I - A procuração tem a natureza de negócio jurídico unilateral, comportando uma declaração recipienda ou receptícia pelo procurador e pelas pessoas perante quem os poderes de representação vão ser exercidos.
II - A outorga de procuração está sujeita à forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.
III - Estando em causa uma “procuração” que não pode vincular a sociedade anónima que se pretende tê-la outorgado, atenta a violação do, correspondentemente, estipulado no respectivo contrato de sociedade, não tem aplicação o preceituado no art. 409.º, n.º 1 do CSC, uma vez que, como decorre do exarado em I, não tem cabimento a consideração, para os efeitos, aí, previstos, de quaisquer “terceiros”.
Proc. nº 4117/06.0TVLSB.L1.S1[1]
(Rel. 116)[2]
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça
1 – “AA – Empresa de Construções, S. A.” instaurou, em 18.07.06, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa (com distribuição à 14ª Vara/1ª Secção), acção declarativa de condenação, com processo comum e sob a forma ordinária, contra ”BB – Sociedade Independente para o Desenvolvimento do Ensino Superior, S. A.” e “Banco ..., S. A.”, pedindo:
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--- Que seja declarada nula a procuração, mencionada na p. i., que consta como lavrada no 15º Cartório Notarial de Lisboa, actualmente Cartório privativo de CC;
--- Que seja declarada nula a escritura de hipoteca exarada no 15º Cartório Notarial de Lisboa, actualmente Cartório privativo de CC, no Livro para Escrituras Diversas nº 158 – H, de fls. 132 a 137;
--- Que seja declarado nulo o registo de hipoteca sobre a fracção J, a que se refere a cota C-48, correspondente à inscrição nº 24042 – Ap. 12/20031128 12-Ap.12/20031118, bem como todos os registos, averbamentos ou anotações posteriores a que a conduta dos RR. tenha dado origem e declarado o direito de propriedade da A. sobre a fracção J a que corresponde o 4º andar esquerdo, com uma carvoeira no logradouro, do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo predial de Lisboa sob o nº 11238 do Livro B-34, registada a seu favor pela inscrição nº 36748 do Livro G-49, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Sebastião da Pedreira sob o art. 718.
Foram, ainda, formulados dois outros pedidos, relativamente aos quais o Tribunal se declarou incompetente, em razão da matéria, tendo os RR. sido absolvidos da instância no que aos mesmos concerne.
Fundamentando a respectiva pretensão, alegou a A., em resumo e essência:
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--- É dona e legítima proprietária da fracção supra id., tendo, em 22.12.05, tido conhecimento que incidia sobre a mesma hipoteca a favor do B...;
--- Não celebrou com o Banco o contrato de abertura de crédito que a hipoteca se destinaria a garantir, não tendo tal contrato sido outorgado pelo seu legal representante;
--- A assinatura aposta sob o carimbo “AA” da empresa de Construções S. A. por um administrador não é do punho de DD e o reconhecimento que se encontra no verso é falso;
--- Também não é do punho daquela a rubrica aposta em cada uma das folhas do referido contrato;
--- A escritura – Hipoteca com Mandatos – lavrada no 15º Cartório Notarial de Lisboa, em 07.11.03, perante a ajudante principal, EE, é, igualmente, falsa: consta como outorgando a referida escritura em representação da “AA”, FF, mas a procuração a que se faz referência não foi assinada pela legal representante da A., DD.
--- Sendo nula a procuração, é nula a escritura de hipoteca, bem como todos os registos que têm por base a mesma escritura;
--- A A. apenas detém algumas acções da R. “BB”.
As RR. contestaram, tendo a “BB – Sociedade Independente para o Desenvolvimento do Ensino Superior, S. A.” invocado que o contrato referido na p. i., bem como a escritura de hipoteca com mandatos e a procuração foram outorgados em conformidade, tratando-se de actos válidos e eficazes, não sendo falsas as assinaturas constantes dos mesmos.
Terminou, concluindo que deve ser considerada improcedente a pretensão da A. em ver declarada a nulidade e falsidade dos documentos em discussão nos autos, devendo manter-se válidas a procuração e a escritura de hipoteca, bem como o respectivo registo.
O “Banco ...” contestou, igualmente, invocando que é legítimo titular inscrito de um direito real de garantia – hipoteca – sobre a fracção autónoma identificada, hipoteca essa que se encontra titulada por escritura.
Tal hipoteca encontra-se registada, constituindo o registo definitivo presunção que o direito existe e pertence ao titular inscrito: a questão da validade ou falsidade da procuração não é oponível a um terceiro de boa fé, adquirente de um direito real de garantia sobre o mesmo imóvel.
A declaração de nulidade do negócio jurídico respeitante a bens imóveis não prejudica os direitos adquiridos sobre eles a título oneroso por terceiro de boa fé, no caso de o registo da aquisição ser anterior ao registo da acção.
No exercício da sua actividade e a solicitação da R. BB, celebrou com esta, GG, HH, II, JJ, bem como com a A., um contrato de abertura de crédito a prazo fixo disponibilizado em conta crédito.
O referido contrato encontra-se subscrito pela sociedade-A., ali designada por garante, naquele acto representada por LL e DD, na qualidade de administradores.
A assinatura destes foi reconhecida pelo advogado, MM, e os elementos de identificação dos representantes da A. revelaram-se ao R. bastantes para aferir da credibilidade e validade das assinaturas apostas no contrato.
A 1ª R. utilizou, por conta da abertura de crédito, a quantia de € 2 000 000,00 e não foi paga qualquer das prestações respeitantes ao mesmo.
Pela mencionada escritura, a A. constituiu a favor do R.-contestante hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pela letra J, supra id.
Atentas as relações comerciais entre a 1ª R. e a A., resulta demonstrado que, pelo financiamento obtido por via do contrato de abertura de crédito celebrado com o R., a A., enquanto accionista da 1ª R., beneficiou, ainda que indirectamente, do produto de tal crédito.
Concluiu pela improcedência da acção.
Na subsequente réplica, opôs a A. que a escritura de hipoteca é falsa, por não ter havido qualquer manifestação de vontade da administração da “AA” nesse sentido e, sendo a mesma nula, também o é a hipoteca constituída a favor do Banco, o qual não é terceiro, uma vez que é parte interessada no negócio, sendo que, a ser considerado como tal, nunca o poderia ser de boa fé.
Pugna, assim, pela improcedência das excepções invocadas pelas RR., devendo a R. “BB” ser condenada como litigante de má fé.
Foi proferido despacho saneador em que, além do mais tabelar, foram as RR. absolvidas da instância no que concerne aos pedidos formulados sob as als. c) e d), por correspondente e declarada incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal demandado, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (b. i.), de que, em vão, reclamou a A.
Procedeu-se a julgamento, no decurso do qual foram aditados três arts. à b. i., tendo o tribunal respondido à mesma pela forma constante de fls. 1070/1071 e sem reclamações.
Após, foi proferida (em 11.05.11) sentença onde se decidiu: “declara-se a A. proprietária da fracção «J», correspondente ao 4º andar esquerdo, com uma carvoeira no logradouro, do prédio urbano sito na Rua ..., em Lisboa, descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 11238 do Livro B-34 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Sebastião da Pedreira sob o art. 718º e absolvo os RR. de tudo o mais que era peticionado”.
Tendo apelado a A., a Relação de Lisboa, por acórdão de 26.04.12 e com um voto de vencido, confirmou a sentença recorrida.
Daí a presente revista interposta pela A., visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:
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I – No caso Sub Júdice (sic) ficou demonstrado, nomeadamente, que:
- No dia 25 de Junho de 2003 a Senhora Dra. NN, Segundo Ajudante do 15° Cartório Notarial de Lisboa, atestou por instrumento público que:
"Compareceram como outorgantes: - a) DD,.. e b) LL …, que intervêm nas qualidades respectivamente de Presidente e vogai do Conselho de Administração de AA - EMPRESA DE CONSTRUÇÕES, S. A.,... Verifiquei a sua identidade, por conhecimento pessoal, a qualidade e suficiência de poderes para este acto, pela certidão emitida pela mencionada Conservatória, emitida em 11/2/2003...";
II – Ou seja, a Senhora Ajudante do 15° Cartório Notarial, teve forçosamente que verificar através da certidão comercial da recorrente que para a celebração do referido acto seriam necessárias obrigatoriamente duas assinaturas, sendo uma delas sempre a da Presidente da Administração, Senhora DD;
III – Atestou, ainda, que a referida DD e bem assim o Senhor LL estiveram perante ela e que na qualidade de Administradora e vogal assinaram a referida procuração;
IV – Contudo, ficou claramente provado que o que havia sido atestado pela Senhora Ajudante era manifestamente falso, ou seja, a Senhora DD, nomeadamente, não havia assinado a procuração que aquela atestou que assinara;
V – Mas mais, da prova junta aos autos resulta igualmente que a assinatura atribuída ao vogal da direcção senhor LL, não foi aposta pelo punho daquele;
VI – Ficou também provado que a assinatura e rubricas constantes do documento referido no artigo 3º da matéria de facto dada como provada e atribuídas à Senhora DD, são falsos, ou seja, não foram apostas pelo punho da mesma, artigo 15° da Base Instrutória;
VII – No caso Sub Júdice (sic) existe uma relação de inteira dependência entre o conteúdo verdadeiro do documento e a parte falsificada, de modo que esse documento, por força da falsificação, fica sem sentido e representa o lógico corolário da parte falsificada;
VIII – Atestou-se como tendo sido objecto da percepção da autoridade pública um facto que não era verdadeiro e esse facto era essencial para a validade da procuração;
IX – Provando - se, como se provou, que a Senhora Ajudante de Notário atestou factos falsos, ficaram afastadas todas e quaisquer provas que com o referido documento se poderiam fazer;
X – Assim, deveria o Tribunal "a quo" ter declarado nula a procuração lavrada no dia 25 de Junho de 2003 no 15° Cartório Notarial de Lisboa, bem como os actos subsequentes, e onde foi utilizada a referida procuração, designadamente a escritura de hipoteca exarada no mesmo Cartório, no livro para escrituras diversas n° 158-H, de fls. 132 a 137;
XI – Ao assim não ter decidido violou, nomeadamente, os artigos 220°, 280°, 370° e 371° do C. Civil;
XII – Por outro lado, e como bem refere a Senhora Juíza Desembargadora OO, no Acórdão em crise:
"Estando em causa um instrumento de representação/procuração de uma pessoa colectiva, provado que está que contrariamente ao certificado pela entidade pública certificadora, uma das assinaturas naquelas apostas não é do punho da Presidente do Conselho de Administração da pretensa mandante, a procuração é falsa e, como tal, o mandato que a mesma visava constituir não pode deixar de ser inválido";
XIII – Como a Senhora Desembargadora bem nota:
"É que não está em causa a representação de duas pessoas, com vontades autónomas.
As pessoas, nela supostamente intervenientes não representavam vontades próprias em termos de poder afirmar-se que a invalidade de uma pudesse deixar incólume a da outra, validamente expressa";
XIV – No caso Sub Júdice, a recorrente só se poderia obrigar com a assinatura de dois Administradores;
XV – Consta da certidão do registo comercial que a recorrente tem como "FORMA DE OBRIGAR: Assinatura de dois administradores, sendo um deles sempre o presidente do Conselho de Administração ou o Administrador Delegado";
XVI – Sem a assinatura falsificada nunca poderia existir procuração;
Contudo, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se admite, à cautela ainda diremos o seguinte:
XVII – A falsidade é tão grave que inquina todo o documento, está em causa inclusive a ordem pública e a força probatória que se pretende atribuir aos documentos autênticos, estamos, salvo o devido respeito por opinião diversa, perante a mais grave forma de desconformidade que um documento autêntico pode ter;
XVIII – Apesar disso, o Tribunal "a quo" entendeu, salvo o devido respeito, erroneamente, que para declarar a nulidade da procuração seria necessário provar que também a assinatura do vogal LL havia sido falsificada;
XIX – Do exame pericial junto aos autos de fis. 816, resulta que também a assinatura do Senhor LL foi falsificada;
XX – Esta prova documental junta aos autos não poderia ser ignorada pelo Tribunal "a quo", é que nos termos do artigo 264°, n°2 do C.P.C.:
"O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514° e 665° e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa";
XXI – A falsidade das assinaturas do Senhor LL é um elemento instrumental que resulta claramente dos autos e de prova documental dele constante;
XXII – Pelo que, o tribunal de Primeira instância se considerava fundamental aferir da veracidade da assinatura do Vogal da direcção, deveria ao abrigo dos artigos 264°, n.°2 e 514°, n°2 do C.P.C, ter dado como provado que a assinatura aposta na procuração atribuída a LL não foi feita pelo seu punho;
XXIII – Assim, ao abrigo dos artigos 264°, n°2 e 514°, n°2 do C.P.C., porque resulta de prova documental junta aos autos, deveria o tribunal "a quo" ter dado como provado que:
"A assinatura aposta no documento referido no artigo 9° da matéria de facto dada como provada, onde se pode ler: "LL" não foi aposta pelo punho do mesmo";
XXIV – Ao não considerar o referido facto violou o tribunal "a quo" os artigos 264°, n°2 e 514°, n°2 do C.P.C.;
XXV – Assim, resultando, como resulta, que nenhum dos administradores da Recorrente subscreveu qualquer dos documentos que estiveram na origem da "HIPOTECA COM MANDATOS", nomeadamente, a procuração que lhe deu origem, é forçoso concluir que os referidos contratos se encontram feridos de nulidade;
Contudo, mesmo que assim não se entendesse, o que mais uma vez por mero dever de patrocínio se admite, à cautela ainda diremos o seguinte:
XXVI – Mesmo que os Administradores tivessem assinado os documentos referidos nos artigos 3°, 6º e 9º da matéria de facto dada como provada, que não assinaram, o negócio celebrado estava completamente fora do âmbito do objecto social da recorrente;
XXVII – Sobre esta matéria refere o professor Menezes Cordeiro, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, pág. 92:
"Perante uma garantia prestada, pela sociedade, a terceiros cabe ao garantido um mínimo de indagação: quer quanto ao interesse próprio, quer quanto à relação de domínio ou de grupo.
De outro modo, poderia mesmo haver concilium fraudis, para efeitos de pauliana. As instituições de crédito estão em condições de pedir os elementos comprovativos necessários";
XXVIII – "Se é invocado um justificado interesse próprio da sociedade garante na prestação da garantia, quem tem o ónus de alegar e provar que esse interesse existe é quem tem interesse em afirmar a validade da garantia. Mas, para que a garantia seja nula, basta que não exista esse justificado interesse próprio da sociedade garante. Não é por isso necessário que o terceiro soubesse ou não pudesse ignorar que esse justificado interesse próprio não existia. "Estudo de Direito das Sociedades”, Almedina, 9ª edição, pág.118;
XXIX – Nos termos do Artigo 6º, n°3 do C.S.C. "Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo";
XXX – O artigo 6°, n°3, 1ª parte do C.S.C, configura uma verdadeira presunção legal;
XXXI – Estando em causa a prestação duma garantia real, a título gratuito, presume-se que a mesma é contrária ao fim da sociedade, logo nula;
XXXII – Logo, nos termos do artigo 344° do C. Civil era ao Banco Recorrido que competia provar o justificado interesse da recorrente, o que não foi feito;
XXXIII – Assim, porque contrária ao fim da sociedade deve a garantia real prestada pela recorrente ser declarada nula, nos termos do artigo 6º, n°3 do C.S.C.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Egrégios Conselheiros doutamente suprirão deve o presente recurso obter provimento e, em consequência, deve o acórdão proferido pelo Tribunal "a quo" ser revogado substituindo-se o mesmo por acórdão que:
- Declare Nula e de nenhum efeito a procuração forjada no 15° Cartório Notarial de Lisboa, actualmente Cartório privativo de CC, e nele arquivada;
- Declare Nula a escritura de hipoteca exarada no 15° Cartório Notarial de Lisboa, actualmente Cartório Privativo de CC, no livro para escrituras diversas n.° 158-H, de fls. 132 a fls. 137;
- Declare Nulo e de nenhum efeito o registo de hipoteca sobre a fracção "J" a que se refere a cota C-48, correspondente à inscrição n° 24042-Ap. 12/20031128;
Assim decidindo farão V. Exas. a tão costumada JUSTIÇA!
Contra-alegando, defende o R.-banco a manutenção do julgado.
Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:
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1 – Encontra-se inscrita, a favor da A., na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, pela Ap. 11 de 17 de Abril de 1980, a fracção "J", correspondente ao 4º andar esquerdo, com uma carvoeira no logradouro, do prédio urbano sito na Rua ..., em Lisboa, ali descrito sob o nº 11238 do livro B-34, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Sebastião da Pedreira sob o artº 718º (A);
2 – Encontra-se inscrita, na mesma conservatória, relativamente à fracção em causa, sob o nº 24 0242, Ap. 12/20031128, hipoteca voluntária a favor da R. “Banco ..., S. A.”, constando de tal inscrição, que a hipoteca é: «Constituída por AA - Empresa de Construções, S A (...) - Abertura de crédito destinada a cumprir as obrigações da sociedade "BB - Sociedade Independente para o Desenvolvimento do Ensino Superior, SA (...) até - Capital: 2 000 000,00 Euros; Juro anual: 4,75%, sobretaxa em caso de mora: - 4%. Despesas: 80 000,00 Euros. Montante máximo: 2 605 000,00 Euros (...)» (B);
3 – A R. “Banco ..., S.A.” é portadora do documento cuja cópia simples se encontra junta de fls. 26 a 30 e certificada de fls. 453 a 457, onde se pode ler: «Entre Banco ..., SA... e BB - Sociedade Independente para o Desenvolvimento do Ensino Superior, SA, ..., adiante designada por cliente ... e o cliente também designado por Garante AA - Empresa de Construções, SA, ..., neste acto representada por LL e DD, na qualidade de Administradores, como poderes para o acto, adiante designada por Garante, declarando e garantindo os representantes do Garante que o conselho de administração do Garante reuniu e tomou as deliberações necessárias à prestação das garantias ali previstas, que autorizou, é livremente e de boa-fé, celebrado o presente contrato de abertura de crédito a prazo fixo disponibilizado em conta crédito, que se rege pelos termos constantes das cláusulas seguintes:
Cláusula 1ª (Modalidade, Montante e Finalidade)
1. O B... concede um financiamento ao Cliente, que o aceita, até ao montante máximo de 2 000 000,00 Euros (Dois milhões de euros) sob a forma de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, conforme o disposto na cláusula com a epígrafe "Utilização/Financiamento". (...) Cláusula 3ª (Utilização/Financiamento)
1. A abertura de crédito far-se-á pela disponibilização de crédito, até ao montante estabelecido no número um da cláusula com a epígrafe "Modalidade, Montante e Finalidade", na conta nº 331/04539/220.9, aberta junto do B..., em nome do Cliente e adiante designada por Conta Crédito, a partir da data referida na cláusula com a epígrafe "Prazo de Vigência" (...)
Cláusula 7ª (Garantias)
(...)
Para garantia do bom funcionamento de todas as responsabilidades que advêm para o Cliente, os Garantes Empresa dão em Hipoteca a favor do B... até ao limite máximo de 2 000 000,00 euros (Dois milhões de euros) os seguintes imóveis: (...) Fracção Autónoma designada pela letra "J", sito em Lisboa, na Rua ..., descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n s H238, do livro B - 34 e inscrito na matriz sob o art9 718 (...)» (C);
4 – De tal documento, sob os dizeres "AA - Empresa de Construções, S. A.”, Os Administradores" constam duas assinaturas, lendo-se, numa delas: "DD" (D);
5 – Do verso de tal documento consta:
"MM, portador da Cédula Profissional nº 18460..., reconheço nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 237/2001, de 30 de Agosto, a assinatura de... DD, na qualidade de Administradores, cuja identidade verifiquei pelo Bilhete de Identidade... " (E);
6 – No dia 7 de Novembro de 2003, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, perante a ajudante principal, EE, foi lavrada a escritura cuja cópia certificada se encontra junta de fls. 34 a 44, intitulada "Hipoteca com Mandatos", constando da mesma:
«...Que, a sociedade representada pelo primeiro outorgante e identificada na alínea B) constitui, a favor do Banco representado pela segunda outorgante, que, nessa qualidade aceita, hipoteca voluntária sobre:
Fracção autónoma designada pela letra "J" correspondente ao quarto andar esquerdo, carvoeira no logradouro, do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua ..., números dezassete e dezassete - A, o qual está:
a) descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ONZE MIL DUZENTOS E TRINTA E OITO do livro B-TRINTA E QUATRO;
b) registada a mencionada fracção a seu favor pela inscrição número TRINTA E SEIS MIL SETECENTOS E QUARENTA E OITO do livro G-QUARENTA E NOVE;
c) submetido ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição número QUATRO MIL TREZENTOS E OITENTA E TRÊS do livro F-OITO;
d) inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de São Sebastião da Pedreira sob o artigo SETECENTOS E DEZOITO, fracção que se encontra onerada com três hipotecas a favor do referido BANIF, da qual a sociedade é dona e legítima possuidora, à qual atribuem o valor de quinhentos mil euros;
Que, a presente hipoteca abrange as indemnizações devidas por sinistro, expropriação ou quaisquer outras, indemnizações estas que o Banco poderá receber até perfazerem o montante integral das dívidas ora garantidas.
Que, a presente hipoteca se destina a garantir as obrigações emergentes do contrato de Abertura de Crédito, celebrado entre o Banco e a sociedade "BB -Sociedade Independente para o Desenvolvimento do Ensino Superior, S. A.” ...» (F);
7 – Nessa escritura, intervieram como outorgantes:
- FF, na qualidade de procurador da R. “BB -Sociedade Independente para o Desenvolvimento do Ensino Superior, S. A.” e da A. “AA - Empresa de Construções, S. A.”, e PP, na qualidade de procuradora de “Banco ..., S. A.” (G);
8 – De tal escritura consta que FF intervém na qualidade de procurador da A. “AA - Empresa de Construções, S. A.”, "... no uso dos poderes que lhe foram conferidos por procuração já arquivada neste Cartório sob o número Sessenta e Cinco do maço de documentos registados e arquivados a pedido dos interessados,..." (H);
9 – A procuração aludida em H) corresponde ao documento cuja cópia certificada consta de fls 45 a 49, onde se pode ler:
"No dia vinte e cinco de JUNHO de dois mil e três, em Lisboa, na Avenida ..., lote nove, perante mim, NN, Segundo Ajudante, do Décimo Quinto Cartório Notarial de Lisboa, compareceram como outorgantes: - a) DD,... e b) LL, ..., que intervêm nas qualidades, respectivamente, de Presidente e Vogal do Conselho de Administração de "AA - EMPRESA DE CONSTRUÇÕES, S. A.", ... Verifiquei a sua identidade, por conhecimento pessoal, a qualidade e suficiência de poderes para este acto, pela Certidão emitida pela mencionada Conservatória, emitida em 11/2/2003 e actas números trinta e sete e trinta e oito, da Assembleia Geral, que me foram exibidas.
-E DISSERAM POR MINUTA EXIBIDA: - Que, pelo presente instrumento, constituem Procurador FF,..., a quem, com a faculdade de substabelecer, conferem poderes bastantes para, quando o tiver por conveniente, constituir hipoteca a favor do Banco ..., S.A, Sociedade Aberta, sobre o imóvel a seguir identificado e sobre todas as construções e benfeitorias que venham a ser realizadas no referido imóvel, para garantia de responsabilidades assumidas ou a assumir por "BB - SOCIEDADE INDEPENDENTE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO SUPERIOR, S.A.", ..., perante o Banco ..., S.A., Sociedade Aberta, até ao montante de Dois Milhões de Euros e respectivos e acessórios, acrescidos de quatro por cento ao ano em caso de mora:
-Fracção autónoma designada pela letra "J", correspondente ao quarto andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em Lisboa, na Rua ..., números dezassete e dezassete - A, descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número Onze Mil Duzentos e Trinta e Oito, do livro B Trinta e Quatro e inscrito na matriz sob o artigo número Setecentos e Dezoito..." (I);
10 – A A. tem como objecto a compra para venda de prédios rústicos e urbanos, a construção de prédios urbanos para venda e, em geral a indústria de construção civil em qualquer das suas modalidades e a realização de empreendimentos de obras públicas e particulares (J);
11 – Encontra-se inscrito, na Conservatória do Registo Comercial de Oeiras, que a forma de obrigar da A. é através da "Assinatura de dois administradores, sendo um deles sempre o presidente do Conselho de Administração ou o Administrador Delegado" (L);
12 – Encontra-se inscrito, na mesma Conservatória, pela Ap. 18/031219, que as funções de Presidente do Conselho de Administração da A. para o triénio de 2002/2004 foram exercidas por DD (M);
13 - Pela mesma Ap. 18/0319, encontra-se inscrito, na referida Conservatória, que do Conselho de Administração da A., no aludido triénio de 2002/2004, fizeram, ainda, parte LL e QQ – certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 77 e segs.;
14 – A R., “BB - Sociedade Independente para o Desenvolvimento do Ensino Superior, S. A.”, tem por objecto o desenvolvimento do ensino superior, universitário e politécnico, através da instituição de estabelecimentos - Universidades e Institutos Politécnicos - e a prestação de serviços conexos (N);
15 – A assinatura aposta no documento aludido em C) sob os dizeres "AA -Empresa de Construções, S.A.”, Os Administradores", onde se pode ler "DD", não foi aposta pelo punho da mesma (1º);
16 – O Dr. MM confrontou a assinatura aludida no artigo 1º com a cópia do Bilhete de Identidade de DD (2º);
17 – As rubricas apostas em cada uma das folhas do documento em causa, onde se pode ler "DD", não foram apostas pelo punho da mesma (3º);
18 – A assinatura aposta na procuração aludida em I), onde se pode ler: "DD", não foi aposta pelo punho da mesma (4º);
19 – A A. é accionista da R. “BB - Sociedade Independente para o Desenvolvimento do Ensino Superior, S. A.” (acordo das partes).
*
3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 690º, nº1 e 726º todos do CPC na pregressa e, aqui, aplicável redacção[3]) –, constata-se que as questões por si suscitadas e que, no âmbito do recurso, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso são, em síntese, as seguintes:
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I – Ocorrência de vício determinante da invalidade da “procuração” outorgada, em 22.06.03, a FF;
II – Consequente nulidade de que enferma a hipoteca voluntária constituída, com apoio em tal “procuração”, a favor do Banco-R.; Subsidiariamente e em diferente entendimento,
III – Nulidade de que, em qualquer caso, enferma a constituição da referida hipoteca, em homenagem ao preceituado no art. 6º, nº3, do CSCom. (Cód. das Sociedades Comerciais);
IV – Inaplicabilidade, “in casu”, do preceituado no art. 409º, nº1 do CSCom.
Apreciando:
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4 – Questão nodal no litígio a que se reportam os autos é a do diagnóstico que deverá incidir sobre a validade da procuração que se disse outorgada pela A. na pessoa (ou a favor) de FF.
Com efeito, tendo a hipoteca questionada nos autos sido constituída por este último, na invocada veste de procurador da A., cumpre, em primeiro lugar e desde logo, averiguar se, perante a factualidade provada, o referido FF era, então, dotado dos correspondentes poderes representativos da A., em moldes de poder, eficazmente, vincular, correspondentemente, esta perante o Banco-R.
Questão esta que não pode deixar de nos merecer uma resposta negativa, em sintonia, aliás, com o douto voto de vencido que exorna a decisão recorrida.
Vejamos:
Está em causa a constituição duma hipoteca voluntária sobre um imóvel (a fracção autónoma mencionada nos autos e propriedade da A.).
Tal constituição, nos termos preceituados pelo art. 80º, nº2, al. h), do Cod. do Notariado, tem, necessariamente, de ser formalizada mediante a outorga de escritura pública.
O que determina, por força do disposto no art. 262º, nº2, do CC, que a correspondente procuração também tenha de ser outorgada mediante escritura pública.
Devendo esta conter, além do mais e nos termos preceituados pelo art. 46º, nº1, al. n), do Cod. do Notariado, “As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar…”
Por outro lado, nos termos do disposto no art. 48º, nº1, al. a) deste mesmo Cod., a verificação da identidade dos outorgantes pode ser feita, designadamente, “pelo conhecimento pessoal do notário”.
De reter, ainda, que “Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas, nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública…” (art. 363º, nº2 do CC) e que “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador” (Art. 371º, nº1, do CC).
Daí que o art. 372º, nº1 deste último Cod. disponha que “A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade”, acrescentando-se que “O documento é falso quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi” (nº2).
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5 – Rememorando a relevante factualidade provada, reter-se-á que, conforme nº6 da mesma e reproduzindo a al. F) da matéria assente, “No dia 7 de Novembro de 2003, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, perante a ajudante principal, EE, foi lavrada a escritura cuja cópia certificada se encontra junta de fls. 34 a 44, intitulada “Hipoteca com Mandatos”, constando da mesma: «…Que, a sociedade representada pelo primeiro outorgante e id. na al. B)» (a, aqui, A.) «constitui a favor do Banco representado pela segunda outorgante, que, nessa qualidade, aceita, hipoteca voluntária sobre (…) Fracção autónoma…»
Acrescentando-se, no sequente nº7: «Nessa escritura, intervieram como outorgantes: FF, na qualidade de procurador da R. “BB…S. A.” e da A. “AA…S. A.” e PP, na qualidade de procuradora de “Banco ..., S. A”, intervindo aquele (nº8) “na qualidade de procurador da A. “AA…S. A.”, no uso dos poderes que lhe foram conferidos por procuração já arquivada neste Cartório sob o nº sessenta e cinco do maço de documentos registados e arquivados a pedido dos interessados…”.
E, com transcendente repercussão no correcto diagnóstico jurídico da situação, mostra-se acolhido, no nº9 da mesma factualidade provada, que “A procuração aludida em H)” (o transcrito nº8) “corresponde ao documento cuja cópia certificada consta de fls 45 a 49, onde se pode ler: «No dia vinte e cinco de Junho de dois mil e três, em Lisboa, na Av. ..., lote nove, perante mim, NN, Segundo Ajudante do Décimo Quinto Cartório Notarial de Lisboa, compareceram como outorgantes:-a) DD,… e b) LL,…, que intervêm nas qualidades, respectivamente, de Presidente e Vogal do Conselho de Administração de “AA – EMPRESA DE CONSTRUÇÕES, S. A.”,… Verifiquei a sua identidade, por conhecimento pessoal, a qualidade e suficiência de poderes para este acto, pela certidão emitida pela mencionada Conservatória, emitida em 11.02.03 e actas números trinta e sete e trinta e oito, da assembleia geral, que me foram exibidas. E DISSERAM POR MINUTA EXIBIDA: - Que, pelo presente instrumento, constituem procurador FF,…a quem, com a faculdade de substabelecer, conferem poderes bastantes para, quando o tiver por conveniente, constituir hipoteca a favor do Banco ..., S. A., Sociedade Aberta, sobre o imóvel a seguir identificado e sobre todas as construções e benfeitorias que venham a ser realizadas no referido imóvel, para garantia das responsabilidades assumidas ou a assumir por “BB…S.A.”,…perante o Banco ..., S. A., Sociedade Aberta, até ao montante de dois milhões de euros e respectivos acessórios, acrescidos de quatro por cento ao ano em caso de mora: - Fracção autónoma…”
Finalmente, tem de atentar-se em que «A assinatura aposta na procuração aludida em I)» - nº 9 a que acaba de ser feita referência - «onde se pode ler: “DD”, não foi aposta pelo punho da mesma» (18 da factualidade provada, reproduzindo a resposta dada ao art. 4º da b. i.).
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6 – Procedendo à análise jurídica do mencionado em 5 antecedente, impõe-se a conclusão de que a procuração, aí, mencionada não pode ser havida como idónea a operar a vinculação da A.
Com efeito, é certo que tal procuração foi outorgada através de escritura pública, a qual, à partida e em princípio, deveria gozar da força probatória plena que lhe é conferida, nos termos conjugados do preceituado nos transcritos arts. 363º, nº2 e 371º, nº1, ambos do CC.
No entanto, emerge de tal escritura pública que a identidade da DD, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da A., foi verificada mediante conhecimento pessoal da 2ª ajudante do Cartório, NN, que presidiu ao acto.
Porém, tendo tal interveniente de, necessariamente, apor a respectiva assinatura, em seguida ao contexto da escritura – art. 46º, nº1, al. n), do Cod. do Notariado –, ficou provado (18 da factualidade provada, contendo a resposta ao art. 4ºda b. i.) que a assinatura que, por força da verificação da identidade operada pelo referido conhecimento pessoal – constatação “propriis sensibus, visu et auditu” da documentadora, na expressiva terminologia do Prof. Vaz Serra[4] –, deveria ser da DD, afinal não foi aposta pelo seu punho… Ou seja, tal assinatura foi aposta por terceira pessoa, sendo, pois, falsificada (art. 372º, nº2, 1ª parte, do CC), uma vez que quem, com base no invocado conhecimento pessoal, era suposto (e foi dado como estando) estar presente e ter directa intervenção no acto, afinal primava pela bizarra ausência…
Assim ilidida a força probatória da questionada escritura (art. 372º, nº1, do CC), claramente se evidencia que aquela DD não teve qualquer intervenção na outorga da mesma.
Ora, essa intervenção era obrigatória, porquanto: «Encontra-se inscrito, na Conservatória do Registo Comercial de Oeiras, que a forma de obrigar da A. é através da “Assinatura de dois administradores, sendo um deles sempre o presidente do Conselho de Administração ou o Administrador Delegado (11 da factualidade provada e L) da matéria assente)» e «Encontra-se inscrito, na mesma Conservatória, pela Ap.18/031219, que as funções de Presidente do Conselho de Administração da A., para o triénio de 2002/2004 foram exercidas por DD (12 da factualidade provada e M) da matéria assente)»
Confrontamo-nos, assim, com a invocação/utilização duma “procuração” que tem de ser havida por inexistente, uma vez que nem chegou a ser praticado, por parte da A. e nos termos fixados no respectivo contrato de sociedade, o acto jurídico unilateral[5]e consubstanciador duma declaração recipienda ou receptícia em que aquela se analisa.
E, inexistindo procuração outorgada pela A. a favor do “falsus procurator”, FF, com inerente vinculação da A., actuou aquele desprovido de poderes representativos desta, quando, na invocada qualidade de respectivo procurador, interveio na celebração da escritura pública que formalizou a constituição da hipoteca sobre a fracção autónoma propriedade da A. e a que se reportam os autos.
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7 – Ora, nos termos do disposto no art. 268º, nº1, do CC, “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”.
Trata-se, neste último caso, na terminologia do saudoso Prof. Mota Pinto[6], da atribuição de legitimidade representativa «ex post facto» ao “falsus procurator”, ou de legitimação representativa subsequente do mesmo.
Ratificação que, no caso dos autos, nem sequer chegou a ser alegada, não podendo, pois, mostrar-se provada (art. 664º).
Tendo, pois, no configurado quadro fáctico, de concluir-se que o acto de constituição da questionada hipoteca voluntária a favor do Banco-R. enferma de nulidade (“RDES”, 19º/113 e arts. 892º, 939º e 294º, todos do CC), a qual contamina e é extensiva ao respectivo registo (art. 16º, al. a) do Cod. Reg. Predial).
Assistindo, pois, razão à recorrente, nas duas primeiras questões enunciadas em 3 supra.
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8 – Como se deixou dito em 3 supra, face ao entendimento perfilhado quanto àquelas duas questões, não há que conhecer das remanescentes, aí, elencadas, sempre se consignando, no entanto, que se tem por inaplicável ao caso dos autos o preceituado no art. 409º, nº1 do CSCom. (não está em causa qualquer acto praticado pelos administradores da A., além de que a procuração tem, como se deixou dito, a natureza de acto jurídico unilateral, repulsiva da consideração, para os efeitos, aí, previstos, de quaisquer terceiros).
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9 – Sumário:
I – A procuração tem a natureza de negócio jurídico unilateral, comportando uma declaração recipienda ou receptícia pelo procurador e pelas pessoas perante quem os poderes de representação vão ser exercidos.
II – A outorga de procuração está sujeita à forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.
III – Estando em causa uma “procuração” que não pode vincular a sociedade anónima que se pretende tê-la outorgado, atenta a violação do, correspondentemente, estipulado no respectivo contrato de sociedade, não tem aplicação o preceituado no art. 409º, nº1 do CSCom, uma vez que, como decorre do exarado em I, não tem cabimento a consideração, para os efeitos, aí, previstos, de quaisquer “terceiros”.
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10 – Na decorrência do exposto, acorda-se em, com a aduzida fundamentação, conceder a revista, em consequência do que, revogando-se o acórdão recorrido e na correspondente procedência da acção:
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I – Se declara inexistente a “procuração” pretensamente outorgada, em 25.06.03, pela A. a FF, no 15º Cartório Notarial de Lisboa, actualmente Cartório Privativo de CC, e nele arquivada;
II – Se declara nula a escritura pública de hipoteca exarada no mesmo Cartório, no Livro para Escrituras Diversas nº 158-H, de fls. 132 a fls. 137; e
III – Se declara nulo o registo de tal hipoteca sobre a fracção “J”, a que se refere a cota C-48, correspondente à inscrição nº 24042-Ap.12/20031128.
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Custas da revista pelo Banco-R.
Custas, na Relação, e as fixadas na sentença, por ambas as RR., em partes iguais.
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Lx 05/ 06 / 2013/
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[1] Processo distribuído, neste Tribunal, em 30.10.12.
[2] Relator: Fernandes do Vale (45/12)
Ex. mos Adjuntos
Cons. Marques Pereira
Cons. Azevedo Ramos
[3] Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.
[4] In “R.L.J.”, Ano 111º, pags. 302, em anotação ao Ac. deste Supremo, de 29.03.76 (BOL. 275º/206).
[5] Assim, designadamente: Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 244; Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 7ª Ed., pags. 295/296; Raul Ventura, in “R.O.A.”, 1981, 3º/672; Manuel Januário da Costa Gomes, in “Em Tema de REVOGAÇÃO DO MANDATO CIVIL”, pags. 231; e I. Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, Refundido e Actualizado, pags. 421
[6] In “Teoria Geral do Direito Civil” (1976), pags. 413 e 416.