I - As prescrições dos arts. 316.º e 317.º do CC são prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva, visto que se fundam na presunção do cumprimento, presunção que pode ser ilidida pelo credor, embora só por via de confissão do devedor.
II - O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento (e só por confissão do devedor).
III - Atenta a especial natureza deste tipo de prescrição, não basta invocá-la, sendo ainda necessário que, quem dela pretenda prevalecer-se, alegue o pagamento, ainda que não tenha de o provar.
IV - Tendo a ré invocado a prescrição do art. 317.º, al. b), do CC, mas vindo depois alegar que o crédito se extinguiu por compensação, está a confessar claramente que não pagou o preço dos serviços prestados pela autora.
V - A prescrição presuntiva não tem aplicação no âmbito de créditos emergentes de contrato de empreitada de construção civil ou relacionados com a construção.
AA – …, SA,
instaurou processo de injunção contra
BB …, CRL,
pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 49.908,60 €, acrescida de 23.755,45 €, a título de juros de mora já vencidos, bem como os vincendos.
Alegou em fundamento que, entre a requerente e a requerida foram celebrados dois contratos de subempreitada, denominados:
— «Parcela 1.13.02 – ... – concepção – construção de contenção periférica e escavação», cujos trabalhos foram concluídos em Junho de 2002, e
— «Parcela 1.13.02 – ... – Execução de microestacas», cujos trabalhos foram concluídos em Março de 2003.
Os trabalhos de ambos as subempreitadas, foram adjudicados à A. nos termos das propostas apresentadas (Propostas da A. Ref. FD/04.01.1494 de 18/6/01 e Ref. 1571, de 31/1/2003, respectivamente).
Tais trabalhos foram executados e tacitamente recepcionados.
Desta prestação, resultou a emissão de diversa facturação, remetida à requerida, sendo certo que apenas relativamente à primeira subempreitada foram liquidadas as respectivas facturas.
A facturação relativa à segunda subempreitada não foi liquidada pela requerida.
Além disso, impugna a matéria alegada, referindo, que, na data em que a A. concluiu os trabalhos de microestacas no lote da Ré (Março de 2003), a Ré dispunha de um crédito sobre a A., no montante de 109.457,98 €, a título de reembolso da reparação das avarias verificadas na anterior empreitada de «concepção-construção de contenção periférica e escavação no lote 1.13.02» que a A. executara para a Ré.
Assim, quando a A. enviou à Ré a factura agora em causa, ficou combinado entre a A. e a Ré, que o valor dos trabalhos facturados seria deduzido do referido crédito da Ré sobre a A.
Por isso, operou-se a compensação do crédito da A. ora reclamado, com a parte correspondente do aludido crédito da Ré sobre a A..
Está, pois, extinto há mais de 8 anos, o crédito ora reclamado.
Deduziu, ainda, reconvenção, no âmbito da qual pretende a condenação da A. a pagar-lhe a parte restante do alegado crédito da Ré, ou seja, 59.549,38 €.
a) o deferimento da excepção da prescrição presuntiva deduzida, com a consequente absolvição do pedido da A.;
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Também a Ré recorreu, subordinadamente.
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Revogou, pois, a decisão recorrida e ordenou a remessa dos autos à 1ª instância a fim de aí prosseguirem os autos seus trâmites legais.
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2. Na verdade, a Ré alegou que o crédito da autora existiu de facto, mas que o mesmo foi extinto em Março de 2003, por compensação, o que equivale ao pagamento, dessa forma e nessa data tendo ficado extinto o crédito peticionado na presente acção.
3. Dessa forma, a Ré alegou que pagou a quantia peticionada, pois a compensação é uma forma de satisfação do direito do credor equiparada ao pagamento (cfr. art. 523° do C.C.).
4. Assim, a defesa apresentada pela Ré é perfeitamente compatível com a presunção de cumprimento porque a R. alegou que o pagamento mediante compensação ocorreu em Março de 2003.
5. Só seria incompatível se a Ré tivesse requerido, na acção ou na reconvenção, que o crédito da Autora fosse, agora, compensado com um crédito da R., o que não é o caso.
6. E não se diga que, apesar de a Ré ter considerado o crédito extinto por compensação em 2003, não está provado que a Autora tenha aceite tal compensação, pois, o que está aqui e agora em causa é apenas o que foi alegado pela Ré na contestação para fundamentar a prescrição e não o que, nessa matéria está ou virá a provar-se.
7. Por outro lado, não está provado nos autos que o crédito peticionado resulte de um contrato de empreitada.
8. Pelo contrário, o Autor, no Requerimento injuntivo, alega, apenas, que o crédito peticionado respeita a transacção comercial titulada pela Factura n.° …, de 31.03.2003, só nas suas alegações da apelação a Autora veio sustentar que celebrou com a Ré 2 contratos de empreitada,
9. Porém, entre Autora e Ré, foi celebrado apenas um contrato de empreitada, que foi o de "Concepção-construção de contenção periférica e escavação", celebrado em 14 de Novembro de 2001 e cujo preço foi integralmente pago à Autora, como a mesma reconhece, sendo deste o único título contratual de empreitada que se encontra nos autos.
10. Os trabalhos agora em causa, consistentes na "Execução de Microestacas", foram realizados pela Autora em Março de 2003, já depois de executados todos os trabalhos da referida empreitada, tratando-se de um fornecimento pontual que a Autora fez para a Ré, na altura em que já estava em curso a empreitada de "Execução da Estrutura do Edifício" celebrado entre a Ré e a "CC, S.A.".
11. De resto, se existisse o contrato de empreitada de "Execução das microestacas", sempre teria de ter sido reduzido a escrito, sob pena de nulidade, por imposição do disposto no artigo 51° do D.L. n.° 61/99, de 2 de Março, então em vigor, regra que, para contratos do valor que está em causa (49.908,60€), continua a vigorar (cfr. artigo 29° do D.L. 12/2004, de 9 de Janeiro).
12. O crédito em causa nos presentes autos foi facturado pela Autora à Ré em Março de 2003 e, nessa altura, foi extinto por compensação aceite pela Autora que, durante cerca de 8 anos, não reclamou da Ré o pagamento do valor da factura respeitante ao crédito sub iudice.
13. Quando, volvidos cerca de 8 anos, foi confrontada com o requerimento injuntivo, a Ré opôs-se e, legitimamente, invocou a prescrição, até porque já está praticamente esgotado o seu objecto social e mudaram os membros da sua Direcção, pelo que teve a maior dificuldade na reconstituição dos factos pertinentes para sua defesa, que só em parte logrou alegar e documentar.
14. Situação que é perfeitamente enquadrável na previsão legal, por isso a douta sentença proferida em 1a instância julgou, e bem, verificada a dita prescrição, decisão que importa recuperar, por ser a juridicamente adequada.
15. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Ré entende que foi feita errada interpretação do disposto na alínea b) do artigo 317° do Código Civil, que deveria ter sido interpretada no sentido de ser considerada verificada a prescrição presuntiva, com as legais consequências.
Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverão as presentes alegações ser julgadas procedentes e, consequentemente, ser proferido acórdão que, concedendo provimento ao recurso, revogue o douto acórdão recorrido na parte que julgou procedente a apelação da Autora e declare procedente a excepção da prescrição presuntiva conforme o decidido em 1ª instância.
Assim fazendo esse Venerando Tribunal, como é seu timbre, a habitual Justiça.»
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— O presente processo deu entrada em juízo em 14/7/2011 e destina-se à cobrança da quantia de 73.664,05 € (incluindo juros já vencidos).
— Tal quantia refere-se ao preço de trabalhos executados pela requerente no âmbito de um contrato de empreitada celebrado com a requerida.
— A factura relativa ao montante peticionado data de 31 de Março de 2003.
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Assim, a defesa da Ré seria incompatível com a prescrição, uma vez que esta assenta na presunção do cumprimento.
Na verdade, as prescrições dos Art.ºs 316º e 317º, são prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva, visto que se fundam na presunção do cumprimento, presunção que pode ser ilidida pelo credor, embora só por via de confissão do devedor.
Tal confissão pode ser extrajudicial, e nesse caso, só releva se for escrita, ou pode ser também judicial, caso em que tanto vale a confissão expressa como a tácita (Art.º 313º e 314º do C.C.).
Como ensina Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica – II- 452), a lei “... estabeleceu curtos prazos para a prescrição dos créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, também paga estas dívidas dentro de curto prazo, porque são dívidas que contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes.
Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira acabaria por não ter quem o servisse.
Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando as paga; e se exige recibo não o conserva por muito tempo”.
É certo que a Ré alegou a extinção da dívida por compensação, mas ao que nos parece, a compensação não é um modo de cumprimento da obrigação, mas apenas um dos modos da sua extinção para além do cumprimento (como diz a lei).
Cumpre aquele que executa a sua obrigação, entregando a soma de dinheiro ou a coisa devida ou prestando os serviços que está adstrito ...».
(Confr. Galvão Telles – Direito das Obrigações – 2ª ed. – 1979).
Resumindo, diz a lei, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (Art.º 766º, n.º 1 C.C.).
Portanto, o cumprimento assim definido, representa o meio normal de liberação do devedor, sendo, por conseguinte, uma das causas de extinção da obrigação.
Mas, a par do cumprimento, existem outras causas de extinção que não se confundem com o cumprimento.
É o caso da compensação, da dação em cumprimento, da consignação em depósito, da novação da remissão ou da confusão, todas figuras jurídicas que determinam a extinção da obrigação por meio diverso do cumprimento.
Esta distinção tem consagração legal.
Como observa A. Varela (Das Obrig. Em Geral – II)
“Foi precisamente com o intuito de realçar a função capital do cumprimento que o Código Civil o inseriu, a par da matéria afim do não-cumprimento, num capítulo autónomo, distinto daquele (capítulo VIII: art.ºs 837º e seguintes) em que são reguladas as restantes causas de extinção das obrigações.”.
Na verdade, se é normal na vida real de relação, que os créditos a que se referem os preceitos citados, sejam pagos em curto espaço de tempo, muitas vezes sem a exigência de recibos, ou sem a preocupação de os guardar por longos períodos, já nada tem de normal ou habitual que tal tipo de créditos se extingam por compensação ou por qualquer das outras formas reguladas no capítulo VIII (Art.º 837º e seg.) do C.C..
Porém, só o pagamento do preço dos serviços pode presumir-se à luz do Art.º 317º, b) do C.C. .
Consequentemente, neste sentido, a defesa é incompatível com a presunção invocada, ou, se se quiser, a presunção subjacente à referida prescrição não abrange outra forma de extinção da obrigação pecuniária em causa, que não seja por via do cumprimento, este, traduzido, no caso, no pagamento do preço convencionado.
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Como se refere no Ac. deste S.T.J. de 29/11/2006 – Proc. n.º 1466/2006 – 6ª,
“Representando o crédito parte do preço de um contrato de empreitada de construção de imóvel, não é aplicável o regime do Art.º 317º, b) do C.Civil”.
Da mesma forma entendeu o Ac. da R.L. de 23/3/2006, já que a expressão utilizada no Art.º 317º, b) “execução de trabalhos” “não se destina a abranger empreitadas relativas a obras levadas a efeito na construção civil de imóveis, que habitualmente demoram largos meses e até anos, em que, como se sabe, até mesmo no que respeita à garantia de reparação dos eventuais defeitos, que entretanto ocorram, é de cinco anos, para os imóveis ...”.
Também a Ré qualifica o contrato celebrado com a A. como empreitada como se vê dos pontos 10, 38 e 39 da sua contestação.
De qualquer modo, os trabalhos realizados pela A. para a Ré, encontram-se descriminados na sua proposta de fls. 112/113, como referindo-se à “Parcela 1.13.02 – Fundações das Paredes PA1 e PA2 – Microestacas ...” bastando a sua leitura para se concluir com segurança que se está perante uma empreitada de obra de construção civil.
Foi essa obra que a A. se obrigou a realizar para a Ré, mediante um preço e nas condições constantes na dita proposta, que foi expressamente aceite pela Ré (Art.º 1207º C.C.).
E, embora a empreitada seja uma modalidade de contrato de prestação de serviços (Art.º 1155º do C.C.), trata-se de uma modalidade especialmente regulada pela lei, à qual, por isso, corresponde uma disciplina própria, que a distingue do contrato de prestação de serviços definido no Art.º 1154º, designadamente, porquanto, neste, o que se promete é uma actividade através da utilização de trabalho, enquanto na empreitada se promete o resultado do trabalho.
A Ré, por sua vez, remeteu à A. o telefax de fls. 114, por via do qual adjudicou à A. empreiteira, a obra, nas condições propostas, o que corresponde a aceitação.
Assim, uma vez que a proposta e a respectiva aceitação obedeceu à forma escrita exigida por lei, podia discutir-se se, afinal, não terá sido observada a forma legalmente exigida, mostrando-se o contrato perfeito.
Tal significa que a Ré, como dona da obra que a deu de empreitada à A., não podia opor a esta a nulidade do contrato por falta de forma legal.
Trata-se, pois, de uma nulidade atípica, que não pode ser conhecida oficiosamente, porque estabelecida em benefício do empreiteiro.
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Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Paulo Sá
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1 – O efeito da prescrição presuntiva do Art.º 317º do C.C. não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova do pagamento, que deixa de onerar o devedor, que, por isso não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento (e só por confissão do devedor);
2- A razão de ser das prescrições presuntivas (de curto prazo), é a de proteger o devedor contra a dificuldade da prova do pagamento e tem em vista as dívidas que, de acordo com as regras da experiência comum, se pagam em curtos prazos, sem que o devedor exija documento de quitação ou exigindo-o, por regra o não conserva por muito tempo;
3- A compensação de créditos não é um modo de cumprimento da obrigação, mas apenas uma das causas da sua extinção (para além do cumprimento);
4- Decorrido o prazo prescricional previsto no Art.º 317º do C.C. presume-se o pagamento dos créditos nele mencionados, mas não se presume a extinção desses créditos por via da compensação, da novação, da remissão etc.;
5- Deste modo, invocada a prescrição do Art.º 317º do C.C. e depois vir alegar que o crédito accionado se extinguiu por compensação, traduz defesa incompatível com a presunção do cumprimento inerente à prescrição invocada, o que determina ter-se por ilidida aquela presunção;
6- A prescrição presuntiva do Art.º 317º do C.C., não se aplica aos créditos emergentes de contratos de empreitada de construção civil.
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