I. O processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento previsto nos artigos 98º-B a 98º-P do Código de Processo do Trabalho, na versão conferida pelo Decreto-Lei nº295/2009, de 13 de Outubro, é aplicável aos casos em que o despedimento tenha sido comunicado, por escrito, ao trabalhador (artigo 98º-C, número 1 do referido diploma legal).
II. Não existindo matéria de facto fixada pelas instâncias, para aferir da forma de processo indicada para impugnar o despedimento, há que atender aos exactos termos em que a acção foi proposta, determinados pela forma como o autor estruturou o pedido e respectivos fundamentos.
III. Extraindo-se dos fundamentos da acção e do pedido que os direitos que o autor pretende fazer valer decorrem da alegada verificação de um despedimento verbal, em momento ulterior confirmado por decisão escrita, para impugnar o dito despedimento deve o trabalhador usar o processo comum, previsto nos artigos 51º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, por ser o meio processual adequado, e no prazo de 1 ano (artigo 337º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro).
I. Relatório
1.
Em 9 de Março de 2011, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, AA intentou acção declarativa emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra BB - Indústria de Reciclagem, Lda, pedindo que fosse declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo e, em consequência, condenada a ré a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, as retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e bem assim os danos patrimoniais, para além de outros créditos laborais.
Para tanto, o autor invocou os seguintes fundamentos:
Em 1 de Setembro de 2010, quando se apresentou no local de trabalho a fim de retomar as suas funções, depois de ter gozado férias, foi impedido de fazê-lo pela sócia gerente, D. CC que, expressamente, lhe comunicou que estava despedido e que brevemente iria receber, por escrito, a decisão da ré.
Por carta, datada de 3 de Setembro de 2010, a ré comunicou-lhe a “rescisão do contrato” e o seu despedimento com justa causa.
A ré contestou por excepção, alegando que, tendo o autor sido despedido por escrito, devia ter usado o processo especial previsto no artigo 98º-B do Código de Processo do Trabalho e observado o prazo de 60 dias, pelo que, tendo usado o processo comum e inobservado o referido prazo, incorreu em erro na forma de processo, para além de que já tinha caducado o direito de acção.
Respondeu o autor, sustentando que não ocorriam as aduzidas excepções e invocando, para tanto, que o mencionado processo especial era tão-só aplicável aos despedimentos promovidos pelo empregador, quando precedidos de processo disciplinar, o que não se verificava no caso em apreciação. Para além disto, alegou o autor que, tendo sido despedido verbalmente no dia 1 de Setembro de 2010, não se encontravam preenchidos os requisitos exigíveis para a instauração daquele processo especial. Razão pela qual sendo, no caso, aplicável o processo comum e, como tal, dispondo do prazo de um (1) ano para instaurar a correspondente acção, não se verificava a suscitada caducidade.
Por despacho saneador, proferido em 18 de Novembro de 2011, o Tribunal do Trabalho de Guimarães decidiu absolver a ré da instância, com fundamento em erro na forma de processo e em caducidade do direito de acção. E isto na medida em que, para além do processo especial, e não o processo declarativo comum, ser o adequado para impugnar o despedimento de que o autor foi alvo, acontece que, estando o mesmo sujeito a um prazo de 60 dias, a contar da recepção da comunicação do despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior e tendo o despedimento ocorrido no dia 3 de Setembro de 2010, quando a acção foi proposta, em 9 de Março de 2011, já haviam decorrido mais de 60 dias.
Inconformado, o autor apelou desta decisão, pedindo a sua revogação.
Por acórdão de 25 de Junho de 2012, o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor do despacho saneador e, por via disso, revogou a decisão que deveria ser substituída por outra que ordenasse o prosseguimento dos autos, enquanto processo comum.
2.
É contra esta decisão que, ora, se insurge a ré, BB - Indústria de Reciclagem, Lda, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever:
« 1) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andaram [bem] os Ilustres Desembargadores, pelo que o Douto Acórdão recorrido merece censura, nomeadamente, ao nível do direito aplicado.
2) A Recorrente continua convencida de ter existido violação de lei substantiva, quer por erro de interpretação, quer por erro [na] determinação e aplicação das normas legais no Douto Acórdão ora em crise.
3) De facto, o Mmo. Juiz a quo, aplicou devidamente a Lei, ao confirmar a existência de caducidade do direito do A. e erro na forma do processo.
4) Não se concebe, salvo o devido respeito, é que, depois disso e sem que tenha sequer sido ouvida qualquer prova, incluindo testemunhas, que confirmassem a versão do A., os Ilustres Desembargadores tivessem podido concluir que o A., foi despedido verbalmente.
5) A Recorrente não concorda, nem concebe, que o Douto Acórdão se fundamente basicamente e de novo, salvo o devido respeito, na conclusão retirada de factos que não foram devidamente comprovados.
6) In casu, não existiu qualquer despedimento verbal, mas sim a missiva enviada em 03 de Setembro de 2010, na qual foi comunicado o despedimento.
7) Logo o processo de impugnação do despedimento era o processo especial e não o processo comum — vide nesse sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2011 in www.dgsi.pt que aliás se encontra, salvo melhor opinião, em contradição com o Acórdão ora em crise.
8) Apesar disso, no Douto Acórdão, consta que o processo especial é aplicável aos casos em que o despedimento tenha sido comunicado ao trabalhador por escrito, o que in casu ocorreu, não tendo sido efectuada qualquer prova de que o mesmo tenha sido efectuado verbalmente, pelo que deverá ser mantida a caducidade do direito do A. a apresentar a acção de impugnação, atenta a data e a forma como o fez.
9) No caso do n.° 2 do art. 387.° do CT/2009 entendemos, também, que o prazo de 60 dias ali estipulado é, também, um prazo de caducidade para a acção de impugnação do despedimento quando se trate de decisão de despedimento individual, comunicado, por escrito, nos casos de despedimento disciplinar, por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho. Ou seja, não é apenas um prazo para o autor intentar a acção na forma especial prevista nos arts. 98.°-B e segs do CPTrabalho, mas antes para intentar qualquer impugnação judicial daqueles despedimentos.
10) Esta interpretação é a que mais se aproxima da razão de ser de um prazo de caducidade do direito de acção de impugnação do despedimento no domínio do CT/2003 e que era a de estabilizar rapidamente a definição dos litígios emergentes dos despedimentos, evitando a eternização, com a inerente insegurança, dessa mesma definição.
11) É certo que a norma emprega os termos "pode opor-se ao despedimento", e não já a fórmula mais clara "tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento " que era utilizada no art. 435.°, n° 2 do CT/2003.
12) Mas não se compreenderia que a redução para um prazo tão curto como o de sessenta dias tivesse apenas como consequência a do trabalhador poder ou não optar pela acção especial, a qual, em regra, não tem como consequência a diminuição dos tempos de duração da acção de impugnação, mas antes a sua simplificação pelo lado da abordagem a ela pelo trabalhador. Se assim fosse, qualquer prazo de caducidade desapareceria - situação que não encontra apoio nos trabalhos legislativos - e os direitos relativos ao despedimento ilícito ficariam apenas abrangidos pelo regime da prescrição previsto no art. 337.° n.° 1 do CT/2009.
13) Por outro lado, a epígrafe do artigo 387.°, "apreciação judicial do despedimento", ilumina a disposição do seu n.° 1, quando este refere que a "ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador", e é a que corresponde ao n.° 1 do art. 435.°, n° 2 do CT/2003. Os termos "pode opor-se ao despedimento" devem, assim, ser entendidos como a tradução da faculdade do trabalhador se opor ou não ao despedimento, oposição que só pode ter lugar por via de acção judicial regulada na lei adjectiva, no caso o Código de Processo do Trabalho.
14) O CPT veio regular a acção desenhada no art. 387.,° n.° 2 do CT/2009, quando este já tinha desenhado uma forma adjectiva para a mesma ("apresentação de requerimento em formulário próprio"). E estabeleceu uma forma especial para a impugnação dos despedimentos fundados em motivos disciplinares, por inadaptação ou extinção do posto de trabalho. Assim, prevendo-se processo especial, não pode recorrer-se ao processo comum nos termos do disposto no art. 48.° n.° 3 do CPT.
15) No preâmbulo do DL n.° 295/2009, de 13/10, consignou-se o seguinte: "Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias, previsto no n.° 2 do artigo 387.° do CT. (...). Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.° 1 do artigo 337º do CT." (sublinhado nosso).
16) Resulta do transcrito que a intenção do legislador foi a de estabelecer um prazo de caducidade para as acções de impugnação de despedimento individual fundadas em despedimento disciplinar, inadaptação e extinção por posto de trabalho, comunicados por escrito ao trabalhador. Em todos os outros casos de despedimento individual (p. ex., os de processo comum) não existe prazo de caducidade do direito de acção e os créditos emergentes de despedimento ilícito ficam apenas abrangidos pelo regime de prescrição previsto no n.° 1 do artigo 337.° do CT/2009. O contributo da parte do preâmbulo transcrito encontra apoio na letra da lei, conjugando as normas substantivas e adjectivas.
17) Ou seja, a decisão do Mmo. Juiz a quo está correcta quando declarou a caducidade do direito de acção do autor de impugnar o despedimento por extinção do posto de trabalho, por ele alegado e que lhe foi comunicado por escrito, uma vez que o despedimento (data declarada da cessação do contrato) ocorreu em 03-9-2010 e acção foi intentada em 09-3-2011, portanto, mais de 60 dias depois da primeira data.
18) A consequência é, salvo o devido respeito e melhor opinião, então, a de se considerarem extintos pelo decurso do tempo os créditos que forem efeito da ilicitude do despedimento.
19) Assim, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão produzido que, julgando procedentes as excepções de erro na forma de processo e caducidade invocadas, absolva a Recorrente da lide.
20) Pelo exposto, foram violadas as seguintes normas: artigos 387° do Código de Trabalho de 2009, artigos 98-B do Código de Processo de Trabalho, artigos 264° e 712° do Código de Processo Civil».
Conclui a ré, sustentando que a revista deve ser concedida e, em consequência disso, revogando-se o acórdão recorrido e substituindo-se por outro que julgue procedentes as excepções de erro na forma de processo e de caducidade, deve a recorrente ser absolvida da presente lide.
O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela ré e pela manutenção do acórdão sob impugnação.
Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87º, número 3 do Código de Processo do Trabalho, tendo o Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
E isto na medida em que, tendo o despedimento do autor sido feito por declaração verbal, emitida pela sócia gerente da ré, pessoa detentora de poderes para fazê-lo, e havendo a mesma declaração sido dirigida ao visado em moldes adequados a não suscitar quaisquer dúvidas quanto à vontade da empregadora de despedir o autor, a forma processual a seguir deveria ser a do processo comum, prevista nos artigos 51º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, de onde que a acção foi atempadamente proposta.
Notificados o autor e a ré deste parecer, apenas a última reagiu, sustentando que o entendimento nele sufragado não deverá colher e que o recurso deve ser julgado procedente.
3.
Sendo o recurso delimitado pelas conclusões da alegação, como decorre do estatuído nos artigos 684º, número 3 e 685º-A do Código de Processo Civil, na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto[1], aplicável ex vi do disposto nos artigos 1º, número 2, alínea a) e 87º, número 1 do Código de Processo do Trabalho, na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, de sorte que ao tribunal ad quem é lícito tão-só conhecer das matérias nelas abordadas, salvo as de conhecimento oficioso, constata-se, face às conclusões da alegação apresentada pela recorrente, que a questão nuclear a decidir consiste em saber qual a forma de processo aplicável ao despedimento que visou o autor: o processo declarativo comum ou o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento?
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. Dos Fundamentos
II.1 ̶ De Facto
A matéria de facto provada é a que consta do relatório que antecede.
II.2 ̶ De Direito
2.1 ̶
Como se relembra no acórdão recorrido, a necessidade de simplificação dos procedimentos respeitantes ao despedimento e à acção tendente à sua apreciação judicial [que há muito se vinha sentindo e que, constituindo objecto de recomendação desde o Livro Branco das Relações Laborais (LBRL), se consubstanciou no acordo de concertação social de 25 de Junho de 2008, celebrado entre o Governo e os parceiros sociais, para a reforma das relações laborais] impôs, para tornar exequíveis as significativas alterações no entretanto introduzidas, em matéria de despedimento, pelo novo Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, a criação «… no direito adjectivo [de] uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual», sendo que «todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidos pelo regime da prescrição previsto no nº 1 do artigo 337º do C. T.»[2]
Com efeito, tendo o novo Código do Trabalho estabelecido no número 2 do seu artigo 387º que o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir de recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto se em causa estiver a apreciação judicial de despedimento colectivo[3] (de cujo tratamento se encarregou o artigo 388º do mesmo diploma), estatuiu-se no artigo 14º da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro que o preceituado (entre o mais) nos citados artigos 387º e 388º [e bem assim no número 2 do artigo 389º e no número 1 do artigo 391º (que se ocupam, respectivamente, dos efeitos decorrentes da ilicitude do despedimento e da indemnização em substituição de reintegração, a pedido do trabalhador)] entraria apenas em vigor na data de início da vigência da legislação que procedesse à revisão do Código de Processo do Trabalho, o que veio a suceder em 1 de Janeiro de 2010 (artigo 9º do Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Agosto).
Foi assim que, em concretização desse desiderato, se criou, no novo direito adjectivo laboral, um processo especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento individual, promovido pela entidade empregadora, objecto de regulação nos artigos 98º-B a 98º-P do Código de Processo do Trabalho, cujo âmbito de aplicação se encontra, porém, circunscrito, no dizer de Albino Mendes Baptista[4] «…aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal».
O que tem como consequência que se o despedimento for verbal nunca o mesmo poderá ser impugnado através desta acção especial.
Porém, se a decisão de despedimento individual (seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação) for comunicada por escrito ao trabalhador, a forma própria de processo é a do aludido processo especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento, cuja tramitação encontra-se prevista, como já visto, nos artigos 98º-B a 98º-P do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto- Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro.
Quer isto dizer que, aplicando-se esta forma de processo a todos os despedimentos individuais, comunicados por escrito (com ou sem procedimento disciplinar), fora dela ficam todos os demais [designadamente aqueles: i) em que o despedimento foi verbal; ii) em que as partes dissentem sobre a qualificação do contrato de trabalho (como seja, quando o trabalhador entende que não existe motivo que justifique o contrato a termo, com respeito ao qual o empregador invocou a respectiva caducidade)].[5]
Daí que, nestes casos, o meio de reacção adequado continue a ser o do processo declarativo comum, regulado nos artigos 51º e seguintes do Código de Processo do Trabalho em vigor.
2.2 ̶
A.
Assentes que ficam estes aspectos e tornando ao caso concreto aqui em apreciação, cabe observar que a razão de ser das posições divergentes assumidas pelo autor e pela ré têm, efectivamente, a ver com a circunstância de, enquanto o primeiro (o autor) entende que foi despedido verbalmente no dia 1 de Setembro de 2010 e, por via disto, a forma de processo adequado para impugnar o despedimento é o processo declarativo comum, regulado no artigo 51º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, a ré considera que o despedimento em causa ocorreu, não no mencionado dia 1 de Setembro mas, no dia 3 de Setembro de 2010, data em que, por escrito, procedeu à respectiva comunicação ao trabalhador, de onde que a forma de processo indicada, para efeitos da sua impugnação, seria a acção especial prevista nos artigos 98º-B e seguintes do mesmo Código de Processo do Trabalho.
Ora, quanto a esta questão, não fornecendo, efectivamente, a lei uma definição de despedimento, para sua melhor compreensão tem, porém, contribuído o labor da doutrina e da jurisprudência que, de modo uniforme, se vêm pronunciando a respeito.
Assim, tem-se por estabilizada a ideia que o despedimento [que constitui uma das formas de cessação unilateral do contrato de trabalho, em que a iniciativa cabe ao empregador] pressupõe, como refere Pedro Romano Martinez[6], uma declaração de vontade do empregador nos termos da qual este comunica ao trabalhador que o contrato cessa para o futuro. Declaração de vontade que, não só é recipienda no sentido de que produz o efeito extintivo a partir do momento em que chega ao poder do destinatário ou dela este tome conhecimento, como é constitutiva, não resultando possível a sua revogação unilateral pelo empregador, depois de ser recebida pelo trabalhador ou por ele conhecida (artigos 224º, número 1 e 230º do Código Civil).
E se é verdade que o direito laboral não faz depender a validade da declaração de despedimento da observância de uma qualquer forma especial [de onde poder a mesma declaração ser emitida (artigo 217º do Código Civil) de forma expressa (quando feita por palavras, por escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade) ou tácita (quando se deduz dos factos que, com toda a probabilidade, a revelam)], tem-se entendido que é essencial que essa declaração, emitida pela entidade empregadora no sentido de pôr termo ao contrato, resulte clara, inequívoca, insofismável, indubitável, de molde a ser possível ao destinatário compreendê-la como tal.[7]
Daí que também não se admita o despedimento tácito com a extensão que se concede às declarações negociais tácitas previstas no citado artigo 217º do Código Civil.[8]
Declaração de vontade que, emitida de forma inequívoca, indubitável, clara, pela entidade patronal, há-de ser interpretada pelo destinatário de harmonia com os critérios definidos no artigo 237º do Código Civil.
B.
Retendo estas considerações, constata-se que, no caso em apreciação, o autor sustenta que, no dia 1 de Setembro de 2010, no seu regresso de férias, foi impedido de retomar as suas funções pela sócia gerente, a D.ª CC que, de modo expresso, comunicou-lhe que estava despedido e que em breve iria receber, por escrito, decisão da ré (confira-se artigo 20º da petição inicial) que, por carta, datada de 3 de Setembro (junta aos autos de folhas 29 a 31) e assinada pela referida sócia gerente da empregadora, a D.ª CC, lhe comunicou «… que procedia à rescisão do contrato e ao seu despedimento com justa causa …».
Face a esta materialidade, constata-se, então, que o que o autor alega é que foi despedido verbalmente no mencionado dia 1 de Setembro de 2010, quando, no seu regresso de férias, se apresentou no local de trabalho para reiniciar funções.
Ora, não se dispondo, nesta altura, de matéria de facto fixada pelas instâncias, para aferir-se da forma de processo indicada, impõe-se atender aos exactos termos em que acção foi proposta, determinados pela forma como o autor estruturou o pedido e os fundamentos que invocou, independentemente da apreciação do seu acerto em termos substanciais.
Nesta perspectiva, resulta dos fundamentos da acção e do pedido que os direitos que o autor pretende fazer valer decorrem da invocada verificação de um despedimento verbal que, em momento ulterior, foi confirmado por uma decisão escrita.
E, bem se sabendo que a extinção do vínculo contratual sempre decorre da verificação ou ocorrência de certos actos ou factos a que a lei atribui a virtualidade de produzir tal efeito jurídico, tratando-se de despedimento, ele terá de retirar-se de factos que, ao homem médio, revelem de forma inequívoca, insofismável, a vontade do empregador de pôr termo ao vínculo laboral. Evento que, no caso vertente e de acordo com o invocado pelo autor na petição inicial, tendo-se consumado em 1 de Setembro de 2010, configura um caso de despedimento verbal, informal.
C.
E, sucedendo assim, resta tão-só concluir que, tendo a decisão de despedir o autor sido, como este sustenta, comunicada verbalmente pela gerente da empregadora, o processo adequado para o impugnar é, não o processo especial previsto nos artigos 98º-B a 98º-P do Código de Processo do Trabalho (como visto, reservado para os casos de despedimento individual comunicado por escrito ao trabalhador) mas, o processo comum, regulado nos artigos 51º e seguintes do mesmo diploma legal, destinado aos casos em que o despedimento tiver sido comunicado ao visado verbalmente ou em que, tendo revestido a forma escrita, se revelar ainda assim equívoco (artigo 98.º do C.P.T).
De que resulta que, tendo o despedimento, alegadamente, ocorrido em 1 de Setembro de 2010, quando o autor intentou, em 9 de Março de 2011, a acção declarativa emergente de contrato de trabalho, aqui em apreciação, fê-lo atempadamente, posto que não havia ainda decorrido o prazo (prescricional) de um (1) ano, de que dispunha para o efeito (artigo 337º do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº7/2009, de 12 de Fevereiro).
Improcedem, em consequência as conclusões da alegação de recurso.
III. Decisão
Termos em que, pelos fundamentos expostos, se acorda em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 737º, número 1 do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007,de 24 de Agosto.
Lisboa, 5 de Junho de 2013
Isabel São Marcos (Relatora)
Fernandes da Silva
Gonçalves Rocha
_____________________
[1] Regime jurídico aplicável, atenta a data de propositura da acção e o estatuído no artigo 12º, número 1 do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto
[2] Confira-se o preâmbulo do Decreto- Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, paginas 22 e 23.
[3] Em que o prazo para propositura de acção de impugnação é de 6 meses, aliás como sucedia no regime anterior.
[4] “A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho”, Coimbra Editora, reimpressão, páginas 73 e 74.
[5] Confira-se Albino Mendes Baptista, obra e local citados e ainda José Eusébio de Almeida, in «A Reforma do Código de Processo do Trabalho e, em especial, a acção de impugnação da regularidade e ilicitude do despedimento».
[6] Direito do Trabalho, Almedina, páginas 845 e seguintes.
[7] Veja-se, neste sentido e por todos, o Acórdão do S. T. J. de 13.09.2006, Revista nº 1547/06, 4ª Secção.
[8] Veja-se Acórdão do S. T. J. de 03.06.2009, Revista nº 3696/08, 4ª Secção