1. Terminado o mandato, cumpre ao mandatário entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato.
2. O artigo 11º do Código de Processo Civil é aplicável a um incapaz, ou seja, a uma pessoa juridicamente incapaz, seja por ser menor, seja por ter sido juridicamente reconhecida a sua incapacidade e que, por algum motivo, não tem representante geral (ou curador, no caso dos inabilitados).
3. Nessa hipótese, o que cumpre fazer é pedir ao tribunal a nomeação de um representante geral; só em situações de urgência caberá designar um curador provisório.
4. Sendo proposta uma acção de interdição (ou de inabilitação, com as devidas adaptações), a lei, admitindo que exista uma situação de incapacidade de facto, determina que seja representado na acção de interdição por um curador provisório.
5. Os poderes do curador provisório nomeado nos termos do artigo 947º do Código de Processo Civil limitam-se à representação no processo de interdição; têm um âmbito meramente processual.
6. Se a ré entregou à curadora provisória as quantias que lhe foram entregues no âmbito de um contrato de seguro de que era beneficiária a interditanda, não fica desonerada do dever de as entregar a esta.
1. AA, interdita por anomalia psíquica, representada por BB, seu tutor, instaurou uma acção contra CC, advogada, pedindo a sua condenação na entrega de € 44.756,71 (€ 40.685,89 de capital e € 4.070,82 de juros), com juros contados à taxa legal de 4% de 19 de Dezembro de 2006 até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito, alegou que seu pai, DD, subscreveu na EE, SA, um Valor de Capitalização (apólice 000000000), designando como beneficiárias FF, sua mulher e mãe da autora, a autora e GG, adoptada restritamente por DD e FF, sem determinar a proporção de cada uma; que FF faleceu antes de DD; que DD morreu em 19 de Janeiro de 2003; que, por procuração de 13 de Junho seguinte, lhe conferiu poderes forenses e “os poderes especiais para a representar na habilitação de herdeiros por morte de seu pais” e demais actos especificados, relacionados com a habilitação e a partilha; que, por carta de 13 de Maio de 2004, a ré solicitou à EE o pagamento do montante correspondente à apólice 000000000, € 81.371,78, que veio a receber, tendo o pagamento sido efectuado em 17 de Junho de 2004; que, não obstante lhe ter sido pedido por diversas vezes, não lhe entregou a sua parte, € 40.685,89; que a procuração atrás referida foi revogada em 4 de Novembro de 2004.
A ré contestou, por impugnação e por excepção. Por entre o mais, alegou ter entregue a quantia paga pela EE a GG, com quem a autora vivia na altura e que fora designada curadora provisória no processo de interdição, que esta lhe pagou honorários que lhe eram devidos e que estava “ciente que uma parte pertencia à sua irmã, ora autora, desde logo porque tal lhe foi dito pela ré”; mas que desconhece se GG fez chegar qualquer quantia à autora.
A autora replicou. Por entre o mais, disse não ser verdade que, à data do pagamento pela EE, GG tivesse sido nomeada curadora provisória. A acção de interdição foi instaurada em 3 de Novembro de 2004 e GG apenas foi nomeada curadora provisória em 6 de Dezembro seguinte; e a designação foi efectuada ao abrigo do nº 1 do artigo 947º do Código de Processo Civil, ou seja, apenas para contestar a acção de interdição. Aliás, não tendo sido possível notificá-la, foi designado como curador provisório o (futuro) tutor, BB; GG nunca exerceu, portanto, tal cargo, como a ré bem sabe. E disse que, ainda que tenha efectivamente ocorrido, a entrega do dinheiro a GG não é eficaz em relação a si (artigo 770º do Código Civil).
A acção foi julgada procedente, pela sentença de fls. 268. Em síntese, o tribunal considerou ter sido celebrado um contrato de mandato entre a autora e a ré e que esta estava obrigada a entregar-lhe metade da quantia recebida da Companhia de Seguros, o que não ficou provado que tivesse feito; que apenas se provou que tinha transferido para uma conta titulada pelo marido de GG as quantias de €17.000,00 e de 40.543,83 €, retendo o restante (23.827,95 €) a título de honorários; mas que essa entrega é ineficaz quanto à autora (artigo 770º do Código Civil); e que a ré deve juros de mora desde a data em que recebeu o dinheiro, 17 de Junho de 2004.
A ré recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra; todavia, pelo acórdão de fls. 605, a sentença foi confirmada. A Relação acentuou que, até ao registo da sentença de interdição, a autora não sofria de qualquer incapacidade.
Recorreu então para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi recebido como revista, com efeito devolutivo.
2. Nas alegações que apresentou oportunamente (assim se defere o requerido a título de “questão prévia”, a fls. 631), a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso incide, antes do mais, sobre o que o recorrente considera, com todo o respeito, consubstanciar um erro de direito, resultante da inexacta qualificação jurídica e determinação das consequências jurídicas referentes ao caso concreto.
II. Desde logo porque são desconsiderados os aspectos, determinantes no enquadramento jurídico da questão em apreço, relativos à pendência da acção de interdição, à curadora provisória nomeada e ao seu papel de representante geral da interditanda.
III. Como consta dos factos provados, (17 e 18), a acção de interdição foi instaurada em 03/11/2004 e, nessa acção,GGa foi nomeada curadora provisória da autora em 06/12/2004, nos termos do despacho que consta da folha 78, onde consta que a nomeação é feita ao abrigo do disposto no art. 947.°, n.° 1 do CPC.
IV. A nomeação da irmã da A/recorrida como sua curadora provisória foi efectuada ao abrigo do disposto no artigo 947. °, 1 do C P Civil, tendo em conta, precisamente, à uma, a impossibilidade de a A. receber a citação - por ser incapaz de facto para entender e agir em juízo, e à outra, o facto de a essa mesma irmã vir a competir a tutela ou curatela.
V. Da incapacidade de facto ocupa-se o artigo 11.° do C P. Civil, que estabelece no n.° 2 que, tanto no decurso do processo como na execução da sentença pode o curador provisório praticar os mesmos actos que competiriam ao representante geral (ou seja, quanto ao interdito, o tutor).
VI. A recorrente entregou à irmã da A/recorrida o montante que recebeu em execução do mandato, sendo que, no momento da entrega a referida irmã da A/recorrida estava nomeada nos autos de interdição como curadora provisória da recorrida.
VII. A curadora provisória não pode ser considerada terceira em relação à interditanda/recorrida.
VIII. Além disso, importa também referir, que não se encontra em causa a celebração de algum negócio jurídico por parte da curadora provisória em nome da autora/recorrida, mas tão só do recebimento de uma quantia em nome desta.
IX. Prevê o artigo 769.° do C. Civil que a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante, sendo certo, porém, no entender da recorrente, que o conceito de representante vertido na disposição legal referida não deverá ser aquele entendido pelo acórdão recorrido – o que leva à errada aplicação do artigo 770.° do C Civil.
X. A interpretação do conceito de representante que ora se pugna conduz outrossim à conclusão de que a prestação/entrega da ré/recorrente não foi efectuada a um terceiro (como defende o acórdão recorrido) mas à própria A/recorrida, por intermédio da sua representante – a sua curadora provisória nomeada nos autos de interdição.
XI. O que equivale a dizer que a ré efectuou a prestação de contas e entregou a quantia que havia recebido, no e por via do exercício do mandato, a quem tinha legitimidade para o receber.
XII. Embora o acórdão recorrido desconsidere em absoluto, a verdade é que agora tutor da autora, quando, nos referidos autos de interdição, foi nomeado curador provisório, em substituição da GG, vem, imediatamente após essa nomeação, invocar junto da R./recorrente, precisamente a sua qualidade de curador provisório da A/recorrida, para pedir que a R/recorrente lhe entregasse o montante de € 40.685,89 e a prestação de contas!!
XIII. Acabando, inaceitavelmente, por resultar da sentença proferida em 1ª instância, confirmada no acórdão recorrido é que, no que concerne à GG, a nomeação como curadora provisória da autora, apenas relevaria para efeitos de representação processual mas, a mesma nomeação, agora do referido BB como curador provisório, nos mesmos termos (aliás, foi em substituição da GG) já lhe conferia legitimidade para exigir da ré a prestação de contas e a entrega do dinheiro!!!
XIV. A entrega da quantia foi feita pela recorrente a quem tinha legitimidade para a receber, cabendo ao curador provisório, que recebeu essas quantias, apresentar as necessárias contas e proceder à entrega da quantia que recebeu em nome da sua representada – cfr. arts.º 95.°do Código Civil e arts. 1020.° e 1021 do Cód. Proc. Civil.
XV. Já o acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, no Processo Disciplinar 207/2006 -D, intentado contra a ré pelo tutor da autora, junto aos autos a fls., (que determinou o arquivamento dos mesmos), pugna no sentido ora defendido pela recorrente.
XVI. A ré prestou contas e entregou a quantia à pessoa que, naquela data, era, efectivamente a curadora provisória da autora, e, como tal, era sua representante, não se cingindo a referida representação à mera intervenção processual nos autos de interdição, já que, independentemente da inexistência duma providência provisória, o curador provisório pode praticar os mesmos actos que competiriam ao representante geral.
XVII. Por conseguinte não pode a irmã da recorrida ser considerada terceira.
XVIII. Independentemente da decisão do acórdão recorrido sobre a matéria de facto, impugnada em sede de apelação, desde logo quanto ao quesito 5.°, a verdade é que, como o próprio acórdão reconhece, no momento da entrega da quantia à GG, esta era curadora provisória da A., pelo que analisando a questão, do ponto de vista do direito aplicável, não pode a decisão deixar de ser no sentido de considerar que a R/recorrente cumpriu a obrigação, quando, procedendo de boa-fé, realizou a prestação a que estava vinculada, à representante (na altura) da credora - cfr. art.0 762.° do C. Civil.
XIX. As entregas referidas no facto 13 do acórdão não podem, pois, ser consideradas nulas e ineficazes perante a autora.
XX. Por outro lado, considerando o acórdão que estamos perante uma relação de mandato, prevista no artigo 1157.° do Código Civil, impõe-se, considerar o normativo constante do artigo 1158.° do mesmo Código, ou seja, o montante dos honorários devidos à mandatária - direito/crédito da recorrente – cfr. art.º 1167.°, a) e b) do C Civil.
XXI. Assim, também por essa razão, se impugna o acórdão, não podendo subsistir a condenação da ré a entregar à autora a quantia de € 40.685, 89 acrescida de juros de mora à taxa legal desde 17.06.2004 até integral entrega da mesma.
XX. É também fundamento acessório do presente recurso a impugnação do acórdão recorrido com base na não pronúncia sobre questões que devia apreciar, designadamente as suscitadas pela recorrente quanto à impugnação da matéria de facto, pelo que se verifica a nulidade prevista no artigo 668.° do CPC.
Termos em que e melhores de direito, que desde já se consideram proficientemente supridos, requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido nos termos requeridos.
Como é de JUSTIÇA!
A recorrida contra-alegou, sustentando a manutenção do decidido pela Relação.
3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):
«1. A autora é filha de FF e de DD. – al. C) dos factos assentes
2. Em 01/04/1996, o pai da autora subscreveu na “EE, S.A.” um Valor Capitalização, titulado pela apólice n.º 000000000. – al. D) dos factos assentes
3. Tendo designado como beneficiários, à sua morte, desse valor FF (mãe da autora), GG (adoptada restritamente pelos pais da autora) e a autora. – al. E) dos factos assentes
4. O pai da autora não indicou as proporções a que cada uma das beneficiárias teria direito. – al. F) dos factos assentes
5. A beneficiária FF faleceu a 15/08/2001. – al. H) dos factos assentes
6. O pai da autora faleceu em 19/01/2003. – al. G) dos factos assentes
7. A ré é advogada. – al. I) dos factos assentes
8. Através de procuração, datada de 13/06/2003, a autora conferiu à ré “ (…) os mais amplos poderes forenses e ainda os poderes especiais para a representar na habilitação de herdeiros por óbito do seu pai DD, falecido em 19 de Janeiro de 2003, com última residência no Largo 5 de Outubro, n.º 6, em Ovar, outorgando a respectiva escritura e ainda os poderes necessários para proceder com os demais interessados à respectiva partilha de bens, designando os bens que hão-de compor o respectivo quinhão hereditário, dar, receber e dispensar tornas e respectivas quitações, assinar a respectiva escritura pública de partilha, proceder a quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, cancelamentos ou averbamentos, assinando tudo quanto for necessário aos aludidos fins”. – al. J) dos factos assentes
9. A ré, através de carta datado de 13/05/2004 – e referindo encontrar-se mandatada pelas beneficiárias AA e GG – solicitou junto da “EE, S.A.” o pagamento e envio para o seu escritório do montante titulado pela apólice n.º 000000000. – al. L) dos factos assentes
10. Em 17/06/2004 a ré recebeu da “EE, S.A.” o montante de 81.371,78 €, referente ao Valor Capitalização, titulado pela apólice n.º 000000000. – al. M) dos factos assentes
11. No dia 04/11/2004 a autora revogou a procuração referida em J). – al. N) dos factos assentes
12. Tal revogação foi comunicada à ré mediante carta registada em 08/11/2004 e recebida no dia seguinte. – al. O) dos factos assentes
13. A ré entregou à irmã adoptiva da autora, GG, a quantia de 17.000,00 €, através de transferência bancária, em 16.12.2004, para a conta bancária n.º 000000000000000000000, do Banco Santander Totta, titulada por HH, marido desta, e a quantia de 40.543,83 €, através de cheque de conta solidária com o seu marido e emitido por este, datado de 10.01.2005, depositado em conta titulada pelo dito HH, retendo o restante (23.827,95 €) a título de honorários, tendo apresentado à GG duas notas de honorários, datadas de 01.02.2006 – uma relativa à autora e à GG, no valor de 7.174,35 €, acrescido de IVA, e outra relativa à GG, no valor de 13.906,96 €, acrescido de IVA – tendo emitido a favor desta dois recibos, no valor de 7.336,82 € cada, um datado de 03.10.2005 (que não está assinado) e outro de 31.01.2006. – resposta ao quesito 1º
14. Quando fez as aludidas entregas, a ré disse à GG que aí estava incluída a parte que cabia à autora. – resposta aos quesitos 2º e 3º
15. A ré era conhecedora da pendência do processo de interdição (da autora). – resposta ao quesito 4º
16. Por sentença proferida em 20/03/2006, no processo n.º 2108/04.4 TBOVR, do 1º Juízo, do Tribunal Judicial de Ovar – já transitada em julgado – foi decretada a interdição da autora, com carácter definitivo, por anomalia psíquica, tendo sido fixado como momento do início da incapacidade o ano de 1975 e designado seu tutor BB. – al. A) dos factos assentes
17. Tal acção de interdição foi instaurada em 03/11/2004. – al. P) dos factos assentes
18. Nessa acção GG foi nomeada curadora provisória da autora em 06/12/2004, nos termos do despacho que consta da folha 78, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, onde consta que a nomeação é feita ao abrigo do disposto no art. 947º, nº 1, do CPC. – al. Q) dos factos assentes.
19. Nessa acção, a 11/01/2005, veio a ser proferido o despacho que se encontra na folha 79 cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, onde BB foi designado curador provisório da autora, em substituição de GG. – al. R) dos factos assentes
20. A 06/09/2006, nesse processo foi apresentado o requerimento que se encontra nas folhas 81 a 83, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. – al. S) dos factos assentes
21. Esse requerimento foi apresentado em nome de GG e subscrito pela ré e nele consta, nomeadamente, que:
-Parágrafo 3°: “Acontece que, para espanto da requerente, nada mais lhe foi comunicado, tendo agora tomado conhecimento que o referido processo administrativo deu origem aos presentes autos não tendo, no entanto, a impetrante recebido qualquer citação para os mesmos”;
-Parágrafo 4º: “Em boa verdade, teve agora conhecimento a requerente que a fls. dos autos foi ordenada a sua citação, na qualidade de curadora provisória nomeada, para, em representação da requerida, contestar”;
-Parágrafo 5º: “Acontece que a requerente nunca chegou a ter conhecimento do referido despacho (…)”.– al. T) dos factos assentes
22. Por sentença proferida no processo n.º 2108/04.4 TBOVR-A, do mesmo juízo e tribunal – já transitada em julgado – o referido tutor foi autorizado a intentar acção judicial contra a aqui ré. – al. B) dos factos assentes.»
4. Estão assim em causa as seguintes questões (nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil):
– Saber se as entregas referidas nos pontos 13 e 14 podem ser consideradas como feitas à autora;
– Relevância dos créditos de honorários;
– Nulidade do acórdão recorrido.
5. Cumpre conhecer do recurso. Antes de mais, no entanto, fazem-se as seguintes considerações:
– Não se discute que o contrato celebrado entre as partes foi um contrato de mandato, com representação; nem que, uma vez terminado, competia à ré entregar à autora “o que recebeu em execução do mandato”, nos termos do disposto na al. e) do artigo 1161º do Código Civil;
– Vem provado que as quantias referidas no ponto 13 da lista de factos provados foram entregues a GG, não obstante terem sido transferidas ou depositadas em conta bancária da qual é titular o respectivo marido; assume-se, assim, a irrelevância dessa titularidade, no contexto desta acção;
– Também não relevam, nesta acção, as considerações tecidas pela recorrente sobre a legitimidade ou ilegitimidade de BB para requerer a entrega da quantia devida à ré, em 25 de Fevereiro de 2005; ou que a comunicação da revogação da procuração tenha sido feita pelo mesmo BB. Para além de se tratar de questões não suscitadas na contestação e, portanto, de estar precludida a sua eventual relevância (nº 1 do artigo 489º do Código de Processo Civil), o que sucede é que nesta acção não estão em causa, nem aquela revogação, nem a obrigação de entrega; e apenas está interessa saber se esta foi bem feita, no sentido de liberar a ré perante a autora.
6. A recorrente veio arguir a nulidade do acórdão recorrido, por não se ter pronunciado “sobre as questões suscitadas na alegação quanto à resposta dada aos quesitos 2º, 3º e 4º, cingindo-se à matéria constante do quesito 5º” e, quanto a este, por “desconsiderar injustificadamente os meios de prova juntos aos autos”.
No entanto, todos os referidos quesitos são expressamente considerados pelo acórdão recorrido; e, no que toca ao quesito 5º, as alegações de revista revelam que a recorrente discorda da ponderação relativa que o acórdão recorrido fez dos diversos elementos probatórios disponíveis, não sendo apontada nenhuma causa de nulidade. A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal, estando obrigado a conhecer de uma questão, não faz essa apreciação; mas não quando o tribunal não considera todos e cada um dos argumentos ou dos fundamentos pelos quais o recorrente entende que a solução deveria ter sido diversa.
Improcede a arguição de nulidade.
7. A recorrente sustenta que, ao entregar as quantias referidas no ponto 13 a GG, cumpriu a obrigação de entregar o que tinha recebido na execução do mandato, de modo eficaz em relação à autora. Em seu entender, GG era representante da autora, por ter sido nomeada sua curadora provisória na acção de interdição, e portanto, pagou bem (artigo 769º do Código Civil):
“A nomeação da irmã da A/recorrida como sua curadora provisória foi efectuada ao abrigo do disposto no artigo 947º, 1 do CPCivil (…). Da incapacidade de facto ocupa-se o artigo 11º do C.P.Civil, que estabelece no nº 2 que, tanto no decurso do processo como na execução da sentença, pode o curador provisório praticar os mesmos actos que competiriam ao representante legal (ou seja, quanto ao interdito, o tutor)” – alegações, fls. 659.
Mas não é exactamente assim; o artigo 11º é aplicável a um incapaz, ou seja, a uma pessoa juridicamente incapaz, seja por ser menor, seja por ter sido juridicamente reconhecida a sua incapacidade (interdito, inabilitado); mas a um incapaz que, por algum motivo, não tem representante geral (ou curador, no caso dos inabilitados, vigore o regime da representação ou apenas da assistência). Por exemplo, porque morreu o tutor e ainda não foi substituído, ou situação semelhante.
Nessa hipótese, o que cumpre fazer é pedir ao tribunal a nomeação de um representante geral; só em situações de urgência caberá designar um curador provisório, valendo então o nº 2 porque se trata de uma pessoa incapaz de agir, juridicamente.
No caso de ser proposta uma acção de interdição (ou de inabilitação, com as devidas adaptações), a pessoa em causa não é juridicamente incapaz; mas a lei, admitindo que exista uma situação de incapacidade de facto, determina que seja representado na acção de interdição por um curador provisório (que deverá ser a pessoa sobre a qual provavelmente virá a recair a tutela, por se presumir que melhor defende os interesses do interditando) – artigo 947º do Código de Processo Civil. Nesta hipótese, a parte é incapaz de facto, não sendo de estranhar a identidade de regime com a previsão geral do regime da incapacidade de facto contemplada, na verdade, no artigo 14º do Código de Processo Civil, existindo uma certa sobreposição entre os dois preceitos.
Mas os poderes do curador provisório, nomeado nos termos do artigo 947º do Código de Processo Civil, limitam-se à representação no processo de interdição; têm um âmbito meramente processual. Que assim é resulta desde logo de a lei definir o regime aplicável em caso de necessidade de praticar (outros) actos em nome do interditando, por ser prejudicial esperar pela decisão do processo de interdição (nº 1), ou por haver urgência em providenciar quanto à sua pessoa ou aos seus bens (nº 2). No primeiro caso, nomeia-se um tutor provisório; no segundo, declara-se a interdição provisória.
Nem se justificaria regime diferente, que conduzisse a tratar o interditando, na pendência da acção de interdição, como se fosse já juridicamente incapaz; conclusão a que conduziria a interpretação preconizada pela recorrente, no sentido de o curador provisório previsto no nº 1 do artigo 947º do Código de Processo Civil ser representante geral do interditando – como se este fosse já incapaz… Situação que existe, sim, nas hipóteses abrangidas pelo artigo 11º do Código de Processo Civil.
Tanto basta para que, sem necessidade de maiores considerações, não se possa entender que, ao entregá-las a GG, nomeada curadora provisória na acção de interdição, nos temos do nº 1 do artigo 947º do Código de Processo Civil, a ré cumpriu bem a obrigação de entrega das quantias recebidas da Companhia de Seguros. A qualidade de curadora provisória na acção de interdição não conferia a GG poderes de representação da autora para esse efeito.
Não releva que “não esteja em causa a celebração de algum negócio jurídico por parte da curadora provisória em nome da autora/recorrida, mas tão só o recebimento de uma quantia em nome desta”, como afirma a recorrente (alegações, fls. 659). Nem tão pouco interessa entrar na análise da melhor qualificação jurídica a dar a um acto de cumprimento de um contrato, como é o caso.
O que releva é que a ré não tinha poderes de representação da autora para receber as quantias em causa nesta acção; é terceira, neste sentido. O cumprimento não desonera a ré perante a autora (artigos 769º e 770º do Código Civil).
Sempre se acrescenta que, contrariamente ao que a recorrente afirma, não vêm ao caso nem os artigos 95º do Código Civil, aplicável ao curador provisório do ausente, nem os artigos 1020º e 1021º do Código de Processo Civil, relativos ao processo especial de prestação de contas, no caso de se tratar de representante de incapaz (tutor ou curador).
8. A ré sustenta, finalmente, que de qualquer forma não pode subsistir a sua condenação no pagamento de € 40.685,89, porque “se impõe considerar o montante dos honorários devidos à mandatária – direito/crédito da recorrente – cfr. artº 1167º, a) e b) do C. Civil”.
É certo que na contestação a ré referiu que tinha esse direito; e vem provado (cfr. o mesmo ponto 13) que, quando fez as entregas a GG, reteve determinadas quantias a título de honorários; sabe-se mesmo que € 7.336,82 foram retidos como honorários devidos pela autora e por GG.
No entanto, também não pode ser considerada eficaz em relação à autora uma nota de honorários apresentada a GG, pelas razões já apontadas.
Assim sendo, a compensação entre a quantia a entregar à autora e os honorários devidos haveria de ter sido oposta na contestação; e não se encontra na contestação a declaração de compensação exigida pelo nº 1 do artigo 848º do Código Civil para o efeito.
9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 24 de Abril de 2013
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso