lhe assiste, face ao disposto no art. 61.°, n.º 1, al. a), do CPP, e uma verdadeira presunção de culpa, com reflexo e consequências em toda a assunção probatória, violadora das normas dos arts. 61.°, n.º 1, al. d), e 343.°, n.º 1, do CPP, e 32.°, n.º 1, da CRP.
IX - O acórdão recorrido trata especificamente este aspecto do recurso do arguido, integrando-o no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, no qual ele, evidentemente, se integra. Ora, a apreciação da valoração das declarações prestadas pelo arguido, em audiência, é matéria subtraída à apreciação do STJ, não se enxergando a utilidade da matéria que o recorrente levou às conclusões, no âmbito do recurso para o STJ, ainda que nelas se queira ver, o que não é imediatamente acessível, a impugnação do acórdão recorrido (o da Relação), nesse aspecto.
X - Nas suas conclusões, o arguido suscita, também, a questão de ter sido valorada prova proibida. A valoração do depoimento das testemunhas, afectadas por temor, conformaria uma violação do art. 126.°, n.º 2, do CPP.
XI - Não obstante a limitação dos poderes de cognição do STJ, tem-se entendido que a fiscalização sobre o eventual uso de um método proibido de prova é uma questão de direito de que deve tomar conhecimento, ainda que, em última análise, se reporte à matéria de facto, já que podem estar em causa direitos, liberdades e garantias essenciais para o cidadão, desde que seja recorrível a decisão final do processo onde se verificou a situação. E a lei (art. 126.°, n.º 1, do CPP) proíbe as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou mental das pessoas, e especifica (no n.º 2 do mesmo artigo) os meios de obtenção de prova ofensivos da integridade física ou mental das pessoas.
XII - Contudo, na tese que ensaia, o arguido desconsidera, manifestamente, o regime legal dos métodos proibidos de prova. A invocação do “ambiente de temor” (passivamente suportado pelas instâncias) que subjugava certas testemunhas, e que inquinaria os seus depoimentos, de modo a que não devessem ter sido admitidos, é sugerido ao recorrente por determinadas afirmações feitas, pela 1.ª instância, ao longo da motivação da decisão de facto.
XIII - A questão do “clima de temor” em que foram prestados alguns depoimentos foi levada pelo arguido ao conhecimento da Relação, então, servindo-lhe apenas para censurar o tribunal por violação do art. 323.°, al. e), do CPP. O acórdão recorrido trata especificamente este aspecto do recurso do arguido, integrando-o no âmbito da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, no qual ele se integra. Agora, “o constrangimento” com que alguns depoimentos terão sido prestados ou que se reflectiu na actuação das testemunhas perante o arguido aquando dos acontecimentos sobre que recaíram os respectivos depoimentos já lhe serve para, num grau superior de crítica, convocar a nulidade da prova proibida.
XIV - É evidente que o “constrangimento” das testemunhas, tal como é referenciado na motivação da decisão de facto da 1.ª instância, não suporta a alegação de que os respectivos depoimentos foram obtidos mediante os meios especificados nas als. do n.º 2 do art. 126.°; esses depoimentos não foram obtidos mediante ofensas à integridade física ou mental infligidas às testemunhas. Do que se tratou, como a motivação da decisão de facto esclarece, foi de uma atitude subjectiva de certas testemunhas, de “reverência”, “temor” ou “medo” perante a pessoa do arguido, evidenciada nos seus depoimentos, tanto na forma como foram prestados como nos acontecimentos sobre que prestaram os respectivos depoimentos. No entanto, a possível afectação das testemunhas pelos “sentimentos” demonstrados para com o arguido cabe, exclusivamente, no plano da livre valoração da prova (permitida), e, diga-se, não há poderes de disciplina e direcção da audiência susceptíveis de “resolver” sentimentos difusos de constrangimento.
XV - Ao convocar igualmente a violação do princípio in dubio pro reo, desconsidera o arguido, mais uma vez, que o recurso da Relação para o STJ – puramente, de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa». Tendo o recorrente podido dispor do seu recurso de apelação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhe ficou pedir depois ao STJ, em revista, a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que poderiam ter sido.
XVI - Convoca o arguido os vícios do n.º 2 do art. 410.° do CPP: contradição insanável da fundamentação – al. b) do n.º 2 do art. 410.° do CPP – e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – al. a) do n.º 2 do art. 410.° do CPP. Na perfunctória perspectiva de que ele se situa, efectivamente, no quadro dos vícios que expressamente invoca, por via deles pretendendo obter a anulação do julgamento, o recurso, nessa vertente, não é admissível. O STJ, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP).
XVII - A nulidade da 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 379.° do CPP ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questão de que devia conhecer. Mas uma coisa é o tribunal omitir pronúncia sobre questão que devia apreciar, outra é o tribunal, conhecendo da questão, deixar de apreciar qualquer argumento, razão ou consideração produzida, a propósito. O que importa é que o tribunal decida a questão.
XVIII - O arguido, no recurso para a Relação, e quanto à decisão da 1.ª instância que conheceu, a final, do objecto do processo, suscitou duas questões nucleares: a do erro de julgamento em matéria de facto e a do erro de julgamento em matéria de direito. Dessas duas questões tratou o acórdão recorrido, fundamentando, quer por que julgou improcedente a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto quer as razões da subsunção jurídica dos factos provados, nos termos em que a ela procedeu. Ora, só seria fundado arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, quanto ao recurso em matéria de facto ou em matéria de direito se a Relação tivesse deixado de exercer os seus poderes de cognição, nessas matérias, o que, evidentemente, não foi o caso.
XIX - A circunstância de a fundamentação de direito do acórdão não aderir à tese sustentada no parecer junto aos autos na fase de recurso junto do Tribunal da Relação, em nada prejudica o contraditório e o direito de defesa do arguido, nomeadamente, na dimensão do direito ao recurso porque são, justamente, as razões explicitadas na fundamentação de direito do acórdão as que devem ser discutidas no recurso, no sentido de que são elas as que conformam o substrato da “questão de direito”, cuja apreciação é levada ao 3.º grau de jurisdição. E são elas, afinal, que o arguido impugna e traz à discussão, no STJ, continuando servir-se do parecer para efeitos da sua argumentação jurídica.
XX - A dita sonegação do direito de exercer o contraditório, concretamente quanto ao aspecto de o acórdão recorrido não esclarecer quais os factos que o parecer pressupõe e que não foram dados por provados, não tem razão de ser porque o que releva e interessa à defesa do arguido são os factos que o acórdão da Relação considerou para efeitos de subsunção jurídica da conduta nas diversas situações, e não a compreensão (certa ou errada) que a Relação demonstra ter alcançado da fundamentação do parecer.
XXI - No regime em vigor à data dos factos, distinguem-se três modalidades de corrupção passiva:
- a corrupção para acto ilícito ou corrupção própria, em que se faz prova do acto ilícito com o qual o agente público pretende mercadejar com o cargo;
- a corrupção passiva para acto lícito em que se faz prova do acto lícito com que o agente público pretende mercadejar com o cargo;
- a corrupção sem demonstração do acto concreto com que o agente público pretende mercadejar com o cargo.
XXII - As modalidades previstas nos n.ºs 1 dos arts. 372.º e 373.° do CP não prescindem de um certo grau de prova quanto ao acto concreto pretendido, um certo grau de prova do acto concreto, lícito ou ilícito, que a vantagem visaria compensar. Na falta dessa prova, sempre se preencherá a modalidade do n.º 2 do art. 372.° do CP quando a vantagem só lograr compreensão no plano da funcionalidade. Aqui, do que se trata é de uma vantagem solicitada ou aceite sem conexão com a prática de uma concreta acção ou omissão pelo funcionário.
XXIII - Nas modalidades da corrupção passiva para acto ilícito e para acto lícito, o acto ou actividade em causa deve encontrar-se numa relação funcional imediata com o desempenho do cargo, isto é, terá de caber no âmbito fáctico das possibilidades de intervenção do funcionário, nos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, no sentido de aqueles que são propiciados pelo cumprimento “normal” das suas atribuições legais. É pelo conteúdo do acto subornado que se estabelece a distinção entre as duas modalidades de corrupção. O art. 372.°, n.º 1, do CP, reporta-se aos casos em que o acto do funcionário é inválido por razões “substanciais” ou de “fundo”: só se verifica um salto qualitativo, capaz de fundamentar a agravação da pena inerente à corrupção própria, quando a actividade subornada se revelar ilegal no tocante ao seu fundo ou substância.
XXIV - No que respeita ao tipo subjectivo, o dolo esgota-se no conhecimento e vontade de obtenção de uma vantagem conexionada com um comportamento violador dos deveres do cargo. Em conformidade, desde que o agente solicite ou aceite um tal suborno (ou a sua promessa), verifica-se o preenchimento do tipo subjectivo, mesmo que não esteja nas suas intenções praticar o “acto de serviço” que se visa remunerar, pois a consumação não requer nem o efectivo recebimento do suborno nem, muito menos, a realização do acto.
XXV - A corrupção passiva, como crime material ou de resultado, consuma-se logo que a “solicitação” ou “aceitação” do suborno (ou da sua promessa) cheguem ao conhecimento do destinatário. Consistindo o bem jurídico na autonomia intencional do Estado, a correspondente violação ocorre logo que se depare com uma declaração de vontade do empregado público que evidencie a inequívoca intenção de mercadejar com o cargo, i. e., de “vender” o exercício de uma actividade (lícita ou ilícita, passada ou futura) compreendida nas suas funções ou, pelo menos, nos seus “poderes de facto”.
XXVI - A vantagem pode ser para o próprio funcionário (vantagem directa) ou para um “terceiro”, seja uma pessoa física ou colectiva, pública ou privada (vantagem indirecta). A vantagem ganha relevância típica desde que motive ou seja idónea a motivar a actuação do funcionário; o que conta é que o funcionário, motivado por essa vantagem, ponha à disposição de um concreto particular as atribuições que lhe foram conferidas para servir os interesses gerais. Em vez de actuar com uma substancial neutralidade e objectividade na prestação do serviço público o funcionário, motivado pela vantagem, fomenta os fins privados.
XXVII - No período abrangido pelas situações a que foi reconhecida relevância típica, o arguido desempenhou simultaneamente as funções públicas de Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal A e as funções privadas de dirigente do clube desportivo B. Decorre, pois, dos factos provados, que as vantagens, ainda que indirectas (como o foram predominantemente), só ganham justificação no plano da funcionalidade ou, dito de outro modo, resulta demonstrado que o recebimento ou solicitação das vantagens não têm uma qualquer outra justificação ou explicação que não seja o mercadejar com o cargo, por parte do arguido. Por ser assim, a relevância típica da vantagem não pode ser questionada.
XXVIII - De acordo com os requisitos do n.º 2 do art. 30.º do CP, no plano da conexão objectiva dos vários actos, exige-se que a realização continuada viole de forma plural o mesmo ou fundamentalmente o mesmo bem jurídico, de maneira a que se possa afirmar uma relação de estreita afinidade entre os bens jurídicos violados, e que seja executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior, dando-se, aqui, relevo a uma “unidade de contexto situacional” em que ocorram as várias violações, isto é, “que elas se relacionem contextualmente umas com as outras”.
XXIX - Toda a construção do crime continuado se apoia na diminuição considerável da intensidade da culpa que resulta de uma conformação especial do momento exterior da conduta que concorre para determinar o agente à resolução de renovar a prática do mesmo crime. A reiteração é devida mais a uma disposição das coisas do que a uma tendência da personalidade do agente.
XXX - Ora, no caso, as ocasiões favoráveis à prática do crime foram-se repetindo, sem que o arguido tenha activamente contribuído para essa repetição, isto é, não foi o arguido quem provocou as ocasiões, ao arguido proporcionaram-se as ocasiões. Por outro lado, a motivação do agente permanece a mesma ao longo da prática criminosa repetida, conferindo uma certa unidade de sentido ao comportamento global. Afirmando-se nos factos dados por provados a identidade dos bens jurídicos violados (o que confere ao comportamento global a unidade do desvalor de resultado), a homogeneidade das formas de execução (assegurando a unidade do desvalor objectivo da acção) e a presença do mesmo condicionalismo exógeno, susceptível de exercer a continuada solicitação para a repetição da infracção, conforma-se uma situação em que se mostra fundado um juízo de diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída.
XXXI - Integrando as condutas respeitantes a parte das situações provadas um crime continuado de corrupção da previsão dos arts. 373.° e 30.°, n.º 2, do CP, a pena deve ser determinada no quadro da moldura penal abstracta desse crime de corrupção do art. 373.° (pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias), como decorre do n.º 1 do art. 79.° do CP, o que, imediatamente, coloca o problema da opção por uma das penas principais (a pena de prisão ou a pena de multa). Face ao disposto no art. 70.º do CP é em função da articulação entre as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial que o caso suscite que a escolha entre as penas alternativas se coloca.
XXXII - O crime de corrupção adquiriu uma fortíssima ressonância negativa na consciência comunitária. A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais reclama que a sanção penal dê um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção.
XXXIII - No caso, considerando, ainda, o número de condutas que integram o crime continuado e tendo-se presente que a medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos é um «acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso» entende-se, não obstante o arguido não se mostrar carente de socialização, que a pena de multa não é adequada a acautelar a manutenção da confiança da comunidade no direito e na administração da justiça. Será, pois, no quadro da pena de prisão de 30 dias a 2 anos que a medida concreta da pena deve ser determinada.
XXXIV - Nos crimes de corrupção a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada reclama algum rigor punitivo, em razão, por um lado, dos “sentimentos difusos” do domínio da corrupção na vida pública que se instalaram na comunidade e, por outro lado, da acrescida “consciência” e exigência, por parte da comunidade, de que as funções públicas estejam ao serviço do “bem comum”. O arguido é pessoa bem integrada socialmente e sem antecedentes criminais, não se demonstrando, não obstante a prática do crime, uma verdadeira carência de socialização pelo que, em termos de prevenção especial, tudo se resumirá em conferir à pena uma função de suficiente advertência.
XXXV - No plano da culpa, há a ponderar que a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado já foram tomadas em conta, justamente, quando a punição foi subtraída às regras da pena conjunta pelo concurso, pelo que nada impede, agora, que a pluralidade de actos (concretamente 8) e a intensidade com que foram praticados sejam valoradas como factor de agravação da culpa. Todavia, não será descabido, para a caracterização da medida da culpa, mais uma vez destacar os fins e motivos da actuação do arguido, não directamente ligados ao seu enriquecimento pessoal, uma vez que todas as vantagens, com excepção de uma única situação (o cheque de € 5000 entregue por JA e destinado a financiar a campanha do arguido para a direcção do clube desportivo B), se destinaram ao clube desportivo referido, num contexto de dificuldades económicas e financeiras do clube.
XXXVI - Nesta ponderação, temos por ajustada à satisfação das importantes exigências de prevenção geral que o caso suscita, mas consentida pela culpa do arguido a pena de 1 ano de prisão pelo crime continuado de corrupção, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 30.°, n.º 2, e 373.°, do CP.
XXXVII - Quanto à determinação da pena conjunta, pelo concurso de crimes, do crime continuado de corrupção e do crime de abuso de poder, temos que a moldura abstracta do concurso tem como limite mínimo 1 ano de prisão e como limite máximo 20 meses de prisão (dada a decisão da Relação de condenar o arguido pelo crime de abuso de poder na pena de 8 meses de prisão, aspecto não impugnado da decisão).
XXXVIII - Na avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido sobressai, imediatamente, tratar-se de uma mera pluriocasionalidade, indissociável, como não pode deixar de ser, pela natureza dos crimes, do exercício de funções públicas, num período limitado de tempo. A actividade criminosa do arguido circunscreveu-se a esse período e foi muito concretamente motivada, no caso do crime continuado de corrupção, e sempre proporcionado pelo exercício de funções públicas, não se divisando, fora do exercício dessas funções, ou seja, exclusivamente radicada em qualidades desvaliosas da personalidade do arguido, qualquer “tendência criminosa”. Relevando, neste sentido, os factos de o arguido não ter antecedentes criminais e de ser pessoa com comportamento social adequado. Nesta ponderação, temos por adequada a pena conjunta de 15 meses de prisão.
XXXIX - Não obstante a elevada dimensão em que se projectam as exigências de prevenção geral quanto ao crime de corrupção e mesmo quanto ao crime de abuso de poder, há especiais contornos do crime de corrupção (aquele que assume, em função da pena parcelar por ele aplicada indiscutível preponderância no concurso) que o afastam dos casos típicos ou normais em que a ganância do agente dirigida ao seu enriquecimento pessoal é o principal factor do crime. No caso, salvo uma única excepção, as vantagens destinaram-se a um clube desportivo e mesmo a única vantagem directa recebida pelo arguido não se dissocia da “vida” do clube porque foi destinada à campanha do arguido para a direcção do mesmo.
XL - Os fins e motivos da actuação do arguido no quadro das «constantes dificuldades económicas e financeiras do clube», não podem deixar de interferir na percepção comunitária do crime, atenuando as exigências de defesa do ordenamento jurídico que são, por regra e em abstracto, reclamadas pelo crime de corrupção. Por isso, no caso, a suspensão da execução da pena, se subordinada ao cumprimento de deveres destinados a reparar o mal do crime, não deixará de ser compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça.
XLI - Com a suspensão da execução da pena, acompanhada do dever de o arguido entregar a instituições de solidariedade social uma contribuição monetária adequada a reparar o mal do crime (art. 51.°, n.º 1, al. c), do CP), será assegurado, de forma adequada e suficiente, o efeito essencial de prevenção geral. Tendo em conta a situação económica e financeira do arguido, pessoa que vive muito desafogadamente de rendimentos prediais, na ordem dos € 10 000 mensais, sem necessidade de exercer qualquer actividade profissional remunerada, temos por ajustado fixar em € 100 000 a contribuição monetária que o arguido deverá entregar, no prazo de 6 meses, como dever a que fica subordinada a suspensão da execução da pena, pelo período legal de 15 meses (n.º 5 do art. 50.° do CP).
Data | Movimento | Valor | Origem | Destino | Localização |
23/06/2004 | Dep.
Cheque estrangeiro | 300.000,00€ | Conta BCP XXXXXXX | XXXXXXX
BCP | 856
38/39 Ap. 1 |
04/07/2004 | Dep. Cheque
estrangeiro | 215.000,00€ | Conta BCP Suiça 00202 | XXXXXX
BCP | 857
21/22 Ap. 1 |
26/07/2004 | Depósito | 188.750,00€ | - | XXXXXXX
BCP | 857
19/20 Ap. 1 |
30/08/2004 | Depósito | 251.400,00€ | - | XXXXXXXX
BCP | 858 |
13/09/2004 | Transferência | 89.000,00€ | JJ | XXXXXXXX
BCP | 3664, 3752 |
19/11/2004 | Ordem de pagamento do estrangeiro | 65.500,00€ | B…. I… C... | XXXXXXX
BCP | 860 |
24/11/2004 | Ordem de pagamento do estrangeiro | 157.500,00€ | B…. I… C... | XXXXXXXX
BCP | 860 |
04/12/2004 | Transferência | 430.000,00€ | JJ | XXXXXXXX
BCP | 3669, 3690-3692, 3755 |
04/02/2005 | Ordem de pagamento do estrangeiro | 382.058,53 | B…. I… C... | XXXXXXXX
BCP | 861 |
03/03/2005 | Transferência | 351.000,00€ | JJ | XXXXXXXX
BCP | 863, 3672, 3757 |
05/03/2005 | Transferência | 220.000,00€ | JJ | XXXXXXXX
BCP | 863, 3672, 3758 |
06/05/2005 | Transferência | 450.000,00€ | JJ | XXXXXXXX
BCP | 3674, 3751, 3759 |
01/07/2005 | Transferência | 19.000,00€ | JJ | XXXXXXXX
BCP | 870, 3631, 3678 |
TOTAL | 3.119.208,53€ |
«1.7. Pelas quantias mutuadas o referido JJ nunca cobrou, ao arguido AA ou ao clube por ele representado, qualquer importância a título de juro.
«1.8. Do valor mutuado, o arguido AA, no interesse do clube, reembolsou 2.650.000€ através de uma operação bancária garantida por uma livrança, e efectuou outros pagamentos, encontrando-se a responsabilidade do clube praticamente saldada nesta data.
«1.9. Para além disso, o referido empresário passou a publicitar empresas de que detém o controlo, a “Q... do J..., S.A.” e a “M…, S.A.”, através da AA...-OAF, em termos não concretamente determinados, pois não foram formalizadas contratualmente as prestações de ambas as partes, contribuindo por essa forma para o orçamento do clube com importantes quantias, que só no ano 2004 atingiram um valor global não inferior a 354.900,00 Euros, correspondente a duas tranches de igual montante - 124.950,00€ - suportado por cada uma das empresas, acrescido de 105.000,00€ transferido directamente da conta da “M…, S.A.” para a conta da AA...-OAF relevado na cópia do extracto a fls. 33vº do Apenso 9.
«1.10. JJ teve conhecimento da assunção de funções como D... M... da A... do T... por parte do arguido AA, pelo menos, logo após a posse deste. Estabeleceu-se e aprofundou-se, a partir de então, uma relação de amizade a que não é alheio o facto de o JJ ser interessado, entre outros, no projecto de loteamento, e depois de edificação, do empreendimento imobiliário conhecido por “J… do M…”, situado na A…da L…, neste cidade e comarca, adiante referido.
«1.11. Por este motivo, o JJ era directamente interessado na manutenção do arguido AA à frente do destino da referida agremiação desportiva enquanto se mantivesse como DMAT, tendo-se empenhado para que o mesmo tivesse sucesso nas eleições para os cargos dirigentes do referido clube, que veio efectivamente a ganhar no ano 2005.
«1.12. Também por isso, e para mais facilmente assegurar uma cada vez maior dependência daquele clube do seu auxílio financeiro, dessa forma garantindo o constante reconhecimento por parte do arguido AA, o JJ financiava total ou parcialmente através da forma descrita em 1.5. a contratação de jogadores para a AA...-OAF, em cuja negociação por vezes intervinha, salvaguardando também interesses próprios não concretamente determinados, em condições vantajosas para este clube de futebol que, dessa forma, via facilitados os encargos imediatamente decorrentes da respectiva negociação.
«1.13. Pela deliberação da Câmara Municipal de ... n.º 2630/95, de 10/07/1995, foi aprovada a minuta de acordo e emissão de parecer favorável ao pedido de informação prévia considerando viável a divisão em lotes e respectivas obras de urbanização dos terrenos situados na Ladeira do Batista, a nascente do caminho de ferro, com uma área bruta de construção máxima total de 31.796m2, majorada já de 20%, atenta a qualidade do projecto apresentado. Previu-se a cedência da parte da propriedade a poente do caminho-de-ferro, com uma área total de 72.150m2, situada no Porto ... e na já referida ladeira, para a construção do que ficou conhecido por ..., deliberação essa aprovada em reunião de Assembleia Municipal de 19/09/1995, conforme fls. 23 a 40, aqui dada por integralmente reproduzida para todos os efeitos.
«1.14. Pela deliberação n.º 4204/96, de 06/05/1996, foi rectificada a área de construção, que passou a ser de 32.614m2 e, nos termos da deliberação n.º 1084/98, de 26/10, foi aprovada a operação de loteamento e realização de obras de urbanização, a que se fez corresponder o Alvará n.º 438, de 08/11/1999, emitido a favor de “Q… do J…, G… e Empreendimentos Turísticos S.A.”, a cujo Conselho de Administração o referido JJ preside desde 1992.
«1.15. Este alvará veio a ser objecto de quatro aditamentos, correspondentes a outras tantas deliberações da C.M...., a saber:
«Deliberação n.º 338/2000, de 21/08: ratificou o despacho do Presidente da Câmara Municipal de ... de 02/08/2000, que aprovou o agrupamento dos lotes n.os 3 e 4, 5 e 6, 7 e 8, 9 e 10 e 11 e 12, passando a considerar-se apenas um lote para cada par;
«Deliberação n.º 4877/2001, de 21/12: aprovou alterações às obras de urbanização, designadamente quanto à solução técnica respeitante a fundações especiais e a construção das caves dos edifícios em sede de obras de infra-estruturas, simultaneamente com os muros de suporte (fls. 44-45);
«Deliberação n.º 1112/2002, de 23/09: aprovou o pedido de alteração da licença relativa às obras de urbanização, em especial quanto ao prazo de conclusão (fls. 46-47);
«Deliberação n.º 4982/2004, de 31/08: aprovou alterações, designadamente com a criação de um lote em cave - a que foi atribuído o n.º 18 -, exclusivamente destinado a estacionamento público, com 137 lugares, bem como a correcção aos lotes anteriores, com a criação de mais 215 lugares de estacionamento privado, e ainda a diminuição do número de fogos – que passa dos 256 iniciais para 253, diminuindo igualmente a área bruta a autorizar em 25,5m2 quanto ao lote 1 (fls. 48-52) passando a configuração dos lotes a apresentar-se do seguinte modo:
Lotes | Área total
(m2) | Área de implanta
ção (m2) | Ab de construção
(m2) | Pisos acima do solo | Pisos
abaixo do solo |
Fogos |
Lojas |
Estacionamento |
1 | 1087,5 | 611,2 | 3509,9 | 6 | 2 | 43 | 4 | 43 |
2 | 1714,6 | 797 | 4748 | 6 | 2 | 36 | - | 46 |
3 /4 | 2168,2 | 531,5 | 3170,2 | 6 | 2 | 24 | - | 49 |
5/6 | 2121,9 | 531,5 | 2637 | 5 | 2 | 20 | - | 53 |
7/8 | 1914,1 | 531,5 | 2637 | 5 | 2 | 20 | - | 54 |
9/10 | 1656,7 | 531,5 | 2637 | 5 | 2 | 20 | - | 54 |
11/12 | 1668,8 | 531,5 | 2637 | 5 | 2 | 20 | - | 52 |
13 | 1012 | 300 | 2062,5 | 7 | 2 | 14 | - | 28 |
14 | 1227,9 | 300 | 2062,5 | 7 | 2 | 14 | - | 38 |
15 | 1188,3 | 300 | 2062,5 | 7 | 2 | 14 | - | 41 |
16 | 1244,7 | 300 | 2062,5 | 7 | 2 | 14 | - | 39 |
17 | 1241,6 | 300 | 2062,5 | 7 | 2 | 14 | - | 34 |
18 | 5362,4 | - | - | - | 1 | - | - | 137 |
«1.16. Os projectos de arquitectura foram aprovados e objecto da correspondente licença de autorização administrativa de edificação nos momentos seguintes:
Lotes |
Data do deferimento | Emissão do título
(Alvará de Autorização de construção) |
LOTE 1 | 18/01/2005 | 01/03/2005 |
LOTE 2 | 10/01/2005 | 01/03/2005 |
LOTE ¾ | 10/01/2005 | 01/03/2005 |
LOTE 5/6 | 23/02/2005 | 01/03/2005 |
LOTE 7/8 | 23/02/2005 | 01/03/2005 |
LOTE 9/10 | 14/03/2005 | 16/03/2005 |
LOTE 11/12 | 14/03/2005 | 16/03/2005 |
LOTE 13 | 14/03/2005 | 16/03/2005 |
LOTE 14 | 14/03/2005 | 16/03/2005 |
LOTE 15 | 23/02/2005 | 01/03/2005 |
LOTE 16 | 23/02/2005 | 01/03/2005 |
LOTE 17 | 18/01/2005 | 01/03/2005 |
«1.17. Por despacho de 28/03/2005, o Vereador competente, Eng. OO, determinou o embargo parcial dos lotes 1, 2, 5/6, 7/8, 9/10, 11/12, 13, 14, 15, 16 e 17, sendo que o referente ao lote 3 /4, o foi, por despacho de 06/04/2005, na sequência de informação elaborada pela Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização (DLDF), que, em acção que decorreu entre os dias 11 e 16 de Março de 2005, detectou que todos, à excepção do 18, apresentavam a construção de pisos acima da cota de soleira não constante do projecto aprovado, nos termos seguintes:
Lote(s) | Pisos aprovados | Executado | Pisos não aprovados |
1 | 6 | Estrutura metálica colocada na cobertura | 1 |
2 | 6 | Estrutura metálica colocada na cobertura | 1 |
¾ | 6 | Estrutura metálica colocada na cobertura | 1 |
5/6 | 5 | Estrutura de betão armado + Estrutura metálica colocada em cima do piso anterior | 2 |
7/8 | 5 | Estrutura de betão armado + Estrutura metálica colocada em cima do piso anterior em execução (colocados pilares) | 2 |
9 | 5 | Estrutura de betão armado concluída | 1 |
10 | 5 | Estrutura de betão armado em execução (cofragem na lage de cobertura) | |
11/12 | 5 | Estrutura de betão armado em execução (pilares com cofragem, armadura e betonagem) | 1 |
13 | 7 | Estrutura de betão armado em execução (pilares com cofragem, armadura e betonagem) | 1 |
14 | 7 | Estrutura de betão armado em execução (pilares com cofragem, armadura e betonagem) | 1 |
15 | 7 | Estrutura de betão armado concluída | 1 |
16 | 6 | Estrutura de betão armado concluída | 1 |
17 | 6 | Estrutura de betão armado concluída | 1 |
«1.18. Por determinação do JJ, tendo em vista o aumento do número de pisos para além daqueles que se encontravam licenciados, aos lotes 1 a 4 foi oportunamente acrescentada uma estrutura metálica para suportar apenas um piso em cada um, uma vez que não fora possível reforçar a estrutura para aquele piso, assim aligeirando o peso sobre a última laje, nos lotes 5 a 8 foram acrescentados, em cada um, um piso em betão armado e um outro de semelhante estrutura metálica, e aos lotes 9 a 17 foi acrescentado um piso recuado em laje aligeirada, isto é, em vigota e abobadilha, tudo constatado pela equipa fiscalizadora. Em vista destas alterações, as caixas de escadas e de elevador foram executadas em conformidade e, assim, acima do previsto como último piso nas peças desenhadas do projecto aprovado, nos lotes 1 a 8.
«1.19. Mais tarde, veio a ser igualmente detectado que as varandas dos lotes contíguos à Avenida ... apresentavam uma área superior à constante do projecto aprovado – meio metro no sentido do alçado lateral – decorrente de alteração posterior.
«1.20. A execução dos pisos não previstos no projecto aprovado foi levada a cabo sem a intervenção do gabinete de arquitectura que o havia elaborado que, após ter conhecimento de tal intenção, recusou a elaboração de alterações ao mesmo, continuando apenas com o lote n.º 1.
«1.21. O JJ ainda apresentou, em 18.03.2005 e, portanto, já após a referida acção de fiscalização, um pedido de informação prévia com vista à extensão do loteamento por aquisição de terrenos anexos ao loteamento, manifestando também a intenção de compra da área do Parque Verde, propondo 4 novos lotes e a alteração do número de pisos previstos no alvará, mas acabou por ser determinada a demolição do piso não licenciado por despacho do Presidente da Câmara Municipal de ... de 27 de Setembro de 2005.
«1.22. O arguido AA, acompanhou a evolução deste empreendimento desde que passou a desempenhar as referidas funções de D… M…da A… do T…, designadamente deslocando-se ao local onde estava a ser erigido, recebendo dos serviços que supervisionava as informações que recolhiam quando os funcionários competentes ali igualmente se deslocavam, reunindo com regularidade com os responsáveis técnicos da obra, tendo mesmo analisado, entre outros, o pedido de alvará de autorização de construção que veio a tomar o nº 25/05 de 01/03/2005, que deferiu, e elaborando, quando para tal foi chamado, informação técnica, em 22/07/2004. E, sabendo da intenção do JJ na construção de mais pisos para além daqueles que se encontravam licenciados, manifestava-se-lhe favorável à possibilidade de edificação de mais área no empreendimento e licenciamento da construção dos pisos não previstos inicialmente no projecto.
«1.23. Pois, para mais facilmente conseguir o pretendido resultado, o JJ pretendia beneficiar de uma transferência da correspondente área de construção de parcelas de terreno adjacentes ao empreendimento que adquirira, e tinha também a seu favor um crédito perante a autarquia resultante da implantação da Avenida ..., contígua ao referido empreendimento, em parcelas por si também tituladas.
«1.24. Por forma a auxiliar as pretensões do JJ, o arguido AA usava do prestígio adveniente das suas reconhecidas capacidades técnicas e profissionais manifestando-se favoravelmente, ainda que informalmente, às soluções que mais interessavam ao referido empresário quanto ao empreendimento em causa.
«1.25. O arguido AA, pela sua formação académica, experiência profissional e vasto conhecimento das matérias em causa e sua tramitação, tinha consciência de que a deliberação camarária havia aprovado a área bruta de construção máxima para o local, correspondente ao pedido e à referida majoração de 20%, fixada pelo PDM e seu Regulamento, e estava ciente da pretensão do arguido JJ e, bem assim, da evolução verificada na edificação do empreendimento, pelo menos desde data não apurada do último trimestre de 2004, com o necessário reforço das fundações de alguns lotes e edificação de outros já com estrutura adequada a suportar os pisos, o que havia sido iniciado em meados do ano de 2004. Por isso, procurou evitar que as equipas camarárias competentes, dependentes directamente da sua direcção, procedessem a acções de fiscalização no local, desde logo mantendo no seu gabinete todo o dossier respeitante ao projecto, impedindo que fosse facultado sem ordem sua ou, pelo menos, sem o seu conhecimento, assim dificultando o agendamento de acção inspectiva por parte da divisão de fiscalização.
«1.26. Sem êxito porém, já que a Engenheira QQ, a quem havia sido ordenado pela Chefe de Divisão, Engenheira II, que procedesse à fiscalização do empreendimento em causa pois esta havia constatado que a edificação estava a ser edificada eventualmente acima da cota autorizada e licenciada, acompanhada da Engenheira RR, da mesma divisão, acabou por efectuar a acção fiscalizadora a 3 de Fevereiro de 2005, constatando que a obra estava a ser edificada para além da cota licenciada e autorizada tendo elaborado relatório em conformidade, que tomou o n.º 372/2005, de que o arguido AA teve conhecimento, onde era proposto o embargo da obra. Já antes dessa data, sabendo que àquela engenheira estava atribuída a fiscalização do empreendimento em causa, em data situada no final de 2004 e início de 2005, o arguido havia-a convocado para uma reunião no seu gabinete, seguida de uma deslocação ao local.
«1.27. Já no dia 2 de Fevereiro de 2005, a desconformidade entre a obra já executada até então e o projecto havia sido constatada por SS, fiscal municipal da mesma divisão camarária, o que fez consignar em auto de notícia de contra-ordenação, cuja cópia consta a fls. 960, que aqui se considera integralmente reproduzida.
«1.28. Ultrapassados os obstáculos que impediram a concretização do embargo ali proposto, com a emissão dos títulos administrativos, no dia 11 de Março de 2005 a Engenheira RR, a quem havia sido distribuída a tarefa de acompanhamento da fase de edificação do mesmo empreendimento, iniciou a tramitação para nova acção de fiscalização.
«1.29. Tomando conhecimento do início de execução dessa acção inspectiva, pretendendo desmotivar a referida funcionária de a levar até final, na parte da tarde do dia 11 de Março de 2005, quando a mesma, acompanhada do Engenheiro TT e do motorista da C.M.... UU, se preparava para abandonar o edifício onde funcionam os serviços camarários a que pertencem com destino ao referido empreendimento, o arguido AA dirigiu-se-lhes e, após confirmar as suas intenções, instou-os a deslocarem-se ao seu gabinete, ordenando ao referido motorista que trouxesse as pastas que então transportava.
«1.30. Já no seu gabinete, o arguido começou a fazer-lhes referência a outras obras que se encontravam previstas para a cidade, até se referir ao empreendimento “J… do M…”, manifestando estar inteirado das intenções do promotor quanto à aquisição de terrenos contíguos cuja capacidade edificativa seria transferida para o local do empreendimento, circunstância que deveria ser, por isso, considerada pelas equipas de fiscalização.
«1.31. Solicitou-lhes, em consequência, que adiassem a acção de fiscalização.
«1.32. Apercebendo-se que os referidos funcionários camarários se preparavam para executar a acção fiscalizadora já iniciada, contrariando o pedido que então lhes dirigiu, o arguido AA determinou à Engenheira RR que recolhesse ao seu gabinete. Perante a persistência da mesma na concretização da sua intenção, o mesmo continuou a procurar demovê-la a isso, criando-lhe um ambiente de constrangimento, referindo-lhe que iria falar com a sua, dela, superiora hierárquica, Engenheira II, acabando todos, pouco depois, por se dirigirem ao gabinete desta. No entanto, após cumprimentar esta última, ali permaneceu alguns instantes sem nada referir quanto aos motivos de tal deslocação, saindo, acabando por ser adiada a fiscalização que a aludida funcionária, Engenheira RR, se propusera realizar naquele dia.
«1.33. O arguido AA solicitou e aceitou para o clube de futebol a cuja Direcção presidia, as aludidas vantagens patrimoniais, consubstanciadas em valores a título de publicidade desinteressada, empréstimos sucessivos e imediatamente disponibilizados através de contas da sua titularidade que depois transferia para aquele clube de futebol, sem a cobrança de juros pelos montantes mutuados, que permitiam, para além do mais, a aquisição de jogadores sem dispêndio significativo para o clube a que presidia, concedidas pelo referido JJ, por si ou por via das empresas de que detinha o controlo, sabendo que dessa forma se criava uma situação importante de dependência desse auxílio financeiro, o qual contribuía para que a AA...-OAF se tenha conseguido manter na principal competição de futebol em Portugal.
«1.34. Pelo constrangimento dali resultante, actuou o arguido AA, no exercício das suas funções públicas, com a intenção de dar protecção aos interesses e pretensões daquele empresário, designadamente aos que não estavam compreendidos no licenciamento que havia sido concedido relativamente ao referido empreendimento e que naquelas circunstâncias, se mostravam contrários a disposições urbanísticas vigentes, a que devia obediência, designadamente, ao procurar nas circunstâncias atrás descritas, evitar as acções inspectivas àquele empreendimento, sabendo que praticava actos contra os deveres a que estava vinculado enquanto D... M... da A... do T....
«1.35. Em data não concretamente apurada, entre 2003 e 2004, o empreendimento “J... do M...” passou formalmente para a titularidade do Fundo de Investimento Imobiliário, P…, cujas unidades de participação são detidas pelo JJ e família, sendo tal fundo gerido pela “F…-S… G... de F... de I... I...,SA., integrada no Grupo Caixa Geral de Depósitos, mantendo-se a sociedade Q… do J…-G... I..., SA, à frente da gestão técnica do empreendimento “J... do M...”, e o JJ a tratar e a decidir dos assuntos atinentes ao mesmo.
«1.36. Em data não concretamente apurada, anterior ao ano de 2005, o engenheiro OO reuniu-se com proprietários de terrenos confinantes ao empreendimento “J... do M...” tendo sido determinado ao Departamento de Planeamento da C.M.... um estudo sobre a capacidade construtiva de tais terrenos, por causa do Programa POLIS.
«1.37. Os projectos de arquitectura e especialidades relativamente aos lotes abaixo referidos do empreendimento “J... do M...”, deram entrada na C.M.... nas seguintes datas:
«- Lote 1 - em 15.12.2004,
«- Lotes 2 e 3/4 – em 14.12.2004,
«- Lote 17 – em 13.01.2005,
«tendo sido objecto de deferimento nas datas indicadas no ponto 1.16.»
Situação 3 (relativa ao empresário LL)
«3.1. Nas circunstâncias e local referidos nos pontos 2.4. e 2.5.[3], o arguido AA pediu directamente a LL, um dos promotores do referido empreendimento, que efectuasse donativos à agremiação desportiva que liderava, como presidente da Direcção. À escassa disponibilidade financeira que o LL lhe demonstrava no momento para aquele efeito, o arguido AA obtemperou pela necessidade de ajuda relevante, face aos encargos imediatos que teria que suportar, assim o sensibilizando para a necessidade de efectuar um donativo com alguma relevância económica, fazendo com que aquele subisse o valor das suas possibilidades para o efeito, acabando por ficar acordado que aquele contribuiria com uma quantia monetária para a AA...-OAF, a entregar fraccionadamente.
«3.2. Assim, em concretização do acordado, dias mais tarde, a 24/06/2005, de modo não concretamente apurado, o LL entregou a título de donativo para a AA...-OAF o cheque n.º XXXXXXXX, de uma conta particular de que é titular no Montepio Geral, balcão de ...-Portagem, no valor de 10.000 Euros, cuja cópia consta de fls. 35 do Apenso 21-C, vindo a entregar em Agosto seguinte, outro título semelhante, com o n.º XXXXXXXXX, do mesmo valor, datado de 31/08/2005, e de que igualmente consta cópia a fls. 33 do mesmo apenso, ambos à ordem da AA...-OAF, tendo sido emitidos, para efeitos de contabilização e dedução fiscal, os correspondentes recibos, cujas cópias constam de fls. 34 e 32, respectivamente, do Apenso 21-C.
«3.3. Poucos dias antes da emissão daquele primeiro cheque, a 1 de Junho de 2005, o referido LL havia sido pessoalmente notificado pelo arguido AA para, em nome de uma das suas filhas, M… I… B… F… G…, a quem havia doado o lote A11 da Q… de S. J…, onde construíra uma moradia, nos termos do procedimento aplicável, se pronunciar sobre uma informação de 11.04.2005, que se pronunciava pelo indeferimento do pedido de emissão de autorização de utilização a ela referente, proposta essa elaborada por TT, engenheiro na Divisão de Estruturação e Renovação Urbana do Departamento de Gestão Urbanística e Renovação Urbana da C.M.....
«Dias antes, a outra sua filha, A… F… B… F…, a quem igualmente havia feito semelhante liberalidade, a da moradia edificada no lote A10, tinha recebido idêntica notificação, por via postal.
«3.4. Tal informação, que havia sido emitida pelos serviços técnicos dependentes do seu departamento, continha os motivos que obstavam ao deferimento do pedido e propunha igualmente as possibilidades de serem ultrapassados, a saber: a reposição das obras em conformidade com o projecto ou, em alternativa, a apresentação das alterações verificadas e telas finais das obras executadas.
«3.5. Assim, em representação das suas filhas, a 6 do mesmo mês de Junho de 2005, o referido LL fez apresentar as alterações e telas finais do projecto de arquitectura referentes ao lote A11 – Processo n.º 1/1999/1500 - e a 9 seguinte as referentes ao lote A10 – Processo n.º 1/1999/1499.
«3.6. O arguido AA, face à disponibilidade manifestada pelo referido LL em contribuir para os cofres da AA...-OAF, chamou a si o processo de decisão e, sem solicitar previamente ao departamento camarário competente que havia anteriormente analisado os respectivos processos, nova informação respeitante a essas obras, por despachos de 09/06/2005 e 20/06/2005, respectivamente, deferiu-as, sem condições, designadamente sem que fossem apreciadas as alterações operadas nos muros do logradouro e anexo construído, que não figuravam no projecto aprovado e licenciado e sem que fosse efectuada, como era exigível, nova medição da área bruta de construção, condições sem as quais não deveria ser emitida a respectiva licença de autorização de utilização das moradias que, não obstante, o arguido AA determinou que fosse passada pela divisão competente, o que veio a acontecer.
«3.7. Os livros de obra vieram a ser encerrados, no caso do lote A11, a 15 de Junho de 2005 e, no caso do lote A10, no dia 23 de Junho de 2005.
«3.8. Não fora a circunstância de o arguido AA ser, simultaneamente, Director Municipal e Presidente do referido clube de futebol, LL não teria efectuado aqueles donativos ou não os teria efectuado naqueles montantes e circunstâncias, só o tendo feito temendo que a sua recusa pudesse prejudicar projectos na cidade, presentes ou futuros, que titulasse.
«3.9. Solicitando e aceitando para a AA...-OAF as aludidas vantagens patrimoniais, agiu o arguido AA, livre, deliberada e conscientemente com a intenção de, já enquanto DMAT, praticar actos no âmbito de processos em que interviesse e respeitassem a interesses do referido LL, que o favorecessem, beneficiando-o em pretensões que viesse a requerer ao departamento que dirigia ainda que sem observar os procedimentos adequados, como efectivamente veio a acontecer, nas situações supra descritas.
«Da contestação:
«3.10. Os projectos de arquitectura com as alterações verificadas na obra mostravam-se subscritos pelo arquitecto responsável e acompanhados dos respectivos termos de responsabilidade do autor do projecto.
«3.11. Em 14.07.2005 deram entrada na Câmara Municipal os requerimentos para emissão de Alvará de Licença de Autorização de Utilização, relativamente aos Lotes 10 e 11.
«3.12. Em 2.09.2005 foram emitidos os Alvará de Licença de Autorização de Utilização relativamente a ambos os Lotes.»
Situação 4 (relativa ao empresário NN, sócio da sociedade “NN & NN, Construções Ld.ª”)
«4.1. Em Maio de 2004, o NN, outro empresário da construção civil com interesses imobiliários nesta cidade de ..., sócio e gerente das empresas de construção civil “NN & NN, Construções Lda.” e “L…, C…do C…, Lda”, ambas com sede em ..., numa ocasião em que se deslocou à C.M...., entregou ao arguido AA dois cheques, cada um no valor de 5.000 Euros, emitidos sobre contas tituladas por aquelas empresas, ambos destinados ao clube a que o segundo presidia, o que este aceitou.
«4.2. Nesta ocasião, o referido NN tinha em execução, entre outros, um projecto de loteamento na P..., a propósito do qual, algum tempos antes, se havia reunido na Câmara Municipal com o arguido AA, altura em que travou com este conhecimento.
«4.3. Ao aceitar do NN os aludidos valores, cuja actividade profissional conhecia perfeitamente, o arguido AA tinha perfeita consciência de que o mesmo tinha interesses em empreendimentos que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, sendo por esse motivo também que o mesmo lhos havia atribuído, isto é, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou poderia vir a promover.»
Situação 5 (relativa ao empresário GG, sócio da empresa “C…e M…, Ld.ª”)
«5.1. O GG, é outro empresário da construção civil com actividade em ..., sócio da empresa do mesmo ramo denominada “C… e M…, Lda”, empresa que tem por objecto social a construção civil, com sede em R…de V…, concelho de ..., mas centrando a sua actividade predominantemente na região de ..., de que VV é também sócio.
«5.2. O GG, com o conhecimento e anuência do seu sócio VV, no dia 2 de Dezembro de 2004, veio a entregar à AA...-OAF, em circunstâncias não apuradas a quantia de 15.000 Euros, tendo sido emitido o recibo n.º 5849, cuja cópia consta de fls. 245 do Apenso 21B, com a menção de donativo.
«5.3. No final do ano 2005, a empresa “C… e M…, Lda”, tinha empreendimentos em execução nesta cidade junto à Avenida F... N... e no C... do A..., ....
«5.4. De encontro havido entre o arguido e o GG, verificado no decurso do ano de 2005, mas em data anterior a 14.11.2005, resultou acordo entre ambos no sentido de que a empresa contribuiria para AA...-OAF com a quantia de 400.000,00 Euros, titulados por cheques, sendo o primeiro datado de 14/11/2005 e o último de 28/07/2006, num total de 44 cheques.
«5.5. O GG deu conhecimento ao seu sócio, o referido VV, dos termos do acordo estabelecido com o arguido AA, tendo ambos assinado os cheques, posteriormente entregues a este último.
«5.6. O arguido AA, em informação que elaborou, datada de 6 de Dezembro de 2005, que tomou o número 36/2005, no Processo n.º 01/2005/6450, viria a pronunciar-se favoravelmente quanto ao pedido de aprovação do projecto de arquitectura relativo ao Estudo de Conjunto da S.../V... da C... B... apresentado pela empresa “C… &M…, Lda”, informação que mereceu despacho favorável do Vereador OO.
«5.7. Por determinação dos dirigentes do clube desportivo beneficiário dos cheques, estes foram sendo apresentados a pagamento até Fevereiro de 2006, num total de nove, permitindo um encaixe do total de 90.000 Euros, sendo emitidos recibos referentes a donativos num valor de 58.000,00 Euros.
«5.8. Ao acordar e aceitar os aludidos valores dos referidos GG e VV, cuja actividade profissional conhecia perfeitamente, o arguido AA tinha perfeita consciência de que a empresa por eles detida tinha interesses em empreendimentos e projectos que eram tramitados no organismo público que dirigia. Foi por esse motivo também que os mesmos lhos entregaram, isto é, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promoviam ou poderiam vir a promover.»
Situação 6 (relativa ao empresário DD, sócio e presidente do conselho de administração da empresa “DD , S.A.”)
«6.1. DD, sócio e presidente do Conselho de Administração da empresa “DD Construções, S.A.”, travou conhecimento com o arguido AA já após este desempenhar as aludidas funções públicas como DMAT, em data anterior a Maio de 2004, numa reunião ocorrida nas instalações da C.M...., no âmbito das relações entre a empresa e a autarquia.
«6.2. A referida empresa era promotora de empreendimentos nesta cidade de ..., designadamente as urbanizações denominadas “Q… das L…”, em S... C..., e “C… da E…”.
«6.3. A partir daquela data, DD, em nome pessoal ou da empresa, passou a entregar regularmente ao arguido AA, quantias monetárias a título de donativos à associação desportiva de que este é presidente, devidamente descriminadas nos recibos entregues ao DD, alguns dos quais assinados pelo arguido, para efeitos de contabilização.
«6.4. Assim, entre Maio de 2004 e Outubro do ano seguinte, entregou-lhe os seguintes valores:
Emitente | Origem | Data | Valor | Nº do recibo | Fls. |
DD SA | Cheque n/ identificado | Recibo de
27.05.2004 | 75.000,00€ | 5827 | 130 Ap. 21B |
DD SA | Cheque n/ identificado | Recibo de
20.09.2004 | 25.000,00€ | 5844 | 202 Ap. 21B |
DD SA | CH XXXXX | Cheque de
08.12.2004 | 25.000,00€ | 8560 | 252-253 Ap. 21B |
Total 2004 | 125.000,00€ |
DD SA | CH XXXXXX | Recibo de
23.03.2005 | 12.500,00€ | 9251 | 303 Ap. 21B |
DD | CH
| Cheque de
07.07.2005 | 20.000,00€ | 9443
9444 9445 9446 | 41 a 43 Ap. 21C |
DD | CH XXXXXX | Recibo de
01.08.2005 | 12.500,00€ | 9558 | 48 Ap. 21C |
DD | Numerário | Recibo de
11.10.2005 | 10.000,00€ | 9582 | 45 Ap. 21C |
DD | Numerário | Recibo de
19.10.2005 | 5.000,00€ | 9583 | 46 Ap. 21C |
DD | Numerário | Recibo de
22.10.2005 | 5.000,00€ | 9584 | 47 Ap. 21C |
Total 2005 | 65.000,00€ | ||||
TOTAL |
190.000,00€ |
«6.5. Para além destes cheques, DD emitiu ainda um outro cheque, com o n.º XXXXXXXXX, no valor de 5.000,00€, da conta pessoal n.º 5760004 no BES, datado de 08/12/2004, cuja cópia consta a fls. 54 do Apenso 1 relativo à conta n.º XXXXXX, titulada pelo arguido AA e familiares no “M... B...”, balcão 301-..., cheque que este enviou acompanhado da missiva de fls. 717, datada de 7 de Dezembro de 2004, para, como era do seu interesse, financiar a campanha eleitoral para a direcção da AA...-OAF em que este último viria a participar, e que veio a depositar naquela conta pessoal.
«6.6. DD pretendia beneficiar o arguido AA e o clube por este dirigido por forma a criar-lhe constrangimento e, assim, levá-lo a retribuir-lhe aquele auxílio material enquanto se mantivesse como DMAT, através de actos compreendidos em tais funções públicas referentes aos empreendimentos em que tivesse interesses, promovendo e decidindo o que fosse necessário à protecção das suas pretensões, ainda que legalmente indevidas ou contra quaisquer normas destinadas a regular as situações concretas que, no âmbito de actividade que desenvolvia, apresentava aos serviços camarários competentes.
«6.7. A referida urbanização “Q… das L…” vem sendo executada por fases, tendo o loteamento correspondente à 2ª fase – sector C sido aprovado por deliberação camarária a que se fez corresponder o alvará n.º 418, objecto de 4 aditamentos, sendo o último de 30/07/2004.
«6.8. Nos termos desse alvará de loteamento, na redacção do aludido aditamento, ainda vigente, era autorizada a seguinte área bruta de construção nos referidos lotes:
«Lote 2: 2237,60 m2;
«Lote 3: 1937,60 m2;
«Lote 4: 1900,10 m2; e
«Lote 5: 2462,60 m2.
«6.9. Com data de 21/05/2004, foram emitidos os alvarás de autorização de construção relativos aos lotes 2, 3 e 4, que tomaram os n.os 44/04, 45/04 e 46/04, respectivamente, e, com data de 11/08/2004, foi emitido o alvará de autorização de construção n.º 86/04, relativo ao lote 5, autorizando a construção nas seguintes áreas:
«Lote 2: 2212,50 m2;
«Lote 3: 1912,50 m2;
«Lote 4: 1875 m2; e
«Lote 5: 2437,50 m2.
«6.10. Em requerimentos datados de 09/12/2004 e 21/01/2005, a empresa fez dar entrada na C.M.... quatro requerimentos solicitando o deferimento de pedidos de autorização de obras de edificação nos lotes 2 a 5 e que fossem considerados prejudicados os alvarás já emitidos.
«6.11. O arguido AA, visando retribuir o auxílio financeiro até então recebido, com que pretendia continuar a contar, como veio a acontecer, sem que se tivesse operado pela via competente e legítima qualquer alteração ao alvará de loteamento n.º 418, assumiu a apreciação daqueles requerimentos e, por despachos datados de 07/01/2005, relativo ao lote 2, e de 14/02/2005, relativos aos demais lotes, anulou todos os alvarás já emitidos e deferiu a consequente emissão de outros contra o permitido na deliberação que havia licenciado o loteamento no que aos lotes 2 a 4 respeita, autorizando a edificação nas seguintes áreas:
«Lote 2: 2510,34 m2;
«Lote 3: 2162,60 m2;
«Lote 4: 2174,12 m2; e
«Lote 5: 2340 m2.
«6.12. Por forma a justificar formalmente a indevida autorização de construção em área superior à aprovada para o loteamento relativamente aos lotes 2, 3 e 4, nos despachos respectivos, o arguido deixou exarado que o requerente devia “apresentar no prazo de 120 dias as telas finais do alvará n.º 418, no âmbito das disposições previstas no n.º 7 do art. 27º do RJUE”, o que não veio, contudo, a suceder.
«6.13. Na sequência de tais despachos, proferidos pelo arguido AA, vieram a ser emitidos os alvarás de autorização de construção com os n.os 48/05, 49/05, 50/05 e 51/05.
«6.14. O arguido AA aceitou praticar actos compreendidos nas suas funções de DMAT visando dar acolhimento às pretensões de DD, ainda que sem apoio legal, ou mesmo contra as normas vigentes destinadas a regular as concretas solicitações que este dirigia aos serviços camarários competentes, como aconteceu na situação descrita, em especial os que estivessem na sua dependência, contra o recebimento das aludidas vantagens patrimoniais, para si e para o clube desportivo de que era o presidente da Direcção.
«6.15. Já anteriormente às situações descritas, no tempo de anterior presidente da AA.../OAF, o DD havia adquirido, por cerca de oitenta mil contos, um edifício de que a AA.../OAF era proprietária, numa situação de grande aflição para o clube, por causa de uma penhora.
«6.16. XX, passou a fazer parte da Direcção da AA.../OAF a partir de 2005.
«6.17.A área total de construção de 36.000m2 não foi objecto de modificações nas alterações ocorridas em 30.07.2004, a que aludem os pontos 6.7. e 6.8.
«6.18. Por o prazo de conclusão das obras de urbanização ter terminado sem que estas estivessem totalmente concluídas, foi decidido pela Câmara em meados de 2006, declarar a caducidade da licença de obra.
«6.19. Na sequência de acção de fiscalização e proposta de embargo, em meados de 2006, o promotor veio requerer alteração ao alvará de loteamento nº 418, juntando as telas finais, tendo sido sujeita a deliberação camarária e discussão pública, vindo a ser aprovada em reunião de câmara de 22.10.2007.
«6.20. Após estas deliberações, veio a ser emitido o aditamento /alteração ao alvará de loteamento nº 418, em 17.01.2008.»
Situação 7 (relativa ao empresário EE, sócio da “F. M. S…, Ld.ª”)
«7.1. Na sequência de reuniões havidas no gabinete do arguido AA na C.M.... entre este e EE, empresário da construção civil identificado a fls. 2209, que tiveram lugar por volta do mês de Outubro de 2004, mas em data anterior ao dia 21 desse mesmo mês, para abordagem de questões relacionadas com empreendimentos imobiliários em que este era interessado, por si e enquanto sócio da “F. M. S… Lda”, com sede em ..., designadamente os que tinha já em fase de execução na Rua de A… e em Sto. A… dos O…, nesta cidade, o EE veio a contribuir com um donativo para a AA...-OAF, tendo emitido o cheque sobre a Caixa Geral de Depósitos, cuja cópia consta a fls. 208 do Apenso 21-B, no valor de 25.000 Euros, de 20 de Outubro de 2004, que foi entregue nesse dia ao arguido AA, e que este aceitou, sabendo de quem provinha, tendo sido emitido o correspondente recibo da AA.../OAF, com a assinatura do arguido, datado do mesmo dia.
«7.2. No dia seguinte ao da emissão do cheque, 21.10.2004, o arguido AA lavrou uma informação, que tomou o n.º 49/2004, a apresentar ao vereador competente, pronunciando-se favoravelmente sobre um pedido de alteração do projecto relativo ao imóvel em edificação na Rua de A…, a que se aludiu.
«7.3. O pedido de deferimento de alterações ao projecto aprovado, a que correspondia o alvará n.º 43/2003, havia sido apresentado em 5 de Dezembro de 2003 reportando-se ao aproveitamento da área respeitante à cave para um aumento do número de garagens, num total de 551.33 m2, aumentando de 16 para 25 o número de garagens, bem como um acréscimo sensível na área dos fogos nos pisos superiores.
«7.4. Sem esperar pela sua análise e decisão, o promotor executou as alterações, o que até motivou o levantamento de um auto de notícia a 19 de Fevereiro de 2004, convicto que as mesmas mereceriam aprovação incondicional por parte da C.M.... para o efeito contando, pelo menos a partir da data da entrega de tal cheque, referida em 7.1., com a intervenção nesse sentido do arguido AA.
«7.5. Submetido o pedido a deliberação, após o arguido AA lavrar a referida informação, a questão foi debatida e objecto de análise quanto à possibilidade de aquele acréscimo de área em cave ser transferido para o domínio da C.M....
«7.6. A deliberação que definitivamente estabilizou a situação de facto na ordem jurídica veio a ser tomada na sessão camarária de 17 de Janeiro de 2005, após nova discussão ocorrida a 3 daquele mesmo mês e ano, no sentido de serem aprovadas, por maioria, as alterações requeridas.
«7.7. Para o efeito, o arguido AA subscrevera nova informação, a n.º 55/2004, de 15/12/2004, sobre o mesmo pedido, manifestando-se favorável à aprovação, adiantando que o promotor estaria disponível para apoiar financeiramente obras de recuperação urbana de envolvente, no valor de 35.000,00 Euros, o que veio efectivamente a acontecer em consequência do deferimento do pedido.
«7.8. O arguido AA aceitou o valor monetário disponibilizado pelo referido EE, com o propósito de o utilizar na gestão do clube que dirigia sabendo, como se propunha, que isso implicaria a prática, como DMAT, de actos destinados a defender ou a dar protecção a interesses relativos aos empreendimentos em que aquele era interessado e que estavam na sua dependência funcional, acabando efectivamente, motivado por tal liberalidade que por tal razão lhe fora concedida, por, nos termos descritos, proferir significativos pareceres técnicos, que foram determinantes do deferimento da aludida pretensão.
«7.9. Em algumas das reuniões a que alude o ponto 7.1. esteve também presente o arquitecto V… C…, arquitecto responsável pelo projecto da edificação na Rua de A…, acima referido.»
Situações 10 (relativas ao empresário MM – prédio da R… V… de C… e prédio da R… J… M…)
«10.1. YY, melhor identificado a fls. 641, é um cidadão português que, embora com domicílio permanente no Brasil, desenvolve actividade em Portugal na área da construção civil, nomeadamente nesta cidade e comarca de ....
«10.2. Com data de 15 de Dezembro de 1997 o mesmo apresentou na Câmara Municipal de ... (CM...) a Memória Descritiva e Justificativa – Estudo Prévio com duas soluções diferentes para a construção de um edifício para uso misto – habitacional e comércio e serviços – na Rua J…M…, n.os 21-23, nesta cidade de ..., proposta que viria a ser sucessivamente reformulada a partir de Julho do ano seguinte na sequência de diversos pareceres técnicos, e correspondentes decisões e deliberações, acabando o pedido de aprovação do projecto por obter deferimento, vindo a ser emitido o alvará de licença para demolição com o n.° 01/2001, de 12/04/2001, para a 19/10/2001, ser emitido o alvará de licença de construção, a que coube o n.° 948/2001, com validade até 18/10/2003.
«10.3. Face às alterações do mercado, em especial, do arrendamento, entretanto ocorridas desde a apresentação dos aludidos estudo e projecto e apercebendo-se da necessidade de estacionamento nas imediações, designadamente do prédio contíguo onde se encontrava instalada uma agência do banco “F….”, o referido YY, após se certificar junto do projectista de que nenhum obstáculo técnico a isso se opunha, não obstante o projecto aprovado apenas compreender a execução de dois pisos abaixo da quota de soleira – duas caves -, deu instruções ao responsável técnico da obra para que projectasse a execução de uma 3ª cave. Todavia, não requereu, como devia, a aprovação imediata da alteração preconizada à entidade legalmente competente para a sua apreciação, dando início à construção do edifício.
«10.4. Em Maio de 2002 encontrava-se concluída a aludida 3ª cave com a betonagem da laje do respectivo tecto.
«10.5. A construção não licenciada de tal piso, por razões não completamente esclarecidas, acabou por não ser detectada pela fiscalização da CM..., quer antes da sua execução, não obstante ser o primeiro piso a construir, quer após exposições apresentadas por A… C…, proprietário de imóvel vizinho, em pleno período de execução da obra, acabando por só o ser quando o imóvel já se encontrava praticamente concluído.
«10.6. Com efeito, tal alteração só veio a ser referenciada em acção de fiscalização levada a cabo por C… S… em 17/11/2003, sendo na sequência da informação n.° 319/2003, que então elaborou, que veio a propor o embargo da obra.
«10.7. Porém, logo no dia seguinte, ainda antes, pois, da notificação para se pronunciar sobre a aludida proposta de decisão de suspensão da construção, o YY apresentou aditamento ao projecto de arquitectura/telas finais contemplando as diversas alterações realizadas em obra ao projecto oportunamente aprovado, nomeadamente a aludida 3ª cave, pedido que, após parecer n.° 8/2004, de 23/01/2004, da autoria do arguido AA, favorável às pretensões peticionadas, veio a obter deferimento por deliberação n.° 3921, de 25/02/2004.
«10.8. Posteriormente à apresentação do projecto de alterações, em data não concretamente determinada, mas anterior a 23/01/2004, em deslocação à CM... a fim de se inteirar da situação do processo referente à obra, o YY solicitou ser recebido pelo arguido AA, o que veio a acontecer.
«10.9. Nesse encontro foi falada a questão da aludida cave.
«10.10. Visando compensar a intervenção do arguido, com data do dia seguinte à referida deliberação, 26/02/2004, o referido YY emitiu o cheque de fls. 666, aqui dado por inteiramente reproduzido, no valor de 25.000,00€, que entregou ao arguido AA, e foi por este aceite, tendo-o feito apresentar a pagamento mais tarde por funcionário do clube a que presidia e a quem confiou o valor nele inscrito.
«10.11. Durante a execução da obra, em requerimento datado de 23/12/2003, o YY solicitou a alteração do uso dos pisos destinados a habitação, para o efeito anexando uma missiva em papel timbrado com o logótipo “F…” nos termos do qual, alegadamente, esta entidade pretenderia que lhe fosse reconhecida preferência no arrendamento de um espaço com uma área de 750m2 no prédio do requerente.
«10.12. Sobre este pedido o arguido AA, na aludida informação n.° 8/2004, de 23/01, pronunciou-se favoravelmente à alteração peticionada, propondo a supressão total do uso residencial ou, em alternativa, a manutenção da habitação num só piso, acabando esta última proposta por ser acolhida e aprovada, por maioria.
«10.13. Já anteriormente, ainda antes do início da construção, e em conjugação com a decisão de construir a aludida 3ª cave, o mesmo havia requerido tal alteração, que viu indeferida por despacho do Presidente da Câmara, na sequência de parecer do então director do DAU cuja cópia consta a fls. 76-77.
«10.14. Em 16.07.2003 o YY dirigira novamente à CM... um pedido de alteração da afectação dos dois pisos destinados a habitação, conforme o projecto aprovado, exclusivamente para comércio e serviços, indicando que as exigências legais referentes a estacionamento poderiam ser satisfeitas com a introdução de mais uma cave, o que veio a merecer o parecer favorável do arguido nos termos da informação acima referida em 10.12. na sequência de novo requerimento a solicitar tal alteração, conforme acima referido em 10.11.
«10.15. Ambos os intervenientes tinham perfeita consciência de que a autorização para a alteração do destino aprovado para os pisos facilitaria a legalização da 3ª cave, não incluída e descrita no projecto que a CM... licenciou, na medida em que a diferente destinação – comércio e serviços – determinaria a necessidade de mais lugares de estacionamento.
«10.16. Por outro lado, o arguido YY mantinha pendente de resolução na CM... a questão respeitante à colocação dos ascensores num prédio que havia construído ainda na década de noventa na Rua V… de C…, n.° 15-27, nesta cidade, problema que se vinha arrastando sem fim à vista, pelo menos, desde 1995.
«10.17. Na sequência de contactos com o arguido AA, que tiveram lugar antes de 19/12/2005, este, prevendo poder vir a retirar benefícios para o clube a que presidia, à semelhança do que acontecera nas circunstancias anteriormente descritas, encetou diligências no sentido de criar condições para, sob seu parecer favorável, o referido YY obter a solução que para a questão preconizava, que era a de obter autorização camarária para a instalação de apenas um elevador, ao invés dos dois a que, nos termos de determinação camarária anterior, estava obrigado.
«10.18. Assim, substituindo-se àquele na obrigação de documentar o procedimento – n.° 1/1974/6739 -, o arguido AA solicitou aos serviços competentes da própria autarquia informação relativa à questão para mais facilmente sustentar parecer favorável à pretensão do YY, da sua autoria, que veio a apresentar em informação datada de 19/12/2005, nos termos da qual propunha que o mesmo fosse autorizado a colocar apenas um ascensor, como aquele pretendia, proposta que veio a ser sufragada por despacho do vereador competente de 20/12/2005.
«10.19. Em virtude do acolhimento dado à sua pretensão, e à forma diligente com que o arguido AA criou condições para uma solução favorável aos seus interesses, com data de 20/12/2005, o referido YY emitiu o cheque de fls. 414, no valor de 4.000,00€, que entregou ao arguido AA no gabinete deste na CM... e este fez depositar numa conta titulada pela AA.../OAF.
«10.20. O arguido AA tinha perfeita consciência de que o referido YY, cuja actividade profissional bem conhecia, titulava interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, como os mencionados, sendo por causa desses interesses que o mesmo lhe atribuiu a vantagem patrimonial correspondente à entrega do montante inscrito no cheque aludido em 10.10., atenta a sua competência para tomar decisões no organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou poderia vir a promover ou preparar tecnicamente a sua assunção por outra entidade ou titular competentes.
«10.21. Agiu ainda o arguido AA, por outro lado, com o propósito de aceitar do mesmo YY o valor pecuniário referido em 10.19., que não lhe era devido, para o integrar no património da AA.../OAF, e que visava compensá-lo materialmente pela intervenção, no exercício das aludidas funções públicas de D... M... da A... do T..., favorável à pretensão daquele na resolução da aludida questão favorável aos seus interesses, para o que o arguido só diligenciou motivado pela expectativa criada pelo descrito comportamento anterior de recebimento de vantagem patrimonial, intervenção essa decisiva para tal pretensão ser acolhida favoravelmente.
«10.22. Na mesma zona da cidade onde se encontra implantado o edifício da Rua J… M…, acima referido, existem outros edifícios, com edificação anterior à daquele, que contemplam apenas exclusivo uso de escritório, comércio e serviços.
«10.23. Cumprindo instruções do Vereador OO, com vista a procurar definir um critério objectivo de uso quanto à zona da cidade, onde se encontrava implantado o edifício da Rua J… M…, o arguido procedeu a um estudo, assessorado por técnicos da autarquia, sobre o grau de urbanidade (ou seja, de condições de vivência urbana) dos quarteirões da Baixa de ... o qual mereceu despacho favorável do Vereador Eng. OO e veio a ser aprovado pela Câmara, a 25 de Fevereiro de 2004, com base na informação nº 9 do DMAT, de 13/02/04.
«10.24. O projecto do edifício sito na Rua P… V… de C… foi deferido em 23.10.1974, sem elevador.
«10.25. Foram efectuados requerimentos à Câmara por moradores desse prédio, alertando para o facto de que tendo o edifício 5 pisos não dispunha, no entanto, de elevador como exigido por lei.
«10.26. O processo foi novamente deferido em 24.05.1990, já com uma caixa para 2 elevadores.
«10.27. Numa acção de fiscalização em 08.04.1994 foi detectado que os trabalhos relativos à caixa de elevadores estavam parados.»
Situação 11 (relativa a HH / sociedade “V…, Ld.ª”)
«11.1.Em 08/02/2002, a sociedade “V…, I… I… e Turísticos, Lda” (V…, Lda”), requereu à Câmara Municipal de ... a aprovação do pedido de autorização de obras de edificação (projecto de arquitectura) da obra de reconstrução e ampliação de uma moradia unifamiliar sita em ..., destinada a um dos seus sócios, HH, com quem o arguido AA vem mantendo relacionamento essencialmente decorrente de relações comerciais entre o clube a que preside e o banco “F…”, a que aquele está ligado por ser administrador da holding que gere as participações do grupo.
«11.2. Não obstante se verificar uma dissensão, desde o início do procedimento administrativo, entre o referido HH e os serviços técnicos camarários competentes relativamente à delimitação do lote onde a referida moradia estava implantada, o que condicionou o andamento do processo, a que foi atribuído o n.° 410/02, acabou por ser emitida a licença de construção, que tomou o n.° 252/04, com validade entre 03/05/2004 e 03/07/2005.
«11.3. A requerente indicou como data provável do início dos trabalhos o dia 19/07/2004.
«11.4. A “V…, Lda” é uma sociedade comercial por quotas que desenvolve o seu escopo social no domínio da indústria da construção civil, empreitadas de obras publicas e particulares, urbanizações e concepção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos imobiliários, a compra e venda de prédios rústicos e urbanos e a revenda dos adquiridos para esse fim.
«11.5. Com outras, designadamente com “C… – C… do C…, Lda”, onde o referido HH detém igualmente uma participação financeira, é interessada no loteamento conhecido por “V…M…”, nesta cidade, pendente de decisão da CM... desde o ano de 1996.
«11.6. Logo em 22/07/2004 a “... Administradora”, em representação de condomínios de que era administradora, localizados nas imediações do lote onde a aludida obra se desenvolve, comunicou à autarquia a abertura de um arruamento, a construção de um muro e o corte de árvores de espécies raras em prédio adjacente aos imóveis que administrava, referindo-se ao prédio onde a aludida sociedade levada a efeito os trabalhos de construção da moradia, solicitando intervenção.
«11.7. E em 31 de Agosto seguinte, os representantes dos lotes 1, 2, 3 e 4 da P… P… A… HH, igualmente se referindo às mesmas obras, cujas condições de execução, na avaliação feita, comprometiam a segurança do local, requereram informação sobre o licenciamento da obra, que não apresentava placa identificativa da mesma, ao mesmo tempo que davam conta da realização de movimentos de terras que se lhes afiguravam de duvidosa legitimidade, exposição que reafirmaram em 2 de Setembro seguinte.
«11.8. Nesta mesma data, compareceram na Direcção de Gestão Urbana e Renovação Urbana (DGURU) da CM... duas outras moradoras em prédios situados perto do local das obras em questão fornecendo semelhantes informações.
«11.9. Na sequência da primeira das exposições, a Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização (DLDF) fez deslocar ao local o engenheiro técnico TT, o qual, na sequência da observação feita, veio a elaborar a informação n.° 30/2004, de 02/09, constante de fls. 39-40 do Apenso I, aqui dada por inteiramente reproduzida, nos termos da qual era proposto o seguinte:
«“1. Dar conhecimento do andamento do processo à queixosa;
«2. Remeter o processo para a divisão de informação geográfica e de solos a fim de verificar os limites do lote e da estabilidade de um talude…;
«3. Ser instaurado processo de contra-ordenacão…;
«4. Dar conhecimento do atrás proposto ao técnico responsável pela direcção da obra;
«5. Solicitar à Junta de Freguesia de ... informação sobre a existência de serventias na zona dos movimentos de terra que agora possam estar destruídas.”
«11.10. Com data do dia 03/09/2004, o arguido AA proferiu despacho em tal informação no sentido de ser enviada à DMAT, não concretizando qualquer determinação imediata aos serviços que superintendia, antes tecendo sobre a mesma as seguintes considerações:
«“(…) não cabe ao signatário da presente informação tecer considerações/entendimentos como referido e sublinhado em 1.1.3, nem é da sua competência o referido em 2.1.2 (estabilidade de taludes ser verificada pela DIGS), que carece de outro tipo de intervenção técnica”.
«11.11. Na sequência da apresentação do expediente, o arguido chamou o referido engenheiro técnico ao seu gabinete para lhe afirmar que todos os assuntos relacionados com aquele processo deveriam ser-lhe colocados directamente a si, DMAT.
«11.12. De seguida, após deslocação ao local acompanhando o vereador competente, Eng. OO, em 11/09/2004, o arguido elaborou a informação n.º 41/2004, de 13/09, para àquele ser presente, referindo, além do mais, o seguinte:
«“1. Aparentemente, não se está a erguer qualquer muro em espaço cedido à Câmara Municipal de ..., ou seja, de domínio público (tendo em atenção as estacas colocadas para assinalar os limites de propriedade). Não se identifica que árvores terão sido cortadas (de espécimes raras ou outros) nesse mesmo espaço, sendo certo que o projectista e a empresa que está a executar as obras no lote correspondente ao processo em epígrafe tem, manifestamente, grande cuidado na conservação de espécies locais que fazem porte do flora primitiva mediterrânica (loureiros, medronheiros, oliveiras, sobreiros) e os está o integrar no própria envolvente da edificação. Não está a ser executado qualquer arruamento em espaço cedido á Câmara Municipal de ..., para além do acesso aprovado à propriedade correspondente ao processo em epígrafe. O proprietário realizou uma operação de desmatação (mas não arruamento) de forma a permitir uma melhor acessibilidade pedonal ás edificações localizadas a meio da encosta, a partir da zona de acesso ás garagens em cave que servem os prédios do Praceta J…de A…a. Esta operação de desmatacão, parte feita em terreno cedido ao município, foi mandada parar, já antes da 1ª visita ao local, sendo que o eventual acesso ás edificações atrás referidas tem que ser devidamente estudado e projectado pela autarquia.
«2. À data da reunião (02/09) o aviso não estava presente. Foi colocado posteriormente e já o estava aquando da visita. Dado que à data indicada para inicio dos trabalhos é 19/07, é proposta a aplicação da coima mínima (294,40€)
«3. A vedação de protecção está efectivamente fora dos limites da propriedade. Verificou-se a localização das estacas para o futuro muro de vedação, que estão aparentemente (a confirmar pelo Sector de Topografia da DIGS) correctos. Esta vedação de protecção é provisória e destina-se a garantir a segurança para a abertura das valas necessárias à vedação/muro final. Será retirada logo que possível, de modo a que o espaço entre o futuro muro/vedação e o limite do arruamento que dá acesso ás garagens seja devidamente utilizado e tratado.
«4. (…). Propõe-se que a Junta de Freguesia de ... e a Divisão de Informação Geográfica e Solos (com o apoio dos ante proprietários da urbanização da Praceta J... A... e da propriedade objecto de licença de construção n.° 252/04) procurem determinar se existia (ou não) alguma serventia.
«5. (…)
«6. Extremamente vago, não tendo sido possível detectar quais os terrenos adjacentes com eventuais fissuras. Em próxima visita ao local, espera-se que os moradores da Praceta J… de A… coloquem essa questão.
«7. (…)
«8.(…).
«(…). Tanto a fiscalização própria da DLDF já foi ao local, como a DMAT e o próprio Senhor Vereador, no sentido de tratar as questões de maneira mais adequada. A empresa construtora APl, entregou na Câmara Municipal de ... o manual de segurança relativo a esta empreitada.
«10. Parte já referida em 1. Deve auscultar-se a Junta de Freguesia de ... para saber se procedeu (e quando e em que termos) a algum tratamento de eventuais serventias de habitações existentes na Encosta.
«11. (…).
«12. (…).
«13. (…).
«14. (…)
«15. Os grandes movimentos de terras correspondem ao acesso à moradia e à implantação desta, e não na zona posterior á bateria de garagens citada. Pode propor-se, para diminuir qualquer margem de risco, a intervenção técnica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de ..., no sentido de avaliar a questão de estabilidade colocada.
«16. (…)
«17. (…) A deposição de terra em terrenos do requerente que possa ter sido confundida com abertura de caminho até à Circular ... foi mandada parar. Eventual ligação de emergência/alternativa entre a Praceta J… de A…/rua M... de C... e a Circular citada carece de análise e estudo aprofundado, a realizar oportunamente.
«18. (…)
«19. Desconhece-se que caminho ligava à ..., sendo certo que continua a ser possível aceder, a pé, da Praceta J... de A... às edificações da meia encosta e, destas, até ao vale e voltar a subir na direcção da ....
«20. (…).
«21. Os caminhos que podem ser executados são apenas os que foram aprovados com o projecto.
«22. Foi realizada uma reunião com 2 requerentes no dia 02/09, na DLDF, foram feitas acções de fiscalização e visitas ao local. (…)”.
«Para concluir:
«“a) A edificação prevista está legalmente licenciada;
«b) Se existe alguma questão com os limites das propriedades, esta envolve exclusivamente a Autarquia e o titular do processo 001/2002/410;
«c) Cabe apenas ao Município, e só a este, estudar e desenvolver as soluções viárias e/ou pedonais de acessibilidade às edificações de meia encosta ou de eventual ligação à Circular, pelo que quaisquer movimentos de terra, para além dos licenciados, não poderão ser executados;
«d) Havendo dúvidas sobre as questões de segurança, deve contactar-se a FCTUC para elaborar pareceres técnicos de apoio que permitam concretizar obras ou acções, para além das licenciadas, que possam ser previstas ou se revelem necessárias;
«e) (…);
«f) (…)”.
«11.13. Sobre tal informação, o vereador competente proferiu despacho no sentido de ser conferido ao processo em causa, textualmente, “a melhor atenção dos serviços, no sentido de garantir que as obras executadas correspondam efectivamente ao que foi aprovado e que decorram de acordo com as normas contidas no manual de segurança relativa à empreitada (…)”.
«11.14. No entanto, não obstante as funções que detinha e a assunção pessoal do acompanhamento do processo referente à obra, quer por iniciativa própria quer por determinação do vereador competente, a mesma decorreu sem qualquer acto de fiscalização durante o primeiro período de vigência da licença de construção, entre 19/07/2004 e 03/07/2005, exceptuada a aludida deslocação ao local, em 02/09/2004, do Eng. TT, determinada sem intervenção do arguido.
«11.15. Não obstante os continuados pedidos de intervenção da CM... por parte dos condomínios e moradores em prédios contíguos ao prédio onde eram levados a cabo os trabalhos por parte da “V…, Lda”, moradores esses que chegaram a intervir em sessão da CM... no próprio dia em que o arguido lavrava a referida informação de 13/09/2004.
«11.16. Com efeito, com data de 08/09/2004, o referido vereador determinou o envio ao arguido de um memorando entregue nos serviços da autarquia no qual se dava nota, entre outros factos, da realização de grandes movimentos de terras na zona posterior da bateria de garagens, que podia por em causa a estabilidade dessas construções, o abate indiscriminado de árvores e execução de caminhos em zona verde de protecção, a abertura de um caminho até à circular interna, sem acautelar a estabilidade dos terrenos, abertura de entrada em zona pertencente ao loteamento e na área cedida à CM..., com movimentação de terras desajustados e colocação de vedações e a supressão de um caminho público de ligação à ....
«11.17. Com data do dia seguinte, 09/09/2004, os representantes dos lotes 6, 7, 8, 9, 10 e 11 situados nas imediações da construção, apresentaram novo requerimento onde, uma vez mais, se dava nota da existência de grandes movimentos de terras, acompanhados do derrube de árvores, destruição do solo vivo e coberto vegetal, descarga de entulho, de que resultaria alteração da topografia, tudo realizado em zona verde de protecção, e de forma de poder colocar em perigo a estabilidade dos edifícios e infra-estruturas adjacentes, documento que veio a ser anexado ao procedimento respectivo.
«11.18. Estas exposições foram remetidas também à Provedoria do Ambiente e Qualidade de Vida Urbana que, por ofícios de 10/09/2004, solicitou ao vereador competente e ao DMAT, o arguido AA, informação relativa à mencionada movimentação de terras. O primeiro remeteu o pedido à DLDF, enquanto o arguido determinou a sua junção ao processo, nenhuma informação prestando então.
«11.19. Apenas mediante insistência do mesmo organismo de 08/10/2004, com data de 09/11/2004, enquanto o referido vereador despachava no sentido do seu envio à mesma divisão da DMAT, o arguido prestou àquela provedoria a seguinte informação:
«“(…) o processo em questão se refere ao licenciamento de uma moradia com área de construção de 1.073,78 m2, com 2 pisos acima da cota de soleira e 1 abaixo da mesma cota, destinado a habitação, edificada num terreno com 69.220,00 m2 (no mesmo local existia, á data, uma edificação com 2 pisos e 386 m de superfície coberta total).
«Esta moradia corresponde ao processo 410/02, cujo registo data de 08/02/2002, que foi objecto de informações técnicas por parte da Divisão de Estruturação e Renovação Urbana (DERU) (706, de 24/04/2002: 376. de 4/02/2003, com despacho de deferimento por parte do Ex. Sr. Vereador Eng. OO com data de 06/06/2003, em relação ao projecto de arquitectura). Após a apresentação dos projectos de especialidades e sua apreciação por parte das entidades licenciadoras e pela DERU, foi emitido o alvará de licença de construção n. ° 254/04, levantado pelo requerente em 19/07/2004.
«Esta obra tem sido acompanhada por parte da Fiscalização (DLDF), tendo-se verificado, a 03/09/2004 que não estava afixado o aviso com indicação da licença de construção (entre outros elementos obrigatórios), e que estavam o realizar-se alguns movimentos de terra não compagináveis na Licença de Construção n. 254/04, os quais foram mandados parar, o que foi imediatamente acatado pelo requerente.
«Desde então o processo tem sido seguido quase em permanência, tendo sido realizadas duas visitas ao local pelo Sr. Vereador Eng. OO e DMAT. A obra tem prosseguido respeitando integralmente a licença.
«Assim, verifica-se que as obras em curso respeitam integralmente o Regulamento do PDM, estando a moradia em causa inserida em Zona Residencial R. 3.7 (onde é possível a edificação até 7 pisos para além das caves”.
«11.20. Sucede que, por razoes técnicas, que se prendiam com o facto de o terreno firme se situar a uma cota inferior à prevista no projecto aprovado, foram realizadas alterações nas zonas do patamar de acesso à habitação, da cave do corpo habitacional situado a norte e na zona habitacional localizada a sul, tudo conforme projecto de alterações que apenas em Maio de 2005 viria a ser apresentado aos serviços competentes da autarquia, referidas na memória descritiva de fls. 50-51 do Apenso I, aqui dadas por inteiramente reproduzidas, alterações essas que determinaram um aumento da área de construção, o que, por se tratar de moradia uni-familiar, nos termos do Regulamento do PDM e do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação, carecia de justificação adequada e da apresentação de estudo de integração.
«11.21. Continuaram os representantes dos referidos condomínios apresentar pedidos de informação dirigidos à CM... relativamente à obra em questão, o que fizeram a 06/01/2005, 13/04/2005, 31/05/2005 e 06/12/2005, nenhuma iniciativa tendo o arguido tomado ou determinado a qualquer dos serviços a que superintendia.
«11.22. Por outro lado, sob proposta da Senhora Eng. M… A… A… contida na Informação n.° 1222, de 01/09/2005, constante de fls. 52-53 do Apenso 1, aqui igualmente dada por reproduzido, o vereador competente determinou, para além do mais, a notificação do requerente para sobre ela ser ouvido relativamente ao indeferimento do pedido de prorrogação do alvará de licença n.° 252/04, por haver dado entrada fora do prazo. No entanto, o arguido AA, assumindo a condução posterior de tal pedido de prorrogação, com data de 27/09/2005, proferiu despacho no sentido de o mesmo ser deferido, considerando o pedido em tempo, prorrogando a licença como pretendido, tendo sido essa a única questão relativamente à qual se pronunciou em tal despacho, não se pronunciando quanto às demais questões que constavam de tal informação, designadamente quanto à realização de uma acção de fiscalização à obra, acabando a referida informação nº 1222 que veio a ser reformulada em função do seu despacho, tomando o nº 1346, constante de fls. 55-56 do Apenso I, cujo teor se dá por reproduzido, por não subsistir, nenhum efeito produzindo quanto ao aí proposto relativamente à fiscalização da obra.
«11.23. Com efeito, essa informação n.º 1346, contemporânea ao despacho do arguido acabado de referir, de 27/09/2005, que, noutro segmento, propunha a notificação da requerente “V…, Lda” para apresentar as peças desenhadas nela referidas a fim de que o projecto de alterações pudesse ser analisado, notificação essa que fora entretanto efectuada concomitantemente com a notificação ao requerente para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento do pedido de prorrogação da licença de obras, foi cumprida apenas na parte em que, na sequência daquele despacho, deferia a prorrogação do prazo da licença.
«11.24. O arguido AA, por determinação do vereador do pelouro, no sentido de ao processo em apreço ser conferido um acompanhamento mais incisivo, assumiu a sua direcção, tendo o respectivo processo estado na DMAT desde 03/09/2004 até 23/03/2005, data em que transitou para o arquivo activo.
«11.25. A obra em causa acabaria por ser embargada por despacho do vereador competente de 01/02/2006, concretizado no respectivo auto, datado de 08/02/2006, na sequência de deslocação do engenheiro técnico TT em 27/01/2006, tudo, pois, após a cessação da comissão de serviço por parte do arguido AA como DMAT.
«11.26. Em tal acção de fiscalização, o referido técnico verificou terem sido executadas sem licença obras exteriores em área definida pelo Plano Director Municipal como zona verde (V2), com destruição ao coberto vegetal, tendo igualmente sido levados a cabo escavações, aterros e muros de suporte em contravenção ao disposto nos artigos 39° e 40° do Regulamento do PDM entre outras alterações ao projecto licenciado, umas já constantes do projecto de alterações apresentado em Maio do ano anterior mas ainda não deferido, outras não, e sem a apresentação de estudos geológicos e geotécnicos que suportassem a sua construção e garantissem a segurança das zonas envolventes quanto à estabilidade das construções e dos solos, tudo descrito na participação e informação n. 327/2006, a fls. 15 e 16 do Apenso II, respectivamente, aqui dadas por inteiramente reproduzidas.
«11.27. Relativamente ao projecto inicial, aprovado pela CML, o projecto de alterações apresentado em Maio de 2005 compreendia:
«a) Construção de um piso interior ao piso térreo aprovado (resultante da escavação do talude);
«b) Criação de piso destinado a estacionamento e ampliação da área aprovada a este nível para sul;
«c) Redimensionamento dos espaços anteriormente aprovados aos níveis do 3° e 4° pisos;
«d) Aumento da volumetria e cêrcea prevista para os blocos entre aproximadamente 1,5 m e 2,0 m;
«e) Criação de muros de pedra para suportar os patamares criados;
«f) Criação de um arruamento com 3,0 m de largura que atravessa toda a zona verde de protecção com acesso através da circular interna.
«11.28. Tal aditamento ao projecto mereceu dos serviços técnicos da CM... – DGURU – proposta de indeferimento, sancionada pelo vereador competente em despacho de 27/01/2006, de que veio a ser dado conhecimento ao interessado para sobre ela se pronunciar nos termos do procedimento administrativo aplicável.
«11.29. No dia 16 de Dezembro de 2006 viria a ocorrer um deslizamento de terras entre a Rua ... e a Avenida ... (Cl) iniciado numa zona de aterro correspondente a movimentos de terra para execução de caminhos de acesso à referida moradia.
«11.30. Agiu o arguido AA da forma supra descrita, para conferir protecção aos interesses do referido HH não promovendo, como lhe competia, a fiscalização efectiva da obra, com o propósito de obviar à suspensão dos trabalhos de construção da referida moradia e das obras na envolvente, permitindo ao dono da obra a sua execução sem prévia aprovação e satisfação das exigências legais e regulamentares referenciadas, assim inviabilizando a responsabilização contra-ordenacional atempada da titular do alvará de licença por execução de obras não licenciadas, benefício que esta não alcançaria de outra forma, incumprindo, assim, os seus deveres de zelo, isenção e de Imparcialidade da Administração.
«Da contestação apresentada pelo arguido, com interesse à decisão da causa, provou-se:
«11.31. O registo nº 41899 relativo ao pedido de prorrogação da licença de construção válida até 3 de Julho de 2005, a que alude o ponto 11.22., deu entrada na Câmara Municipal em 5.07.2005, sendo o dia 4.07.2005 uma segunda-feira e feriado municipal em ....
«11.32. O arguido detinha competência em matéria de licenças e suas prorrogações.
«11.33. Tendo tomado conhecimento da informação e do despacho que sobre a mesma havia recaído relativamente ao indeferimento do pedido de prorrogação do alvará de licença com o fundamento de ter sido apresentado fora de prazo, o HH falou com o arguido expondo-lhe a situação, pelo que o arguido proferiu o despacho aludido em 11.22.
«11.34. O Vereador OO na sequência da informação do arguido nº41/2004 de 13.09, a que alude o ponto 11.12., solicitou em 11.10.2004 a um professor da Universidade de ..., Professor L… J… L… L… um estudo técnico/parecer quanto à avaliação e diminuição de riscos geotécnicos na zona em referência.
«11.35. O arguido e o Vereador OO deslocaram-se à obra, pelo menos por duas vezes, até Novembro de 2004, tendo ainda o arguido visitado a obra em 2005, em datas não apuradas.
«11.37[4]. Antes e depois do período referido no ponto 11.24. o processo transitou entre as diversas divisões da Câmara Municipal, designadamente a DLDF e a DERU em diversos períodos.»
«III
«- Nas situações que acima vêm descritas nos pontos 1., 3. a 7., 10. e 11., o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta.
«- Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido viu facilitada a sua actividade ilícita pela amplitude dos poderes que lhe eram conferidos como Director Municipal e pelo sucesso que foi tendo na realização de tais actos, sem que a sua actuação fosse colocada em causa, norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período.»
«IV
«1. Enquanto exerceu o cargo de DMAT o arguido procurou desenhar e implementar algumas regras de eficácia e produtividade na análise de processos e procedimentos, abrangendo os serviços camarários dele dependentes.
«2. O arguido é bem considerado pelas pessoas que com ele privam, tido como profissional e técnico altamente competente e dedicado ao exercício profissional. É, ainda, considerado uma pessoa de personalidade vincada, afável, determinada e exigente.
«3. Enquanto Presidente da Direcção da AA...-OAF é tido, por quem com ele priva, como muito dedicado aos interesses daquela associação desportiva, no sucesso da qual se empenha de forma rigorosa, exigente e eficaz.
«4. O arguido, neste momento, mantém-se como Presidente da Direcção da AA...-OAF e não exerce qualquer actividade profissional remunerada, vivendo, juntamente com a família, mulher e duas filhas estudantes, dos rendimentos prediais que recebe mensalmente, na ordem dos 10.000,00€.
«5. O arguido não tem antecedentes criminais.
«V
«1. Na sequência de busca efectuada à residência do arguido em 7.02.2006, foram apreendidas ao arguido AA diversas quantias monetárias, no valor total 103.600,00 € (cento e três mil e seiscentos Euros), que o mesmo tinha acondicionadas no interior do veículo de matrícula xx-xx-xx., que se encontrava estacionado na garagem da sua residência, sita à Q… de S. M…, n.° xx, nesta cidade, da forma como se passa a descrever:
«- Num envelope com as inscrições “25.000” e “50x500”, a quantia total de 25.000,00€ (vinte e cinco mil Euros) em 50 notas do Banco Central Europeu de 500€;
«- Num envelope com as inscrições “10.000” e “30x500”, a quantia total de 15.000,00€ (quinze mil Euros) em 30 notas do Banco Central Europeu de 500€;
«- Num envelope com as inscrições “50 40 > 200 18.000”, “20 x 100 = 2.000” “20.000€, a quantia total de 20.000,00€ (vinte mil Euros) em 90 notas do Banco Central Europeu de 200€ e 20 notas de 100€ do mesmo banco;
«- Num envelope com a inscrição “20.000” e outras referências riscadas, a quantia total de 20.000,00€ (vinte mil Euros) em 200 notas do Banco Central Europeu de 100€;
«- Num envelope sem referências, a quantia total de 10.100,00€ (dez mil e cem Euros) em 101 notas do Banco Central Europeu de 100€;
«- Num envelope timbrado com o logótipo do clube (AA...-OAF) com as inscrições “35x100” e “Dr. A…”, a quantia total de 3.500,00€ (três mil e quinhentos Euros) em 35 notas do Banco Central Europeu de 100€;
«- Num envelope timbrado com o logótipo da empresa “NN & NN, Construções, Lda” com as inscrições “5.000” e “100x50”, a quantia total de 5.000,00€ (cinco mil euros) em 100 notas do Banco Central Europeu de 50,00€ e,
«- Num envelope com as inscrições “5.000€” e “(100x50)”, a quantia total de “5.000,00€” (cinco mil Euros) em 100 notas do Banco Central Europeu de 50,00€.
«2- Na sequência da prestação de garantia bancária pelo arguido, junta a fls. 45 do apenso H, relativamente à quantia apreendida de 90.000,00€, foi determinado o levantamento da apreensão relativamente a esse valor.»
***
1.5. A relação foi chamada a conhecer de facto, no quadro dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, e, em termos amplos, por erro de julgamento.
Neste ponto, o acórdão da relação, após a produção de subsídios teoréticos, a propósito, no que respeita concretamente ao recurso do arguido, mostra-se fundamentado como segue:
«3.3.3. Recurso interposto pelo arguido
«Como já foi referido, se o tribunal recorrido não tiver apreciado a prova, na forma motivada prevista no art. 374º n.º2 do CPP, a sentença è nula, nos termos do art. 379º.
«Daí que, como foi equacionado nas considerações preliminares sobre a natureza do recurso e ónus de especificação, compete ao recorrente que impugne a sentença – devidamente fundamentada – rebater os seus fundamentos, demonstrando o erro in judicando.
«Competindo ao recorrente especificar não só os factos concretos impugnados, como ainda os meios de prova e conteúdos probatórios susceptíveis de imporem decisão diversa da recorrida, nos precisos termos do art. 412º, n.º3 e 4 do CPP.
«Sendo certo que, sob pena de total subversão do instituto do recurso, eventual despacho de aperfeiçoamento apenas pode abranger as conclusões, que não a motivação que lhe serve de suporte.
«Na impugnação da decisão recorrida, o recorrente invoca indistintamente questões de facto (vícios do art. 410º, n.º2 e questões relativas aos meios de prova e sua reapreciação) e questões de direito, imbricando-as.
«Seguindo a ordem de precedência lógica indicada nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do art. 424º, n.º2 do mesmo diploma procede-se à apreciação separada das questões de facto e de direito.
«*
«As considerações tecidas nas conclusões 1 a 6 são relativas à prova pericial.
«Tendo sido apreciadas em sede de apreciação do recurso interlocutório nos termos que aqui se dão por reproduzidos.
«*
«As conclusões 7 a 12 referem-se à violação do direito de defesa
«Alega o recorrente a utilização de uma inconstitucional “presunção de culpa”.
«O fundamento alegado pelo recorrente para a presunção de culpa invocada é um “lamentável erro de direito” (cfr. conclusão 7) que radicaria na valoração, contra o arguido, do direito ao silêncio e à não auto-incriminação.
«Como o próprio reconhece, o arguido quis prestar – e prestou, efectivamente - declarações em audiência, de forma voluntária, no momento que entendeu por oportuno, sem que o tribunal tenha levantado qualquer obstáculo.
«Assim, se quis prestar declarações, como prestou efectivamente – estando fora de questão qualquer forma de coacção - nada impede que o tribunal proceda à sua apreciação valoração desde que o faça em conformidade com os critérios legais, de forma crítica e objectiva, no confronto com os restantes meios de prova.
«Ora, o tribunal não retirou qualquer efeito probatório relevante, do “timing” das declarações – nem o recorrente o alega, em verdade, apenas o insinuando através da alegada violação do direito ao silêncio (não exercido).
«O tribunal limitou-se a constatar o “timing”, efectivo, no contexto da apreciação crítica da negação dos factos típicos, pelo arguido, no confronto com o teor dos restantes meios de prova sobre que o recorrente se pronunciou após a respectiva produção.
«Não existindo, pois, qualquer aplicação de presunção de culpa.
«O mesmo se diga no que toca à afirmação relativa à “confusão” de actividades imputada à decisão recorrida. Pois que o tribunal não retira qualquer presunção (nem o recorrente a identifica), em abstracto, da mera circunstância de o arguido exercer, simultaneamente, funções na Câmara e no O... A... do F... da AA...
«Pelo contrário os factos – concretos - são estabelecidos, como resulta da respectiva motivação probatória supra reproduzida, com base na apreciação de meios de prova objectivos, a partir do pressuposto nuclear da prova documental, nos termos a que se fará melhor referência em sede própria.
«No que concerne à afirmação de que o tribunal se demitiu de criar condições para afastar o ambiente de “temor” das testemunhas (conclusão 8), cumpre salientar que o recorrente não especifica em que é que o alegado temor pudesse relevar em termos probatórios, designadamente em termos de prejudicar a sua posição. E o alegado temor (que o tribunal recorrido refere entre aspas) nunca seria inibitório no sentido de “prejudicar” a posição do arguido. Pelo contrário a referida inibição, no contexto em que é referido apenas favoreceu o arguido, pois que se no sentido de que não terão sido relatados factos da acusação com a assertividade que poderia em função da razão de ciência das testemunhas (por ex. o depoimento em audiência da testemunha cuja leitura do depoimento prestado na fase de inquérito constituía objecto do recurso interlocutório do MºPº). Favorecendo assim a falada inibição a posição negatória do arguido, na motivação da decisão recorrida que não é rebatida materialmente.
«Assim também nesta perspectiva não houve qualquer violação do direito de defesa do arguido que pode contraditar os depoimentos em toda a amplitude.
«*
«Na conclusão 13 inicia o recorrente a crítica à decisão recorrida com base nos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art. 412º[5] do CPP. Indicando na conclusão 13 os pontos tidos por incorrectamente julgados e desenvolvendo nas conclusões seguintes os fundamentos materiais para tal.
«O critério dos vícios foi equacionado supra em motivação que aqui se renova, dando-a por reproduzida. Constituindo vícios lógicos da decisão em si, que hão-de emergir do texto da própria decisão e/ou do mero confronto dos termos da decisão com as regras da experiência comum. Distinguindo-se da impugnação da decisão de facto com base na reapreciação da prova gravada, nos termos supra equacionados.
«Ora o recorrente arrola os aludidos vícios sem curar de especificar em que possa consistir cada um deles - insuficiência de investigação de matéria de facto (qual?) notoriedade do erro de apreciação de concretos conteúdos probatórios sobre concretos pontos da matéria de facto; de onde emerge ou em que possa radicar uma contradição insanável de concretos pontos da matéria de facto e/ou desta com a fundamentação que lhe serve de suporte, numa perspectiva dirigida à economia, supra traçada, dos aludidos vícios – de natureza lógica, a emergir da sentença por si ou no mero confronto com as regras da experiência.
«Com efeito, depois de reproduzir os pontos da matéria de facto que “considera incorrectamente julgados” – com base nos aludidos vícios – o recorrente invoca, como fundamento desses mesmos vícios (da matéria de facto) o “pré-juízo” e uma “confusão” em que, alega, repousa a decisão recorrida.
«Por sua vez os aludidos “pré-juízo” e “confusão” radicam, nuclearmente, nos fundamentos (de direito) previamente invocados nas conclusões 9 a 12. Ou seja, na asserção de que “a entrega de donativos à AA...-OAF não é em si algo de indevido, apenas passando a sê-lo, da perspectiva de quem os concede, quando determinada apenas pela obtenção de benefícios pessoais”.
«Os argumentos invocados não são, pois, de natureza probatória ou factual, mas antes de enquadramento jurídico (tendente a demonstrar a não verificação dos pressupostos do tipo subjectivo do crime), como tal estranha á economia fáctica supra traçada, dos vícios do art. 410º, n.º2 - o brilho do exercício de retórica não supre a insipiência de caracterização dos aludidos vícios, de natureza aparente, ostensiva, além de reportados a pontos concretos da decisão da matéria de facto.
«As conclusões 14-15-16 radicam apenas no “pré-juízo” e na “confusão” relativa à acumulação de cargos a que já se fez referência, tendente a demonstrar, com base naquilo que o tribunal recorrido ponderou expressamente (fls. 276-277) que “o recorrente não procurou auferir vantagem ou benefício para si próprio mas sim para a AA...”. O que o tribunal deu como assente, não podendo, por isso, ser censurado por não o ter feito. Apenas importando daí retirar, em sede própria, as consequências de direito, quanto ao preenchimento dos pressupostos do tipo objectivo e subjectivo do crime.
«Na mesma senda as conclusões 16 a 20 criticam a decisão recorrida pela “confusão” entre um contrato gratuito e um contrato unilateral e por não apontar ao recorrente a prática de qualquer acto ilícito nulo ou substancialmente inválido ou não apontar “as realidades vividas tradutoras de tal malfeitoria”. Critério, jurídico, estranho à economia dos apontados vícios.
«Na conclusão 21 alega-se que o tribunal não fez qualquer referência à consciência da ilicitude.
«Tal afirmação evidencia que o recorrente critica a decisão fáctica recorrida alheado da mesma. Na verdade, em matéria fáctica, tal é claramente contrariado pela matéria descrita sob o ponto III da descrição da matéria provada: “III- Nas situações que acima vêm descritas nos pontos 1., 3. a 7., 10. e 11., o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta. - Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido viu facilitada a sua actividade ilícita pela amplitude dos poderes que lhe eram conferidos como Director Municipal e pelo sucesso que foi tendo na realização de tais actos, sem que a sua actuação fosse colocada em causa, norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período”.
«A asserção com que inicia a conclusão 22 (“Destarte”) demonstra que a mesma repousa nas premissas enunciadas nas anteriores.
«Ora a referência ao depoimento da testemunha OO não adianta nada de relevante. Quer porque nem se alega que a testemunha tenha dito, seja o que for, diferente daquilo que a decisão recorrida lhe atribui. Quer porque – et pour cause – não se especifica qualquer passagem que contrarie o conteúdo probatório que o tribunal recorrido retira do depoimento da aludida testemunha. Assentando, pelo contrário, na perspectiva abstracta/conclusiva de que a decisão outorga ao recorrente poderes funcionais que não lhe cabiam.
«A conclusão 23 constitui mera consequência das anteriores, nada adiantando em termos de motivação.
«Alega o recorrente (conclusão 24) que o ponto 2.25 deve passar a ter apenas a seguinte redacção: “o arguido AA (…) com o necessário reforço das fundações de alguns lotes e edificação de outros já com estrutura adequada a suportar os pisos, o que havia sido iniciado em meados do ano de 2004” porquanto a redacção dada no acórdão recorrido “viola as mais elementares regras do pensamento lógico como se pode assacar do depoimento da testemunha OO”.
«Para além de não se ver como poderia a testemunha testemunhar sobre regras do pensamento lógico, não se dá o recorrente ao trabalho de as demonstrar, probatoriamente, remetendo genericamente para o depoimento.
«Dando como demonstrado (a invocada lógica dispensa provas provadas), por efeito do seu alto critério, aquilo que competia demonstrar – não especificando nem o vício lógico assacado nem qualquer passagem do depoimento que contrarie qualquer ponto concreto da decisão.
«O mesmo se diga das conclusões 25 e 26 onde, amontoando referências a depoimentos, na sua indiscriminada globalidade (desnecessariamente na economia dos vícios do art. 410º invocados) não é feito o mínimo esforço de especificação de passagens dos mesmos, não só que contrariem a sua valoração subjacente à decisão, como, por maioria de razão, capazes de impor decisão diversa.
«O que acaba de ser referido aplica-se à consequência (“Destarte”) extraída em 27 e 28 das conclusões anteriores. Bem como á conclusão 29 (“Em consequência”). Pois que qualquer conclusão pressupõe a demonstração das premissas em que é ancorada. Decorrendo inexoravelmente da falta das premissas a improcedência das conclusões que lhe servem de suporte.
«*
«Conclusões 30 a 40, relativas ao “caso LL”.
«Merece aplauso incondicional a invocada necessidade de especialização dos tribunais. No entanto, constituindo matéria de reserva da Assembleia da República, surge como estranha ao âmbito do recurso.
«A falada inexistência de qualquer ilegalidade e falta de consideração de “dados legais” reportada na conclusão 31 constitui matéria de direito. E a justificação apresentada para a afirmação seguinte (“como tal”) evidencia o vazio, em termos probatórios, da premissa em que repousa.
«Daí que – face à apontada petição de princípio das conclusões anteriores - logo de seguida o recorrente sinta necessidade de fazer apelo a “elementos probatórios do apenso XXV e diversos depoimentos”. Fazendo-o porém dentro do quadro conclusivo previamente traçado.
«Assim o recorrente dá como demonstrado aquilo que lhe competia demonstrar em termos probatórios. Não especificando pontos da decisão ou da motivação que integrem os pressupostos dos vícios do art. 410º, 2 nem meios probatórios produzidos em audiência (porque nem invoca nem existem concretas afirmações ou fundamentos probatórios que contrariem a motivação da decisão recorrida) capazes de imporem a decisão que pretende.
«Tão pouco especificando o conteúdo dos falados elementos probatórios do apenso nem dos depoimentos, muito menos curando de justificar, em termos de produção e valoração da prova, que sejam capazes de impor decisão diversa da recorrida, ou por conterem afirmação diversas das atribuídas ela decisão, ou por valorados em desconformidade com critérios legais.
«O mesmo se diga em relação à conclusão 32 que tem como único fundamento a já apreciada “récita acabada de referir”.
«No que toca à asserção relativa à “inadmissível afirmação constante do segundo § de fls. 108” (cfr. conclusão 33), além de truncar o sentido da decisão, não configura, manifestamente, qualquer dos vícios do art. 412º[6], n.º2 do CPP.
«Por outro lado, visto o aludido parágrafo da decisão, verifica-se que o mesmo se limita a constatar que as declarações do arguido são infirmadas, além do mais, pela prova documental referenciada no § imediatamente anterior: “documentos de fls. 33-35 do apenso 21-C e fotocópia do cheques confirmados pela testemunha (…) e documentos de fls. 3952 e 3953)”.
«Acresce que se trata de afirmação conclusiva relativa à verificação, in casu, dos elementos do delito de corrupção. Pois que tende a demonstrar a alegação de que “não é possível sacar elementos nos quais se estribe uma condenação pelo delito de corrupção”.
«A afirmação contida na conclusão 34 de que “não é expectável assacar ao LL, de acordo com os conhecimentos do comum das pessoas, numa perspectiva de normalidade e razoabilidade (…) que não é nem nunca fora anteriormente construtor civil, qualquer pretensão perante a Câmara Municipal”, além de não justificada, minimamente, em termos probatórios, é ostensivamente contrariada pelas circunstâncias descritas em 3.3., a saber:
«– notificações pessoais efectuadas pela Câmara ao dito LL, relativas aos dois Lotes de terreno que o mesmo dito LL fez doação a suas duas filhas, com implantações construtivas em apreciação na câmara em curso.
«Na conclusão 38, com incidência em matéria de facto, é invocada a violação do princípio in dubio pro reo.
«O invocado princípio significa, como equacionado supra que em caso de dúvida probatória/fáctica razoável, devidamente fundamentada na análise exaustiva dos supostos conteúdos probatórios, o tribunal deva aceitar a versão que favorece o arguido.
«No caso, o fundamento invocado pelo recorrente é o da “dificuldade de compreensão do tribunal”
«Ora, a “dificuldade de compreensão” invocada como fundamento da violação do princípio é retirada do contexto em que se insere no acórdão recorrido. Sendo certo que dessa “dificuldade” não é retirada qualquer consequência em termos probatórios relativamente a qualquer ponto de facto concreto. Muito menos tendo a decisão acolhido, de entre perspectivas probatórias ambivalentes, aquela que pudesse prejudicar o arguido.
«Não resulta assim qualquer situação de dúvida probatória razoável que o tribunal tivesse decidido contra o arguido em violação do invocado princípio.
«Também nas conclusões 39 e 40 o recorrente não identifica qualquer passagem concreta dos dois depoimentos invocados que dê suporte probatório à não verificação ou à negação frontal dos factos descritos sob ponto 3.9. que se pretende ver dados como não provados. Não resultando tão-pouco da gravação dos depoimentos efectuada, minimamente, qualquer passagem que contrária ao conteúdo que deles extrai a decisão recorrida, muito menos susceptível de impor a decisão proposta pelo recorrente.
«O aditamento do facto oposto (a testemunha nunca deu ou prometeu vantagem… o arguido não praticou qualquer ilícito – negação do facto que se pretende não provado), além da não especificação de conteúdo probatório que o afirme, é de natureza conclusiva. E trata-se de facto(?)/afirmação negativa, cuja prova constituiria a chamada probatio diabólica, de cariz impossível, uma vez que se é difícil a prova do facto positivo, concreto, situado no tempo, histórico (que, por força do princípio in dubio, em caso de dúvida razoável tem que ser dado como não provado, sem mais, sem necessidade de prova do contrário) é impossível a prova de que “jamais, em tempo algum, alguém não fez”.
«Por último, as asserções do recorrente são infirmadas, objectivamente, pela emissão e desconto dos cheques sem outra causa aparente, muito menos lógica ou razoável, que não fosse a apontada na decisão recorrida.
«*
«Conclusões 41 a 50 – “Caso NN”
«Ao longo das aludidas conclusões o recorrente referencia excertos da motivação do acórdão recorrido, dos quais vai concluindo que o tribunal recorrido: “- se desinteressou da motivação do Sr. NN; - fez “confusão” entre duas áreas “aborrecidas entre si”, a “desportivo-financeira” e “a dos homens sérios”; - fez “confusão daquilo que deveria ser o circunstancialismo típico”; - confundiu a “nuda cogitatio” com acto ilícito; - confundiu a acumulação entre uma “profissão” da esfera pública e uma ocupação privada “à boa maneira autoritária e ideologicamente retrógrada”.
«Concluindo (48) que «esta fati species criminosa só pode afirmar-se quando o agente pede ou aceita uma vantagem que lhe não seja devida, o que circunscreve a relevância típica dos “pedidos” ou “aceitações” para as quais não existe uma vantagem razoável»
«Tudo para chegar ao remate final (49-50) de que “Resulta assim das considerações tecidas sobre este caso que a fatualidade encerrada no ponto 4.3. resulta de uma mera inferência ou presunção fáctica a que o tribunal acriticamente aderiu por força de tal prejuízo”.
«Assim, embora expendendo, douta e proficuamente, sobre os elementos típicos do crime, conclui – sem qualquer esforço de demonstração de especificação fáctica ou probatória, como exige o art. 412º, n.ºs 3 e 4 – em termos probatórios, salvo a invocada “mera inferência” que aponta para a (re)apreciação da prova.
«Ora, em termos materiais, resulta da síntese da motivação arrolada como suporte da invocada “mera inferência” que o recorrente faz tábua rasa da motivação exaustiva da decisão recorrida.
«A qual (decisão recorrida), neste ponto, repousa na apreciação conjugada e complementar de um vasto manancial probatório apreciado criticamente ao longo de 7 páginas (125 a 131, ambas inclusive).
«Com efeito, ali se refere, além do mais (reprodução): ««« declarações prestadas por NN, na parte em que tais declarações se mostraram consonantes e credíveis face aos demais elementos de prova produzidos, designadamente, quanto à entrega efectuada, na Câmara Municipal de ..., directa e pessoalmente ao arguido AA, que sabia ser D... M..., de dois cheques, cada um no montante de 5.000,00€, de duas empresas de que era proprietário (as indicadas na pronúncia), como donativos para a A..., atentas as dificuldades financeiras que aquela atravessava, pese embora refira que o seu clube de preferência é o Benfica, não ter qualquer ligação à A... e não ser natural de ..., cidade onde, todavia, constrói há vários anos. (…) Inquirido sobre a existência de um envelope da “NN & NN”, apreendido na busca efectuada à residência, garagem e interior da viatura do arguido AA, contendo no seu interior a quantia de 5.000,00€ (cfr. fls. 940/941 e 694) (…) o arguido AA admitiu terem-lhe sido entregues na Câmara Municipal, os cheques, donativos em questão, pelo NN, referindo, também, ter estado numa reunião com aquele empreiteiro, juntamente com outros promotores, onde foram apreciadas questões relativamente a um loteamento na Pedrulha, processo relativamente ao qual, afirma, não ter tido qualquer intervenção, tendo apenas expressado a sua opinião, sobre algumas questões de acessibilidades e cedências que se suscitavam e que pese embora houvesse expediente que lhe foi remetido – vide fls.5513 a 5517 – este era da competência do Engenheiro OO, intervindo quando tal lhe era solicitado. A testemunha P… M… M… da C.., arquitecto a exercer funções na Câmara Municipal de ..., referiu-nos sobre a intervenção do arguido neste processo, relativamente a uma questão técnica/gráfica do projecto para ser sujeita a deliberação, explicando a situação do processo de loteamento. Também a testemunha L… A… M… R…, arquitecto responsável pelo acompanhamento do loteamento da Pedrulha, esclareceu as dificuldades que o mesmo apresentava, referindo-nos sobre várias reuniões na Câmara, algumas das quais com o DMAT e ora arguido AA, no gabinete deste, o que sucedeu, pelo menos, por duas vezes, tendo sido acompanhado pelo NN. Explicou a intervenção de diversos técnicos da câmara neste processo e as questões que estavam pendentes relativamente ao loteamento em apreço e bem assim a intervenção do arguido AA nas reuniões finais, em 2004, nas quais este comunicou estarem supridas as questões levantadas. Nas palavras da testemunha, o arguido AA era o “técnico máximo da câmara que analisava os projectos”. A testemunha L… M…C… e A… M… G…, engenheiro civil e chefe de divisão de gestão urbanística, referiram sobre o loteamento da Pedrulha e sobre uma das reuniões relativas a esse loteamento, em que estiveram presentes o Eng. OO, juntamente com o DMAT, e os promotores daquele empreendimento, entre os quais o arguido NN, para discussão de questões técnicas relativas ao mesmo. Por seu turno, a testemunha L… F… da C… N…, engenheiro civil, que presta serviços ao arguido NN, referiu o modo próximo como este faz o acompanhamento das obras, participando nas reuniões a estas atinentes, mormente na Câmara Municipal.
«Foram ainda valorados os documentos de fls. 4530 a 4531 (recibos das quantias entregues), e bem assim o teor de fls. 4532 a 4537, referentes a várias licenças de construção concedidas ao arguido NN, relativamente a edificações que as suas empresas tinham em curso nesta cidade entre 2000 e 2004. Também do teor de fls. 26 a 180 do separador 2, do apenso 25, se extrai a existência de diversos processos relativos a loteamentos e construção de empresas do arguido NN, na cidade de ..., pendentes na Câmara Municipal de ..., quer no período que antecedeu a presença do arguido AA, como DMAT, quer no período em que este exerceu essas funções e em alguns dos quais teve intervenção nessa qualidade, conforme se extrai mormente do teor de fls. 108 a 111, 122/123, 127,133, desse apenso 25, e viria naturalmente a ter no futuro, por força das suas funções, no processamento dos mesmos. Do teor dos documentos de fls. 4538 a 4545, referentes a reuniões ocorridas na Câmara Municipal, relativamente ao loteamento na P..., designadamente, a 18 de Maio de 2004 – vide acta de fls. 4539, ponto 5., extrai-se ter sido realizada reunião de trabalho com os promotores. Conforme se extrai dessa documentação e mesmo dos depoimentos das testemunhas/técnicos acima referidos (vide depoimento de L… M… R…), a aprovação do pedido de licenciamento da operação de loteamento em questão só se dá em 2005, após período de discussão pública sobre a proposta de deferimento. Da conjugação da prova produzida, parece-nos clara a percepção de que o relacionamento /conhecimento entre os arguidos não era tão distante ou superficial como aquele que pretenderam fazer transparecer ao tribunal e que se intui, quer da circunstância, de no ano de 2005 o arguido NN ter a atitude de enviar um cartão e uma lembrança de boas festas ao arguido AA, quer das próprias anotações encontradas em documentos existentes na residência do arguido AA – vide apenso G fls. 14 – nos quais consta, juntamente com a indicação de outros empresários, a menção do nome manuscrito de NN, com o nº de telemóvel), quer das próprias idas à Câmara que nos vêm referidas pelo NN. É neste contexto de pendência de processos camarários que surge o donativo efectuado à A..., entregue directamente ao arguido AA, na Câmara Municipal. A tal propósito, surgem desfasadas as explicações dadas pelo NN para tal entrega, pois pese embora refira ter sido a testemunha F… M… S… A… –o qual colabora no departamento médico da OAF e fez parte da Assembleia Geral- que lhe fez tal solicitação, e esta testemunha, num depoimento “apaixonado” e pouco objectivo, claramente evidenciador da sua envolvência e íntima ligação àquele clube de futebol, o tenha confirmado, ficam-nos, todavia, dúvidas, se os donativos em apreço foram decorrentes dessa solicitação ou de outra.Facto não despiciendo é, por um lado, a circunstância de o NN referir que já há muito lhe eram solicitados donativos por aquele médico, e só naquele momento e circunstâncias descritas, o ter efectuado, e por outro lado, tê-lo feito directamente ao arguido AA na CM..., sem que lograsse apresentar qualquer razão coerente para o efeito. Mostra-se assim evidenciado, o interesse e vontade daquele promotor em entregar directamente o donativo em questão ao arguido AA. Não despiciendo é também o facto de o NN não ter afinidades particulares a ... ou à A..., para além das resultantes dos interesse imobiliários que tinha em curso nesta cidade, como sejam o loteamento da M…; na Rua C… L… G…, em ...; o projecto da P…; a Urbanização do C... da E..., C…. A conjugação de todos esses factores com o interesse manifesto que aquele detinha nos processos pendentes no município, fazem-nos claramente percepcionar em termos da lógica das coisas o escopo visado com tal entrega (de valor relevante) directamente ao arguido AA, naquele momento e concretas circunstâncias. Será importante questionar qual a razão, pela qual, só naquele momento, em que surge o contacto com o arguido AA por causa das questões atinentes ao loteamento, o NN decide fazer contribuições para a A... e que já lhe eram solicitadas, há largos meses. Como caberá perguntar, qual a razão lógica e coerente que levou aquele a entregar tais donativos na Câmara Municipal, directamente ao arguido AA, quando “alegadamente” estes lhe teriam sido solicitados por outras pessoas? E qual a razão, pela qual, não tendo possibilidade de os entregar directamente àquelas, não tivesse ido efectuar a sua entrega no local adequado, ou seja, à secretaria da A... A...? Nenhuma razão lógica ou coerente nos foi dada para estas questões, a não ser aquilo que coerentemente com os demais factos apurados nos leva a concluir que o fim visado naquela entrega foi a de dar a conhecer ao arguido AA, atenta a qualidade funcional que este detinha, de donativos consideráveis para o clube a cuja direcção presidia. Assim, pese embora o NN negue qualquer relação da entrega dos cheques ao arguido AA com o facto de ter em curso processos naquele município, não logrou apresentar qualquer justificação credível e consistente para a entrega daqueles valores, no momento e circunstâncias em que o fez, e que, em termos de normalidade e razoabilidade, face ao contexto que nos é apresentado, pudesse justificar razoavelmente a sua atribuição, que não a criação de um estado de simpatia e permeabilidade relativamente à actuação do arguido nos processos camarários que estavam pendentes de decisões dos órgãos camarários, e em relação aos quais o arguido, face às suas funções camarárias, tinha ou viria a ter necessariamente intervenção, facto que o arguido AA sabia e claramente tinha de percepcionar, já que era do seu conhecimento a pendência dos processos camarários em curso do interesse directo do NN, relativamente aos quais teria, no presente ou futuro, que praticar actos no exercício das suas funções, naquele organismo público, o que tudo conjugado nos permite também concluir pela consciência e voluntariedade da conduta do arguido AA relativamente aos factos em apreço, com a clara noção da sua ilicitude, atenta a forma e motivação daquela entrega e sua aceitação por parte deste, nas circunstâncias que ficaram descrita»»» (fim de reprodução).
«Fundamentos probatórios - prova documental apenas complementada/esclarecida pelos depoimentos prestados em audiência - não rebatidos.
«Assim, para além da inexistente especificação de fundamentos probatórios que infirmem a decisão recorrida, relativamente a concretos pontos de matéria de facto, a motivação probatória acabada de reproduzir afasta, manifestamente, alegação do recorrente de que se trata de mera prova por inferência, repousando, antes, numa análise crítica e objectiva da prova documental apenas complementada pela prova por declarações sujos conteúdos não são postos em causa.
«*
«Matéria de facto relativa ao “Caso GG”
«Também aqui a decisão recorrida se mostra devidamente fundamentada, como emana da reprodução já efectuada. Pelo que competia ao recorrente rebater os fundamentos.
«A conclusão n.º 53 em que se pede o aditamento de matéria não provada (“não se provou que o arguido tenha praticado qualquer acto ilícito contrário aos deveres do cargo”), tem como suporte (“face ao exposto”) as conclusões precedentes – 51 e 52.
«Ora tais conclusões, seguindo o padrão das anteriores, são relativas “à velha motivação do doador” e ao “cerrado mutismo acerca do acto ilícito que teria determinado a peita”. Não contendo, pois, qualquer identificação ou especificação de suporte probatório capaz de impor decisão diversa da recorrida. Muito menos a abrangente/conclusiva matéria negativa – probatio diabólica – proposta pelo recorrente.
«Trata-se de considerações de natureza legal/conclusiva quanto à motivação do agente que não constitui elemento do tipo – idênticas aquelas já apreciadas no “caso NN” que por isso nova reprodução.
«*
«Conclusões 54 a 62 – relativas à matéria de facto do “Caso DD”
«Também aqui, perante a motivação exaustiva da decisão recorrida, competia ao recorrente especificar os fundamentos probatórios da impugnação, nos termos já aludidos.
«Competindo-lhe especificar factos concretos ou conjunto de factos dotados de sentido bem como os conteúdos probatórios não valorados, adulterados no conteúdo ou valorados em desconformidade dos critérios legais. Propondo conteúdos alternativos adequados, numa perspectiva minimamente estruturada e persuasiva, nos termos supra referidos, a obrigar uma decisão diferente ou à decisão proposta/pretendida pelo recorrente.
«Ora, invoca o recorrente como fundamentos materiais: - o “erro de perspectiva” relativo à motivação do agente; - o “ostracismo a que votou toda a questão de índole administrativa … acerca da natureza condicionada ou não do despacho exarado pelo arguido”; - “os actos administrativos podem ser sujeitos a condição, termo e modo”.
«Tudo considerações manifestamente conclusivas e de direito, sem especificação fáctica/incidência probatória.
«A motivação do recurso segue o padrão conclusivo/de direito dos casos anteriores. Para daí retirar conclusões probatórias. Dando como modificada matéria de facto sem preocupações de especificação probatória mas antes pela via, subsequente, do não preenchimento, pelos mesmos dos elementos do tipo.
«Alega que “apenas interveio na fase constitutiva do procedimento - praticando actos administrativos condicionados - e não na fase integrativa de eficácia do mesmo – emissão de alvarás – não sendo por isso, possível assacar-lhe qualquer responsabilidade”.
«Asserção esta também despida de base probatória - daí que aqui o recorrente acrescente, dando assim aparência de questionar a valoração da prova, referências aos depoimentos das testemunhas F… de O… e E….
«No entanto não só não identifica passagens/afirmações dos aludidos testemunhos que pudessem ter sido adulterados, ignorados ou valorados contra legem pela decisão recorrida e que, por isso, a pudessem ter inquinado, como, pelo contrário, o suporte material da afirmação fica-se pela asserção, pré-concebida, da “não emissão de alvarás não sendo por isso, possível assacar-lhe qualquer responsabilidade”.
«Ora, a emissão de alvará nem a decisão recorrida o dá como provado. Questionando assim o recorrente, de tanto porfiar, matéria que o tribunal nem deu como provada.
«Nas conclusões 58-59, é invocado o depoimento de F… O…, “voltas 00.40.02 as 00.48.19” no sentido de demonstrar que o art. 27º, 2 do RJUE não se basta com deliberação camarária, exigindo “consulta pública”. Concluindo que “a consideração como ilegal da actuação do arguido não se baseia na violação de preceito legal”.
«No entanto também aqui, além de não especificado facto concreto impugnado que a testemunha tivesse afirmado e que pudesse ser dado como provado com base nele (não identificando tão-pouco passagem/afirmação do depoimento erradamente “ouvido” pelo tribunal) o fundamento não é probatório mas antes de mera interpretação do preceito legal invocado, a apreciar em matéria de direito.
«Alega o recorrente (C.60) que devem ser dados como não provados os pontos 6.9 e 6.12 da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido.
«Invoca para tanto, como fundamento, que “Destarte, atenta a récita aduzida coadjuvada pelos meios de prova invocados (depoimentos de F… de O… e E… P…)”.
«Ora também aqui nem o recorrente alega, nem resulta da audição da gravação, que os depoimentos das aludidas testemunhas ponham em causa ou contrariem o expendido na decisão, muito menos com razão de ciência, os aludidos factos.
«O mesmo sucede no que toca à asserção – relativa à prova da negativa - assumida nas conclusões 61 e 62 de que dos aludidos dois depoimentos “conjugados com as afirmações da autoria dos senhores juízes não permitem afirmar-se como provados os pontos 6.6. e 6.14” devendo aditar-se o facto – negativo – de que “não se provou que o arguido tenha praticado, em concreto, qualquer acto ilícito contrário aos seus deveres”.
«*
«“Caso EE”
«Neste âmbito, com incidência em matéria de facto (conclusão 70 in fine e 71) conclui o recorrente:
«(…) ao postulante afigura-se-lhe elementar a modificação do ponto 7.8., ao qual deverá passar a ser conferida a seguinte redação: "7.8.: O arguido AA aceitou, no interesse da AA...-OAF o valor monetário disponibilizado pelo referido EE com o propósito de utilizá-lo na gestão do referido clube."
«Deve, por outro lado, ser aditado à matéria de fato dada como provada o seguinte ponto: "Não se provou que o arguido AA nunca aceitou praticar atas compreendidos nas suas funções de DMA T visando dar acolhimento a quaisquer pretensões ilegais da parte de EE, sendo certo que recebeu deste donativos destinados ao clube desportivo de que era o presidente da direção ", com base nos meios de prova invocados no ponto precedente, para os quais se remete».
«Por outro lado, para fundamentar tal pretensão, alega (cfr. conclusões 63 a 70) que: -
«resultam directamente do depoimento da testemunha arq. A… da C… (…) relativamente a questões que o acórdão referiu a fls. 46 serem “controversas e dubitativas” (…) estarem em confronto duas interpretações diferentes da mesma situação jurídica, referiu “parecer-lhe que sim” mas salientando que no cotejo entre a sua conceção e a do DMA, devia prevalecer esta»; - «este cariz controverso foi reafirmado em depoimentos como o do próprio EE (…) voltas 00:05:56 as 00:08:07, A… C… (…) voltas 00.03.15 as 00.05.15, da Dr.a F… O… (..) voltas 01:01:09 as 01:06:07, Dra. E… P… (…) voltas 00:28:44 as 00:32:58, e arq. V… C… (…) voltas 00:12:39 as 00:13:19. Porém a despeito da “confissão” do arq. A… da C… (…) voltas 00:36:22 as 00:37:48, a opinião do arguido - tecnicamente sem dúvida ao menos da perspectiva teórica mais abalizada – ou não estivesse a mesma a priori pré-judicada (…) essa opinião, da perspectiva do acórdão soçobrou;
«-cumpre ainda referir que a afirmação de fs. 154, nos termos da qual "a associação do donativo..., a uma pretensão de retorno..., tem necessariamente de ser percebida e querida pelo arguido,.. " não só não tem nada de "necessário" ou inelutável, a não ser que se parta dos equivocados pré-juízos abusiva e precipitadamente assumidos e, para mais, sem qualquer respaldo em qualquer circunstância ou meio de prova sindicáveis a uma visão não meramente subjetiva, como aquela que prevaleceu. Aliás, na sequência do referido e continuando a apreciar o inciso verbal de fs. 154, há que referir ter sido aí também encarecido, sempre da perspetiva "contra reo", ter o arguido emitido “..., significativos e importantes pareceres", sem que, todavia, tenha sido feita qualquer alusão a qualquer eventual ilegalidade dos mesmos e, mais e pior do que isso, sem que o tribunal se tenha dado ao trabalho de identificá-los, para demonstrar, se fosse caso disso, relevarem da tal situação de "vulnerabilidade e fragilizada" em que putativamente o recorrente se teria deixado, de forma dolosa, consciente ou inconscientemente, enredar conf., no mesmo sentido, a habitual afirmação do acórdão, esta formulada em termos mais genéricos, constante de fs. 43. Pareceres estes, diga-se em abono da verdade, que sempre foram coonestados pela hierarquia: nem de uma, nem de outra das afirmações judiciais em questão, ressuma a mais evanescente referente à circunstância decisiva de o recorrente, através de qualquer conduta por ele assumida também neste âmbito, tenha mercadejado com o seu cargo, através de qualquer ato ou omissão ilícito, ilicitude esta que o areópago anteriormente, como visto, havia genericamente descartado.
«-Tudo o que vem de referir-se resulta reforçado, se possível, pelo teor do trecho tabelar do acórdão, de fs. 257, parte final, o qual, uma vez mais, a despeito da respetiva grandiloquência, oblitera, como sempre, qualquer afirmação "comprometida" com a concretização do que estava em questão, no caso a mínima identificação de qualquer dos pareceres técnicos emitidos, aos quais possa assacar-se a "qualidade" de ato indevido e/ou ilícito, o que revela que o tribunal não conseguiu levar até ao fim uma "liberdade de convicção probatória" apenas pontilhada por um espírito de neutro rigor e imparcialidade, ao contrário do que seria de esperar e lhe é legalmente imposto
«-:Cumpre ainda salientar que nesta sub-hipótese de objeto processual que a solução preconizada pelo arguido (conf. pág. 42) foi expressamente acolhida pela deliberação camarária.
«-:Por conseguinte, do que vem de referir-se e das evidências recolhidas dos meios de prova (depoimentos das testemunhas J… M… B… DA C… DE A… DA C…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 20-05-2010, às 15:23:43 e constantes do Ficheiro 20100520152342, EE, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 01-06-2010, às 10:04:01 e constantes do Ficheiro 20100601100400, "voltas" 00:05:56 as 00:08:07 A… J… DE M…C…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 29-06-2010, às 12:21:28 e constantes do Ficheiro 20100629122127, "voltas" 00:03:15 as 00:05:15, F… P… M… DE O…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 23-06-2010, às 17: 1 O: 15 e constantes do Ficheiro 20100623171014, "voltas" 01:01:09 as 01:06:07, E… C… DE A… P…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 29-06-2010, às 15:54:00 e constantes do Ficheiro 20100629155359, "voltas" 00:28:44 as 00:32:58 ª- "voltas" 00:28:44 as 00:41:36, V… J… A… DA C…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 29-06-2010, às 10:26:23 e constantes do Ficheiro 20100609102623, "voltas" 00:01:46 as 00:04:25 ª- "voltas" 00:12:39 as 00:13:19, M… DA C… T… P…, gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 08-092010, às 16:33:17 e constantes do Ficheiro 20100908163316, "voltas" 00:17:11 as 00:26:55»
«A pretensão formulada é assim a modificação da redacção do ponto 7.8. da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido. E a prova do facto (negativo) oposto – que “o arguido nunca aceitou praticar atas compreendidos nas suas funções de DMAT visando dar acolhimento a quaisquer pretensões ilegais da parte de EE”.
«Ora também aqui a decisão recorrida se mostra motivada exaustiva e especificadamente, como emerge da reprodução supra efectuada (cfr. ponto 7 correspondente). Competindo ao recorrente rebater o iter valorativo em que repousa.
«A matéria proposta pelo recorrente para o questionado ponto 7.8. foi dada como provada pelo tribunal recorrido, salvo a expressão “no interesse da AA...-OAF” – resulta já provado que “o arguido aceitou o valor monetário disponibilizado com o propósito de utilizá-lo na gestão do referido clube”.
«Estando pois em causa a relação entre a emissão e recebimento, pelo arguido, do cheque titulando a quantia de € 25.000,00 (facto descrito sob o ponto 7.1. assente em prova documental) e o “labor” desenvolvido pelo arguido nos processos urbanísticos do “donatário” pendentes na Câmara Municipal.
«Ora, ao contrário do que pretende fazer crer o recorrente, este praticou, efectivamente, no âmbito do processo de aprovação do Loteamento, actos causais relevantes para o resultado final do mesmo.
«Veja-se, além do mais, a informação lavrada em 21.10.2004 referida no ponto 7.2. resultante de prova documental.
«Bem como a “nova informação”, também lavrada pelo arguido, referenciada no ponto 7.7., também comprovada documentalmente.
«A que soma a relação temporal entre a entrega do cheque e o lavrar da primeira informação (dia imediato), além do relacionamento do cheque com as conversas anteriores entre o arguido e o emitente do cheque sobre as questões pendentes na Câmara.
«Trata-se actos praticados pelo arguido, comprovados documentalmente, ignorados, de todo, na motivação do recurso e que se mostraram essenciais para o resultado final alcançado.
«Acresce que não resultou da discussão da causa qualquer outra possibilidade razoável para a liberalidade que não fosse a assumida no acórdão recorrido, em fundamentação exaustiva que o recorrente não rebate minimamente em termos probatórios, apenas compensada com o deslumbramento dos argumentos de natureza jurídica previamente assumidos.
«Tudo perspectivado para as enunciadas questões jurídicas controversas mas daí retirando, a final, sem especificação probatória, alterações da matéria de facto, conclusiva, de que o arguido nunca aceitou praticar actos no âmbito das suas funções dando acolhimento a pretensões ilegais.
«Assim não existe, tão-pouco, qualquer fundamento probatório razoável para alterar a matéria de facto neste âmbito.
«*
«Caso FF (-10- na decisão recorrida)
«Formula o recorrente a seguinte pretensão em termos fácticos:
«79: Na senda do que vem de referir-se, por manifesta falta de prova, deve alterar-se a redação do ponto 10.10 dos fatos provados, nos seguintes termos: "10.10. O YY emitiu o cheque de fls 666, aqui dado por inteiramente reproduzido no valor de 25.000,00€ que entregou ao arguido AA, para benefício da entidade desportiva de que este era presidente e, nesse âmbito e destinação por ele aceite, tendo-o feito apresentar a pagamento mais tarde por funcionário do clube a que presidia.".
«80: Deve, ainda, o ponto 10.15 dos fatos provados ser, pura e simplesmente eliminado por o respetivo teor resultar apenas de uma abusiva e indemonstrável inferência de natureza "presuntive", da exclusiva responsabilidade do tribunal.
«81: Do exposto e tendo em conta, uma vez mais, a inexistência de qualquer meio de prova que permita escorá-la objetivamente, devem os pontos 10.18. e 10.19. passar a ter a seguinte redação: "10.18.: O arguido AA solicitou aos serviços competentes da própria autarquia informação relativa à questão e, por via dela, emitiu o parecer favorável que veio a apresentar em informação datada de 19.12.2005, nos termos da qual propunha que o YY fosse autorizado a colocar apenas um ascensor, única solução possível, proposta que veio a ser sufragada pelo vereador competente de 20.12.2005.", "10.19: O YY com a data de 20.12.2005 emitiu o cheque de fls. 414, no valor de € 4.000,00 que entregou ao arguido e este fez depositar numa conta titulada pela AA...-OAF".
«82: Destarte, e tendo em vista a orientação no sentido da objetividade e do escrúpulo de que deu nota no respetivo depoimento a testemunha L… M… S… C… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 18-10-2010, às 10:42:13 e constantes do Ficheiro 201010181042120) impõe-se que o tribunal de recurso altere o entendimento de que o ponto 10.20. é tributário, de jeito a que o teor do mesmo passe a ser o seguinte: "10.20.: O arguido AA tinha perfeita consciência que o referido YY, cuja actividade profissional bem conhecia, titulava interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia".
«83: E ainda, pelas mesmas razões, o ponto 10.21. deverá ser dado como não provado.
«84: Com os mesmos fundamentos probatórios (L… M… S… C… [declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido. no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 18-10-2010, às 10:42:13 e constantes do Ficheiro 201010181042120), ao qual deve acrescer o depoimento da testemunha V… J… A… DA C… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 29-06-2010, às 10:26:23 e constantes do Ficheiro 20100609102623, "voltas" 00:01:46 as 00:04:25 e "voltas" 00:33:43 as 00:36:53) entende o recorrente ser de aditar o seguinte ponto à matéria de fato dada como não provada: "O arguido AA nunca aceitou praticar atos compreendidos nas suas funções de DMA T visando dar acolhimento a quaisquer pretensões ilegais da parte de YY, sendo certo que recebeu deste donativos destinados ao clube desportivo de que era o presidente da direção.»»»
«Resulta da reprodução efectuada (“79: Na senda do que vem de referir-se…”) que os fundamentos probatórios de tal pretensão em matéria de facto são recenseados nas conclusões precedentes - “na senda do que vem de referir-se”.
«As quais conclusões rezam da seguinte forma:
«72: Outra questão, no caso, aliás dúplice, agora referente a YY - processo apenso nº 94/07.8JACBR. Começar-se-á, neste conspeto, por referir iniciar o arguido o seu esforço sintetizador no que se refere aos pontos da matéria de fato 10.1 a 10.15. o que fará a partir da análise da verbalização que consta daquele 10.10., onde se refere que os donativos do MM visaram "compensar" a intervenção do arguido - tenha-se em conta, a este respeito o retomar deste conceito, nos termos do terceiro parágrafo de fs. 266. Ora,
«73: o apelo ao referido nomen iuris é bem uma clara emanação do equívoco que perpassou todo o processo, por demonstrativo de que os doutos julgadores entenderam que foi propósito do doador extinguir uma situação debitória que consideraria ter perante o recorrente, decorrente das atuações riscosas por este assumidas - vale por dizer, nesse sentido, por contrárias aos deveres do cargo e, por conseguinte, incursas na malha legal - tendo em vista constituir uma verdadeira "contraprestação" (conf., reforçando esta asserção, o ponto 10.21., de fs. 57), em especial no concernente à célebre" terceira cave".
«74: Adiantando razões, vejamos mais especificamente, por agora, a questão do "elevador", pontos 10.16. e ss, a propósito do que se refere (pág. 267, segundo parágrafo) ter a atuação do recorrente sido motivada por "fatores estranhos", justamente o apelo coadjutório suscitado a outros serviços da autarquia, aliás os competente e especializados no que toca a matéria em apreço. Mas o acórdão, a este respeito, lamentavelmente, oblitera que a solução que nem por compromissória é assacada de qualquer vício, foi coonestada pelo ex.mo vereador, eng. OO. Por outro lado
«75: em parte alguma se refere declaração emitida, ainda que informalmente, pelo recorrente, no sentido de "vender" atos próprios da suas funções, em troca de financiamentos para a AA...-OAF, limitando-se a presumir, da perspetiva fática, que não técnico-jurídica, que as vantagens em questão apenas encontrariam justificação na viciação do sentido da decisão do funcionário. E a irritude dessa presunção ou inferência, uma vez que é sabido que o arguido nunca atuou ilicitamente, decorre da desconsideração do fato, igualmente dado por provado de que o seu recebimento ficou a dever-se à circunstância de também ser presidente da AA...-OAF. Com efeito
«76: a uma correta perspetivação jurídico-penal e a uma compreensão teleológica do tipo, no caso do art. 373°-2, o recebimento de vantagens só é indevido, na irrecorrência de uma "explicação razoável" para esse comportamento a qual, no caso, até aos olhos rigoristas à outrance do tribunal, é de afirmar, pois na opinião do mesmo os donativos não foram feitos para "compensar" o donatário, mas financiar uma entidade diferente, a qual, em certo sentido, pode dizer-se encarnada por ele: a AA...-OAF, o que coenvolve a irrelevância jurídico-penal das condutas pretensamente cabidas no art. 373°-2 do CP. Porém,
«77: ainda neste conspeto, o tribunal, a terminar a longa récita com que brindou o leitor, afirmou: "na verdade, decorre claramente do exposto a existência de uma vantagem ilegítima - a qual, de resto, na linha do entendimento adotado, não é, uma vez mais, à semelhança do sucedido nas outras situações, minimamente concretizada, interpolação ..., oriunda de alguém, no caso o YY, que esteve, estava e previsivelmente viria a estar numa relação de índole profissional consigo, ... ". Porém, a lei não se basta com esta redução - por muito que a mesma, há que reconhecê-lo, se imponha a um intérprete razoável e não eivado de qualquer preconceito inadmissivelmente radical - não refere a tal "previsibilidade", antes a presumindo iuris et iure, por mais esdrúxula que a mesma possa apresentar-se a um espírito não desdotado para além do razoável. Ora,
«78: a despeito de tudo quanto vem de referir-se, a questão da "previsibilidade" com que o acórdão brindou o art. 373°-2, mostra o erro em que incorreu, por tão inadvertido quanto inadmissível afastamento do juízo de valor legal, democraticamente legitimado e, no caso, por força de opção parlamentar, pelo que a "lei" aplicada não existindo - esta é que é a verdade - como tal na ordem jurídica nacional e, mesmo que assim não fosse ter entretanto sido revogada e, por isso, a todas as luzes, inaplicável.»
«Também aqui, encontrando-se a decisão recorrida devidamente motivada (cfr. ponto 10 correspondente), não enfermando da correspondente nulidade, competia ao recorrente rebater o iter valorativo em que repousa.
«Em contrapartida, na enunciação dos fundamentos daquela pretensão, como resulta da reprodução e efectuada, o recorrente não só passa em claro a contextualização com a restante matéria de facto dada como provada neste âmbito como omite, também, a motivação exaustiva dessa decisão. Além de não especificar conteúdos probatórios concretos direccionados aqueles factos concretos.
«Invoca premissas relativas ao preenchimento dos elementos típicos do crime (cfr. 76 a 78) para daí retirar, a posteriori, conclusões probatórias previamente assumidas. A este propósito é paradigmática a conclusão 75, na qual, depois de ter discorrido em termos de direito, conclui: “(…) E a irritude dessa presunção ou inferência, uma vez que é sabido que o arguido nunca actuou ilicitamente”.
«Ou seja, a causa (“uma vez que”) é a actuação lícita previamente assumida com base em argumentos meramente jurídicos, sem suporte probatório.
«Dando previamente como adquirido com base em argumentos jurídicos relativos ao preenchimento, pela matéria de facto, dos elementos do tipo, aquilo que importava demonstrar, previamente, em termos de produção e valoração da prova.
«Reportando depoimentos prestados em audiência, na sua globalidade sem especificação de qualquer suposta passagens/afirmação de qualquer depoimento que contrarie o expendido na decisão, bem como excertos, sincopados e descontextualizados, da motivação da decisão recorrida. Tudo perspectivado para as enunciadas questões jurídicas controversas mas daí retirando, a final, sem especificação probatória, alterações da matéria de facto, pretendendo não só que se dê como não provada matéria da acusação como, pelo contrário, que se dê como provado, de forma conclusiva que o arguido nunca aceitou praticar qualquer acto ilegal.
«Perspectiva viciosa que leva à improcedência.
«*
«Caso HH (ponto 11 na economia da decisão recorrida)
«Conclui o recorrente, em matéria de facto que:
«90: O ponto 11.14. dos fatos provados que deve ser alterado nos seguintes termos:
«"11.14. No entanto, não obstante as funções que detinha e a assunção pessoal do acompanhamento do processo referente à obra, quer por iniciativa própria quer por determinação do vereador competente, a mesma decorreu sem qualquer ato de fiscalização como tal formalmente considerado, durante o primeiro período de vigência da licença de construção, entre 19/07/2004 e 03/07/2005, excetuada a aludida deslocação ao local, em 02/09/2004. do Eng. TT, determinada sem intervenção do arguido." Com efeito, é o que resulta do teor do próprio acórdão recorrido (tis. 194, 195 e ponto 11.35 dos fatos provados).
«91: Dos depoimentos das testemunhas M… DE F… L… M… R… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 07-09-2010, às 12:43:29 e constantes do Ficheiro 20100907124328, "voltas" 00:58:22 as 01:00:04, e às 13:56:02 Ficheiro 20100907135601, "voltas" 00:13:21 as 00:15:18) e M… DA C… T… P… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 08-092010, às 16:33:17 e constantes do Ficheiro 20100908163316, "voltas" 00:32:27 as 00:33:27), extrai-se que o SPO nem sempre era corretamente utilizado pelo que não pode asseverar-se, como o faz o acórdão recorrido, que o processo administrativo relativo à matéria ora em apreço esteve na DMAT desde 0310912004 até 2310312005. Nesta confluência, o ponto 11.24 dos fatos provados deve ser alterado em conformidade passando a ter a seguinte redação: "11.24. O arguido AA, por determinação do vereador do pelouro, no sentido de ao processo em apreço ser conferido um acompanhamento mais incisivo, assumiu a sua direção."
«92.: Inexoravelmente, pelos mesmos motivos, o ponto 11.30. dos fatos provados deve ser dado como não provado.
«93.: Por fim, face à prova indicada, deve acrescentar-se à materialidade dada como provada o seguinte: "Que não se provou que o arguido tenha praticado, em concreto, qualquer ato ilícito ou contrário aos deveres do seu cargo no intuito de obter vantagens indevidas que lhe fossem prestadas por HH."»»»
«Pretende assim o recorrente, em suma, a modificação/alteração dos pontos 11.14; 11.24 e 11.30, além da prova, pela positiva, do facto oposto - negativo – que “não se provou que o arguido tenha praticado, em concreto, qualquer ato ilícito ou contrário aos deveres”.
«Por outro lado os fundamentos materiais aduzidos, para demonstrar tal pretensão, são os seguintes:
«85: A terminar, quanto a estas referências sinóticas caso a caso, a referência à situação do Dr. HH, relativamente ao qual, há cerca de 30 anos, o ministério público não se tem cansado de persegui-lo, sempre, até ao momento, debalde o fazendo. Salvo o devido respeito, são "crenças". Interessa começar por encarecer em que se materializa a acusação ou acusações de que o mesmo foi alvo, o que desde logo resulta do decorrente de fs 207, parte final e 208, primeiras linhas: "falta de atuação e zelo na condução do processo", da perspetiva da omissão das ordens necessária a uma eficaz fiscalização da obra. Ora,
«86: sabe-se, dos documentos e declarações testemunhais (M… DE F… L… M… R…, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-05-2010, às 18:22:12 e constantes do Ficheiro 20100505182211, "voltas" 00:01:18 as 00:04:54, P… M… M… G… declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 09-09-2010, às 17:12:15 e constantes do Ficheiro 20100909171215. "voltas" 00:01:02 as 00:03:30, A… M… DA S… L…. M… (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento decorrida no dia 05-05-2010, às 14:35:52 e constantes do Ficheiro 20100505143551, "voltas" 00:17:12 as 00:18:21) que o poder de determinar tais ações inspetivas não cabia, em exclusivo ao arguido, mas também à ex.ma chefe de divisão da DLDF, o que o acórdão, reconhecendo-o embora, ainda assim tenta contornar, com base no argumento da especial responsabilização do arguido relativamente àquela obra, o que resulta totalmente relativizado por força do depoimento do eng. OO. Ademais,
«87: o acórdão errou ao reconhecer que amiúde o arguido, lui même, se deslocou ao local, não considerando ou compreendendo que nada permite excluir que tais deslocações, embora não prioritariamente determinadas pelo escopo inspetivo, também dele poderiam ter relevado, pois não há distinção, contrariamente ao que subjaz ao entendimento sufragado na peça recorrida, de cariz material, entre deslocações "fiscalizadoras" e "não-fiscalizadoras" como, de resto, sempre seria igualmente postulado por qualquer consideração norteada ainda que por reduzida dose de bom-senso. Por outro lado
«88: ao corrigir, como se lhe impunha, atentas as respetivas competências funcionais, um despacho errado de uma subordinada, despacho este polimórfico, e deixando intocado o sobrante do mesmo, qualquer pessoa de boa-fé, maxime tratando-se de um jurista ou de alguém habituado a ler despachos relevando, ainda que formalmente, de considerações jurídicas, compreenderia que o remanescente, não corrigido, era por não carecer disso e, nessa medida, continuando subsistente nos respetivos precisos termos. Ora,
«89: tendo tudo isto em atenção e não esquecendo a lição de P... R... de F..., não pode deixar de concluir-se que, também a este aspeto residual - mal pareceria, para o M P" que o Dr. HH, ainda desta, ficasse de fora .. , - o sentido da decisão do tribunal ad quem não pode ser outro, também a este respeito, que a revogação do acórdão da primeira instância, de jeito a ficar a subsistir aquele a proferir pelo tribunal da relação, na senda deste recurso»»».
«A crítica do recorrente à actuação do MºPº “debalde o fazendo”, reportando-se a processos ignotos, relativos a terceiros não vistos nem achados nos autos, além de evidenciar presunção censória, transcende claramente o objecto do processo e, como tal, do recurso, não competindo, pois, apreciá-la.
«No que toca a uma impugnação material dos fundamentos probatórios/fácticos da decisão recorrida, também aqui o recorrente não estabelece uma conexão directa e ou causal entre concretos factos impugnados e meios de prova que lhe tenham servido ou devessem ter servido de suporte e pudessem impor decisão diversa. Muito menos põe em causa o teor de qualquer afirmação relevante dos depoimentos prestados em audiência que serviram de suporte á decisão. Muito menos que o tribunal recorrido tenha “posto na boca” de algum depoente afirmações, reveladas pela respectiva gravação, que aquele não tenha produzido ou contrárias ao consignado/valorado pela decisão sob escrutínio.
«Por outro lado, também aqui a decisão recorrida se mostra ancorada em minuciosa análise crítica da prova. Aliás dá como não provados múltiplos factos imputados ao recorrente quando não têm correspondência rigorosa na prova produzida, apreciada à luz dos preceitos legais em vigor. Num apertado arrimo na prova documental na prova, nuclear, documental, apenas complementada em pormenores marginais pelos depoimentos prestados oralmente em audiência, dos quais nem o recorrente identifica seja que afirmação seja, que contrarie (e por isso pudesse levar à sua modificação) o expendido na decisão sindicada.
«Tão-pouco da referência generalizante a depoimentos prestados em audiência resulta qualquer excerto identificado a que o tribunal tivesse atribuído conteúdo diverso do real, diversidade susceptível de evidenciar pela respectiva gravação. Não especificando conteúdos probatórios capazes de, numa apreciação conforme aos preceitos legais em vigor, impor a decisão proposta.
«A argumenta, doutissimamente, em termos de direito, para dar como adquiridos os factos, prévios a qualquer enquadramento jurídico. Dando como adquirida matéria de facto sem fundamentos probatórios que o brilho da retórica não pode suprir.
«Para confirmar o que acaba de ser referido na linha do que vem sendo expendido, destacando a objectividade da motivação probatória da decisão, no ponto em questão, em contraste com a ausência de rebatimento probatório da motivação do recurso, reproduz-se da decisão sob censura:
«A factualidade descrita no ponto 11. dos factos provados assentou na análise e conjugação critica e ponderada da prova produzida em audiência, tendo por base, no que se refere ao ponto 11.1., a documentação junta aos autos do apenso I, designadamente o teor de fls. 20 a 29, de que se extrai o interesse da empresa “V...-I... I... e T..., Ldª” relativamente à construção de uma edificação de uma moradia unifamiliar em V... de M....
«A fls. 29, mostra-se junto o requerimento de autorização de edificação, datado de 08.02.02.
«(…)
«No que se refere ao ponto 11.2, foi valorado o teor dos documentos de fls. 32 a 37 do apenso I e que se mostram repetidos a fls. 141 a 146 do apenso V, dos quais se extrai o deferimento do projecto de arquitectura e de especialidades, em 04.02.2003 e 23.04.2004, respectivamente, depreendendo-se do teor de fls. 25/26 e 32 do apenso I, a existência de questões que se suscitavam desde o início do licenciamento relativa a questões ligadas à delimitação do lote onde iria ser implantada a moradia. Essa questão vem-nos também relatada pela testemunha OO, Vereador da C.M...., no depoimento por si prestado e nas inúmeras reclamações dos moradores dos prédios vizinhos que foram sendo expostas à C.M.... (…)
«Constata-se, ademais, a fls. 138 a 140 do apenso V, a emissão do alvará de licença de construção em 3 de Maio de 2004, com validade até 3.07.2005, tendo sido indicada pelo dono de obra o início dos trabalhos para 19.07.2004.
«A análise probatória dos elementos acima referidos permitiu, assim, formar a convicção da realidade da factualidade descrita nos pontos 11.2 a 11.3.
«No que se refere aos pontos 11.4. e 11.5. a sua consignação como provados resulta, para alem do que se extrai do teor do depoimento de HH, da análise dos documentos de fls. 846 a 854 e 864 a 867 e documentos juntos ao apenso IV.
«Extrai-se, outrossim, do teor de fls. 115 a 137 do apenso V, que logo em 22.07.2004, começaram a surgir reclamações e comunicações à C.M.... dos responsáveis e moradores dos prédios vizinhos à edificação, conforme se verifica do requerimento apresentado pela Lusa Administradora a fls. 137, na qual a Câmara Municipal era alertada para a ocupação de espaço cedido à C.M.... onde estariam a ser levadas a cabo intervenções, designadamente um arruamento, muro e corte de árvores.
«A análise dos documentos indicados permite-nos perceber as inúmeras questões que desde o início da obra foram suscitadas pelos representantes dos condóminos dos Lotes da Praceta A… J… A… relativamente ao início das obras e à execução dos trabalhos que estava a ser levada a cabo no lote de V… M…. Facto que também se extrai quer do depoimento de HH, como das demais testemunhas ouvidas, entre as quais, A… A… I… de P…, engenheiro civil e técnico responsável desta construção que estava a ser levada a cabo pela “A… Construções, Ldª” e do engenheiro OO, Vereador da Câmara Municipal.
«A análise probatória dos elementos acima referidos permitiu-nos a firmar a convicção da realidade da factualidade descrita em 11.6. a 11.8.
«Na sequência das exposições e requerimentos dos prédios vizinhos, extrai-se dos autos, que foi efectuada acção de fiscalização pelo serviço de fiscalização da Câmara Municipal (DLDF - Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização), pelo engenheiro TT, cujo resultado consta da informação n. 30/2004, de 2.09.2004, junta a fls. 109 a 110 do apenso V (também a fls. 39/40 do apenso I), que então lavrou.
«Tal acção de fiscalização foi, conforme transmitido por aquela testemunha, determinada pela sua superiora, engenheira II (chefe dessa divisão).
«Constata-se da análise de tal informação, ter sido aposto despacho do DMAT, após este ter chamado a si a sua apreciação, conforme resulta do teor do manuscrito no canto superior esquerdo “Enviar para DMAT”, e cuja análise permite comprovar a factualidade descrita nos pontos 11.9. e 11.10. dos factos provados.
«O engenheiro TT da D.L.D.F., já identificado, prestou depoimento em audiência explicando, de forma que julgamos consistente e credível, que na sequência da sua ida à obra em acção de fiscalização e da informação que prestou, foi chamado ao gabinete do DMAT tendo-lhe sido referido por este, que qualquer assunto relacionado com este projecto deveria ser tratado com ele, DMAT, dizendo-lhe que a câmara tinha interesse na realização do projecto de um loteamento no Vale Meão do mesmo requerente, entendendo a testemunha, face àquilo que lhe foi transmitido pelo arguido, que qualquer questão relacionada com o processo deveria ser tratada com o DMAT, que a mesma estava fora da sua alçada, pelo que se afastou da obra. Explicou, ainda, que esta acção de fiscalização foi motivada por reclamações existentes e determinada pela sua chefe II, facto que aliás, se extrai do teor do documento de fls. 137 do apenso V.
«A avaliação crítica do depoimento prestado, onde se surpreende algum temor e reverência da testemunha relativamente à pessoa do arguido e relativamente ao qual não se vislumbra qualquer fundamento para que se questione a sua veracidade, permitiu concluir pela consonância do que nos vem relatado, merecendo a credibilidade do tribunal naquilo que se mostra consignado como provado, permitindo formar a convicção segura da realidade dos factos descritos em 11.11. e que é reveladora do que infra se dirá quanto à assunção do processo pelo DMAT e das questões a ele atinentes.
«Já no que se refere à factualidade consignada na alínea a) dos factos não provados, a sua consignação como tal resulta da ausência de prova que a sustente, pois aquilo que nos foi transmitido pela testemunha TT foi exactamente o que se mostra consignado supra e foi levado aos factos provados.
«A factualidade vertida nos pontos 11.12. e 11.13., vem-nos evidenciada pela análise objectiva do teor do documento de fls. 41 a 46 do apenso I –informação nº 41/2004 de 13/09.2004, elaborada pelo DMAT e ora arguido, da qual consta a factualidade vertida nos citados pontos, quer o teor dessa mesma informação, quer do despacho proferido pelo Engenheiro OO em 27.09.2004 ( manuscrito na mesma), e do qual se extrai, para além do mais, o acento na atenção que os serviços deveriam ter relativamente ao processo em apreço.
«No que tange à factualidade vertida nos pontos 11.14. a 11.19., e para além do que infra também se irá referir, a convicção da sua realidade resulta, por um lado, da análise crítica e conjugada do teor da documentação junta aos autos a fls. 103 e 107 e 116, do apenso V, relativos a reclamações de moradores dirigidas à C.M...., relativamente à forma como prosseguiam os trabalhos na citada obra, designadamente, de 2.09.2004, 08.09.2004 (memorando, onde entre outras coisas, se dava conta da abertura de caminho até à Circular dos Hospitais sem os cuidados necessários à estabilidade dos terrenos), 9.09.2004, algumas das quais já referidas na informação nº 41/2004, elaborada pelo arguido, a que acima se fez referência.
«Por seu turno, extrai-se do teor de fls. 87 a 94, do Apenso V, a presença de alguns moradores na Reunião de Câmara de 13.09.2004, para discussão pública do problema da obra, de cuja análise se extraem as insistências dos moradores pelo facto de, pese embora as reclamações e exposições feitas à Câmara, não terem sido tomadas medidas relativamente à situação.
«A análise de tal documentação permitiu assim a consignação da factualidade dada como provada nos pontos 11.15 a 11.17.
«Extrai-se, outrossim, de fls. 101 e 102 do apenso V, o pedido de informação da Provedoria do Ambiente de 10.09.2004, dirigido ao Vereador OO e ao DMAT, na sequência de reclamações dos moradores dos prédios vizinhos, relativamente à qual foi dada resposta diversa por cada um dos destinatários. O engenheiro OO determinou a remessa do requerimento à DLDF para informar e o arguido mandou anexar ao processo, conforme se extrai da menção manuscrita aposta no canto superior direito de tais requerimentos ( o que veio a ser feito, conforme se verifica da análise do registo informático da tramitação do processo-SPO- a fls. 284) e de cuja análise resulta a comprovação da factualidade descrita em 11.18., verificando-se que na ausência de qualquer resposta, a Provedoria do Ambiente veio reiterar, em 8.10.2004 –vide fls. 84 e 86, o pedido de informação relativa à situação exposta, vindo o DMAT e ora arguido, após ter mandado anexar aquele requerimento ao processo, a responder à Provedoria em 9.11.2004, prestando a informação a que alude o documento de fls. 48/49 do apenso I.
«A análise da citada documentação, naquilo que objectivamente da mesma resulta, permite a consignação como provada da factualidade descrita no ponto 11.19.
«Já relativamente à alínea b) dos factos não provados, haverá que ter em conta, que segundo a pronúncia deduzida a não correspondência da informação prestada pelo arguido à Provedoria não poderá deixar de se reportar às alterações realizadas na edificação, conforme se extrai da concretização fáctica do segmento conclusivo primeiramente enunciado em tal peça.
«Ora, no que atine a esta concreta questão, relativa à evolução da edificação, haverá que salientar inexistirem elementos seguros e consistentes que resultem da prova produzida, que nos permitam afirmar de forma isenta de dúvidas, que à data da informação prestada o arguido era conhecedor das alterações relativas à edificação ou das intenções do promotor quanto ao que nesta visava implantar. Na verdade, não nos podemos esquecer que a informação é prestada numa fase embrionária da obra, em que segundo resulta da análise do respectivo livro ( a fls. 482 do processo principal) ainda estavam apenas em curso, nessa altura, os trabalhos de betonagem das fundações – veja-se que a obra se iniciou em Agosto de 2004 com escavações e desmatação- e que pese embora a resolução de aproveitamento da subcave pudesse já estar tomada pelo proprietário da obra, inexistem elementos probatórios que nos permitam afirmar que esta era cognoscível ou conhecida pelo então DMAT, ou mesmo perceptível aos serviços da fiscalização (veja-se que a referência a alterações ao projecto apenas surge em 18.02.2005-vide fls. 482 do processo-).
«Veja-se a propósito, que a testemunha F… M…, arquitecto responsável da obra, refere no depoimento que prestou, que a ideia da ampliação surge cerca de 3/ 4 meses após o início da obra, numa altura em que o “tosco” estava montado - o que nos remete para Novembro/Dezembro de 2004. Por outro lado, não será despiciendo salientar, que, nesta altura, as exposições dos moradores vizinhos, não alertavam ainda para qualquer situação de desconformidade ao projecto (centrando-se antes nas movimentações de terra e intervenções fora do terreno do licenciamento), situação que apenas veio a ser referenciada mais tarde (vide fls. 78 do apenso V).
«Também o engenheiro OO refere no depoimento prestado, que quando foram à obra (ao que tudo indica face ao teor de fls. 83 e 88 do apenso V, em 14.10.2004), apenas se encontrava o fosso aberto, não sendo perceptível então a existência de qualquer piso a mais, referindo que tal situação apenas veio a ser conhecida mais tarde.
«O que vem exposto e na ausência de qualquer outro elemento probatório consistente que a sustente, mais não pode que conduzir á consignação da factualidade descrita em b), como não provada.
«No que tange à factualidade vertida no ponto 11.20. ela vem-nos claramente referida em vários dos depoimentos prestados em audiência, entre os quais, cumpre assinalar, no que se refere às alterações efectuadas e sua motivação, o do próprio HH, bem como do arquitecto responsável pelo projecto da moradia F…. M… e do engenheiro técnico responsável pela obra, A… A…I… de P…, sócio da A… Construções, Ldª.
«Por outro lado, tais alterações foram-nos também referidas pelas técnicas da Câmara, M…da C… T…P…, chefe de divisão da DGURU (divisão de gestão urbanística e renovação urbana) e pela engenheira civil M… A… M… de A…, a quem coube a apreciação das alterações ao projecto apresentadas pelo requerente em Maio de 2005, e que explicitando o seu âmbito, referiram o necessário licenciamento que as alterações efectuadas no decurso da obra e não contidas no projecto de licenciamento aprovado impunham, não se consubstanciando em meras alterações, sem relevância, que pudessem ser apresentadas nas telas finais. Referiram que tal sucedia não só com as alterações efectuadas na moradia, com, para além do mais, o acrescento da subcave, mas também com todas aquelas que se consubstanciaram nas intervenções exteriores, mormente abertura de caminhos, escavações, aterros, que no entender das mesmas, violavam o PDM, aliás conforme veio a ser posteriormente expresso na informação e proposta que incidiram sobre as referidas alterações, sendo objecto de concordância do vereador OO, conforme se extrai do teor de fls. 65 a 70 do apenso I.
«Estas testemunhas explicaram ainda que as alterações verificadas na edificação com a construção, para além do mais, ao nível do subsolo com mais um piso, implicaram um aumento de área bruta de construção, e que toda essa situação pese embora contida na área máxima de construção permitida para o local, embora não licenciada, sempre imporia conveniente justificação e estudo de integração a apreciar pela câmara. A questão do necessário licenciamento das obras e intervenções levadas a cabo pelo requerente e que foram apresentadas no projecto de alterações em Maio de 2005- vide fls. 50/51 do apenso I-, foi-nos também referido pelo engenheiro OO.
«Efectivamente, extrai-se da prova produzida e designadamente dos depoimentos prestados por A… A… I… de P…, engenheiro técnico responsável pela obra e pelo arquitecto F… M…, que após o início da execução da obra e logo numa fase inicial, após as escavações, o proprietário resolveu proceder a algumas alterações à edificação, o que pelo menos em finais de 2004 estaria já em execução, não tendo sido logo apresentados os projectos de alterações (o que foi explicado pelas testemunhas) vindo a ser apresentado em Maio de 2005. Aliás, a menção a alterações ao projecto é já expressamente referenciada no livro de obra a fls. 482 do processo, em Fevereiro de 2005. Explicaram ainda que a obra nunca parou, pese embora as alterações verificadas, até ao seu embargo.
«Extrai-se do teor de fls. 50/51 do apenso I e fls. 72 do Apenso V, que efectivamente em 9.05.2005, o requerente “V…” apresenta um projecto de alterações de arquitectura, o qual veio a ser objecto de indeferimento e a obra a ser embargada (vide fls. 9 a 17 do apenso II).
«Verifica-se da análise do teor de fls. 50 a 61, 73, 77, 78, 80 e 81 do apenso V, que os condóminos dos prédios vizinhos continuaram a apresentar reclamações e a solicitar elementos à C.M...., relativamente à obra, em 6.01.2005, 13.04.2005, 31.05.2005 e 6.12.2005, mostrando-se da análise de tal documentação, na qual em pelo menos algumas reclamações foram apostos despachos do arguido (vide fls. 78/80) por lhe terem sido remetidos para dar resposta ao solicitado, não ter este tenha tomado qualquer medida concreta e eficaz no que se refere a uma acção de fiscalização à obra, pese embora o teor de tais reclamações e pedidos de informação.
«Também a testemunha L… F… P… C… H…, residente na Praceta J… A…, explicou as diversas exposições e intervenções efectuadas designadamente em sessões de câmara e as suas preocupações relativamente ao decurso da obra e intervenções na circundante, que estavam a ser realizadas sem que nenhuma acção eficaz por parte da câmara tivesse tido lugar.
«Com efeito, basta atentar na leitura do teor dos documentos de fls. 78/80, entrados na câmara municipal em 06.01.2005 e 10.01.2005, nos quais são pedidos esclarecimentos e diversos elementos referentes à obra e onde são mencionadas situações relativas è eventual desconformidade da obra em relação ao que estava licenciado (a nível dos pisos), os quais foram levados a despacho do ora arguido, na sua qualidade de DMAT (designadamente, por determinação do vereador OO, para satisfação do solicitado), para percebermos, por um lado, que o arguido, senão antes, pelo menos desde Janeiro de 2005 estava já a ser alertado para eventual desconformidade da obra que estava a ser construída ao nível da edificação face àquilo que estava licenciado, pois relativamente a intervenções no exterior (com abertura de caminhos e movimentação de terras em zona não licenciada), já havia inúmeras reclamações anteriores, e por outro, que perante estas, o arguido se limitou a consignar que fosse calculado o custo das fotocópias da arquitectura do processo solicitado pelos requerentes, sem que nada determinasse aos serviços que superintendia, designadamente para que fosse possível aferir em sede de fiscalização, sobre o que estava a suceder efectivamente na obra.
«Com efeito, extrai-se da análise e conjugação da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, quer testemunhal quer documental, que para além da acção de fiscalização realizada em 2.09.2004, pelo engenheiro TT, nenhuma outra foi realizada pelos serviços de fiscalização (no que se refere à edificação e intervenções levadas a cabo na parte exterior desta), quer no primeiro pedido da licença (terminado em Julho de 2005), quer até à fiscalização ocorrida em Janeiro de 2006, numa altura em que o arguido já havia cessado funções como DMAT.
«Na verdade, nenhuma das testemunhas ouvidas refere qualquer acção de fiscalização efectuada à obra nesse período, tendo o engenheiro TT explicado, que para além da acção de fiscalização que efectuou em Janeiro de 2006 /fls. 16 e 17 do apenso II, apenas efectuou uma ida ao local, em 2004/2005, mas apenas por causa de um poste situado perto do local. Havendo referência nos autos a uma ida da fiscalização às proximidades da obra, por causa de danos ocasionados nos lancis de um passeio e arruamentos da área envolvente em Agosto de 2005, conforme se extrai de fls. 71 do apenso V, por determinação da chefe de divisão II, na sequência de uma reclamação da L... Administradora.
«Saliente-se a tal propósito, que esta situação é consentânea com aquilo que nos vem transmitido pela testemunha TT quanto àquilo que lhe foi transmitido pelo arguido relativamente ao “domínio do processo” e à percepção com que ficou das palavras daquele, de que não era uma obra para ser tratada por si, mas pelo arguido.
«Esta testemunha refere que a partir dessa conversa e por causa dela, afastou-se da obra, não tendo tido qualquer outro contacto com o processo, até à fiscalização realizada em Janeiro de 2006.
«A constatação da inexistência de qualquer acção de fiscalização no período em análise por parte dos serviços próprios da C.M...., à excepção do que acima se referiu (fiscalização do TT em 2.09.2004), resulta também evidenciada do inquérito aberto na C.M...., decorrente de determinação do Presidente da Câmara, na sequência das diversas reclamações dos vizinhos daquela edificação em relação à inacção dos serviços do município, mais uma vez exposta na reunião de Câmara de 06.02.2006 –fls. 31 a 33 fls. 31 a 33 do processo- , o qual se mostra junto ao apenso V. e do qual se extrai essa conclusão- vide fls. 9 do apenso V.
«Efectivamente, nenhuma outra testemunha ou documento comprovam qualquer outra acção de fiscalização efectiva a esta obra, em tal período (aliás, o próprio engenheiro responsável pela obra, A… A… I… de P…, refere não se lembrar de haver qualquer acção de fiscalização). Aliás a ter existido, e face à desconformidade que apresentava face ao licenciado, ela deveria estar registada, com a informação respectiva, que contudo inexiste (para além das fiscalizações de Setembro/2004 e Janeiro/2006).
«Tal situação surge-nos sem qualquer explicação consistente, lógica ou razoável, sobretudo se atentarmos que estamos perante um processo que surge de raiz eivado de enorme controvérsia, com alertas sucessivos, notórios e públicos, sobre as diversas alegadas “irregularidades” que estariam a ser cometidas e para o qual foi expressamente solicitada aos serviços e concretamente ao arguido, pelo Vereador competente, um seguimento próximo e cuidado.
«As explicações apresentadas pelo arguido para a falta de fiscalização neste período, surgem-nos inusitadas e até contraditórias entre si e com aquilo que nos vem ressaltado da demais prova que se mostra produzida sobre tal conspecto.
«Na verdade, se acaba por admitir que em Setembro/Outubro tomou o processo a seu cargo, acaba por tentar disseminar no discurso que verbaliza, a responsabilidade que pessoalmente detinha, quer pelas funções do cargo em que estava investido e que compreendiam a direcção da divisão de fiscalização das obras [vide, para além do que resulta de fls. 716, relativamente aos departamentos que estavam sob a alçada e direcção do DMAT, entre os quais a DLDF, a subdelegação de competências que lhe foi efectuada a fls. 51 do apenso VI (Edital 51/2003) –ponto 11[7], que a tal faz expressa referência, face ao normativo indicado], quer pela expressa solicitação da condução pessoal deste processo, que lhe foi solicitada pelo vereador competente e que este evidenciadamente assumiu.
«Nesse contexto, surgem desfasadas as referências feitas pelo arguido à possibilidade de a chefe de divisão da fiscalização ter poderes para determinar a fiscalização da obra, ou mesmo sobre o alegado desconhecimento do que era feito por aquela, pois pese embora a referida chefe de divisão da DLDF também tivesse competência para determinar essas acções (conforme resulta de fls. 74/75 do apenso VI) era o arguido que também as detendo, como dirigente máximo daqueles serviços, nos termos já referidos e como condutor daquele processo, que as devia ponderar, controlar e determinar, sendo o caso.
«Inexplicáveis se apresentam também as suas referências à inconsistência das reclamações dos vizinhos (sendo infeliz a expressão “algum prédio caiu?”), face ao que se veio posteriormente a constatar com a fiscalização da obra em Janeiro de 2006, conforme se extrai do ulterior processamento daquele processo em sede camarária, designadamente com o deslizamento de terras ocorrido em Dezembro de 2006.
«Também a justificação apresentada pelo arguido de que aquilo que era importante foi feito e o que não era importante não se fez, referindo também várias idas pessoais ao local da obra, acompanhado pelo vereador, não surtem o efeito pretendido, já que tais idas, ao que resulta dos autos, não eram acções fiscalizadoras (no sentido de aferir a conformidade da execução da obra com o licenciado) mas reuniões quer com moradores, quer com o proprietário da obra.
«Aliás não se deixa de considerar incongruente, que com tais idas à obra e sendo o arguido um técnico competente e experiente (facto que lhe é amplamente reconhecido), designadamente, como refere, em Janeiro/Fevereiro de 2005, não tivesse a percepção das desconformidades que já então ocorriam e que eram relatadas nas queixas apresentadas, sem que, contudo, tivesse tomado qualquer diligência para obviar à sua continuação.
«A acentuar o que se vem de expor, não poderá deixar de se fazer referência àquilo que nos foi referido no depoimento prestado pelo engenheiro OO, o qual claramente refere que transmitiu aos serviços, e concretamente ao DMAT, instruções para um acompanhamento próximo daquela situação, acompanhamento esse que pessoalmente entendesse como adequado, especificando caber ao DMAT as determinações a dar aos serviços em conformidade, já que, como referiu, a gestão dos meios compete ao director municipal. A tal propósito, vide ainda o teor do despacho do vereador OO a fls. 95 do apenso V.
«A incontornável constatação da assunção pessoal do acompanhamento do processo referente à obra pelo DMAT e ora arguido, é-nos evidenciada pela prova produzida e mesmo pela actuação do próprio arguido, mostrando-se incongruente a referência por si efectuada nas declarações que prestou de que não foi incumbido de fiscalizar, mas de acompanhar o vereador! Aliás, a assunção particular do processo, designadamente ao nível da questão da fiscalização vislumbra-se logo no momento em que após a primeira acção inspectiva pelo engenheiro TT, o arguido chama a si, DMAT [8], a apreciação da informação prestada pelo fiscal, quando em termos de normalidade de procedimentos, conforme nos foi referido pela Engª II, quem usualmente faz essa apreciação é a chefe de divisão da DLDF, a quem aliás a informação era dirigida – cfr. fls. 109 do apenso V-.
«A assunção do processo por parte do DMAT mostra-se ainda evidenciada, para além das deslocações que este efectuou ao local da obra, na informação prestada à Provedora do Ambiente e Qualidade de Vida, a fls. 82 do apenso V, e bem assim na circunstância de que várias reclamações e outros pedidos de informação que foram apresentados foram, pelos serviços, a si dirigidas para apreciação- conforme se extrai de fls. 78 a 80, 84, 86.
«A propósito da falta de fiscalização daquela obra, atentas as reclamações existentes, a resposta que nos foi dada pela engenheira II, chefe da divisão da DLDF, de que as reclamações iam aos fiscais da zona, não sendo necessário por isso determinar a fiscalização, surge-nos sem coerência ou explicação, porquanto advinda da técnica superior da divisão em questão e sobretudo quando se sabe que a fiscalização não estava a ser efectuada!, a não ser que outras determinações ou justificação pudessem existir que expliquem a sua resposta, mas que por esta não nos foram dadas.
«Ainda a tal propósito, cumprirá salientar que o engenheiro OO, também questionado sobre a inexistência de fiscalização no período em apreço, acabou por referir não lhe caber a si em termos dos procedimentos habituais determinar a fiscalização, já que isso caberia ao DMAT.
«Da conjugação lógica e congruente de tudo o que vem exposto, resulta que efectivamente cabia ao arguido, quer pelas funções que desempenhava, quer pela concreta atribuição do cuidado que lhe foi solicitado no processo em questão, gerir e fazer as determinações aos serviços que superintendia de forma a garantir a fiscalização da conformidade da obra ao projecto licenciado, permitindo que a Câmara Municipal agisse atempadamente, o que não veio a suceder, vindo apenas a ser efectuada uma acção de fiscalização, já após a saída do arguido, quando a edificação estava praticamente concluída e as intervenções na área circundante efectivadas[9], quer no que tange à edificação quer no que se refere à movimentação de terras, desmatação e abertura de caminho de acesso à circular, questão para a qual os serviços camarários e concretamente o arguido estavam alertados desde Setembro de 2004[10].
«A tal propósito, vide ainda o relato de diligência externa de fls. 8 a 15, do qual se extrai o estado da obra e caminho aberto até à circular em Fevereiro de 2006 (alguns dias após o embargo).
«De todo o exposto, resulta evidenciada a factualidade descrita nos pontos 1.14 e 1.21.
«A factualidade constante do ponto 11.22. e 11.33. resulta da análise objectiva do documento de fls. 52/53/54 do apenso I, informação nº 1222, de 01.09.2005, na qual, a Eng.ª A… A… analisa os registos 29650 (relativo à apresentação do projecto de alterações de arquitectura) e o registo 41899 (relativo ao pedido de prorrogação de licença de obras), propondo para o primeiro registo a notificação do requerente para apresentar peças desenhadas e, para o segundo registo, o indeferimento do pedido de prorrogação por caducidade, tal como, o envio do processo à DLDF a fim de se averiguar a evolução da obra para adopção dos procedimentos adequados, vindo o Vereador OO a despachar no sentido de o requerente ser notificado conforme proposto naquela informação, o que veio a ser feito conforme se extrai de fls. 68, da qual resulta a notificação do promotor relativamente aos dois registos nos termos propostos.
«Verifica-se, todavia, do teor de fls. 66 do apenso V, que na sequência desta notificação atinente ao indeferimento do pedido de prorrogação da licença, o arguido veio a proferir despacho de 27.09.2005, no qual referindo que o terminus do prazo para apresentação do pedido de prorrogação terminava em dia de feriado municipal, considerou que tal pedido havia sido tempestivo, pelo que determinou a reformulação da inf. 1222 da DERU, neste ponto, determinando que a DAAA viesse a emitir licença, com a prorrogação requerida pelo requerente, decisão que veio a ser notificada ao requerente em 3.10.2005 e levantada a licença em 17/10/05, conforme documentos de fls. 62 e 66 do apenso V e fls. 6 do apenso II.
«Na sequência da determinação do DMAT, extrai-se ter sido reformulada a informação 1222, nos termos constantes de fls. 55 e 56 do apenso I. –informação que tomou o nº 1346, de 27.09.2005-, a qual veio a ser cumprida na parte respeitante ao despacho do arguido.
«Sobre esta questão foi-nos referido no depoimento prestado por HH, ter telefonado ao arguido chamando a atenção para o lapso existente na contagem do prazo, uma vez que o último dia era feriado municipal, ao que o arguido respondeu que aquele não precisava de fazer nada, pois trataria do assunto, o que, conforme se extrai dos autos, fez, lavrando a decisão que determinou a reformulação da informação técnica da engenharia M… A…, que propôs o envio do processo à DAAA onde foi emitida a prorrogação do alvará de licença por mais seis meses (cfr. fls. 63 a 65 do apenso V.)
«Cumprirá salientar, todavia, duas questões. Por um lado extrai-se do teor do despacho proferido pelo arguido, que o mesmo se cingiu apenas à apreciação da questão da contagem do prazo constante da informação nº 1222 da Engenheira M… A…, pois não se afigura legítimo extrair qualquer outro sentido à expressão consignada naquele despacho do arguido ao referir “neste preciso ponto”, que não seja essa mesma. Por outro, que o arguido, avocando o processo, acaba por proferir uma decisão contrária àquela que fora proferida por um superior hierárquico, o engenheiro OO, corrigindo-a.
«A propósito desta questão, o arguido referiu nas declarações prestadas que as demais questões atinentes à alteração do projecto não eram da sua competência, pelo que se limitou a corrigir o que designou de “erro” da contagem do prazo numa esfera de competência que lhe estava subdelegada.
«Vejamos:
«A engenheira M… A… L… M… de A… C… explicitou-nos, no depoimento por si prestado, que uma das razões que estaria na base da sua proposta de indeferimento da prorrogação do prazo era a existência de um projecto de alterações e não se saber o que estava construído na obra por falta de fiscalização desta, razão pela qual propôs (o que fez no âmbito da apreciação do pedido de prorrogação do prazo - conforme se vê de fls. 53 - ) que o processo fosse à DLDF para ser efectuada uma acção de fiscalização à obra. Pese embora esta testemunha afirme que se tem necessariamente de ligar essa situação (o facto de não haver condições para serem aprovadas as alterações à obra) à apreciação do pedido de prorrogação do prazo e esse entendimento ser controvertido, face ao que nos foi referido pelo Eng. OO no depoimento que prestou, embora a tal propósito não possa deixar de se considerar expressivo aquilo que é referido na conversa telefónica mantida entre o arguido e HH -em 6.02.06-, cuja transcrição se mostra junta a fls. 359, 369 e 371/372, onde ambos falam de um deferimento tácito das alterações ao projecto em virtude da renovação da licença e da falta de inspecção prévia ao deferimento da prorrogação!! , a verdade é que a questão essencial, a nosso ver, se circunscreve à razão, pela qual, pese embora resulte líquido que efectivamente o prazo relativo à prorrogação do prazo estaria incorrectamente contado, o arguido nada refere quanto à questão da fiscalização que no âmbito de apreciação desse pedido era também proposta pela engenheira M… A…. E não se diga que essa questão já havia sido apreciada no âmbito da informação 1222, pela chefe de divisão que a apreciou, porquanto, conforme se extrai do teor do manuscrito aposto a fls. 52, esta técnica entendeu remeter o processo à DLDF, mas, apenas, para apreciação de um requerimento (nº 502175/05, o qual consta a fls. 73 do apenso V e que nada tinha a ver com a questão suscitada pela Eng.ª M… A…, já que se tratava de mais um pedido de informação feito pela L... A...), sem que fosse concretamente apreciada a proposta da Eng.ª A… no sentido de ser feita uma fiscalização à obra.
«Pelo que, mais uma vez, tendo o arguido a supervisão daquela obra e a competência para determinar, se o entendesse, e face ao que vinha explicitado na informação da Eng.ª M…A…, sobre a fiscalização da obra, nada entendeu dizer ou fazer sobre essa questão (numa altura em que estava já apresentado projecto de alterações ainda não apreciado).
«Por outro lado, não poderá deixar de se considerar desconforme a forma algo inusitada como é corrigida a decisão de um superior (vereador OO), pois pese embora a testemunha OO procurasse desvalorizar essa situação, não deixa de transmitir alguma estranheza por o arguido não lhe ter mandado dar conhecimento de tal despacho, referindo que apenas veio a dele ter conhecimento muito mais tarde.
«É a conjugação de tudo o que acima fica exposto, na sua valoração e conjugação crítica e ponderada, nos termos que ficaram expressos, que permitiu a convicção do tribunal no que se refere à factualidade que vem provada no ponto 11.22 e 11.23. em apreciação.
«Relativamente à factualidade provada no ponto 11.24. a sua consignação como tal e para além de tudo o já referido, resultou da análise objectiva dos elementos documentais juntos aos autos, mormente de fls. 266 a 291 (SPO) do processo principal, conjugada esta com o teor do inquérito da câmara, mandado elaborar na sequência de despacho do Presidente da Câmara Municipal de ..., junto ao apenso V e dos quais se extrai que, efectivamente, o processo em questão esteve na DMAT desde o período que mediou entre 3.09.2004 e 23.03.2005, altura em que transita para o designado arquivo activo.
«A leitura do SPO foi-nos ainda elucidada pela engenheira II, no depoimento prestado.
«Feita a análise de tal documentação, mormente dos registos no SPO, extrai-se, que efectivamente no período em análise o processo esteve na DMAT e que havendo registos de requerimentos entrados nesse período, estes registos entre os quais o nº 56900 - pedido de informação da Provedoria do Ambiente, dirigido ao Vereador OO- de 12-10-2004 ( fls. 84) e o requerimento de fls. 80 (registo nº1160) tiveram uma tramitação autónoma, vindo a ser juntos posteriormente ao processo, conforme se extrai do respectivo teor (veja-se o aí manuscrito e carimbos) e do teor do próprio SPO.
«Refira-se a tal propósito, que nos parece algo desprovida de sentido a indicação feita no depoimento prestado por L… J… l… L…, que exerceu as funções de DMAT após a saída do arguido de que a informação do SPO poderá não ser fidedigna, pois foi o próprio que elaborou e assinou o inquérito junto aos autos de apenso V, no qual se conclui expressamente no ponto A-4 a fls. 5 que o processo teve o acompanhamento do DMAT, tendo ficado na sua posse até ao dia 23 de Março de 2005, data em que foi enviado para o arquivo activo onde ficou até 3.05.2005, conforme aliás ressalta da análise do SPO.
«Já a prova produzida não permite firmar a convicção segura e consistente da realidade da factualidade vertida na alínea c) dos factos não provados, porquanto escalpelizados os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas quanto a essa concreta questão, mormente as testemunhas II e C… T…, chefes de divisão, respectivamente da DLDF e da DGURU, referiram não ter recordação de ter havido indisponibilidade do processo ou de dificuldade ao seu acesso. Também a testemunha OO refere que tal situação não lhe foi transmitida pelos serviços.
«Extrai-se, assim, da análise dos depoimentos prestados pelos funcionários da câmara que foram ouvidos, não ter sido confirmada por qualquer um deles a factualidade descrita no ponto em análise, a qual não se mostrando comprovada por qualquer outro meio de prova, mereceu a sua consignação como não provada pela ausência de prova segura e consistente que confirmasse a sua verificação.
«Relativamente à factualidade descrita em 11.27. e 11.28. resultou a mesma da análise da documentação junta aos autos a fls. 64 do apenso I (informação da Eng.ª M… A… de 4.01.2006, na sequência da resposta dada pelo promotor à notificação que lhe foi efectuada na sequência da informação 1222, para anexar peças desenhadas) e de fls. 39 a 42 do apenso V (informação de 10.01.2006, sobre o projecto de alteração ao projecto de arquitectura onde é proposto o indeferimento do mesmo), da qual se extrai a análise então efectuada ao projecto de alterações apresentado pelo requerente em Maio de 2005- veja-se também o teor de fls. 50 e 51 do apenso I (relativos à entrada do projecto de alterações em Maio de 2005), e que, na sequência de proposta da chefe de divisão da DERU de 20.01.2006 que concordando com a informação, propôs a audiência prévia quanto ao indeferimento do projecto de alterações e bem assim o indeferimento do pedido de renovação de licença, o que veio a merecer despacho de concordância do vereador do pelouro OO, em 27.01.2006, conforme acima referido.
«A obra veio a ser embargada em 1/02/2006, conforme se extrai do teor da documentação junta aos autos a fls. 34 do apenso V, vindo a ser proferido despacho de embargo da obra pelo Vereador OO, na sequência de acção de fiscalização realizada em 27.01.2006, por determinação da chefe de divisão, já após a saída do arguido da Câmara Municipal.
«A tal propósito, vide ainda fls. 14 a 17 e 23 do apenso II, fls. 99 do Vol.I e 82 a 87., designadamente a participação e informação nº 372/2006 relativa a acção de fiscalização pelo Engenheiro TT. Tal despacho de embargo foi efectivado em 08.02.2006, conforme auto de embargo de fls. 30 do apenso II.
«A análise de tal documentação na conjugação com a análise dos depoimentos prestados pela engenheira C… T…, pela engenheira M… A… L… M… A… C…, engenheiro P… M…M…G… e engenheiro OO, que referiram sobre o contexto das análises efectuadas e embargo decretado, permitiram a consignação da factualidade descrita em 11.25 e 11.26, como provada.
«O teor relativo ao ponto 11.29. resulta dos relatórios de ocorrência junto a fls. 517 a 536 dos autos (V.III) dos quais se extrai que em 16.12.2006 ocorreu um aluimento de terras nas imediações da edificação. Tal questão vem ainda evidenciada no relato de diligência externa de fls. 510 a 513.
«Relativamente ao ponto 11.30. a sua consignação como provado resulta da conjugação crítica e analítica de todos os elementos probatórios acima referidos, na conjugação com as regras da experiência e normalidade das coisas na indução lógica que dos factos objectivos resultantes de toda a prova produzida permite extrair a ilação dos factos em apreciação, de forma consistente e segura.
«Com efeito, na concatenação de tudo o que se vem de expor, aferido no contexto situacional e relacional em que toda a conduta do arguido decorre, extrai-se não poder ser outra a conclusão sobre a sua actuação, intenção e consciência no âmbito de tal processo, que não a de conferir protecção aos interesses de J… A…senão vejamos:
«O relacionamento do arguido com o referido HH aparece-nos desde logo evidenciado na relação de maior proximidade que entre ambos se estabeleceu a partir do seu conhecimento ocorrido no ano de 2003, em decorrência de assuntos relacionados com a AA...-OAF e do patrocínio que o F…, então deu àquele clube de futebol no valor total e anual de 125.000,00€, relacionamento que se manteve durante alguns anos. Note-se que o HH era o administrador da holding que gere as participações do grupo em questão. Vide a tal propósito relatório das finanças a fls. 194 a 207 do qual se extrai a entrega de diversas quantias pelo F... à AA...-OAF, no decurso dos anos de 2003 a 2005, a título de publicidade e donativos e ainda o teor de fls. 416 a 419–contrato de patrocínio desportivo pelo período de 1.06.2004 a 30.05.2005.
«Este relacionamento entre o arguido e HH surge-nos, por outro lado, evidenciado do teor das escutas telefónicas, cuja transcrição se mostra junta a fls. 356 a 374 dos autos, as quais são claramente indiciadoras do relacionamento, proximidade e contactos existentes entre ambos, bem como da abertura e facilidade com que o HH falava com o arguido relativamente aos assuntos relacionados com a obra em apreço e conhecimento que destas tinha o arguido, bem como da “pressão” que sobre este era exercida, por aquele, para a resolução das questões emergentes da mesma.
«Na verdade e pese embora estas conversações tenham tido lugar numa fase subsequente à saída do arguido da Câmara Municipal, e portanto, quando o mesmo já não era DMAT, a verdade é que o respectivo teor permite-nos intuir e perceber que os assuntos relacionados com aquela obra sempre foram abertamente alvo de conversação e apreciação entre ambos. A tal propósito não é despiciendo trazer à colação o episódio relativo ao primeiro indeferimento de prorrogação do alvará de licença, do qual se extrai que o relacionamento existente permitiu ao HH, com um telefonema pessoal feito ao arguido, ver resolvida de forma eficaz e imediata a questão relativa a tal indeferimento, situação inacessível a qualquer outro munícipe em idênticas condições e que só por si é representativo de tudo o que se passou no âmbito deste processo.
«São expressivas as conversações, com transcrição junta a fls. 356 a 374 dos autos, tidas entre o arguido e HH, em 6.02.2006 e 8.02.2006, na altura em que a obra estava para ser embargada, das quais se reproduz um excerto para melhor compreensão do que acima referimos (de fls. 373/374):
«“ (…) TA: Eu penso que aquilo que é (…) o que é possível, é eventualmente eu tenho lá um pedido de alteração ao projecto inicial, nas condições que o senhor engenheiro conhece, isso sempre conheceu. O senhor Eng.° é que me devia ter despachado esta …antes de ter saído dali, não é?!
«JE- Mas aquilo era dele! Aquilo eram competências do Vereador. Não é minha. O licenciamento é competência dele.
«VM- E a…mas ele o licenciamento sei eu, mas a aprovação das alterações também é da competência dele.
«JE- É. Só ele é que pode deferir.
«(…)
«TA: E o senhor Eng.° não conhece essa gente lá da fiscalização?
«JES: Conheço muito bem!
«TA: Então veja lá se eles não levantam grandes problemas a isso, senhor engenheiro!
«JES: Senhor doutor, eles vão levantar os problemas que o OO quiser! Aquilo é assim: ele diz o que eles devem diz… fazer e eles fazem. São assim, mas eu… eu falo com eles, tá bem!
«TA: Veja é se consegue falar com o OO, para saber o que é que ele quer afinal!
«JES: Okay. Certo.
«TA: …qualquer rebuçado para satisfazer aquela gente. Qualquer coisa p’ra ninguém se chatear ali. Tá a ver?
«E do dia 8.02.2006, a fls. 357:
«“VM – Sabe que eu percebi…. Sabe que eu… eu ontem, depois isto foi andando, eu percebi queee… aaa… portanto, o processo em que eu estou a apanhar e a satisfação que resolveram agora dar àquelas pessoas, cedendo à pressão popular, tem um objectivo também dirigido a si! Não tenho nenhuma dúvida!
«JE – Pode ser que tenha, mas eu aí num…
«VM – Não. Não. Não tenho nenhuma dúvida por isso. Euu…
«JE – Só se for via muito indirecta…
«(…)
«VM – O Sr. Engenheiro terminou a trinta de Dezembro, não?
«JE – Trinta e um de Dezembro, sim.
«VM – Trinta e um de Dezembro. No dia seguinte, começaram a preparar o processo de embargos. E se reparar na notícia que saiu ontem no Diário de ..., o C… E…., mandou levantar um inquérito com o objectivo de saber como é que foi possível, durante este ano e meio, que Havia ilegalidades, que eu não sei a que ilegalidades é que ele se refere, as ilegalidades que se tivessem… tivessem… tivessem… se tivessem verificado sem que ele, pelos vistos como Presidente, tivesse conhecimento, porque i alguém terá estado a servir de… de digamos, de páraque … páraque…
«JE - …(imperceptível) e tenho a impressão que quem se vai lixar é o vereador, porque ele é que é… ele… isso num… isso não é uma competência delegada em mim, é uma competência exclusiva dele… aaa… eu fiz o que meee competia … perguntei aos técnicos da fiscalização…
«VM-…Ó…Ó…Ó
«JE - …como é que andavam as obras e as coisas todas, e portanto quem… (imperceptível)…
«VM - …Ó…ó Z. E… eu…eu….eu reparo… eu…eu… eu da minha parte, terá certamente, problema de natureza absolutamente nenhuma, porque nem sequer há razão para ter. Eu penso que o Dr., o Engenheiro OO, aaa… não terá medido as consequências do seu próprio procedimento, porque ele não estava em condições de poder tomar esta atitude.
«JE- Hum… hum…
«VM – Aaa… como o Sr. Engenheiro sabe e muito bem, o senhor… o Sr. Engenheiro OO esteve comigo e consigo na obra, muito depois de estar Jeito o caminho, e muito depois de estar feita a excesso de construção que é hoje o fundamento do embargo da parte dele.
«(…)
«VM – Oooo… o Sr. Engenheiro sabe perfeitamente que, por exemplo, o muro que está hoje objecto de discussão, que lá está, fo… houve acordo entre nós, o Sr. Engenheiro, eu e o Sr. Engenheiro OO, para o localizar naquele sítio.
«JE – Sim senhor! É verdade!
«VM – Porque nós sabíamos que a propriedade estava ali e que estava tratada, ò pá, vamos deixar uma área de estacionamento…
«JE - ..Foi o …o … foi o Eng. OO que pediu…
«(…)
«E se tal relacionamento resulta claro do que acima se expôs, por outro lado, todo o encadeamento de factos que se surpreende na análise da factualidade provada desde o início da obra até à saída do arguido da Câmara Municipal, quando cessada a comissão de serviço como DMAT, outra justificação não colhe para a ineficácia de actuação da câmara, senão uma deliberada intenção de favorecimento do HH.
«Na verdade e conforme ficou anteriormente explicado, a obra decorreu sem qualquer acção de fiscalização que permitisse identificar as irregularidades construtivas que estavam a ser levadas a cabo, não permitindo outrossim impedir as intervenções na área circundante com movimentação de terras, construção de muros e abertura de caminhos, mais concretamente caminho desde a vivenda até à circular, sem licenciamento da câmara, em área definida pelo PDM como zona verde (V2), as quais para além de não licenciadas contrariam o PDM, atenta a destruição parcial do coberto vegetal[11].
«Ora, tal construção e intervenções não licenciadas vieram a verificar-se gravemente danosas para a encosta onde se procedeu à intervenção, com o desabamento de terras ocorrido em Dezembro de 2006, extraindo-se do Relatório de Ocorrência, constante de fls.517 a 531 do Vol. III, que a causa daquele se deveu a desmatação, movimentos de terra (depósitos e escavações), a abertura de caminhos e construção de muros em pedra, executados deficientemente e sem licenciamento: depósitos de terras não compactadas e drenadas; assentamento de “muros de pedra” sobre terrenos de depósito, sem execução de fundações, o que é visível nos locais em que se verificou o deslizamento/desmoronamento; a existência de águas acumuladas a montante da(s) zona(s) onde ocorreram os deslizamentos/desmoronamentos, não se garantindo condições de drenagem adequadas.
«A realização de movimentos de terra para execução daquele caminho de acesso à moradia, associados à alteração da cobertura vegetal, em área instável e em solos que apresentavam um elevado teor de água, permitiu a formação de um fluxo de lamas que se movimentou e arrastou os muros de suporte, preocupação que os vizinhos da obra largamente expuseram à autarquia, tendo, nomeadamente, dado conta das possíveis consequências.
«Com efeito, torna-se incompreensível a actuação dos serviços camarários quando olhamos à imensidão de alertas, queixas, reclamações, intervenções públicas feitas pelos munícipes residentes nas imediações, não se vislumbrando qualquer justificação em termos de normalidade das coisas para a omissão evidenciada na condução deste processo pelo arguido na sua qualidade de DMAT, dirigente camarário responsável máximo pela fiscalização e a quem tinha sido atribuída e por ele assumida, a condução e acompanhamento do processo, e que portanto, para além da função de direcção que já lhe cabia a nível da fiscalização, em função da subdelegação de competências que lhe havia sido conferida, tinha sobre si o especial ónus da condução atenta daquele processo, que não o de conferir protecção aos interesses do proprietário daquela obra.
«A actuação em questão ou melhor a falta de actuação e zelo na condução deste processo, sem que pelo arguido como responsável dos serviços, tivesse eficazmente determinado as acções necessárias à fiscalização e percepção atempada do estado da obra, visou e permitiu que a obra decorresse ao sabor do interesse do proprietário, sem qualquer paragem até ao seu embargo, ocorrido já após a saída do arguido, e que se consolidassem situações que verificadas atempadamente poderiam ter sido evitadas, bem como evitados todos os procedimentos legais, intervenções camarárias e de instâncias judiciais, que se suscitaram em decorrência de tal procedimento e que ainda hoje decorrem – vide ainda fls.131 a 176, 994 a 1037.
«É a conjugação de tudo aquilo que vem exposto que permite de forma consistente a formação da convicção quanto à realidade dos factos que se consignaram como provados.
«Por último cumprirá referir no que tange ao facto descrito em 11.31 que o mesmo decorre da análise objectiva do teor do documento de fls. 280 dos autos-SPO, quanto à data da apresentação do requerimento e bem assim do teor do despacho do arguido de fls. 66 do apenso V.
«Quanto à factualidade consignada no ponto 11.32. decorre a mesma das atribuições conferidas ao arguido e designadamente aquelas que lhe foram subdelegadas e que constam do edital 51/2003 a fls. 48/49, sendo ainda tal situação referida pelo engenheiro OO no depoimento que prestou.
«Relativamente à factualidade descrita no ponto 11.34. vem-nos a mesma evidenciada do teor objectivo do documento junto aos autos a fls. 47 do apenso I, vindo a mesma a ser relatada quer nas declarações do arguido, quer no depoimento prestado pelo Eng. OO.
«Relativamente ao ponto 11.35. a matéria factual aí descrita quanto às idas à obra, resulta evidenciada de toda a motivação que deixámos acima expressa, aliás conforme referido, resulta da documentação junta aos autos a existência de duas visitas à obra no período de Setembro e Outubro de 2004, do arguido com o Eng. OO, admitindo o arguido ter também visitado a obra pelo menos nos primeiros meses de 2005, havendo referências a tais visitas também no depoimento de HH.
«Já quanto a deslocações do Engº OO à obra no decurso do ano de 2005 se verifica serem estas negadas pela testemunha não resultando de forma segura e consistente da prova produzida a possibilidade da afirmação da sua veracidade, razão pela qual se consignou como não provada a matéria factual da alínea e) dos factos não provados.
«Quanto ao ponto 11.36. extrai-se do SPO e dos vários documentos juntos aos autos os movimentos do processo pelos diversos serviços camarários, sendo que muitos deles era para apreciação de requerimentos avulsos entrados na câmara, conforme referimos supra, sendo tal movimentação aliás consentânea, com um processo desta natureza»»».
«Assim, vista natureza do recurso e ónus que incidem sobre o recorrente, os critérios de apreciação motivada da prova, vista a motivação exaustiva da decisão e o contraponto com a insipiência dos fundamentos que lhe são opostos em termos de especificação de concretos fundamentos probatórios que a contrariem, não estabelecendo o recorrente qualquer conexão directa e ou causal entre concretos factos impugnados e meios de prova que lhe tenham servido ou devessem ter servido de suporte e pudessem impor decisão diversa, muito menos pondo em causa o teor de qualquer afirmação relevante dos depoimentos prestados em audiência que serviram de suporte á decisão, não alegando, muito menos ainda, que o tribunal recorrido tenha atribuído a algum depoente afirmações que não tenha produzido ou contrárias ao consignado/valorado, ponderando tudo o exposto, impõe-se a improcedência do recurso também quanto a este ponto.»
***
1.6. No plano da subsunção jurídica dos factos provados, a fundamentação do acórdão recorrido é como segue:
«Na reapreciação da decisão recorrida em matéria de facto foram sendo efectuadas referências a razões de direito que na motivação do recurso interposto pelo arguido enovelam a impugnação da matéria de facto, atenta a forma imbricada da motivação do recurso.
«Ficando claro, além do mais que, em matéria de facto, ao contrário do suposto pela motivação do recurso interposto pelo arguido, o tribunal recorrido deu como provada matéria relativa à previsão/representação e vontade de realização dos factos objectivos, à consciência da ilicitude da sua conduta, enfim, ao móbil do crime.
«Veja-se o ponto III da descrição da matéria provada: “III- Nas situações que acima vêm descritas nos pontos 1., 3. a 7., 10. e 11., o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta. - Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido (…) norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período”.
«Importando agora enfrentar as estritas razões de direito – preenchimento, pela matéria provada dos elementos típicos do crime.
«A decisão recorrida teve por verificada a prática dos seguintes crimes:
«- um crime de abuso de poderes p e p pelo art. 382º, com referência ao art. 386º do C. Penal [situação descrita sob o ponto 11. da matéria provada]; e
«- um crime de corrupção para acto ilícito na forma continuada no qual foram integrados: - cinco crimes subsumidos individualmente no art. 372º, n.º 1 do C. Penal, sob a epígrafe “corrupção para acto ilícito” [correspondentes aos 5 “casos”/“situações” descritos em 1., 3., 6., 7. 10 (parte relativa ao prédio da Rua V... de C...) da matéria provada]; e três crimes previstos no art. 373º n.º 2 do mesmo diploma, sob a epígrafe “corrupção para acto lícito” [3 situações descritas em 4., 5., e 10 – parte relativa ao prédio da Rua ... M...].
«Nos tipos legais de crime em questão o bem jurídico protegido centra-se na autoridade e credibilidade dos Serviços da Administração do Estado, tendo em vista os princípios superiores da imparcialidade, da salvaguarda da igualdade do cidadão (todos os cidadãos), contribuinte, que paga e a quem de destinam os serviços da administração.
«Tal exigência corresponde a princípios fundamentais da organização do Estado, constitucionalmente consagrados e, em particular, o nº 2 do artigo 266º, da CRP que proclama: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.”
«Princípios consagrados na lei ordinária e regulamentar como sucede, com o Estatuto dos Eleitos Locais, o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local – cfr. art. 3º n. 3 do Dec. Lei 24/84 de 16.01 que afirma a obrigação dos agentes públicos actuarem no sentido de criar no público confiança na acção da administração Pública, em especial no que à imparcialidade diz respeito.
«No mesmo sentido o artigo 4º da Lei n.° 2/2004 de 15.01, que Aprova o Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Regional e Local do Estado, estabelece: “ Os titulares dos cargos dirigentes estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo observar, no desempenho das suas funções, os valores fundamentais e princípios da actividade administrativa consagrados na Constituição e na lei, designadamente os da legalidade, justiça e imparcialidade, competência, responsabilidade, proporcionalidade, transparência e boa fé, por forma a assegurar o respeito e confiança dos funcionários e da sociedade na Administração Pública.”
«O agente, deve assim actuar no exercício das suas funções, sujeito ao respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, mostrando-se particularmente relevante, neste âmbito, pela ameaça que apresenta para o bem jurídico protegido, a violação por parte do funcionário do dever de isenção.
«Dever de isenção definido no art. 5º do Dec. Lei 24/84 de 16/01 da seguinte forma: “0 dever de isenção consiste em não retirar vantagens directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exerce, actuando com independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade cidadãos”.
«*
«No que toca ao crime de corrupção, sob a epígrafe “Corrupção passiva para acto ilícito”, postula o artigo 372º do Código Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 108/2001, de 28.11, aplicável ao caso atenta a data dos factos:
«1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
«Por seu turno, sob a epígrafe “Corrupção para acto lícito”, dispõe o artigo 373º do mesmo diploma, na redacção dada pela Lei 108/2001, de 28.11
«1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
«2 - Na mesma pena incorre o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções públicas.
«A letra/leitura dos dois tipos de crime evidencia que a respectiva epígrafe não condiz com o enunciado. Sendo cero que do enunciado material dos elementos do tipo, não resulta qualquer referência à prática de “acto lícito” ou “acto ilícito”.
«A descrição dos elementos do tipo reporta-se, antes, a acto/omissão “contrário aos deveres do cargo”- art. 372º. Ou acto/omissão “não contrário aos deveres do cargo” – art. 373.
«A apontada falta de sincronia entre o título e o enunciado da acção ilícita típica, atenta a rigorosa tipicidade do ilícito penal, coloca, genericamente, de sobreaviso para duas distintas perspectivas sobre o preenchimento do elemento nuclear do tipo:
«– de um lado a perspectiva subjacente à motivação do recurso para a qual a verificação do tipo de ilícito exigiria a prática de um (outro) perfeito/válido/redondo “acto ilícito” prévio ao ilícito criminal definido no tipo, em si;
«– de outro a perspectiva subjacente à decisão recorrida, fazendo incidir o núcleo da ilicitude típica na “violação dos deveres do cargo” que não na prática de um acto ilícito prévio formalmente válido enquanto tal.
«Como refere A. Almeida Costa (Comentário Coninbricense, a p. 655, em anotação ao crime em apreciação) o fenómeno da corrupção pode reconduzir-se às situações em que um funcionário (na acepção do art. 386° do C.P.) solicita ou aceita uma vantagem patrimonial ou não patrimonial (ou a sua promessa) como contrapartida de um acto (lícito ou ilícito, passado ou futuro) que traduz o exercício efectivo do cargo em que se encontra investido.
«É em função do carácter ilícito ou lícito da conduta do funcionário visada pelo suborno que se estabelece a contraposição entre corrupção própria e imprópria.
«O bem jurídico objecto de protecção reconduz-se ao prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos.
«Ou, como refere Cláudia Cruz Santos [in A corrupção de agentes públicos em Portugal: reflexões sobre o seu regime jurídico-criminal em expansão no Brasil e em Portugal, p. 100], “a interdição da corrupção visa defender a legalidade da actuação dos agentes públicos, a quem está vedada qualquer negociação relacionada com as suas funções, pois só assim se garante a objectividade decisional do Estado.”
«Ao transaccionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, a corrupção (própria e imprópria) traduz-se, por isso, numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário que, assim, viola a autonomia intencional do último. Ou seja, em sentido material, infringe as exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de Direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas.
«Consistindo o bem jurídico na autonomia intencional do Estado e não no valor ou interesse porventura afectado pela conduta do funcionário a quem se dirige a peita, a correspondente violação (e consumação do ilícito) ocorre logo que se depare com uma declaração de vontade do empregado público que evidencie a inequívoca intenção de mercadejar com o cargo, “vender” o exercício de uma actividade (lícita ou ilícita) compreendida nas suas atribuições ou, pelo menos, nos seus “poderes de facto”. O mercadejar com o cargo assume-se, pois, como o vector essencial e o verdadeiro cerne dos crimes de corrupção.
«Apresenta-se assim como um crime material ou de resultado, cuja consumação ocorre no momento em que a “solicitação” ou “aceitação” do suborno, ou da sua promessa, cheguem ao conhecimento do destinatário.
«Por outro lado, a corrupção passiva reveste a natureza de delito específico, uma vez que o agente tem de se revestir de uma especial qualidade, a de funcionário ou titular de cargo político.
«Na relação entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor afigura-se inteiramente fundada, em função da teleologia do crime, a posição expendida por Cláudia Santos (ob. Cit, fls. 129 e segs.) quando salienta que a interdependência entre os dois vectores assinalados deve ser perspectivada de uma forma flexível.
«Na verdade, a propósito da exigência de um verdadeiro sinalagma entre as prestações do corruptor e do funcionário corrupto, certo é que a corrupção supõe uma negociação ilegítima com os poderes associados a determinado cargo e, por isso, uma conexão entre o “contributo” do agente da corrupção activa e a eventual prática de um acto do agente da corrupção passiva e portanto uma correspondência entre as prestações do corruptor e do funcionário.
«Como refere de forma elucidativa Cláudia Cruz Santos (ob. cit., p. 109 e segs.) “ … a consideração dos delitos de corrupção como crimes de resultado de dano, que visam tutelar um bem jurídico definido como a legalidade da actuação dos agentes públicos impeditiva do recebimento de vantagens e preordenada à defesa da sua objectividade decisional permite-nos que consideremos inequivocamente típicas várias condutas, porque lesivas daquele bem jurídico e não excluídas do âmbito de aplicação da norma pela letra da lei. Extraiam-se daqui, portanto, as conclusões devidas e exemplifique-se com algumas das hipóteses que mais duvidas tem suscitado aos aplicadores: 1) pode haver crime de corrupção passiva e activa ainda que o valor da peita não seja proporcional ao valor ou importância do acto a praticar; 2); pode haver crime de corrupção passiva e activa sem que o acto acordado ou almejado venha a ter lugar; 3) pode haver crime de corrupção passiva e activa sem que fique demonstrado que a solicitação, aceitação ou oferta da peita têm por objectivo a prática de um acto concreto e determinado; 4) por maioria de razões, pode haver crime de corrupção passiva e activa quer a oferta/recebimento sejam anteriores à prática do acto, quer sejam posteriores; 5) pode haver crime consumado de corrupção, quer activa, quer passiva, mesmo que o agente público não chegue efectivamente a receber a vantagem prometida ou solicitada.”
«A ilicitude e ilegalidade de actuação do agente público que aceita ou solicita vantagens provindas de quem tenha pretensão dependente das suas atribuições/funções é assim independente da demonstração de qualquer acto que a vantagem visasse retribuir.
«No que toca ao âmbito das funções do agente as condutas subsumíveis ao ilícito não são apenas aquelas que correspondem às específicas competências ou atribuições legais do funcionário, mas sim todas aquelas que decorrem da posição “funcional do agente”, ainda que com meros poderes de facto; sendo assim suficiente para preencher a tipicidade do crime a simples circunstância de a actividade em causa se encontrar numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo.
«Assim acontecerá sempre que a realização do acto subornado caiba no âmbito “fáctico” das suas possibilidades de intervenção, i. e., dos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, ou seja das possibilidades fácticas que apesar de o exorbitarem, são propiciadas pelo cumprimento normal das suas atribuições legais.
«Na verdade, como refere A. Almeida e Costa (Comentário Coninbricense, em anotação ao preceito correspondente) a “autonomia intencional do Estado” resulta ofendida com igual intensidade, quer o acto subornado tenha sido realizado pelo próprio funcionário “competente”, quer provenha de outro que, possuindo uma relação funcional directa com o serviço, apenas o levou a cabo na actuação de meros “poderes de facto”. Na medida em que estes decorrem de uma relação funcional do agente, i.e., do posto que ocupa, o recebimento da “peita” pelo (ou para o) seu exercício constitui, ainda, uma transacção com o seu cargo e, por isso, uma situação de corrupção passiva.
«Distingue-se ainda neste âmbito entre a corrupção antecedente e subsequente, distinção que assenta essencialmente no momento do oferecimento ou solicitação da peita face ao momento do acto pretendido e ou propiciado pelo corrupto. Assim, quando a oferta da peita ou o seu pedido ocorrem antes do acto, estamos perante corrupção antecedente, quando o acto é praticado pelo agente público e só depois se dá a solicitação ou oferta da peita, fala-se de corrupção subsequente.
«Em termos legais e de gravidade as duas situações são equiparadas. Conforme refere Cláudia Santos (ob. Cit., fls. 112) o desligamento dos crimes de corrupção da efectiva existência e mesmo da possibilidade de determinação em concreto do acto pretendido retiram, também, relevo ao conceito.
«De qualquer forma, a própria previsão explícita da corrupção subsequente acaba por acentuar a ideia de que a lesão da autonomia intencional do Estado, no mercadejar com o cargo, acontece mesmo quando o acto é praticado antes do “acordo” entre corruptor e corrupto.
«Constituindo um argumento relevante no sentido de afastar a ideia do já designado “pseudo-sinalagma” entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor. Afastamento esse que encontra um outro suporte muito relevante na alteração da lei (Código Penal), mormente na substituição operada no segmento típico “como contrapartida de” pela expressão “para um qualquer acto ou omissão”.
«Na corrupção passiva distingue-se entre corrupção própria e imprópria.
«A corrupção imprópria, ou para acto lícito (artigos 373º do C. Penal e 17º da Lei 34/87 redacção da Lei 108/2001) constitui o crime-base, em que o elemento do tipo é um acto conforme às funções do agente público, quer tal acto tenha ocorrido, quer seja pretendido e se logre fazer prova dessa intenção.
«Em contrapartida, na corrupção própria, ou corrupção para acto ilícito (artigos 372º do C. Penal e 16º da Lei 34/87 redacção da Lei 108/2001 – para os titulares de cargos políticos), surge como elemento típico nuclear o acto contrário às funções do agente público. Assumindo esta corrupção para acto ilícito a natureza qualificada do ilícito - cfr. Almeida Costa in “Sobre o crime de Corrupção”, p. 54.
«A distinção da licitude/ ilicitude do acto apresenta-se como uma das questões basilares, mas que tem vindo a ser objecto de diversas interpretações na sua apreciação casuística e conceptual.
«Temos assim a corrupção imprópria ou para acto lícito de que é elemento típico o acto conforme às funções do agente público e a corrupção própria ou para acto ilícito, de que é elemento típico o acto contrário às funções do agente público.
«É em função da conduta licita ou ilícita do funcionário visada pelo suborno, ou mais precisamente, de acordo com a natureza do acto praticado ou omitido como contrapartida da solicitação ou aceitação do dinheiro ou vantagem que se distingue a corrupção própria da corrupção imprópria.
«Como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.04.2010 in www.dgsi.pt. (acórdão que confirmou a decisão deste Tribunal da Relação de ... proferida no âmbito do processo n.º 169/03.2JACBR.C1) “a lei não se refere a acto ilícito, “tout court”, mas antes à prática de “acto que implique violação dos deveres do cargo” o mesmo é dizer quando existe desvio dos poderes inerentes ao cargo ou aos “poderes de facto” de tal exercício. Do mesmo modo, na corrupção para acto lícito, a letra da lei refere-se à prática de “acto não contrário aos deveres do cargo”, portanto, quando não existe desvio dos poderes inerentes ao exercício do cargo.
«Tónica da distinção referida que se mostra mais evidente quando atentamos no núcleo do ilícito típico - a actividade de mercadejar com o cargo. O núcleo do ilícito situa-se no “mercadejar” com os “deveres do cargo”. Que não da definição de um (outro!) ilícito prévio, anterior ao ilícito definido no tipo.
«Estamos assim perante um critério de distinção substancial ou de fundo ligado a uma perspectiva teleológica, no sentido de que a nota distintiva está na actuação do funcionário e na conformação do uso dos seus poderes (de facto ou de direito) ou competências segundo o padrão de objectividade, isenção, legalidade requeridos pelos deveres do cargo.
«Citando A. A. Costa (ob. cit. p. 667 e segs.) refere o citado Ac. do STJ que “’A destrinça entre corrupção própria e imprópria não suscita dificuldades quando, devido à gratificação, o funcionário exorbita o âmbito da discricionariedade que a lei lhe confere. Nessa hipótese o acto apresenta-se como ilícito no tocante ao fundo ou substância, pelo que se está na órbita da corrupção própria. Que dizer, porém, se apesar de não ultrapassar a esfera de discricionariedade, o agente se deixa influenciar pelo suborno, tomando uma decisão diversa da que tomaria se a gratificação (ou promessa) não tivesse ocorrido? Ainda aqui se depara com um acto ilegal, ferido de uma invalidade que contende com o seu conteúdo ou substância que, segundo a terminologia tradicional, se designa de desvio de poder (Marcelo Caetano, Manuel de Direito Administrativo, 1980, 506-12, Afonso Queiró, o Poder Discricionário da Administração, 1944 e BFDC XLI (1996)) …., só se estará em face de uma corrupção imprópria quando o suborno em nada influiu na conduta do funcionário, i. e., não interferiu no uso dos seus poderes discricionários”.
«A lei prevê ainda uma terceira modalidade do ilícito, o que a doutrina designa de “corrupção sem acto” ou corrupção sem demonstração do acto pretendido, prevista no n. 2 do artigo 373º do Código Penal.
«Corresponde a uma situação em que a prática ou a demonstração da intenção de um acto concreto são irrelevantes. Bastando a promessa ou o pedido de vantagens que não tenham explicação plausível outra que não a relacionada com um mercadejar com o cargo. Em tal situação não se exige a previsão ou o desejo da concretização de um determinado acto, bastando a demonstração de que um funcionário (ou titular de cargo político) solicitou ou recebeu uma vantagem oriunda de quem esteve, está ou previsivelmente virá a estar em uma relação de índole profissional com ele. Não se exige prova de que com o pedido ou aceitação se pretenda compensar um qualquer determinado acto, praticado ou a praticar pelo funcionário. O que está em causa é uma determinada conduta que não pode deixar de ser compreendida por não ser explicável razoavelmente de outro modo (quer à luz de critérios de experiência comum, quer de critérios de razoabilidade) a não ser no contexto da criação de um clima de viciação da objectividade decisional do funcionário, não se mostrando justificável a não ser como um modo de criar um clima de “simpatia” ou permeabilidade para posteriores diligências (cfr. Manuel Almeida Costa, Comentário Conimbricense, pág. 671), quando tais vantagens não possam ser razoavelmente explicadas a não ser no contexto das competências funcionais do agente, sendo para todos os efeitos equiparado para efeitos de sancionamento, ao tipo previsto no n.1 do art. 373º.
«A este propósito é pertinente mais uma vez a observação de Cláudia Santos (ob. cit. p. 132): “se não se criminalizou a aceitação por funcionário ou político de presente oferecido por familiar ou amigo no seu aniversário ou no Natal, já se pretendeu incriminar o pedido ou recebimento de oferta por agente público quando essa oferta — tendo em conta quem a outorga, as pretensões que tal pessoa tem ou teve, e o valor não insignificante da dádiva — não pode ser concebida no contexto da pura pessoalidade, mas apenas no âmbito da funcionalidade.”
«Aliás das alterações legislativas introduzidas pela Lei 108/2001 de 28.11, resulta uma alteração aparentemente subtil - a substituição, no tipo, da expressão “como contrapartida de” pela referência “para um qualquer acto ou omissão”. O que não pode deixar de ter visado ultrapassar as dificuldades inerentes à prova daquilo a que se chamou “sinalagma” entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor.
«Também a previsão explícita da corrupção subsequente clarifica a ideia de que se pode lesar a autonomia intencional do Estado, mercadejando com o cargo, mesmo quando o acto é praticado antes do “acordo” entre corruptor e corrupto.
«Trata-se de um crime de realização instantânea, que conforme salienta o Ac. do T. R.C. de 01.10.2008: “’a consumação do crime de corrupção passiva ocorre no momento do conhecimento da solicitação da vantagem (ou promessa) pelo agente integrado no conceito jurídico-penal relevante pelo destinatário ou da sua aceitação, quando a iniciativa pertence a terceiro. Isto, independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita mercadejada, circunstâncias que não constituem elementos essenciais do crime de corrupção.
«*
«No que diz respeito aos elementos do tipo subjectivo importa salientar que – ao contrário do que subjaz ao entendimento sufragado na motivação do recurso, numa refundação que o transformaria em crime de verificação impossível – a lei não faz referência a qualquer exigência especial para além dos elementos gerais do dolo previstos no art. 14º do C. Penal.
«Ora, para verificação dos elementos do tipo subjectivo, o dolo desdobra-se nos chamados elementos intelectual (representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo - intenção de realizar o facto típico, aceitação como consequência necessária da conduta, conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível, nas 3 modalidades previstas no art. 14º do C. Penal - directo, necessário e eventual). A que acresce um elemento emocional que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude – cfr. Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 71-72 e Rev. Port. de Ciência Criminal, ANO 2, 1º, p. 18-19. “Elemento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo; uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas (…) quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 333.
«Não constando do tipo objectivo a descrição de qualquer elemento subjectivo adicional (do género do impropriamente chamado dolo específico ou uma especial direcção da vontade) para o preenchimento dos elementos do tipo subjectivo basta a previsão e vontade de realização dos elementos do tipo objectivo em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.
«*
«No caso dos autos não sofre dúvida, nem é questionado, que as actuações imputadas se situam no âmbito dos poderes funcionais do arguido, dentro dos actos que aquele exerceu no desempenho das suas concretas competências públicas, dentro do conceito amplo de funcionário previsto no art. 386º do C. Penal. Encontrando-se os factos da acusação/pronúncia dentro da esfera de poderes do cargo que ocupava à data.
«É indiferente a circunstância da actuação do agente ter ocorrido no âmbito de deliberações de um órgão colegial ou de a posição tomada ou a tomar pelo arguido em tais deliberações poder não ser suficiente (por si só), a uma deliberação favorável aos interesses do corruptor.
«Atenta a falada incidência do ilícito típico na violação dos deveres do cargo a realização do tipo não exige a prática de um acto administrativo final e definitivo a natureza formalmente válida e ou perfeita – aliás em tal circunstância, verdadeiramente, carecia de sentido, pois que bastaria a anulação do acto administrativo para a reposição da ordem jurídica.
«A motivação do recurso bem como, salvo o muito devido respeito pelo douto parecer junto com aquela motivação dando-lhe guarida, dá como subliminarmente eclipsados determinados pontos da matéria facto. Fazendo-o com base em premissas de direito previamente assumidas. E retira consequências de direito das previamente assumidas imposições de facto.
«Repousando na perspectiva – não verificada, como foi referenciado na apreciação das críticas à decisão da matéria de facto - de que não se provou nem o recebimento indevido nem a prática de qualquer acto ilícito formalmente válido e definitivo por parte do recorrente nem que o arguido tivesse presente a ilicitude da sua conduta.
«Tal construção, não podendo estar afectada pela relação de amizade (testemunha abonatória) do eminentíssimo primeiro subscritor do douto parecer, passa em claro matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido que não foi modificada em sede própria, como melhor se verá infra, caso a caso.
«Desde logo o ponto III da descrição da matéria provada: “III- Nas situações que acima vêm descritas nos pontos 1., 3. a 7., 10. e 11., o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta. - Ao actuar na forma descrita nas situações e período referidas em 1., 3. a 7. e 10., o arguido agiu (…) norteado e motivado pelas constantes dificuldades económicas e financeiras do clube por si presidido e dos compromissos que a este cabia assegurar ao longo de tal período”.
«Por outro lado, embora sedutora, tal construção não pode sobrepor-se a uma interpretação da lei orientada, teleologicamente, para a protecção do bem jurídico tutelado pelo crime. Podendo contrapor-se desde logo qual o fundamento para aceitar a prática de pagamentos de empresários da construção civil ao Futebol como contrapartida de despacho prioritário e a contento na Câmara? Tal legitimaria o mesmo procedimento a favor de outros clubes, até de instituições de solidariedade social, de socorro, de saúde, das veneráveis Repúblicas que têm servido gerações de estudantes ávidos de conhecimento, da vetusta universidade, farol da cidade, enfim do ansiado Metro do .... Tudo instituições não menos meritórias, nos fins e benefícios trazidos à cidade quanto o futebol, profissional. A perspectiva do recorrente levaria a que bastasse a interposição de um clube, fundação perpetuadora do nome do augusto fundador, sociedade comercial in ou ofshore, sem directos fins lucrativos, interposta entre a troca de despacho (não concedido ao vulgar cidadão mero pagador de impostos) por dinheiro (de outra forma não concedido) para qualquer instituição fosse indiferente do ponto de vista do preenchimento do recorte típico do crime.
«Os bens/interesses transaccionáveis nem se resumem ao encaixe directo de dinheiro. Existindo outros, relevantes, susceptíveis de transacção com os deveres do cargo, como poder, (re)nome, votos, estatuto social, favores etc., etc..
«O que caracteriza o crime de corrupção nem é a natureza, muito menos o fim último do acto praticado. Nem a validade ou nulidade formal do acto ou negócio – aliás a corrupção pressupõe, matricialmente, actos formalmente válidos mas corrompidos. Mas antes a violação dos deveres da função. O que o densifica é, como reconhece aliás o eminente parecer, o desvio dos deveres da função em troco de benefício não devido. Benefício que, no caso de funcionário ou agente da administração é suposto ser constituído, pela justa remuneração, ordenado, vencimento estipulado como contrapartida do exercício do cargo. E não com contrapartidas, ainda que com finalidades futebolísticas, ou porventura outras mais respeitáveis, onde o agente pontifica como mannager com os interesses inerentes á chefia do Clube.
«Alega o recorrente que a decisão recorrida confunde um contrato gratuito com um contrato unilateral e não aponta ao recorrente a prática de qualquer acto ilícito nulo ou substancialmente inválido. Mas, como se viu, não consta dos elementos do tipo de crime a existência ou não de contratos formal ou até materialmente válidos. Estando centrado, antes, na prática de actos em violação dos deveres do cargo.
«Especificando um pouco mais, caso a caso
«*
«Situação descrita sob o ponto 1 da matéria provada – empreendimento “J... do M...”, do empresário JJ, sob a titularidade da sociedade “Q… do J…, G… e E…T…, SA”.
«Resulta da matéria provada em suma que JJ contribuiu com avultadas quantias para a AA...-OAF, quer directamente, conforme se extrai do ponto 1.9., quer através de empréstimos feitos ao arguido AA e que este posteriormente canalizava para aquele clube de futebol a cuja direcção presidia e que ascenderam pelo menos a 3.589.000,00€, sendo que, em pouco mais de um ano (entre Junho de 2004 e Julho de 2005), atingiram os valores discriminados no quadro descrito no ponto 1.6. dos factos provados - 3.119.208,50€ - valores esses, que o JJ lhe concedia sem a cobrança de qualquer importância a título de juros. JJ detinha perfeito conhecimento do exercício de funções por parte do arguido na Câmara Municipal de ..., como D... M... da A... do T..., estreitando-se o relacionamento entre ambos pelo facto de JJ ser interessado, no projecto de loteamento e edificação do empreendimento imobiliário “J... do M...”.
«O processo relativo a esse empreendimento, conforme resulta dos pontos 1.13 a 1.16., encontrava-se pendente na Câmara Municipal de ... desde 1995, tendo sido emitido o respectivo alvará de loteamento com o nº 438, em 08.11.1999, objecto de quatro aditamentos, sendo o último resultante da Deliberação da Câmara n. 4982/2004, de 31.08. O empreendimento foi aprovado com o benefício da majoração máxima permitida no que se refere à área bruta de construção, face à qualidade do projecto apresentado.
«No entanto resulta dos pontos 1.26. e 1.27., que logo em 02 de Fevereiro de 2005 foi constatado pela equipa fiscalizadora da Câmara Municipal de ..., que a obra estava a ser edificada para além da cota licenciada e autorizada tendo sido elaborado relatório em conformidade, com o nº. 372/2005, e só não levou ao embargo da obra, porque entretanto foram emitidos os títulos administrativos, conforme resulta dos factos descritos em 1.28 e 1.16.
«Já no âmbito da fiscalização da fase da edificação, ocorrida alguns dias após aquela primeira acção de fiscalização (designadamente entre os dias 11 e 16 de Março de 2005), veio a ser detectado que todos os lotes, à excepção do 18, apresentavam a construção de pisos acima da cota de soleira não constante do projecto aprovado, conforme se evidencia no ponto 1.17. e no quadro descritivo aí indicado, do qual resulta aquilo que foi constatado pela equipa fiscalizadora, quanto ao que se mostrava executado relativamente aos pisos não aprovados e licenciados. Também as varandas dos lotes contíguos à Avenida da L… apresentavam uma área superior à constante do projecto aprovado – meio metro no sentido do alçado lateral – decorrente de alteração posterior.
«A situação relativa à edificação de pisos a mais veio a conduzir ao embargo parcial da obra, nos termos referidos em 1.17, por despachos do Vereador competente, Engº OO.
«Foi JJ quem determinou o reforço da estrutura dos lotes com vista a possibilitar o acrescento dos pisos por ele visada, conforme resulta dos pontos 1.18. e 1.25.
«Por sua vez o arguido/recorrente acompanhou a evolução do empreendimento desde que passou a desempenhar as funções da D... M... da A... do T..., designadamente deslocando-se ao local onde estava a ser erigido, recebendo dos serviços que supervisionava as informações que recolhiam quando os respectivos funcionários ali se deslocavam, reunindo com regularidade com os responsáveis técnicos da obra, tendo mesmo analisado os pedidos de alvará de autorização de construção e elaborando, quando para tal foi chamado, informações técnicas.
«O arguido/recorrente estava ciente da pretensão do empresário JJ quanto ao acréscimo de pisos então não licenciados e, bem assim, da evolução verificada na edificação do empreendimento no terreno, pelo menos desde data não apurada do último trimestre de 2004, com o reforço das fundações e estrutura dos lotes, adequada a suportar os pisos não aprovados, iniciado em meados de 2004. Mas procurou evitar que as equipas camarárias competentes, dependentes directamente da sua direcção, procedessem a acções de fiscalização no local – cfr. pontos 1.25 a 1.32. dos factos provados que identificam as dificuldades que visou criar à realização da fiscalização, numa altura em que eram visíveis as desconformidades da obra executada com aquilo que fora licenciado. Tais actuações tiveram em vista retardar e evitar as acções de fiscalização iminentes bem como as consequências previsíveis – em face da obra executada - que apenas acabaram por ocorrer por circunstâncias que escaparam ao seu controlo, a que não foi alheio o conhecimento público da situação através dos meios de comunicação social.
«É elucidativa a matéria de facto descrita nos pontos 1.25. (parte final) e 1.26., quanto à acção de fiscalização ainda da fase do loteamento, e 1.29. a 1.32. estes já relativos a acção de fiscalização da obra edificada, relativamente à qual tendo o arguido tomado conhecimento do início e pretendendo desmotivar os funcionários competentes de a levar até final, nas circunstâncias inusitadas descritas nos factos provados lhes solicitou que adiassem tal acção de fiscalização.
«Dos factos sumariamente descritos resulta que o arguido solicitou e aceitou para o clube de futebol, a cuja Direcção presidia, as vantagens patrimoniais concedidas pelo referido JJ, sem a cobrança de juros, sabendo que dessa forma se criava uma situação importante de dependência desse auxílio financeiro e para além do mais uma situação de constrangimento que conduziu a que actuasse no exercício das suas funções públicas, com a intenção de dar protecção aos interesses e pretensões daquele empresário, que não estavam compreendidos no licenciamento concedido relativamente ao referido empreendimento, e que naquelas circunstâncias concretas se mostravam contrários a disposições urbanísticas vigentes, a que devia obediência, designadamente quando procurou evitar as acções inspectivas àquele empreendimento, sabendo que praticava actos contra os deveres a que estava vinculado enquanto D... M... da A... do T....
«O recebimento das aludidas vantagens não pode deixar de se considerar indevidas, atenta a relação causal, estabelecida entre o pagamento de dinheiro para o Futebol como condição, indevida, da prática de actos que de outra forma não seriam concedidos, como DMAT.
«Para o preenchimento do crime de corrupção passiva, basta tanto a solicitação como a aceitação da vantagem patrimonial indevida por parte do funcionário - no caso, o arguido/recorrente na sua qualidade de D... M... da A... do T... da Câmara Municipal de .... Mostrando-se provado que solicitou e aceitou quantias monetárias de elevado valor, as quais não podem deixar de se considerar vantagens patrimoniais, pois ainda que algumas delas consubstanciem empréstimos, estes foram disponibilizados ao arguido sem o pagamento de quaisquer juros, ainda que para benefício de terceiro, a AA...-OAF, situação expressamente prevista no tipo.
«Por outro lado o arguido solicitou e aceitou as ditas vantagens de pessoa que detinha claras e evidentes pretensões dependentes do cargo que exercia, facto por este conhecido e aceite e que apenas lhe foram concedidas em função do cargo desempenhado. Efectivamente o arguido no exercício funcional que detinha apenas poderia auferir o seu vencimento/remuneração/ordenado e não outros benefícios. Pelo que ao solicitar os elevados contributos financeiros por parte do promotor que detinha claros e importantes interesses sob a alçada do exercício funcional do arguido, com consciência dessa situação e de que só por isso lhe foram atribuídas, recebeu vantagens indevidas ainda que depois transferidas para terceiro (AA...-OAF). Torna-se na verdade incontornável, a inexistência de qualquer outra justificação crível para que um empresário como o é o JJ, atribuísse os valores relevantíssimos ao arguido e para a AA...-OAF, sem qualquer contrapartida designadamente a título de juros, que não os especiais e importantes interesses que detinha no empreendimento dos “J... do M...”, para além do mais face às pretensões que para este gizava e que pressupunham a simpatia e permeabilidade de quem funcionalmente pudesse nos mesmos influir.
«Temos assim que o arguido actuou no exercício das suas funções públicas motivado por aquela atribuição, no sentido de conferir protecção aos interesses e pretensões daquele empresário que de outra forma não faria. Obstaculizando – contra os seus deveres - as acções de fiscalização à edificação em curso, numa altura em que as desconformidades da mesma seriam alvo de sancionamento e poderiam conduzir à sua inviabilização.
«Aliás, resulta do ponto 1.21. que após a acção de fiscalização levada a cabo malgré tout, o promotor ainda tentou a viabilização das alterações efectuadas, através do pedido de informação prévia, mas que no contexto em que tudo ocorreu já não surtiram efeito, acabando por ser determinada a demolição dos pisos não licenciados.
«A evidenciada actuação do arguido, ainda que não expressa em qualquer acto ilícito nulo ou substancialmente inválido, não pode deixar de se considerar uma actuação motivada e determinada como contrapartida das vantagens patrimoniais concedidas para o Futebol da A..., através da acção do recorrente, condicionada na imparcialidade que lhe era exigida no exercício do cargo, actuando de modo diverso daquele que lhe era exigível e daquele que actuaria não fosse a aludida prestação futebolisticamente orientada.
«Impõe-se a conclusão de que actuou com desvio dos poderes inerentes ao cargo, ainda que no âmbito da discricionariedade dos poderes que lhe eram conferidos como DMAT, influenciado pelas vantagens indevidas recebidas para o clube, agindo de modo diverso daquele que lhe era exigido funcionalmente na qualidade funcional que detinha, uma vez que não só não podia receber dinheiro como contrapartida do exercício das funções que lhe competiam, contrariando o dever de fiscalização atempada e eficaz sobretudo de um empreendimento daquela dimensão e com notória visibilidade e relevância para a cidade.
«Ao tomar decisão diversa daquela que lhe era exigível e que tomaria não fora a benesse, indevida, obtida, o arguido actuou violando os deveres da isenção, imparcialidade, objectividade, legalidade e igualdade de todos os munícipes perante a administração.
«Daí, que não possa deixar de se considerar, que não sendo a sua actuação ilícita “tout court”, ela não deixa, ainda assim, de ser violadora dos deveres do cargo, que contende com o seu conteúdo e substância.
«A actuação de mercadejar com o cargo situa-se no âmbito dos seus poderes funcionais, já que no desempenho das suas concretas competências públicas, encontrando-se dentro da esfera de poderes do cargo que o recorrente ocupava.
«Aliás nem se pode considerar que existisse, no caso, qualquer deferimento tácito da pretensão do empresário que lhe permitisse prosseguir a execução dos trabalhos para a fase de edificação, como parece fazer crer o recorrente, ainda que se considerasse decorrido o prazo para a emissão do alvará de autorização, no que se refere aos lotes 1,2 e ¾, sempre existiam outras condições não verificadas no caso, para que a obra pudesse prosseguir sem a devida autorização, designadamente as previstas no artigo 113º do RJUE, como seja o pagamento prévio das taxas que se mostrem devidas (cfr. para a emissão do alvará, o artigo 74° n.º 2 RJUE).
«O que resulta da matéria provada é que quando foi efectuada a acção de fiscalização de 3.02.2005 (cfr. facto 1.26. e relatório de fls. 4144 e 4145, na qual foi detectada em todos os lotes execução de obras de urbanização para além do licenciado na fase do loteamento, não existia qualquer deferimento tácito que justificasse a sua realização pelo promotor, conforme se evidencia das datas relativas ao deferimento dos projectos de arquitectura de todos os lotes) a que alude o quadro descritivo do ponto 1.16., sendo certo que relativamente a alguns dos lotes o deferimento do projecto de arquitectura só ocorreu após a acção de fiscalização.
«Conclui-se assim, relativamente à situação em apreço (descrita em 1 da matéria provada), que o arguido, no exercício das funções públicas que exercia, solicitou e aceitou quantias monetárias provindas de quem tinha pretensão dependente do exercício das suas funções, a que não tinha direito, pelas quais se deixou motivar no exercício das mesmas, recebendo para o efeito, vantagem patrimonial indevida.
«Mostrando-se preenchidos os pressupostos do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372º 1 do C. Penal.
«*
«Situação descrita em 3 – relativa ao empresário LL.
«Resulta provado que num encontro entre o recorrente e o promotor imobiliário LL, na qualidade de Director Municipal, o arguido instou aquele LL a auxiliar financeiramente a AA...-OAF, face à grave crise que a instituição atravessava, acabando por ficar acordado entre ambos que aquele contribuiria com uma quantia monetária para a AA...-OAF, a entregar fraccionadamente. Na concretização desse acordado, dias mais tarde, em 24/06/2005, LL entregou a título de donativo para a AA...-OAF um cheque no valor de 10.000 Euros, vindo a entregar em Agosto seguinte, outro cheque, do mesmo valor, datado de 31/08/2005, ambos à ordem da AA...-OAF.
«Mais resulta dos pontos 3.3. a 3.6., que LL tinha, na altura, interesses pendentes de resolução na CM..., relativamente aos lotes A10 e A11, que havia doado a suas filhas e onde estas construíram duas moradias, que haviam sido objecto de uma proposta de indeferimento do pedido de emissão de autorização de utilização que foi notificada a LL dias antes da concessão daquelas atribuições patrimoniais (3.3.). Bem como que este tinha interesse na aprovação dos novos projectos de alterações e telas finais que teve de apresentar na Câmara Municipal, na sequência de tal proposta (3.4. e 3.5.), o que fez a 06 e 09 de Junho de 2005.
«Face à disponibilidade manifestada pelo referido LL em contribuir para os cofres da AA...-OAF - ponto 3.6. - o arguido chamou a si o processo de decisão desses processos, sem solicitar previamente ao departamento camarário competente que os havia anteriormente analisado, nova informação respeitante a essas obras, e por despachos de 09/06/2005 e 20/06/2005, respectivamente, deferiu-as, sem quaisquer condições, designadamente as referidas em 3.6..
«Com tal avocação do processo evitou que os serviços que habitualmente o fariam apreciassem as alterações operadas e que não figuravam no projecto aprovado e licenciado. Alterações omitidas pelo arguido, conforme resulta do ponto 3.6., que impediam que fosse emitida a respectiva licença de autorização de utilização das moradias mas que, não obstante, o arguido recorrente AA determinou que fosse passada pela divisão competente, como aconteceu.
«Por outro lado, não fora a circunstância de o arguido AA ser D... M... com poderes de decisão em matéria urbanística, LL nunca teria efectuado aqueles “donativos”, apenas o tendo feito para evitar que a recusa pudesse prejudicar a apreciação, dos seus projectos imobiliários na cidade pelo também director do F...da A....
«Solicitando e aceitando para a AA...-OAF as aludidas vantagens patrimoniais, agiu o arguido/recorrente deliberada, livre e conscientemente com a intenção de, já enquanto DMAT, praticar actos no âmbito de processos que respeitassem a interesses do referido LL que o favorecessem, beneficiando-o.
«Contextualizada quer a atribuição pecuniária a favor do arguido/AA...-OAF quer a concreta actuação do arguido no âmbito dos procedimentos de deferimento e autorização que lhe foram sujeitos, face às competências funcionais que detinha nesse âmbito, torna-se incontornável a constatação de que a solicitação de tal atribuição patrimonial não pode deixar de se considerar uma vantagem indevida, porque não permitida no contexto em que foi solicitada pelo arguido e concedida pelo donatário, assim mercadejando com o cargo ao solicitar tal vantagem, no contexto em que o fez.
«Mostrando-se a actuação violou os deveres do cargo, extrapolando os procedimentos exigíveis em sede de tramitação dos procedimentos em que interveio e que seriam tomados numa situação de normal apreciação da situação, em benefício daquele promotor, motivado pela peita solicitada e recebida em violação dos deveres de isenção, igualdade e imparcialidade, que lhe eram exigidos no exercício da sua função.
«Preenchendo assim a situação descrita em 3. todos os pressupostos do tipo objectivo, bem como do tipo subjectivo do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372º n.1 do Código Penal.
«*
«Situações descritas em 4 e 5 - relativas ao empresário NN, sócio da sociedade “NN & NN, C.., Ldª” e ao empresário GG, sócio da empresa “C… e M…, Ldª”.
«Resulta dos pontos 4.1 e 4.2. que, em Maio de 2004, NN, empresário da construção civil com interesses imobiliários na cidade de ..., entregou na C.M...., ao arguido/recorrente, AA, dois cheques - cada um deles no valor de 5.000,00 Euros -emitidos sobre contas tituladas por empresas que dirigia, ambos destinados ao clube a que o arguido presidia, cheques que este aceitou bem sabendo que aquele empresário tinha interesses em empreendimentos que eram tramitados no organismo público que dirigia. Aliás foi por esse motivo que o dito empresário passou os cheques, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos relativos aos processos de obras que promovia na cidade.
«Resulta ainda dos pontos 4.1 a 4.3. que, independentemente da alegação e prova de qualquer acto pretendido pelo “doador”, o arguido, funcionário dirigente da C.M...., recebeu dinheiro, indevido, para a AA...-OAF que apenas lhe foi atribuído por efeito das funções de DMAT que exercia. Aliás foi-lhe entregue pessoalmente nas instalações da Câmara Municipal de ..., provindo de alguém que ali tinha processos de licenciamento em curso, que lho entregou por esse único motivo, facto que o arguido conhecia e que qualquer cidadão, por mais limitado que fosse, não podia ignorar. O exercício de funções públicas não é pago pelo cidadão, apenas sendo devido ao funcionário a retribuição devida pelo exercício do cargo.
«Como refere a decisão recorrida, a entrega de um donativo a favor da AA...-OAF, não é em si algo de indevido. Mas torna-se indevido quando é feito por efeito e tendo em vista obter benefícios pessoais decorrentes do exercício da actividade de funcionário com poderes de decisão em projectos imobiliários onde o contribuinte era interessado sobre os quais o arguido tinha poderes de decisão. Tal atribuição e aceitação nas circunstâncias em que foi efectuada, melhor explanado em sede de motivação de facto, não tem outra justificação plausível, atento o seu valor e circunstâncias da sua entrega, que não o mercadejar com o exercício do cargo público que o arguido desenvolvia.
«Na situação referida em 5. resulta provado que de um encontro entre o arguido e GG, outro empresário da construção civil com actividade em ..., sócio da empresa do mesmo ramo denominada “C… e M…, Lda”, com empreendimentos imobiliários em execução na cidade, no decurso do ano de 2005, foi estabelecido um acordo no sentido de que a empresa contribuiria para AA...-OAF com a quantia de 400.000,00 Euros, titulados por cheques, sendo o primeiro datado de 14/11/2005 e o último de 28/07/2006, num total de 44 cheques, que depois de preenchidos e assinados, foram entregues ao arguido, nove dos quais foram apresentados a pagamento até Fevereiro de 2006, permitindo um encaixe do total de 90.000 Euros, sendo emitidos recibos referentes a donativos num valor de 58.000,00 Euros.
«Alega o recorrente que «esta fati species criminosa só pode afirmar-se quando o agente pede ou aceita uma vantagem que lhe não seja devida, o que circunscreve a relevância típica dos “pedidos” ou “aceitações” para as quais não existe uma vantagem razoável».
«Asserção que se tem por inteiramente criteriosa.
«No entanto, no que toca à “obtenção de vantagem” a alegação do recorrente pressupõe que os “meros empréstimos” não constituem vantagem alguma.
«O que, além de ignorar o “donativo” de € 58.000,00, repousa ainda, salvo o devido respeito, num equívoco. Qual seja o de que a mera fruição, gratuita, de financiamentos, bem fungível por excelência, motor da vida económica, não seja, já de si, um bem/vantagem de grande relevo - os Bancos e outras Instituições Financeiras de referência, vivem essencialmente da disponibilização de meios financeiros.
«Confundindo ainda o móbil do crime com a representação e intenção de realização dos elementos do tipo objectivo.
«Ao acordar e aceitar os aludidos valores daquele empresário, cuja actividade profissional conhecia perfeitamente, tendo perfeita consciência de que a empresa detida tinha interesses em empreendimentos e projectos que eram tramitados no organismo público que o recorrente dirigia, motivo pelo qual lhe foram entregues, atenta a qualidade de decisor em organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promoviam ou poderiam vir a promover, que o arguido de forma livre e consciente, incorreu na prática do ilícito que lhe vem imputado.
«Em cada uma das situações descritas, ao acordar (sit.5) e ao aceitar (4. e 5.) a entrega das quantias referidas, que atentas as funções que exercia e contexto em que foi efectuada a entrega não poderão deixar de considerar ilegítimas, mercadejou com o cargo em que se encontrava investido.
«Não merecendo, pois, censura a decisão recorrida ao integrar as actuações descritas nos pontos 4. e 5. em dois crimes de corrupção passiva para acto lícito, previstos e punidos no artigo 373º n.2 do Código Penal.
«*
«Pontos 6. e 7. - situações relativas aos donativos efectuados à AA...-OAF por parte dos empresários DD, sócio e presidente do Conselho de Administração da empresa “DD Construções, SA e EE, sócio da “F. M. S… Lda”.
«Aqui, resulta dos factos provados em 6.1., o relacionamento estabelecido entre o promotor imobiliário DD e o arguido na sua qualidade de DMAT e presidente da AA...-OAF, no âmbito das relações entre a empresa daquele promotor e a autarquia, pois aquela era promotora de empreendimentos na cidade de ..., designadamente as urbanizações denominadas “Q... das L...” e “C... da E...”.
«A partir de então, DD, em nome pessoal ou da sua empresa, passou a entregar regularmente ao arguido AA quantias monetárias, tituladas por cheques, a título de donativos à associação desportiva de que o arguido era Presidente, os quais, entre Maio de 2004 e Outubro do ano seguinte, ascenderam à quantia global de 190.000,00€, através de várias entregas fraccionadas no tempo, conforme resulta do quadro descrito no ponto 6.4. dos factos provados.
«DD emitiu ainda um outro cheque, no valor de 5.000,00€, datado de 08/12/2004, para, como era do interesse do arguido, financiar a campanha eleitoral para a direcção da AA...-OAF em que o arguido viria a participar e que este veio a depositar numa sua conta pessoal.
«Mais resulta provado que DD pretendia beneficiar o arguido AA e o clube por este dirigido por forma a levá-lo a retribuir-lhe aquele auxílio material na qualidade de DMAT, através de actos compreendidos em tais funções públicas referentes aos empreendimentos em que tinha interesses, promovendo e decidindo o que fosse necessário à protecção das suas pretensões ainda que legalmente indevidas ou contra quaisquer normas destinadas a regular as situações concretas que, no âmbito de actividade que desenvolvia, apresentava aos serviços camarários competentes.
«Na verdade, a referida urbanização “Q... das L...” vinha sendo executada por fases, tendo o loteamento correspondente à 2ª fase – sector C sido aprovado por deliberação camarária a que se fez corresponder o alvará n.º 418, objecto de 4 aditamentos, sendo o último de 30/07/2004, nos termos do qual haviam sido autorizadas as áreas de construção a que alude o ponto 6.8.
«Com data de 21/05/2004, foram emitidos os alvarás de autorização de construção relativos aos lotes 2, 3 e 4, que tomaram os n.ºs 44/04, 45/04 e 46/04, respectivamente, e, com data de 11/08/2004, foi emitido o alvará de autorização de construção n.º 86/04, relativo ao lote 5, autorizando a construção nas áreas indicadas no ponto 6.9., relativamente a cada um dos lotes, tendo a empresa em requerimentos datados de 09/12/2004 e 21/01/2005, dado entrada na C.M..., de quatro requerimentos solicitando o deferimento de pedidos de autorização de obras de edificação nos lotes 2 a 5 e que fossem considerados prejudicados os alvarás já emitidos.
«Provou-se que o arguido AA, visando retribuir o auxílio financeiro até então recebido, sem que se tivesse operado pela via competente e legítima qualquer alteração ao alvará de loteamento n.º 418, assumiu a apreciação daqueles requerimentos e, por despachos datados de 07/01/2005, relativo ao lote 2, e de 14/02/2005, relativos aos demais lotes, anulou todos os alvarás já emitidos e deferiu a consequente emissão de outros e, contra o permitido na deliberação que havia licenciado o loteamento no que aos lotes 2 a 4 respeita, autorizando a edificação nas seguintes áreas: -Lote 2: 2510,34 m2; -Lote 3: 2162,60 m”; - Lote 4: 2174,12 ms; e – Lote 5: 2340 m2. Tendo, por forma a justificar formalmente a indevida autorização de construção em área superior à aprovada para o loteamento relativamente aos lotes 2, 3 e 4, nos despachos respectivos, deixado exarado que o requerente devia “apresentar no prazo de 120 dias as telas finais do alvará n.º 418, no âmbito das disposições previstas no n.º 7 do artigo 27º do RJUE” o que não veio, contudo, a suceder.
«Na sequência de tais despachos, proferidos pelo arguido AA, vieram a ser emitidos os alvarás de autorização de construção com os n.ºs 48/05, 49/05, 50/05 e 51/05.
«Só depois de acção de fiscalização e proposta de embargo, em meados do ano de 2006, o promotor veio requerer alteração ao alvará de loteamento nº 418, juntando as telas finais, tendo sido sujeita a deliberação camarária e discussão pública, vindo a ser aprovada em reunião de câmara de 22.10.2007 e a ser emitido o aditamento /alteração ao alvará de loteamento n° 418 em 17.01.2008.
«Houve aceitação para o clube desportivo a que presidia de relevantes quantias monetárias recebidas de pessoa que, claramente, detinha perante o recorrente pretensões dependentes do exercício das suas funções públicas. Face ao contexto e motivação que estiveram subjacentes a tal atribuição patrimonial, ao arguido para a sua presidida AA...-OAF, teremos de concluir que este, sabendo o escopo de tais donativos, quis, com a sua conduta, receber vantagem patrimonial indevida.
«O arguido aceitou praticar actos compreendidos nas suas funções de DMAT visando dar acolhimento às pretensões de DD que de outra forma não teria praticado, contra as normas destinadas a regular as concretas solicitações dirigidas aos serviços camarários. O arguido deixou-se influenciar pelo recebimento daquelas quantias, para o Futebol a que presidia, praticando actos na Câmara que exorbitam os poderes discricionários que detinha no exercício da sua função, violando o dever objectividade, isenção, legalidade, igualdade de tratamento exigidos no exercício do cargo.
«Alega o recorrente que “apenas interveio na fase constitutiva do procedimento - praticando actos administrativos condicionados - e não na fase integrativa de eficácia do mesmo – emissão de alvarás – não sendo por isso, possível assacar-lhe qualquer responsabilidade”. No entanto, por este entendimento, o exercício de qualquer função de assessoria nunca seria susceptível de integrar o crime de corrupção. Aliás no crime de corrupção o acto mercadejado raramente será constituído por um acto/contrato isolado, enquanto tal, válido ou escorreito. Precisamente porque quer a prestação quer o acto correspectivo violam os deveres do funcionário, apresentando-se como tal de alguma forma disfarçados e/ou adulterados na sua economia – daí “corrompidos”.
«A actuação evidenciada nos despachos proferidos pelo recorrente – melhor descritos nos pontos 6.11.e 6.12. – prolatados na sequência dos requerimentos dirigidos à Câmara Municipal pelo promotor imobiliário (a que alude o ponto 6.11.), sem que pela via legalmente estabelecida tivesse sido concedida a necessária alteração ao alvará de loteamento nº 418 (pois que as alterações em causa ao loteamento pressupunham um aditamento ao alvará e a sua sujeição a deliberação camarária e mesmo a eventual discussão pública nos termos dos artigos 21º , 27º e 33º do RJEU - o que veio a suceder em momento posterior, com vista à regularização da situação criada), assumindo o recorrente a apreciação de tais requerimentos passando por sobre os alvarás já emitidos e deferindo a consequente emissão de outros, autorizando a edificação com áreas diferenciadas daquelas que se mostravam licenciadas nos anteriores alvarás, conforme descrito nos aludidos pontos de facto, exorbitou os poderes e competências que lhe estavam atribuídas bem como o âmbito do poder discricionário permitido por aqueles, praticando actos contrários aos deveres que lhe competiam quais sejam o indeferimento do requerimento do promotor até que fosse efectuada pelos meios previstos na lei a alteração do alvará.
«Assim, não pode deixar de se concluir que o recorrente agiu violando os deveres do cargo, praticando actos em violação dos deveres do cargo que contendem com conteúdo e substância das suas funções. Afigurando-se assim clara a verificação dos pressupostos do crime de corrupção para acto ilícito, previsto no artigo 372º n.1, do Código Penal.
«O mesmo se diga no que se reporta à situação factual descrita no ponto 7.
«Com efeito resulta provado que na sequência de reuniões realizadas no gabinete do arguido na Câmara Municipal de ... entre o arguido/recorrente e EE, empresário da construção civil, que tiveram lugar por Outubro de 2004, em data anterior ao dia 21 daquele mês, para abordagem de questões relacionadas com empreendimentos imobiliários em que EE era interessado, por si e enquanto sócio da “F. M. S… Lda”, nomeadamente os que tinha já em fase de execução na Rua de A…, na cidade de ..., EE veio a contribuir para a AA...-OAF com um cheque datado de 20 de Outubro de 2004, sobre a Caixa Geral de Depósitos, no valor de 25.000,00 Euros, que foi entregue ao arguido AA na mesma data, e que este aceitou, sabendo de quem provinha.
«Mais se apurou que logo no dia a seguir ao da emissão do cheque, ou seja, 21.10.2004, o arguido AA lavrou uma informação, que tomou o n.º 49/2004, a apresentar ao vereador competente, pronunciando-se favoravelmente sobre o pedido de alteração do projecto relativo ao imóvel em edificação na Rua de A….
«Tal pedido de deferimento de alterações ao projecto aprovado, a que correspondia o alvará n.º 43/2003, havia sido apresentado em 5 de Dezembro de 2003, reportando-se ao aproveitamento da área respeitante à cave para um aumento do número de garagens, num total de 551.33 m2, aumentando de 16 para 25 o número de garagens, bem como um acréscimo sensível na área dos fogos nos pisos superiores.
«Sucede porém que, sem esperar pela análise e decisão de tal pedido, o promotor executou as alterações (o que até motivou o levantamento de um auto de notícia a 19 de Fevereiro de 2004) convicto que as mesmas mereceriam aprovação incondicional por parte da C.M.... por efeito, pelo menos a partir da data da entrega do cheque, da intervenção nesse sentido do arguido AA.
«Submetido o pedido a deliberação, após o arguido AA lavrar a referida informação, a questão foi debatida e objecto de análise quanto à possibilidade de aquele acréscimo de área em cave ser transferido para o domínio da C.M...., nos termos que amplamente expostos na motivação fáctica. A deliberação que definitivamente estabilizou a situação de facto na ordem jurídica veio a ser tomada na sessão camarária de 17 de Janeiro de 2005, após nova discussão ocorrida a 3 daquele mesmo mês e ano, no sentido de serem aprovadas, por maioria, as alterações requeridas. Para o efeito o arguido/recorrente subscreveu nova informação (n.º 55/2004, de 15/12/2004) sobre o mesmo pedido, manifestando-se favorável à aprovação, adiantando que o promotor estaria disponível para apoiar financeiramente obras de recuperação urbana de envolvente, no valor de 35.000,00 Euros, o que veio efectivamente a acontecer em consequência do deferimento do pedido.
«Resulta outrossim dos factos provados que o arguido AA aceitou o valor monetário disponibilizado por EE, com o propósito de o utilizar na gestão do clube que dirigia sabendo, como se propunha, que isso implicaria a prática, como DMAT, de actos destinados a defender ou a dar protecção a interesses relativos aos empreendimentos em que aquele era interessado e que estavam na sua dependência funcional. Acabando efectivamente, motivado por aquela liberalidade, que só essa razão e finalidade lhe foi concedida, por proferir pareceres técnicos que de outra forma não daria, que foram determinantes para o deferimento da aludida pretensão.
«Ainda na situação em apreço o arguido aceitou a quantia monetária de 25.000,00€ que o empresário de construção civil, EE lhe entregou a título de donativo para a AA...-OAF, bem sabendo que este detinha interesses em processo camarário relativo a edificação levada a cabo pelo empresário, com questões pendentes no âmbito da sua actividade funcional (o cheque é emitido um dia antes da informação prestada pelo arguido no citado processo), constituindo a atribuição monetária factor determinante para a actuação do arguido, que motivado pela mesma, veio a praticar actos destinados a defender os interesses do empresário através dos pareceres técnicos que se mostraram determinantes ao deferimento da aludida pretensão, alvo de ampla discussão em sede camarária, conforme explanado na motivação de facto.
«É assim, através de uma actuação motivada e determinada pela entrega do cheque que o arguido praticou actos contrários aos deveres de isenção do cargo, pois, pese embora, contidos no âmbito do poder discricionário que lhe é conferido pelas competências que detinha (cfr. os referidos em 7.2 e 7.7.), que foram determinados por factores alheios (de protecção de interesses individuais, contra entrega de cheque para o Futebol que dirigia) aos deveres da isenção, legalidade, imparcialidade e objectividade, a que estava sujeita a sua actuação.
«Mostram-se assim também em relação a esta situação preenchidos os requisitos da prática de um crime de corrupção para acto ilícito p. e p. pelo artigo 372º n.1 do Código Penal.
«*
«Ponto 10 da matéria de facto provada – duas situações em que intervém o empresário MM, qualificadas na pronúncia como preenchendo um crime de corrupção passiva para acto lícito p. e p. pelo artigo 373º n.2 do C. Penal (prédio da Rua J… M…) em concurso real com um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372º n.1 do mesmo diploma legal (prédio da Rua V… de C…).
«Resulta da matéria de facto provada em 10.2 a 10.6. que o empresário MM tinha em curso na cidade de ... a construção de um edifício para uso misto, habitacional, comércio e serviços, na Rua J… M… n.s 21/23, relativamente ao qual foi emitido alvará de licença de construção a que coube o nº 948/2001, com validade até 18/10/2003. Apercebendo-se da necessidade de estacionamento nas imediações, não obstante o projecto aprovado apenas compreender a execução de dois pisos abaixo da quota de soleira – duas caves -, deu instruções ao responsável técnico da obra para que projectasse a execução de uma 3ª cave, não requerendo todavia, como devia, a aprovação imediata da alteração preconizada à entidade legalmente competente para a sua apreciação, mostrando-se em Maio de 2002 concluída a aludida 3ª cave, com a betonagem da laje do respectivo tecto. Alteração que apenas veio a ser referenciada pela Câmara, em acção de fiscalização realizada em 17/11/2003, na qual foi proposto o embargo da obra.
«Da matéria descrita em 10.7. a 10.9 e 1.11 a 10.13, resulta ainda que, logo no dia seguinte, YY apresentou na Câmara um aditamento ao projecto de arquitectura/telas finais contemplando as diversas alterações realizadas em obra ao projecto oportunamente aprovado, nomeadamente a aludida 3ª cave.
«Ainda durante a execução da obra, em requerimento datado de 23/12/2003, YY solicitou ainda a alteração do uso dos pisos destinados a habitação (situação que já anteriormente havia solicitado e que fora objecto de indeferimento).
«Após parecer (n°8/2004, de 23/01/2004), da autoria do arguido/recorrente, favorável às pretensões peticionadas, veio o promotor a obter deferimento pela deliberação n°3921, de 25/02/2004, relativamente ao projecto/telas finais. Também nessa informação, pronunciou-se favoravelmente à alteração de uso peticionada, propondo a supressão total do uso residencial ou, em alternativa, a manutenção da habitação num só piso, acabando esta última proposta por ser acolhida e aprovada, por maioria (conforme factos descritos em 10.11. a 10.14.). No entanto de salientar não resultar da prova produzida com a necessária suficiência e consistência, que sem essa intervenção do arguido o citado pedido não viesse do mesmo modo a ser deferido (conforme se extrai da alínea b) dos factos não provados).
«YY conhecia o arguido das deslocações que efectuava à Câmara Municipal para se inteirar da situação do processo referente à obra na Rua J… M…, onde foi falada a questão da cave, conforme resulta dos pontos 10.8 e 10.9 dos factos provados (não se logrando no entanto provar que tenha sido assegurado pelo arguido ao referido YY qualquer parecer favorável à legalização da aludida cave - conforme alínea a) dos factos não provados).
«Provou-se sim, que visando compensar a intervenção do arguido, com data do dia seguinte à deliberação de 25.02.2004, o referido YY em 26.02.2004 emitiu o cheque no valor de 25.000,00€, que entregou ao arguido AA, e foi por este aceite, tendo-o feito apresentar a pagamento mais tarde por funcionário do clube a que presidia e a quem confiou o valor nele inscrito. Bem como que o arguido AA tinha perfeita consciência de que o referido YY, cuja actividade profissional bem conhecia, titulava interesses em empreendimentos imobiliários que eram tramitados no organismo público que transitoriamente dirigia, como os mencionados, sendo por causa desses interesses que o mesmo lhe atribuiu a vantagem patrimonial correspondente à entrega do montante inscrito no cheque acima referido de 25.000,00€, atenta a sua competência para tomar decisões no organismo público onde eram praticados os actos processuais e acessórios relativos aos processos de obras que promovia ou pudesse vir a promover ou preparar tecnicamente a sua assunção por outra entidade ou titular competentes.
«Resulta assim claro que o arguido aceitou a quantia de 25.000,00€ a favor da AA...-OAF, clube de futebol a que presidia, a qual lhe foi entregue por MM, pessoa que sabia ser detentor, perante ele, na sua qualidade de funcionário dirigente da C.M...., de pretensões imobiliárias dependentes do exercício das suas funções públicas, o que era evidente naquele processo. E que só por essa razão o empresário lhe entregou o cheque, vantagem patrimonial que não pode deixar de se considerar indevida atenta a motivação que esteve subjacente à entrega do cheque e à consciência da sua finalidade.
«O arguido, na sua qualidade de funcionário, para os efeitos previstos no artigo 386º n.1 al. c) do Código Penal, recebeu e aceitou, no exercício das suas funções na Câmara, dinheiro para a AA...-OAF, de que era Presidente, indevido, que apenas logra justificação no contexto das pretensões que aquele empresário detinha dependentes da actividade funcional do arguido.
«Por outro lado, a interdependência causal entre a conduta do funcionário e a entrega do cheque para finalidade contrária aos deveres do cargo mostra-se diluída, no caso, já que não tem de se reportar a uma concreta actuação, mas essencialmente ao contexto funcional da sua atribuição, que não tem outra justificação que não seja o aludido mercadejar com o cargo.
«É, assim, que, reportando-nos aos factos provados nos pontos 10.20 e 10.10, designadamente quanto à consciência e vontade do arguido, que tendo perfeita consciência da actividade profissional do A… L… e bem assim dos interesses que este detinha em empreendimentos imobiliários, como o da Rua J… M…, em apreciação no organismo público que dirigia, consciente de que apenas por esses interesses o mesmo lhe atribuiu a referida vantagem patrimonial de 25.000,00€ por efeito da sua actividade e competência funcional para tomar decisões no organismo público onde eram praticados os actos relativos aos empreendimentos urbanísticos que promovia, ciente da ilicitude de tal conduta.
«Decorre claramente do exposto a existência de vantagem ilegítima, atenta a motivação que esteve subjacente àquela dotação para a AA...-OAF, como se verifica a pendência de processos do interesse daquele promotor, no âmbito dos quais o arguido desenvolveu e desenvolveria actos ligados à sua actividade funcional, tornando-se indubitável que o arguido na sua qualidade de funcionário recebeu vantagem para a AA...-OAF, a que presidia, oriunda de alguém, no caso o YY que esteve, estava e previsivelmente viria a estar numa relação de índole profissional consigo, não se depreendendo da sua atribuição outra justificação que não seja a da criação de um clima de viciação da sua objectividade decisional, motivação da qual o arguido tinha plena consciência ao aceitar a referida vantagem.
«Mostra-se assim o arguido incurso na prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito previsto no artigo 373º n.2 do Código Penal, no que se refere a esta situação.
«*
«No que toca à segunda situação referida no ponto 10. (prédio da Rua V… de C…)
«Resulta provado que YY mantinha pendente de resolução na CM..., uma questão respeitante à colocação dos elevadores no prédio que tina construído na Rua V… de C…, n.° 1527, ..., que se vinha arrastando pelo menos desde 1995.
«Na sequência de contactos estabelecidos antes de 19/12/2005, o arguido/recorrente, prevendo poder vir a obter benefícios para o clube a que presidia, à semelhança do que acontecera nas circunstancias anteriormente descritas, encetou diligências no sentido de criar condições para, sob seu parecer favorável no exercício das funções de DMAT, obter para YY a solução que este preconizava - autorização camarária para a instalação de apenas um elevador, ao invés dos dois a que, nos termos de determinação camarária anterior, estava obrigado.
«É assim que, conforme resulta do ponto 10.18., o arguido assumindo a direcção para a resolução da questão suscitada pelo YY, se substitui àquele na obrigação de documentar o procedimento – n.º 1/1974/6739 - fazendo-o através dos serviços competentes da autarquia, aos quais pediu informação relativa ao procedimento para mais facilmente sustentar o parecer favorável à pretensão daquele promotor.
«Resulta da factualidade provada, conforme explicitado na motivação de facto, que o arguido veio a apresentar uma informação datada de 19/12/2005, nos termos da qual propunha que o Adriano Lucas fosse autorizado a colocar apenas um ascensor, como aquele pretendia, proposta que veio a ser sufragada por despacho do vereador competente de 20/12/2005.
«Em virtude do acolhimento dado à sua pretensão por efeito da actuação do arguido AA, com data de 20/12/2005 (dia imediatamente a seguir àquela informação), o referido YY emitiu um cheque no valor de 4.000,00€, que entregou ao arguido AA no gabinete deste na CM... e que este fez depositar numa conta titulada pela AA.../OAF.
«Provou-se, assim, que na situação descrita, agiu o arguido AA, com o propósito de aceitar de YY o valor pecuniário atrás referido de 4.000,00€, que não lhe era devido, para o integrar no património da AA.../OAF, e que aquela quantia apenas foi concedida para o compensar materialmente pela sua intervenção no exercício das aludidas funções públicas de D... M... da A... do T..., para o que o arguido só diligenciou motivado pela expectativa criada pelo acima descrito comportamento anterior de recebimento de vantagem patrimonial quanto ao Prédio da Rua J… M….
«Por outro lado temos que, sendo a actuação do arguido motivada por factores estranhos àqueles que deveriam nortear a sua actuação, foi também decisiva para que tal pretensão fosse acolhida favoravelmente. O arguido aceitou o recebimento daquela quantia que integrou no património da AA...-OAF, no âmbito e por causa do exercício funcional que desenvolvia como Director Municipal, de pessoa que tinha pretensões no âmbito daquele exercício e que por via disso lha havia atribuído. O arguido ao diligenciar da forma supra descrita, pela resolução da aludida questão favorável aos interesses daquele doador, fê-lo motivado pela expectativa criada pelo descrito comportamento anterior de recebimento de vantagem patrimonial, de forma que se tornou decisiva para tal pretensão ser acolhida favoravelmente, violou os deveres do cargo a que estava sujeito.
«A violação dos deveres do cargo assenta na actuação, venal, motivada por fins estranhos àqueles que deveriam presidir à actuação do agente público que, nessa medida, afronta os princípios da legalidade, imparcialidade, isenção e igualdade de todos os munícipes perante a actuação da administração pública.
«Violadora dos princípios da igualdade, isenção e imparcialidade, ao substituir-se àquele concreto particular, por efeito da benesse para o clube que dirigia, na obrigação de documentar o procedimento – n.º 1/1974/6739 - como seria exigível a qualquer outro particular anónimo em idênticas circunstâncias. E, ao diligenciar no modo descrito, solicitando aos serviços competentes da própria autarquia informação relativa à questão para mais facilmente sustentar parecer favorável à pretensão do YY, em função da aludida motivação, estranha àquela que deveria presidir à sua actuação, que interferiu no uso dos seus poderes discricionários (que no caso era a expectativa de recebimento de uma vantagem patrimonial, atenta a compensação já anteriormente alcançada), violou os deveres do cargo a que estava obrigado, concedendo um tratamento de favor, privilegiado àquele particular, que claramente põe em causa os aludidos valores.
«Não é seguramente o facto de tentar resolver as questões dos particulares de forma diligente, célere e cooperativa que tipifica o crime. É antes a diferenciação de tratamento do corruptor em relação aos demais cidadãos “meros pagadores de impostos” o privilegiamento de um, em detrimento dos outros, em função de compensações não devidas pelo exercício da actuação pública e por esta motivadas.
«Entende-se assim que estão verificados os requisitos do crime de corrupção passiva para acto ilícito - modalidade de corrupção subsequente, porquanto se extrai dos factos expostos, que o acto funcional se dá antes da aceitação da peita
«*
«Ponto 11 da matéria provada – caso HH / sociedade “V…, Lda.” – qualificado pela decisão recorrida como crime de abuso de poder
«Estabelece o artigo 382º do C.P.: “O funcionário que, fora dos casos previstos no artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
«O agente deve actuar, no exercício das suas funções, sujeito ao respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
«Sendo da maior relevância a vinculação, pelo funcionário, ao dever de isenção, definido no supra reproduzido art. 5º Dec. Lei 24/84 de 16/01.
«O crime de abuso de poderes pressupõe a verificação de um abuso dos poderes conferidos ao agente ou da violação dos respectivos deveres face às funções em que está investido, configurando-se o abuso de poderes, conforme salienta Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense, págs. 774 e segs, “como uma instrumentalização de poderes (inerentes à função) para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo (ou melhor dizendo, ilegítimas)”, de que é exemplo o agente que excede os limites da sua competência (quanto à natureza dos assuntos, grau hierárquico, lugar ou tempo), o funcionário que desrespeita formalidades impostas por lei ou actua fora dos casos estabelecidos na lei (violação da lei) e também o funcionário que usa os poderes para um fim diverso daquele para o qual lhe foram conferidos (desvio de poderes). Já no que se refere à violação de deveres, os deveres que estão em causa são os deveres funcionais, que lhe advêm do exercício funcional em que se encontra investido e que por regra só subsistem enquanto está em actividade.
«Dentro daqueles encontramos os deveres funcionais específicos (impostos por normas jurídicas e regras de serviço e ligados a uma função em particular) e deveres funcionais genéricos (que se referem a toda a actividade desenvolvida no âmbito da administração do Estado) entre os quais, o dever de obediência (tendo em conta o grau hierárquico), de zelo, sigilo, isenção, lealdade, entre outros.
«Conforme salienta Paula Ribeiro de Faria (ob. cit., p. 776) “não se exige que o abuso de poderes ou a violação de deveres venham referidos a um acto administrativo, apenas que os poderes ou deveres em causa sejam inerentes às funções exercidas pelo agente. Assim sendo, poderá ter lugar o preenchimento do tipo legal sempre que esteja em causa um acto idóneo a produzir efeitos jurídicos enquanto manifestação de vontade do Estado, ou por outras palavras, acto que se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração.
«Para efeitos de consumação do crime mostra-se irrelevante a efectiva verificação do dano ou da vantagem prosseguida, bastando a prática do acto ou do facto abusivo por parte do agente.
«Aliás “o funcionário que abusou das suas funções, ou que violou deveres, pode no limite, até ter actuado com fins caritativos ou altruístas” – cfr. Paula de Faria, ob.cit., p.778.
«Exigindo-se ainda para o preenchimento do tipo objectivo que o agente actue com a intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa.
«O tipo legal em apreciação pode ser preenchido por acção ou omissão.
«A propósito da sua comissão por omissão refere aquela autora, a fls. 777: “… parece mais consentâneo com a intenção do legislador ao pretender proteger com este tipo legal a imparcialidade e o bom andamento da administração, a aceitação da tipicidade da omissão do agente que assim pretende obter uma vantagem para si, ou para terceiro, ou causar prejuízo a outra pessoa …. Poder-se-á dizer que nestes casos tem lugar a violação de deveres impostos ao agente, uma vez que este recusa indevidamente, ou atrasa, a prática de um acto que por razões de justiça, saúde pública, ordem, ou segurança públicas, deve ser praticado pontualmente (tendo lugar a recusa ou o atraso em nome de finalidades ilegítimas).
«A ilegitimidade do benefício vai além do abuso de funções ou violação de deveres, exigindo-se que um tal abuso de poder se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração (não se esgotando ou encerrando em si mesmo).
«O dolo supõe a consciência e vontade por parte do agente de, exercendo uma função pública, abusar dos poderes que lhe competem ou violar os deveres a ela inerentes, além do conhecimento do carácter ilícito da vantagem ou do prejuízo pretendidos. A intenção do agente tem assim de predeterminar finalisticamente a acção típica, o agente viola os deveres gerais a que está sujeito no exercício da função pública em que se encontra investido com a finalidade concreta de alcançar proveitos ou prejudicar alguém.
«No caso, resulta da matéria provada que o arguido/recorrente superintendia a D... M... de A... do T... na Câmara Municipal de ..., com a estrutura evidenciada no cronograma de fls. 19, tendo sido nomeado em comissão de serviço pelo período de 3 anos por despacho de 30 de Dezembro de 2002, n.º 70/02-PR, sendo empossado a 25 de Março de 2003.
«Enquanto D... M... da A... do T... (DMAT) cabia-lhe coordenar os diversos departamentos integrados nos serviços camarários respectivos.
«No uso da competência que lhe foi subdelegada pelo Vereador competente - pelo Edital n.º 51/2003 - entre outros actos relativos ao funcionamento interno daquela direcção municipal como os referentes à gestão de recursos humanos a ela afectos ou a substituição do pessoal dirigente e de chefia, competia-lhe decidir da modificação ou revogação de actos praticados por funcionários e agentes da D.M.A.T. e praticar os actos necessários no âmbito do regime jurídico do licenciamento das operações de loteamento, de obras de urbanização e de obras particulares e bem assim dar execução às deliberações da Câmara Municipal e aos despachos do Presidente e do Vereador em todas as matérias relativas às atribuições da D... M... de A... do T....
«O D.L. nº 93/2004 de 20.04, que procedeu à adaptação do regime previsto pela Lei nº 2/2004 de 15.01 às especificidades da administração local autárquica, prescreve, no seu artigo 2º:
«1 — Os cargos dirigentes das câmaras municipais são os seguintes: a) Director municipal, que corresponde a cargo de direcção superior do 1.° grau; (…)
«2 — Compete, para além do mais consignado na referida lei, aos titulares de cargos de direcção: a) Definir os objectivos de actuação da unidade orgânica que dirigem, tendo em conta os objectivos gerais estabelecidos; b) Orientar controlar e avaliar o desempenho e a eficiência dos serviços dependentes à execução dos planos de actividades e à prossecução dos resultados obtidos e a alcançar; c) Garantir a coordenação das actividades e a qualidade técnica da prestação de serviços na sua dependência, d) Gerir com rigor e eficiência os recursos humanos, patrimoniais e tecnológicos afectos à sua unidade orgânica, optimizando os meios e adoptando medidas que permitam simplificar e acelerar procedimentos e promover a aproximação à sociedade e a outros serviços públicos; e) Assegurar a qualidade técnica do trabalho produzido na sua unidade orgânica e garantir o de cumprimento dos prazos adequados à eficaz satisfação do serviço, tendo em conta a satisfação do interesse dos destinatários; …”
«Decorre claramente das funções e cargo que o arguido exercia, e deveres do mesmo, especificamente pela atribuição cometida por parte do vereador do pelouro respectivo, uma particular atenção e seguimento do processo em causa.
«A ineficácia dos serviços dirigidos pelo arguido nesta situação ainda que se pudesse também imputar a outros funcionários, não exime o arguido da respectiva responsabilidade, face aos concretos deveres de actuação que se lhe impunham funcionalmente e às concretas omissões verificadas na sua concreta actuação.
«Ora, face à incontornável (a) qualificação do arguido como funcionário verifica-se que a sua actuação – melhor dizendo a omissão de actuação - se mostrou, em concreto, violadora dos princípios da imparcialidade, objectividade, isenção e igualdade, a que se encontrava sujeito no exercício da sua actividade directiva municipal.
«Efectivamente, refere a decisão recorrida, que sufragando-se, se reproduz:
«“resulta dos pontos 11.6 a 11.28, que a obra em questão edificação em Vale de Meão de uma moradia unifamiliar, da sociedade requerente “V…, I… I… e T…, Ldª”, destinada ao sócio HH, desde o início da sua implantação que suscitou alargada e pública controvérsia, sendo inúmeras as reclamações, exposições, alertas, pedidos de informação à câmara e intervenções públicas que foram efectuadas desde o primeiro momento em que se iniciaram os trabalhos, aliás com questões atinentes também à própria definição do lote da moradia com terrenos públicos, (cfr. factos descritos nos pontos 11.2, 11.3., 11.6 a 11.8, 11.15. a 11.18., 11.21), sem que o arguido, não obstante as funções e competências que detinha[12] e a assunção pessoal do acompanhamento do processo referente à obra, quer por iniciativa sua (vide pontos 11.9 a 11.12., 11.14.,11.21, 11.22), quer por determinação do vereador competente (vide pontos11.12, 11.14., 11.24., tivesse diligenciado no sentido de a obra ser fiscalizada eficaz e atempadamente, conforme se impunha e seria procedimento normal e adequado, face, quer aos inúmeros alertas das desconformidades e irregularidades praticadas na sua execução, quer aos procedimentos impostos para uma obra desta natureza, com as vicissitudes que apresentou.
«Com efeito, extrai-se da factualidade provada que na sequência do início da execução das obras e na sequência de exposição efectuada por uma representante dos moradores, veio a ser determinada uma e única acção de fiscalização à obra no primeiro período de vigência da licença, não por determinação do arguido, mas da chefe de divisão, que alertou para questões irregulares que se processavam na sua execução e que o funcionário que a efectuou descreveu na informação que lavrou (11.9), tendo o arguido na sequência da mesma, chamando a si a sua apreciação, tido como acção efectiva apenas aquela que vem explanada nos pontos11.10 a 11.12., a qual é expressiva da sua actuação ao longo de todo o processo, mormente o que vem referido no ponto 11.11, quanto à sua avocação, perante o funcionário que efectuou aquela fiscalização, de todos os procedimentos relativos ao processo.
«Não obstante os sucessivos alertas e exposições efectuadas à câmara, ao longo do final do ano de 2004 e decurso do ano de 2005, claramente evidenciados nos factos provados, que revelavam quer movimentos de terras em zona verde, abertura de caminhos, designadamente aquele que foi aberto até à circular, construção de muros, patamares e obra para além do licenciado, a verdade é que da factualidade que se mostra apurada decorre que pese embora as funções que exercia e assunção que lhe cabia e assumia relativamente àquela obra, a mesma decorreu sem qualquer acto de fiscalização durante o primeiro período de vigência da licença de construção, entre 19.07.2004 e 03/07/2005, exceptuada a aludida deslocação ao local, em 02/09/2004, do Eng. TT, determinada sem intervenção do arguido.
«Como se verifica que nenhuma acção de fiscalização efectiva e eficaz veio a ser efectuada, até àquela que foi realizada em 27.01.2006 (vide pontos 11.14. e 11.21.), já após a cessação da comissão de serviço por parte do arguido como DMAT, e que conduziu ao embargo da obra, já numa fase muito adiantada de execução, face às alterações realizadas sem que estivessem licenciadas, quer na execução da moradia[13], facto evidenciado em 11.27 e 11.28, quer nas intervenções efectuadas na zona circundante, designadamente em zona verde com movimentações de terra, abertura de caminhos, construção de muros de suporte, não licenciados, em violação das disposições legais aplicáveis[14], situações descritas na informação do engenheiro que efectuou a acção de fiscalização e nas informações das técnicas que procederam à apreciação do projecto de alterações que entrou em Maio de 2005, conforme se extrai dos pontos 11.20,11.22., 11.25 a 11.28.
«Factos tais que não eram, nem podiam ser, desconhecidos pelo arguido, quer pelos inúmeras iniciativas populares e reclamações que deles davam conta, quer pela sua notoriedade para qualquer munícipe, quer pelas deslocações efectuadas à obra e intervenções que deteve no processo camarário em apreço. E que pese embora esse conhecimento, não obstante as funções directivas que detinha e que especialmente lhe tinham sido atribuídas naquela situação, face aos contornos que a mesma apresentava desde o início da sua execução, se absteve de intervir de forma a repor um statu quo em conformidade com o ordenamento vigente, situação que apenas tem lugar já num período posterior à cessação de funções do arguido como DMAT.
«É do encadeamento de todos os factos descritos na situação analisanda, dos quais se extrai que na concomitância com omissões não justificadas se surpreendem condutas com aparência de inocuidade, na sua singularidade, mas elucidativas de uma actuação arbitrária, lesiva dos princípios da igualdade de tratamento e paridade dos administrados perante a administração pública, isenção e imparcialidade a que estava sujeito no exercício das suas funções como director municipal, reveladoras de uma tomada de posição em defesa de interesses particulares estranhos ao interesse público que lhe cabia assegurar, de que são exemplo os episódios descritos nos pontos 11.22 e 11.23.e 11.31. a 11.33., relativamente à decisão da prorrogação do alvará de licença de obras nº 252/2004, caducado em 3.07.2005, deferido pelo arguido de moto próprio e inusitado ou pelo menos impróprio, face à decisão anterior em sentido contrário de seu superior hierárquico e isto independentemente da aferição da validade dos argumentos relativos à alegada incorrecção da anterior decisão assumida no processo e já notificada ao requerente.
«É a concatenação de todos os factos descritos que permite de forma clara evidenciar a actuação livre e deliberada do arguido na assunção de protecção aos interesses do referido HH, com quem vinha mantendo um relacionamento essencialmente decorrente de relações comerciais entre o clube a que preside e o banco “F...”, a que aquele está ligado por ser administrador da holding que gere as participações do grupo, não promovendo, como lhe competia, a fiscalização efectiva da obra, com o propósito de obviar à suspensão dos trabalhos de construção da referida moradia e das obras na envolvente, permitindo ao dono da obra a sua execução sem prévia aprovação e satisfação das exigências legais e regulamentares referenciadas, assim inviabilizando a responsabilização contra-ordenacional atempada do titular ao alvará de licença por execução de obras não licenciadas, benefício que não alcançaria de outra forma, o que tudo evidencia a ilegitimidade do benefício.
«Desse modo e como se extrai do ponto 11.30., actuando o arguido como actuou, deliberada e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta, com desrespeito pelo fim público dos poderes em que estava investido, incumprindo os seus deveres de zelo, isenção e de imparcialidade da Administração, cometeu o arguido o crime de abuso de poderes, p. e p. pelo artigo 382º do Código Penal, com referência ao artigo 386º n.1 alínea c), do mesmo código, que lhe vem imputado”».
***
1.7. A decisão da relação de confirmar a da 1.ª instância quanto à subsunção de todas as condutas integradoras do crime de corrupção à figura do crime continuado, impugnada pelo Ministério Público, mostra-se fundamentada nos seguintes termos:
«A decisão recorrida condena o arguido pela prática de um crime de corrupção para acto ilícito na forma continuada em cuja unidade de continuação criminosa foram integradas pela decisão recorrida vários “casos” descritos autonomamente na matéria de facto como “situações” dotadas de autonomia da sentido, subsumidas individualmente no art. 372º, n.º1 do C. Penal, sob a epígrafe “corrupção passiva para acto ilícito” [5 situações descritas em 1., 3., 6., 7. 10 (parte relativa ao prédio da Rua V… de C…) da matéria provada] e no art. 373º n.º2 do mesmo diploma, sob a epígrafe “corrupção para acto lícito” [3 situações descritas em 4., 5., e 10 – parte relativa ao prédio da Rua J…M…].
«O digno recorrente questiona a subsunção das várias actuações qualificadas como crime de corrupção à figura do crime continuado. Sustentando que o arguido deve ser condenado por tantos crimes de corrupção quantos os “casos” ou recortes de vida dotados de autonomia que lhe vêm imputados.
«O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente – cfr. art. 30º, n.º 1 do C. Penal.
«Como ensina CC (Direito Criminal, II vol., 202) quando diversas condutas violam o mesmo tipo de crime, o número de crimes define-se pelo número de resoluções, sendo o critério temporal fundamental para se apurar se existiu uma ou mais resoluções a presidir aos vários actos.
«Tal não se verifica apenas quando a disposição legal violada protege bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida, a honra, a integridade física, que não se podem desligar da personalidade e apenas podem ser violados na pessoa que os cria com o só existir - em tal caso, os tipos legais desdobram-se em tantos outros quantos os possíveis indivíduos aos quais se estende a protecção da lei – cfr. CC, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, ed. de 1983, p. 123.
«Por outro lado, postula o nº 2 do citado art. 30º: Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
«O crime continuado pressupões, precisamente, a existência de diversas (“plúrimas”) resoluções, mas todas tomadas dentro de um quadro exterior que facilita de forma considerável o renovar das sucessivas resoluções.
«Como escreve CC na monografia consagrada ao tema – Teoria do Concurso em Direito Criminal, Colecção Teses, Almedina, 207 - “aquilo que na continuação criminosa arrasta o agente para a reiteração é precisamente o facto de, com a primeira conduta, se amolecerem e relaxarem as reacções morais ou jurídicas que o frenavam e inibiam”.
«Trata-se de uma situação em que existe uma disposição favorável das coisas, na medida em que mais ou menos arrasta e tenta o agente para o delito, diminuindo a liberdade de determinação do agente e, portanto, a intensidade da censura que se lhe pode dirigir, por não ter agido de outra maneira – cfr. ob. cit. 224.
«Na procura de casos/padrão de situações exteriores que facilitam de forma acentuada a tomada de novas resoluções subsequentes, subsumíveis ao crime continuado, situa-se a circunstância em que “o agente é arrastado e solicitado para a prática das actividades sucessivas através de um certo estado de coisas criado pela primeira conduta ou por ele utilizado com sucesso” – cfr. ob. cit., p. 208.
«Ou aquela outra em que “um delinquente se encontra de novo ante uma determinada situação que, convidando à realização de um certo crime, já uma vez foi por ele aproveitada com êxito, há-de, sem dúvida, sentir-se fortemente solicitado a reiterar a sua conduta criminosa e só muito dificilmente se manterá no caminho direito” – cfr. Eduardo Correia, Concurso cit., 246.
«Ou ainda “quando o legislador declara uma conduta criminosa porque através dela é violada uma relação de fidelidade à qual o agente está ligado, todos os actos que alguém praticar depois da primeira violação de um tal dever de fidelidade, aparecerão como consequência desta e portanto como um crime continuado. Assim: ..c) o oficial de justiça que, por causa de um processo recebe várias vezes dinheiro de uma das partes." – cfr. mais uma vez Eduardo Correia, Teoria do Concurso, cit., p. 206.
«No caso dos autos, a motivação do recurso tem como argumento nuclear o de que as diversas resoluções criminosas descritas na matéria de facto dada como provada não foram facilitadas pela existência de uma circunstância/solicitação exterior que tivesse sido aproveitado, facilitando as resoluções subsequentes, assim diminuindo o grau de culpa – cfr. conclusões 21 e 22 parte final..
«No entanto, o fundamento da unificação na figura do crime continuado a que procedeu o tribunal recorrido repousa numa perspectiva distinta: - não a do aproveitamento de uma circunstância exterior criada pela primeira, facilitadora das resoluções subsequentes mas antes no êxito alcançado em actuação anterior do mesmo procedimento – circunstância que o digno recorrente acaba por reconhecer na conclusão n.º 25.
«A circunstância facilitadora pode não radicar numa situação estática (v.g. o caso de escola do ladrão que para entrar na casa abre um buraco e que, depois, sabendo do buraco aberto decide voltar a utiliza-lo para a prática de novo crime) mas numa circunstância objectiva, de natureza funcional/de procedimento mas ainda assim de natureza exterior ao arguido e facilitadora da renovação do processo de decisão - tendo utilizado com sucesso/êxito determinado tipo de procedimento/comportamento, o agente resolve repeti-lo.
«Êxito ligado a um condicionalismo envolvente objectivo/funcional, exógeno ao agente que persiste, além de ter sido utilizado, com êxito (e aplauso, como emerge do coro de personalidades iminentes que abonou, em audiência, a favor do arguido) nos casos precedentes. Envolvimento exógeno que no caso parece manifesto, atenta a reunião na mesma pessoa de dois cargos de tanto relevo, com poder de decisão e de influência em áreas distintas e nobres da vida local - a direcção do clube de futebol da cidade e a de decisor, ao mais alto nível, dos destinos urbanísticos do mesmo burgo. Qualquer deles dotado de poder e influência de elite a nível local - pela horizontalidade do clubismo futebolístico, numa cidade nostálgica da sua ..., onde, por outro lado e ao mesmo tempo, assume tanta importância a actividade de licenciamento/loteamento urbano no modelo económico vigente onde “quand le battiment va bien tout va bien”.
«Sabendo-se que a simples aprovação de um loteamento tem constituído, neste “Jardim à Beira-mar Plantado”, desde a Lei dos Loteamentos de 1965, uma das formas mais céleres de enriquecimento, multiplicando exponencialmente, só por si, o valor patrimonial do terreno loteado (em favor exclusivo do beneficiário, por efeito do alvará, concedido pela administração sem que reverta qualquer mais-valia a favor da comunidade) – cfr. as intervenções do Eng. ... e do Arq. ..., no dia 31.05.2008, na cidade da ..., em jornada de discussão pública sobre o “Loteamento do ...e” onde, no local onde estava previsto um pequeno hotel de 4 andares apareceu um empreendimento multiplicado por muitos – que o “povo meúdo”, na sua sabedoria faceira, logo baptizou de Titanic.
«Conclui-se, pois, que não merece censura a decisão recorrida em submeter as múltiplas actuações dadas como provadas e subsumidas ao crime de corrupção, ainda que dotadas autonomamente de sentido, obedecem a um quadro exterior que facilitou de forma considerável o renovar das sucessivas resoluções.»
***
1.8. A questão da liquidação e a aplicação dos artigos 111.º e 112.º do CP, foi decidida como segue:
«A decisão recorrida julga improcedente a liquidação e decide pelo ar. 111º do C. Penal.
«Alega, o digno recorrente neste âmbito (conclusões 7ª a 14ª) 18 que “se considera haver sido contrariada a norma do art. 7º da Lei n.º 5/2002 de 11/01”.
«Postula o artigo 7º da citada lei:
1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. 2 - Para efeitos desta lei, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens: a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino. 3 - Consideram-se sempre como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal. |
Supremo Tribunal de Justiça, 18/04/2013
Isabel Pais Martins (relator)
Manuel Braz
«[12] Resulta ainda do artigo 2º da Lei n. 95/99, de 17 de Julho, que define as competências dos directores municipais, caber-lhes para além do mais: dirigir todos os serviços compreendidos na respectiva direcção e superintender nos actos neles praticados e o pessoal a eles afecto. Por outro lado, resulta da delegação de competências constante do Edital nº 51/2003 a fls.50/51 do apenso VI, ponto 11., por reporte ao artigo 95º do REJUE, a subdelegação de competências ao arguido no que se reporta à fiscalização.»
«[13] O artigo 83º, n.º 3 do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo D.L. 177/2001 (RJUE) estabelece que é necessário proceder à alteração da licença sempre que as alterações da obra ao projecto inicialmente aprovado envolvam a realização de obras de ampliação ou de alteração à implantação das edificações, sendo que a realização da edificação em desconformidade com o projecto consubstancia, nos termos do artigo 98º n.1 al.b) a prática de uma contra-ordenação.»
«[14] O artigo 4º, n.º 2, alínea b) e c) do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo D.L. 177/2001, de 4 Junho. Nos termos desta norma estão sujeitas a licença administrativa …“as obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área não abrangida por operação de loteamento, bem como a criação ou remodelação de infra-estruturas que, não obstante se inserirem em área abrangida por operação de loteamento, esteja sujeitas a legislação específica que exija a intervenção de entidades exteriores ao município no procedimento de aprovação dos respectivos projectos de especialidade”.
“As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor (…)” Por sua vez, o artigo 98º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma, refere que “ (…) são puníveis com contra-ordenação (…) a realização de operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento ou autorização sem o respectivo alvará”.»
[15] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335.
[16] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo III, 2004, pp. 158-159.
[17] Cfr., exemplificativamente, jurisprudência citada por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 5 ao artigo 420.º, pp. 1162-1163.
[18] Ainda do acórdão de 22/09/04.
[19] O qual frequentemente temos citado.
[20] Assim se escreveu, v.g., no acórdão deste Tribunal, de 07/04/2010 (processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 – 3.ª secção).
[21] Neste sentido, v.g., o acórdão de 06/05/2010, no processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª secção.
[22] Como se escreveu, v.g., no acórdão deste Tribunal de 13/02/2008 (processo n.º 2696/07 – 5.ª secção).
[23] Assim se escreveu, v.g., no acórdão deste Tribunal, de 07/04/2010 (processo n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 – 3.ª secção).
[24] Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, LIm. 1981, p143.
[25] Assim, António Manuel de Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p, 655.
[26] Ibidem, p. 656.
[27] Ibidem, p. 661.
[28] «A Corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos) entendimentos da doutrina, da jurisprudência e do legislador]», Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora 2003, p. 970.
[29] Almeida Costa, ob. cit., p. 656.
[30] Ibidem, p. 671.
[31] Código Penal Português na Doutrina e na Jurisprudência, 3.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra 1977, p. 518.
[32] António Manuel de Almeida Costa, Sobre o Crime de Corrupção, Coimbra 1987, p. 124, nota 323.
[33] Ob. cit., pp. 671, 672.
[34] Na expressão de Cláudia Santos, loc. cit., e em «Notas breves sobre os crimes de corrupção de agentes públicos», Julgar, n.º 11, p. 52 e ss.
[35] Assim, Cláudia Santos, «A corrupção», Liber discipulorum cit., p. 985.
[36] Ibidem, pp. 986 e 987, e nota 41.
[37] Neste ponto, cfr. a referida posição de Almeida Costa.
[38] Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 974.
[39] Cáudia Santos, Liber Discipulorum cit., p. 984.
[40] António Manuel de Almeida Costa, Sobre o Crime de corrupção, Coimbra 1987, p. 123 e nota 318.
[41] Assim, Cláudia Santos, «Notas Breves ..» cit, pp. 52-53.
[42] Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª edição actualizada, p. 984.
[43] Almeida Costa, Comentário cit., p. 665.
[44] Ibidem, p. 667.
[45] Ibidem.
[46] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal cit., p. 986.
[47] Almeida Costa, Comentário cit., p. 673.
[48] Ibidem, p. 662.
[49] Comentário ao Código Penal cit., p. 986.
[50] Ob. cit, p. 107.
[51] Comentário cit, p. 982.
[52] Ibidem, pp. 982-983.
[53] As penas referidas reportam-se aos crimes-base, sem a agravação prevista no artigo 374.º-A, nomeadamente, em função do valor da vantagem.
[54] Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal cit., p. 977.
[55] Assim, Figueiredo Dias, «Direito Penal», Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, p. 1027.
[56] Ibidem, p. 1041.
[57] Ibidem, p. 1030.
[58] Direito Criminal, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, p. 209.
[59] Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Reimpressão, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1983, p. 251.
[60] Inexistente na versão primitiva do CP, foi introduzido com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
[61] Sobre a evolução, em Portugal, do problema dos fins das penas e a doutrina do Estado, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 88 e ss.
[62] Ibidem, p. 105.
[63] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, p. 228.
[64] Ibidem, p. 241.
[65] Figueiredo Dias, Temas, cit., p. 109.
[66] Figueiredo Dias, «Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime» Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fasc.1, Janeiro-Março de 1992, Aequitas, Editorial Notícias,p. 14.
[67] Figueiredo Dias, Temas cit., p. 108, Consequências cit., p. 244.
[68] Neste ponto, cfr. Figueiredo Dias, Consequências cit., p. 296.
[69] Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências cit, p.129