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FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
SIMULAÇÃO
Sumário
Não preenche o tipo objectivo do crime de falsificação de documento a conduta de quem, perante o notário, numa escritura pública de compra e venda, declara que compra ou vende um imóvel por preço inferior ao real.
Texto Integral
Processo n. 717/06.6TASTS.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
No processo comum acima identificado, o senhor juiz rejeitou a acusação proferida nos autos a fls. 317, deduzida pelo Ministério Público contra B…, C… e D…, por manifestamente infundada.
Não se conformando, quer com a decisão o Ministério Público recorreu para este Tribunal da Relação concluindo as suas motivações nos seguintes termos: 1 Por despacho proferido a fls. 354 a 362 dos autos “supra” referidos o Tribunal “a quo”, invocando o disposto do art. 311.0, n°3, alínea d), do CPP, rejeitou a acusação formulada pelo M°P° que acusava os arguidos da prática do crime de falsificação de documento (p. e p. à data da prática dos factos pelo art. 256.°, n°1, alínea b), e n°3, do Código Penal, e, actualmente, pelo art. 256.°, n°1, alínea d), e n°3, do Código Penal). 2 Considera o Tribunal “a quo” que não constitui facto juridicamente relevante, para efeitos da incriminação pelo crime de falsificação, a declaração dos arguidos perante o notário (que a fez consignar em escritura pública) relativa ao preço pelo qual estão a transaccionar o imóvel. 3 Acontece que os arguidos praticaram os factos quando ainda estava em vigor o Código da Sisa, que estipulava no seu artigo 19.0 que este imposto incidia sobre o valor por que os bens fossem transmitidos. 4 O Estado Português, através dos Serviços de Finanças, recorria por isso aos valores declarados nas escrituras públicas de transmissão de imóveis para apurar a matéria colectável da sisa. 5 Daí o comportamentos destes arguidos, que pretendendo pagar menos ou até nenhuns impostos pela compra/venda do imóvel (SISA para a compradora e IRS para os vendedores), declararam perante o notário um preço inferior ao real. 6 Foi esta frequente realidade que levou o legislador a alterar as leis fiscais, fazendo incidir agora o IMT (antiga sisa) sobre os valores das avaliações dos imóveis (e já não sobre o preço declarado na escritura). 7 A inserção falsa na escritura pública do valor da transmissão de um imóvel, à data da prática dos factos, traduz-se manifestamente num facto juridicamente relevante, dado que a escritura é meio idóneo, e aliás privilegiado, a provar este facto desde logo perante a Fazenda Nacional. 8 A situação dos presentes autos configura um caso de falsificação ideológica, ou seja, o documento (escritura pública) é genuíno, mas é inverídico, uma vez que os arguidos declararam perante o notário um facto falso juridicamente relevante. 9 Da acusação pública constam todos os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime que é imputado aos arguidos 10 Face ao exposto, o Tribunal “a quo” fez errada subsunção dos factos ao Direito e, como tal, deverá ser revogado o despacho que rejeitou a acusação e substituído por outro que a receba e designe data para audiência de discussão e julgamento.
O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação pronunciou-se pelo não provimento do recurso.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
A questão que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na sua motivação, prende-se apenas com a qualificação jurídica do comportamento de alguém que outorga escritura pública de compra e venda declarando perante notário comprar e vender bens imóveis por determinado preço alegadamente inferior ao real, a fim de obter a isenção do pagamento do imposto de sisa (arguida compradora) e de pagar menos IRS (arguidos vendedores).
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Tendo em conta as questões objecto do recurso, importa atentar na decisão recorrida. O Ministério Público deduziu acusação contra B…, C… e D… imputando-lhes a prática de um crime de falsificação de documento, p. e p., à data da prática dos factos, pelo artigo 256°, n°1, al. b) e n°3, do Código Penal e, actualmente, pelo artigo 256°, n°1, al. d) e n°3, do Código Penal com base nos seguintes factos:
1- No dia 17 de Julho de 2001, no 2° Cartório Notarial de Santo Tirso, os arguidos outorgaram escritura pública, inserta a fls. 122 e 123 do Livro 159 F daquele Cartório, na qual os arguidos B… e C… declararam vender à arguida D…, pelo preço de €37.908,64, que aqueles afirmaram ter recebido, os seguintes bens:
- fracção autónoma designada pela letra “C”, rés-do-chão direito, com entrada pelo n°… da …, destinada exclusivamente a habitação, inscrita na matriz sob o art. 12825-C;
- fracção autónoma designada pelas letras “AB”, garagem individual no logradouro, com entrada pelo n°… da …, inscrita na matriz sob o art. 12825-AB.
2- Estas fracções fazem parte do prédio urbano sito na …, n°s …, … e … da freguesia …, Porto, descrito na CRP do Porto sob o número 3234, afecto ao regime da propriedade horizontal.
3- Porém, antes da outorga da escritura pública, os arguidos acordaram que aquele preço apenas ali figuraria para efeitos fiscais, ou seja, para reduzir o montante que eles teriam que pagar a título de impostos pela transacção, em sede de IRS para os arguidos C… e B… e em sede de SISA para a arguida D….
4- De facto, os arguidos, previamente à outorga da escritura pública, acordaram que o preço real a pagar pela arguida D…, pela compra das supra-indicadas fracções, seria de €69.831,71.
5- Aliás, nunca foi intenção dos arguidos B… e C… venderem as fracções identificadas em 1. pelo preço de €37.908,64.
6- Antes, de comum acordo, em comunhão de esforços e mediante um piano prévio estabelecido, foi intenção de todos os arguidos prejudicar o Estado Português, designadamente a Fazenda Nacional, ao procurarem pela forma descrita pagar menos impostos dos que eram devidos pela venda daquelas fracções.
7- A arguida D… sabia que declarando na escritura pública que comprava as referidas fracções pelo preço de €69.831,71 não obteria a isenção do pagamento do imposto de SISA (cfr. art. 11.0 do C.LM.S.I.S.S.D.).
8- Por sua vez, os arguidos B… e C… sabiam que pagavam menos impostos, em sede de IRS, caso declarassem, como declararam naquela escritura, um preço inferior ao efectivamente acordado com a arguida D….
9- Ao actuarem da forma descrita, os arguidos agiram de livre vontade e deliberadamente, conscientes de que o preço da venda das fracções que declararam na outorga da escritura pública não correspondia à verdade, com o propósito de se eximirem ao pagamento dos impostos devidos pelo valor da transacção real e de causarem prejuízos ao Estado Português, o que representaram.
10- Sabiam os arguidos que a conduta deles era proibida e punida por lei penal. Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o juiz rejeita a acusação se a considerar manifestamente infundada - art. 311°, n°. 2, ai. a) do Código de Processo Penal. A expressão manifestamente infundada respeita à indiciação dos pressupostos de punibibilidade. Assim, acusação manifestamente infundada é aquela que, em face dos seus próprios termos, não tem condições de viabilidade, sendo manifesta a sua improcedência. Caso típico é o de os factos descritos na acusação não integrarem qualquer infracção criminal - cfr. art. 311°, n°. 3, ai. d) do CPP2. Dispõem os n°s 1, al.d) e 3 do art.256° do Código Penal: 1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo: d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante (...); 3. Se os factos referidos no n°1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força (...) o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. Documento, para efeitos do crime de falsificação, é, nos termos da al.a) do art.255° do Código Penal a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, intelegível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta. Assim como refere Helena Moniz “aquilo que constitui a falsificação de documento é não a falsificação do documento enquanto objecto que incorpora uma declaração, mas a falsificação da declaração enquanto documento”. Já a noção de documento para efeitos de moldura penal, nomeadamente para a agravação ínsita no n°3 do art.256° do Código Penal é, nas palavras da mesma autora o escrito ou outro qualquer objecto material que incorpora a declaração, tendo em conta a especial perigosidade que a falsificação de certo tipo de documentos comporta para o bem jurídico. O bem jurídico protegido por esta norma incriminadora é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental Como adianta ainda a mencionada autora “ a fé pública, a confiança pública na autenticidade e veracidade dos documentos será tanto maior quanto maior for a força probatória do documento. É este documento enquanto meio de prova que o direito quer proteger, quer tal destino (o de provar um facto) lhe seja dado desde o início quer posteriormente.” Sob o ponto de vista dos interesses que o tipo legal visa proteger, estamos perante um crime de perigo abstracto, pois é suficiente que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido independentemente de o utilizar ou o colocar no tráfico jurídico. Basta, pois, que haja probabilidade de lesão da confiança e segurança que toda a sociedade deposita nos documentos. Importa distinguir aqui a falsificação material da ideológica. Como refere a supra citada autora: “enquanto na falsificação material o documento não é genuíno, na falsificação ideológica o documento é inverídico: tanto é inverídico o documento que foi objecto de uma falsificação intelectual como no caso de falsidade em documento. (...) Na falsidade intelectual integram-se todos aqueles casos em que o documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita, integrada no documento, distinta da declaração prestada. Por seu turno, na falsidade em documento integram-se os casos em que se presta uma declaração de facto juridicamente relevante; trata-se, pois de uma narração de facto falso (Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos,— da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documento, 1999, 87 ss. e 181 ss. particularmente 221 ss.) . No que respeita ao objecto da acção sob análise - a narração de facto falso juridicamente relevante - incumbe notar que tal como referiu Figueiredo Dias, a al.b) “não contempla qualquer falsificação de documento, mas sim uma falsa declaração em documento regular. A ficar, tornar-se-á necessária uma interpretação restritiva, papel a desempenhar pela doutrina” (Actas 1993 298). “Seguindo este rumo a falsidade em documentos - é punida quando se tratar de uma declaração de facto falso, mas não de todo e qualquer facto falso, apenas aquele que for juridicamente relevante, isto é, aquele que é apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica “8• Neste sentido se vem firmando a jurisprudência de que se cita, a título exemplificativo, o recente Acórdão da Relação do Porto de 14.4.2010 em cujo sumário se lê que: “A declaração inverídica perante o notário, no acto da celebração da escritura pública de dissolução de sociedade, segundo a qual esta não tinha qualquer passivo a liquidar não é susceptível de constituir o crime de falsificação de documento do artigo 256° do Código Penal” louvando-se também noutros arestos a que alude, nomeadamente no Acórdão daquela Relação de 30.11.1994, processo 9410768, assim sumariado: “1 - Não constitui falsificação de documento a declaração de aumento de capital de sociedade, com entradas em dinheiro, feita ao notário e exarada em escritura pública, pelas respectivas sócias, sem que tenha havido tais entradas; II - As falsas declarações prestadas ao notário constituem, in casu, simulação, não punível face ao actual Código Penal” (disponível in www.dgsi.pt); e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.11.1983, BMJ n.° 331. pág. 312: “1 — O Código Penal de 1886 configurava os crimes de simulaçao e de falsificaçao como sendo completamente distintos quer no que respeitava aos bens jurídico-penais protegidos quer quanto à factualidade típica. II — O crime de simulação, tal como era previsto no artigo 455.°, do Código Penal de 1886, foi eliminado do Código Penal de 1982, não sendo confundível com o crime de falsificação previsto pela alínea b) do n.° 1 do artigo 228.°, deste novo diploma”. Acresce que “O Código Penal revisto não incluiu nas falsificações de documentos a chamada falsidade ou falsificação indirecta, ou falsa documentação indirecta, que se entendia estar contemplada no n° 2 do artigo 233° da anterior versão (parcialmente correspondente ao artigo 257° actual). Puniam-se aí os factos falsos que o funcionário era levado a omitir ou a fazer constar de documento da sua competência por meio de erro: “quem, induzindo em erro um funcionário, o levar a fazer constar de documento ou objecto equiparável, a que a lei atribui fé pública, algum facto que não é verdadeiro ou a omitir facto juridicamente relevante ...”. Era um crime de engano de funcionário ou de convencimento erróneo - o agente do crime era outro, que não o funcionário, embora se mantivesse a incidência no plano documental que continuava a ser um instrumento público ou equiparável (cf. o § 271 do StGB “mittelbare Falschbeurkundung”), dirigido à protecção da própria verdade do documento público, que tem uma especial força probatória (H. Moniz, p. 203; F. Haft, p. 251). Era necessária a verificação cumulativa de três pressupostos: devia tratar-se de documento público; devia dar-se a intervenção de um funcionário público; actuando este com base em erro induzido pelo agente (F. Dias/C. Andrade, O crime de fraude fiscal, p. 97). Enquadrava-se aqui a simulação enquanto falsa documentação indirecta, mas o que se punia não era o acto de realização da simulação, era antes o facto de as partes terem formalizado um negócio por intermédio de uma autoridade pública, indicando a esta última um facto — a declaração de vontade — que não é verdadeiro, ou que nem sequer existe; a declaração foi integrada em documento porque o funcionário foi induzido em erro e é por isso que se verifica a sua específica criminalização (cf. H. Moniz, p. 203; F. Dias/C. Andrade, O legislador de 1982 optou..., p. 21).” — M. Miguez Garcia, Direito penal - Parte especial, § 27° (crimes de falsificação documental), Porto, actualização relativa a Outubro de 2009. “Não existe, pois, actualmente, no sistema jurídico português nenhum tipo legal de crime que puna o terceiro que se serve do funcionário de boa fé para inserir no documento elementos inexactos ou falsos (...), sendo certo que irá ficar sujeita aos mecanismos de invalidação dos actos jurídicos do direito civil. O que confirma uma vez mais que o direito penal apenas deve intervir quando a tutela prestada por outros ramos do direito não afigura suficiente. “A mentira não justifica por si só uma intervenção do direito penal e a correspondente criminalização do comportamento. No entanto, a falsificação intelectual é feita porque se quer encobrir a verdade. Mas, não será toda a forma de encobrir a verdade, que esteja plasmada num qualquer documento (no sentido em que é aceite pelo CP), que vai determinar a existência de um crime de falsificação de documentos. Este só se verificará se aquela ocultação da verdade ocorrer num documento que desde a sua formação (ou posteriormente) seja destinado a servir como meio de prova” (Helena Moniz, p. 71). Este dever jurídico só se verifica “se estiver em causa algum facto, ou relato de facto, juridicamente relevante, cuja falsidade por si só seja susceptível de vir a causar um perigo de lesão do bem jurídico aqui em causa; quando tal acontece (e só acontece quando o documento particular, simultaneamente, é relevante como meio de prova de um direito, ou relação jurídica, e o facto é juridicamente relevante é que o particular deverá ser punido (...). Caso contrario, nao passará de um dever moral, e, como tal, não criminalizável” (Helena Moniz, p. 226). Ora, da matéria fáctica descrita na acusação resulta que os arguidos outorgaram escritura pública de compra e venda declarando perante notário comprar e vender bens imóveis por determinado preço alegadamente inferior ao real, a fim de obter a isenção do pagamento do imposto de sisa (arguida compradora) e de pagar menos IRS (arguidos vendedores). Acontece que o montante do preço não constitui elemento apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica, pelo que não é facto juridicamente relevante para efeitos penais. Além disso, não se pode enquadrar o descrito ilícito no âmbito dos crimes fiscais, desde logo porque da narração dos factos não resulta qual o montante da vantagem patrimonial ilegítima, nomeadamente se é ou não igual ou superior a 15.000,00 €, esse sim, elemento de recorte negativo do tipo - cfr. art.103°, n°2, do RGIT. Assim sendo, a conduta imputada aos arguidos na acusação não tem qualquer relevância criminal. Pelo exposto e por ser manifestamente infundada, REJEITO a acusação de fls.317 e ss. Notifique.
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A questão em causa no presente recurso prende-se tão só com a qualificação jurídica do comportamento de alguém que, outorga escritura pública de compra e venda declarando perante notário comprar e vender bens imóveis por determinado preço alegadamente inferior ao real, a fim de obter a isenção do pagamento do imposto de sisa (arguida compradora) e de pagar menos IRS (arguidos vendedores).
É o seguinte, o teor do tipo de crime «falsificação de documento, previsto no artigo 256º do Código Penal: “1- Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus documentos facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; f) Por qualquer meio, facultar ou detiver doceumento falsificado ou contrafeito. é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2- (…). 3- Se os factos referidos no nº1 disserem respeito a documento autêntico ou com força igual, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. 4- Se os factos referidos nos n.ºs 1 e 3 forem praticados por funcionário público, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”.
Protege-se, neste amplo tipo legal de crime, o bem jurídico da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que respeita à prova documental, atribuindo a confiança na autenticidade e veracidade dos documentos social e juridicamente relevantes.
No tipo de crime engloba-se tanto a falsidade material, quando o documento é total ou parcialmente forjado ou quando se alteram elementos constantes de um documento já existente — o documento não é genuíno, como a falsidade intelectual, ou seja quando o documento é genuíno mas não traduz a verdade por haver uma desconformidade entre a declaração e o que dele consta — o documento é inverídico.
Na falsificação intelectual está em causa a incorporação, no documento, de uma declaração distinta da declaração que foi prestada, e por isso falsa.
A alteração dá-se aquando da formação do documento, fazendo-se constar nele uma declaração que não foi produzida ou que é diferente da que foi realizada. Esta modalidade de falsificação estará abrangida pela expressão “falsificar ou alterar documento” do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do CP
Importa referir que face aos factos indiciados, está em causa, resumidamente a circunstância de alguém que outorga escritura pública de compra e venda declarando perante notário comprar e vender bens imóveis por determinado preço alegadamente inferior ao real, a fim de obter a isenção do pagamento do imposto de sisa (arguida compradora) e de pagar menos IRS (arguidos vendedores).
O documento elaborado pelos intervenientes não exibe qualquer aspecto susceptível de revelar falsidade material nem intelectual, pois não foi forjado ou alterado nem apresenta uma desconformidade entre o que foi declarado e o que está documentado. É um documento exacto que, no entanto, contém uma declaração inverídica referente ao preço do negócio.
O que está em causa é, no caso dos autos, uma simulação do preço de um determinado imóvel com vista a que os intervenientes paguem menos impostos.
A simulação não constitui uma declaração de facto falso, mas uma declaração de vontade falsa não respeitando, por isso, ao documento que titula o negócio, mas ao conteúdo do negócio.
Como vem sendo dito pela jurisprudência, uma declaração inveridica, relativamente ao preço de um negócio, efectuada perante um notário, não constitui crime de falsificação de documento (cf. Ac. Relação do Porto, de 14.4.2010, relator, Artur Oliveira, Ac. da Relação de Coimbra de 12.07.2006, relator Belmiro Andrade).
Como se refere no Ac. Relação de Lisboa de 26.07.2007, (relator Domingos Duarte.) «reportando-se à divergência entre a vontade real e a declarada, o documento que a incorpora é verdadeiro porque retrata a declaração em si. Não existe na escritura junta aos autos, ou em qualquer outra que corporize uma divergência entre a vontade real e a declarada, uma falsificação de documento, na medida em que este retratando fielmente a declaração não contém nenhum vício externo».
No caso dos autos, como decorre da matéria de facto, os arguidos declararam na escritura pública que o preço de venda era €37.908,64. E foi esse o valor que o notário fez constar do documento.
Não obstante, o preço (real) foi acordado previamente entre os outorgantes em €69.831,71.
O documento em si elaborado pelo notário não apresenta qualquer mácula: reproduz fielmente o acto que as partes quiseram concretizar.
Conforme se diz no Acórdão desta Relação de 14.4.2010, citado infra, em situação muito semelhante, «o documento não exibe qualquer aspecto susceptível de revelar falsidade material nem intelectual, pois não foi forjado ou alterado nem apresenta uma desconformidade entre o que foi declarado e o que está documentado. É um documento exacto [regular] que contém uma declaração inverídica».
Em síntese, porque neste caso não há qualquer declaração de facto falso mas sim a corporização de uma declaração de vontade falsa que nada tem a ver com o documento mas tão só com o conteúdo do negócio, não há crime de falsificação de documento.
Resta referir, porque essa é a linha de argumentação do recorrente que, no caso, não havendo declaração de facto falso, não chega sequer a questionar-se o problema de estar em causa um facto juridicamente relevante.
III DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar não provido o recurso.
Não é devida taxa de justiça.
Notifique. Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).
Porto, 21 de Março de 2012
José António Mouraz Lopes
Américo Augusto Lourenço