RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ARRENDAMENTO
EXERCÍCIO DO COMÉRCIO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Sumário


1. Transfigurou-se substancialmente o contrato de arrendamento em que as partes que nele acordaram, estando ambas inicialmente convencidas de que no locado podia funcionar uma clínica médica, posteriormente os seus subscritores ficaram a saber que para tanto era necessária a unanimidade dos votos dos condóminos do edifício e essa concordância era tarefa impossível de se concretizar.
     2. Tratando-se de um evento posterior ao arrendamento e impassível de se conjecturar no momento da formalização do contrato, esta circunstancial vicissitude está incluída na “ratio” descritiva do art.º 437.º do C.Civil.
     3. A posterior mutação de atitude da autarquia a autorizar o exercício do comércio no arrendado, conhecida já depois de a sociedade arrendatária ter feito chegar aos arrendatários a declaração de resolução do contrato, não faz precludir a validade da resolução do contrato de arrendamento por alteração das circunstâncias (art.º 437.º do C.Civil).

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, a sociedade comercial “AA, L.da “, com sede na .............., Rua .............., lote 00...... - A, em Viseu, instaurou contra BB e mulher CC-, residentes na ..........., Bairro do ..........., Vila Chã de Sá, em Viseu, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo o seguinte:

- seja declarada procedente a invocada resolução contratual, por parte da locatária - autora, do contrato de arrendamento da fracção autónoma identificada no ponto 1.º da petição ou, subsidiariamente, a sua invocada nulidade;

- sejam os réus condenados a pagar à autora, a título indemnizatório, a quantia de € 146.343,51, acrescida de juros de mora, desde a citação e até efectivo pagamento;

- sejam os réus condenados a pagar à autora uma indemnização pelos factos alegados no ponto 61º da petição (perda de facturação e de clientela), a liquidar em execução de sentença;

- sejam os réus condenados a pagar à autora a quantia de € 8.000,00, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.

       Para tanto, em resumo, alegou a A. que, em 1 de Junho de 2008, celebrou um contrato de arrendamento com os réus, relativo à fracção autónoma designada pela letra “00”, correspondente ao../... do prédio urbano sito à Tapada ou...... , R.........Lote 00, em Viseu, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Coração de Jesus sob o artigo 1618, tendo por objectivo a instalação de uma clínica médica nessa dita fracção.

     Esse contrato foi celebrado por 5 anos, com renovações por iguais períodos, e pela renda mensal de € 2.000,00.

Foi condição essencial para a outorga desse contrato o facto de o Réu marido ter prometido à A. que esta poderia usar o arrendado para prestar serviços de clínica médica, sem qualquer tipo de entraves.

A A. efectuou obras no arrendado e instalou o respectivo equipamento para o exercício da sua actividade de clínica médica, expectante de que o arrendado tinha licença para a actividade que ali pretendia desenvolver.

Porém, contrariamente ao prometido e contratado pelos réus, veio a verificar que o locado não estava licenciado para o exercício daquela actividade, sendo necessária a alteração do uso da fracção, para o que careciam da autorização de todos os condóminos, unanimidade que nunca conseguiram obter.

Nesta sequência e por carta enviada a 16/12/2008, a A. resolveu o dito contrato de arrendamento e exige, agora, ser indemnizada pelos RR. pelo valor das obras por si efectuadas no locado e que não foi possível retirar do local, ascendendo estas a € 146.343,51.  

A não se entender assim, sempre o contrato será nulo, por prever o arrendamento de uma fracção para fim diverso do licenciado, o que confere igualmente ao arrendatário o direito a ser indemnizado.

Para além das ditas obras, a indemnização deve ainda compreender as rendas pagas no montante de € 8.000,00, bem como o valor relativo à perda de facturação/clientela até à abertura do novo estabelecimento, o que só será possível quantificar depois da abertura da nova clínica.

            Os RR contestaram, impugnando vários pontos da petição e alegando, em resumo, que a Autora, no acto de outorga do contrato de arrendamento, teve conhecimento de que a fracção arrendada se destinava a "comércio", conforme licença de utilização respectiva, estando ambas as partes então convencidas de que essa licença incluía a actividade que a autora se propunha desenvolver no locado.

O problema surgiu quando os condóminos do prédio tiveram conhecimento que o âmbito da clínica seria alargado, nela passando a incluir, entre outros, serviços de radiologia e TAC, manifestando alguns a sua total oposição a tal destino.

     Nesta sequência, procuraram as partes saber junto da Câmara Municipal de Viseu se a exploração da clínica médica se encontrava englobada na actividade de comércio, tendo então sido informados de que necessitariam da autorização de todos os condóminos do prédio para alterar a finalidade da fracção para a finalidade de "prestação de serviços", o que efectivamente não conseguiram.

     Não obstante ter tido conhecimento da oposição de alguns dos condóminos do prédio, a autora prosseguiu com as obras no locado, as quais, de resto, foram feitas de forma ilegal, sem a prévia e necessária licença camarária.

Após isso, os réus ainda procuraram proporcionar à autora um outro espaço comercial, mas estes não quiseram transferir-se para o dito local, pois já tinham em vista outras instalações.

Impugnam os valores apresentados pela autora, afirmando os RR, ainda, que a autora deixou o locado num estado de completa devassa, pelo que reclamam os RR obras de reparação no locado ou indemnização respectiva.

Com estes fundamentos, os RR deduzem pedido reconvencional contra a Autora, tendo concluído pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, pedindo que seja a autora condenada a pagar aos réus, a título de indemnização pelos prejuízos causados, a quantia de €112.530,00, acrescida de juros, à taxa moratória legal, desde a citação da A. até integral pagamento.

Na réplica, a autora refutou a argumentação utilizada pelos réus, reiterando a responsabilidade destes pelo sucedido. No mais, refere que se limitou a retirar os materiais que poderiam ser reutilizados, minimizando os custos indemnizatórios, facto esse justificado pelo prévio incumprimento contratual por parte dos réus, sendo excessivos os valores de obras orçados para reposição do locado no estado em que se encontrava.

Conclui como na petição, pugnando pela improcedência da reconvenção.

Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual a presente acção foi considerada como processualmente apta, sem excepções dilatórias e sem nulidades secundárias, tendo-se então procedido à selecção da matéria de facto alegada pelas partes e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa.

    Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com junção de diversa prova documental e com a gravação da prova testemunhal aí produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

       Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou-se nulo o contrato de arrendamento comercial celebrado entre as partes no dia 1 de Junho de 2008;

Condenaram-se os réus a pagarem à autora as seguintes quantias:

- €146.343,51, relativos às obras realizadas no locado; e

- € 8.000,00, relativos às rendas pagas.

    A estas quantias, acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

    Absolveram-se os réus do remanescente peticionado.  

    Julgou-se a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a autora/reconvinda a pagar aos réus/reconvintes as seguintes quantias:

- € 60.000,00, relativos às obras necessárias realizar;

- € 3.850,00, relativos aos materiais inutilizados; e

- € 2.000,00, relativos à privação do locado.

    A estas quantias, acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data da notificação do pedido reconvencional até integral pagamento.

   Absolveu-se a autora/reconvinda do remanescente peticionado.

         Desta sentença interpuseram os réus recurso para a Relação de Coimbra que, por acórdão de 19 de Dezembro de 2012 (cfr. fls.445 a 459), julgou improcedente a presente acção e procedente, em parte, a reconvenção, derrogando a sentença recorrida, com a consequente absolvição dos réus dos pedidos e com a condenação da autora a pagar aos réus a quantia de € 63.850,00, com juros de mora a contar da data da notificação da autora para esse pedido reconvencional.

     Inconformada, recorreu agora para este Supremo Tribunal a autora “AA, L.da”, apresentando as seguintes conclusões:

1. O Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, não fez uma interpretação adequada da factualidade constante dos autos e, assim, não aplicou o direito que se impunha em concreto.

2. A matéria de facto tida como assente e como provada deveria ter outro alcance que não o veiculado no Acórdão Recorrido, pois que, por um lado, sobrevalorizou determinados factos e, por outro, branqueou factos que pela sua relevância impunham distinta decisão.

3. As partes acordaram as condições de arrendamento, tendo a Autora tomado posse da fracção em inícios de Maio de 2008.

4. Com efeito, o contrato de arrendamento foi celebrado em 1 de Junho de 2008 e incidia sobre fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito à Tapada ou ......, Rua ..... Lote 00, em Viseu, inscrito na matriz da Freguesia de Coração de Jesus sob o artigo 1618°.

5. Com a celebração do antedito contrato pretendia a Recorrente exercer no locado a atividade de clínica médica, tal como alieis, deixou expresso na cláusula terceira do correspectivo contrato de arrendamento.

6. A condição essencial, para a celebração de tal contrato, era justamente, o arrendado estar licenciado para a actividade de exploração de clínica médica.

7. O contrato foi celebrado, na convicção do arrendado se encontrar devidamente licenciado para o exercício da actividade de clínica médica, razão pela qual iniciou, no arrendado, as competentes obras de adaptação do espaço para a finalidade pretendida.

8. Ocorre que, num primeiro momento, nenhum dos condóminos expressou oposição, à instalação e desenvolvimento no arrendado da actividade de clínica médica.

9. Em finais de Julho de 2008, a Recorrente foi informada pelo C. M. Viseu que a actividade em causa (clínica médica) se incluía no ramo "prestação de serviços" e não no de "comércio", pelo que, não poderia exercer a sua actividade, a não ser que se alterasse a finalidade da fracção arrendada, sendo para tanto, necessária a autorização de todos os condóminos.

10. Munida de tal informação, a Recorrente, de imediato, contactou os Recorridos, informando-os dos entraves entretanto surgidos e que obstaculizavam ao desenvolvimento da atividade pretendida.

11. Vindo os Recorridos, atenta a essencial idade para a Autora, do licenciamento do arrendado para atividade de clínica médica, a responsabilizar-se pela resolução desta questão, o que fizeram, encetando diligências, quer junto da Câmara Municipal de Viseu, quer perante os condóminos para a obtenção da unanimidade dos votos para a alteração da finalidade da fracção, por tal ser obrigatório.

12. Ao se responsabilizarem pela alteração da finalidade da fração arrendada, os Recorridos assumiram o risco que tal obrigação incorpora.

13. Tanto mais que, transmitiram à Recorrente que a questão iria ser resolvida, pois que, com toda a certeza lograriam obter, as assinaturas de todos os condóminos.

14. Os Recorridos em momento algum se opuseram à realização das sobreditas obras, ao invés, incentivaram sempre e com veemência a Recorrente, a prosseguir com a sua execução.

15. Aliás, o facto dos Recorridos se terem responsabilizado pela obtenção da autorização de todos os condóminos para alterarem a finalidade do arrendado, em face da informação veiculada pela Câmara, consubstancia uma alteração tácita da declaração negocial inicial.

16. E isto porque, os Recorridos conheciam a intenção e vontade da Recorrente, estando bem cientes da condição essencial que levou esta, a celebrar o contrato, (resposta dada aos quesitos 1° e 2° da b.i.), porquanto na qualidade de declaratários conheciam a vontade real da declarante.

17. Sendo pacífico que é de acordo com a vontade real do declarante que vale a declaração emitida.

18. Assim e perante a mudança de paradigma ocorrida com informação inicial prestada pelo Município, os Recorridos, asseguraram à Recorrente a obtenção de licença, por via da autorização dos condóminos, para alterarem a finalidade da fracção.

19. Deste modo, outra solução não se alcançara que, não a formulação de um juízo de culpa dos Recorridos, no tocante à realização das obras que a Recorrente levou a cabo no locado, o que naturalmente impõe o dever de indemnizar a Recorrente pelos valores que desembolsou para o efeito.

20. Não podemos, branquear ou sequer subvalorar, o facto, dos Recorridos terem avocado para si a responsabilidade de procederem à alteração da finalidade da fracção, por forma a facultar o gozo da coisa dada de arrendamento ao locatário, em ordem a possibilitar o fim da locação.

21. Assumindo os Recorridos a obrigação de diligenciar e bem assim obter a autorização dos condóminos para a alteração da finalidade do arrendado, afigura-se-nos, por ser a única solução congruente que, incumbia a estes, reagir administrativamente, contra a informação inicial do Município.

22. Consabido é que, o locatário tem o direito de resolver o contrato, por alteração anormal das circunstâncias, que não permitiu o exercício do comércio a que se destinava o arrendamento.

23. Assistindo-lhe, assim, o direito de pedir ao locador indemnização pelas despesas relativas a obras de readaptação do espaço entretanto efectuadas, e porque, de qualquer modo, os Recorridos, perante a informação inicial da Câmara Municipal de Viseu, assumiram a obrigação de garantir a viabilidade do fim do arrendamento.

24. Em face da assumpção da obrigação acima indicada, os Recorridos avocaram para si e, bem assim, aceitaram o risco da eventual impossibilidade de alcançar a alteração da finalidade da fracção, o que objectivamente e naquele momento inviabilizava o fim da locação.

25.Com efeito, o locador não tem apenas de possibilitar o gozo da coisa locada ao locatário.

26.Tem de o tornar possível, de tal modo que não fique inviabilizado o fim da locação.

27. Ou seja, decorre da factualidade dada como provada que, os Recorridos enquanto locadores, assumiram a concreta obrigação de criar as condições em ordem a possibilitar o fim da locação, por via da obtenção das autorizações de todos os condóminos que permitisse a alteração da finalidade da fracção.

28. Por conseguinte, mal se percebe e muito menos se aceita, o raciocínio expandido pelo Tribunal da Relação, ao dedicar apenas e só um único parágrafo, à questão do dever de indemnizar a Recorrente pela realização das obras no arrendado, desvirtuando por completo a obrigação que os Recorridos assumiram.

29. Por ouro lado, em Setembro de 2008, os Recorridos transmitiram à Recorrente a circunstância de ser de todo inviável a obtenção da unanimidade dos votos ou autorização dos condóminos do edifício para a alteração da finalidade da fracção, o que constituiu um verdadeiro volte-face em obediência ao fim da locação, por referencia à vontade expressa das partes no momento da celebração do contrato.

30. A declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta.

31. Posto isto e recorrendo às melhores práticas hermenêuticas, desde logo, salta à vista que, a primeira informação emanada do Município, data de finais de Julho de 2008, momento a partir do qual a condição essencial que modelou a vontade da Recorrente em celebrar o contrato em apreço, pura e simplesmente caiu por terra....

32.Ocorrendo em consequência, uma falsa representação da realidade de modo que, se a Recorrente tivesse conhecimento desse facto, não teria seguramente realizado o negócio.

33.O que motivou a imediata transmissão aos Recorridos de tal facto, que pela sua relevância e essencialidade fazia perigar o contrato celebrado.

34.Desta sorte, os Recorridos responsabilizaram-se pela resolução desta questão, encetando diligências junto da Câmara Municipal de Viseu e dos condóminos para a obtenção da unanimidade dos votos para a alteração da finalidade da fracção, por tal se afigurar naquele momento como obrigatório.   

35.Por volta de Setembro de 2008, os réus comunicaram à autora que, definitivamente, não iriam conseguir obter a unanimidade dos votos dos condóminos do edifício para a alteração da finalidade da f ração, o que clarificou sem sombra de dúvidas, a impossibilidade do almejado fim do arrendamento.

36.Volvidos mais de dois anos sobre a constatação da impossibilidade de gozo do arrendado para o fim a que se destina, mais concretamente em 21 de Outubro de 2010 a Câmara Municipal de Viseu, a pedido do Tribunal de Viseu, informou que "a fracção do rés-do-chão do prédio localizado no lote.... da .... , afeta a comércio, conforme o alvará de licença de utilização n° 000/...., permite o exercício da atividade de exploração de clínica médica TAC/RX não sendo necessário alterar a finalidade da fracção".

37.A predita informação estribou-se na acta de reunião ordinária da C. M. de Viseu de 27/11/2008 segundo a qual a designação de comércio é tida com a correspondência de comércio/serviços, para os loteamentos entrados antes da entrada em vigor do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial - Dec. Lei n" 380/99, de 22/09"; pois que, para o referido lote (do prédio em causa) está definida uma utilização de comércio ao nível do rés-do-chão que possibilita indiscriminadamente uma utilização comércio/serviços...

38.A questão de saber se a licença existente, para o referido lote (do prédio aqui em causa) de utilização para comércio, possibilitaria ou não, uma utilização indiscriminada, tanto para comércio como para serviços, não estava de modo algum clarificada ou pacificada.

39.E tanto assim era, que somente em 27 de Novembro de 2008 a questão foi uniformizada, tal como resulta da acta da reunião ordinária da Câmara Municipal de Viseu, segundo a qual a designação de comércio ser tida com a correspondência de comércio/serviços, para os loteamentos entrados antes da entrada em vigor do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial - Dec. Lei n.º 380/99, de 22/09.

40. Não obstante a clarificação resultante a acta da reunião ordinária da Câmara Municipal de Viseu de 27.11.2008, as partes continuaram sem saber, pelo menos até 21.10.2010 que, a licença de utilização para comércio que a fracção dispunha permitia uma utilização indiscriminada, tanto para comércio como para serviços.

41. Ademais, a Câmara Municipal de Viseu apresenta-se como uma Entidade credível e que se deve reger por critérios de objectividade e legalidade, o que fez com que a Recorrente concluísse pela inviabilidade do arrendado para o fim contratado de exploração de actividade de clínica médica, em face da informação assim apresentada.

42.Em concreto, as circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar sofreram uma alteração anormal, que pela sua natureza e essencialidade justificam a intervenção do direito por forma a corrigir uma injustiça para que, inevitavelmente, se veria arrastada a Recorrida se a despeito da alteração das circunstâncias, o contrato tivesse de ser cumprido nos precisos termos em que foi celebrado.

43.Na realidade, surgiu um elemento concreto e objectivo, aqui se entendendo a informação inicial emanada do Município, que obstaculizou ao fim da locação.

44.A lei faculta a resolução, fora o caso típico do inadimplemento pela outra parte, quando se verifique uma alteração superveniente anormal das circunstâncias, nos termos previstos no art° 437°a 439° do C. Civil.

45.No fundo o que está na base do art° 437° é a ideia de corrigir a situação de injustiça.

46.No caso dos autos, existe uma comprovada alteração anormal das circunstâncias que subjazem à formulação do contrato, com tal intensidade que a Recorrente não aceitaria contratar, nos termos em que o fez.

47. É certo que, no momento da celebração do contrato, o arrendado estava licenciado para o "comércio", acreditando as partes que a Recorrente aí poderia desenvolver a atividade de clínica médica.

48.Daqui resulta que o contrato, uma vez celebrado, nas relações entre os contraentes, e dentro dos limites da lei, tem força obrigatória, pelo que a extinção ou modificação da relação contratual, por vontade exclusiva de uma das partes, apresente carácter excepcional, constituindo uma dessas excepções, precisamente, a situação em que haja uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

49.Promana abundantemente dos autos que a Autora decidiu contratar, na convicção de que a licença do arrendado para comércio, permitia a instalação e exploração de uma clínica médica.

50.Ou seja, em concreto e naquele momento temporal, a informação assim prestada pelo Município obstaculizou a que aqui Recorrente pudesse aí abrir a sua clínica médica, sendo necessária a alteração da finalidade do arrendado, que se prefigura como uma importante alteração da base negociai, que de forma alguma pode ser imputada à Recorrente.

51. Ao invés, com a assumpção da obrigação e inerente risco, em obter a autorização ou unanimidade dos condóminos para a alteração da finalidade da fracção aos Recorridos são diretamente imputáveis os prejuízos decorrentes de tal incumprimento e que em concreto se alicerçam nas obras levadas a cabo pela Recorrente, com a anuência e incentivo daqueles.

52.Ademais, os Recorridos afirmaram que com toda a certeza iriam obter a predita autorização, o que no entanto não lograram conseguir.

53.Dispõe, a este propósito, o artigo 437.°, do CC, no seu n.º l, que "se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou a modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pêlos riscos próprios do contrato".

54.O instituto da resolução ou modificação contratual situa-se no exacto ponto de cruzamento entre dois princípios de sinal contraditório, ou seja, o princípio da autonomia privada, com a inerente segurança na estabilidade das relações contratuais, e o princípio da boa-fé.

55.Um dos pressupostos do instituto da resolução ou modificação do contrato traduz-se em que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar.

56.E neste âmbito, dúvidas não subsistem que a Recorrente tão-só celebrou o contrato de arrendamento no pressuposto de que aí poderia instalar a sua clínica médica.

57.Trata-se, das circunstâncias que determinaram as partes a negociar, de modo que, se fossem outras, não teriam contratado, ou tê-lo-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes.

58.Estas circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar constituem a base negócio, ou seja, para efeitos deste instituto, interessa considerar, ao contrário do que sucede com a hipótese do erro-vício da vontade, que se reporta a factos pretéritos ou presentes, antes as circunstâncias ou factos futuros, porque aqui se trata de um «error in futurum», e o contrato abrangido não é de execução imediata, mas continuada, periódica ou diferida, sendo certo que a solução é diversa consoante a base negocial já não exista ao tempo da celebração do contrato, ou venha a desaparecer, posteriormente.

59.A disciplina do instituto estrutura-se com base na alteração das circunstâncias verificadas entre o momento da celebração do contrato e aquele em que devem ser cumpridas as obrigações correspondentes.

60. Um dos casos de quebra da base negocial consiste na destruição ou turbação da equivalência das prestações, isto é, quando as obrigações de ambas as partes num contrato bilateral se tornam uma grosseira não relação, em virtude, por exemplo, de informações administrativas contraditórias.

61.Com efeito, a alteração dos pressupostos subjacentes ao negócio, verificados os demais requisitos legais, justificam a resolução do contrato ou a modificação do respectivo conteúdo.

62.Em face do exposto, com particular relevo para a questão ajuizada, a assumpção, por parte dos Recorridos, da obrigação de obterem a autorização ou unanimidade dos condóminos para a alteração da finalidade do arrendado e verificada que foi a sua impossibilidade, tem naturalmente como consequência a obrigação de indemnizar a Recorrente pelas obras que realizou no arredado e que aqueles incentivaram.

63.Ao decidir de forma diversa o Acórdão recorrido, violou o entendimento dos artigos 437°, 483°, 798°, 801° e 1031°, todos do C.C, sendo N/ entendimento que o reconhecimento tácito por parte dos Recorridos posterior à celebração do contrato de arrendamento que o arrendado não dispunha de licença para o exercício da actividade de clínica médica (objecto do contrato) e independentemente desta declaração ter sido induzida em erro, quer para estes, quer para a locatária, constitui uma alteração anormal e superveniente da decisão de contratar, pelo que, não tendo os locadores suprido tal obrigatoriedade legal e tendo estes ficado plenamente convencidos como aliás, ficou a Recorrente que o arrendado não reunia as aptidões legais para o exercício da actividade de clínica médica, consubstancia acto bastante para justificar, sem culpa, o direito à resolução do contrato, por parte do locador e o respetivo direito a ser indemnizada pelas obras realizadas no arrendado.

Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, e seja revogado o Acórdão da Relação.

     Contra-alegaram os recorridos pedindo a manutenção do julgado.

       Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

 As instâncias consideraram provados os factos seguintes:

1. Os Réus são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra "00", correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito à Tapada ou ......, Rua do ......Lote 00, em Viseu, inscrito na matriz da Freguesia de Coração de Jesus sob o artigo 1618 (alínea A) da matéria de facto dada como assente).

 2. Em inícios de Março de 2008, a Autora solicitou ao Réu marido o arrendamento da fracção autónoma referida em 1), para a instalação de uma clínica médica (alínea B) da matéria de facto dada como assente).

3. Acordadas com os Réus as condições do arrendamento, a Autora tomou posse da fracção em inícios de Maio de 2008, vindo os Réus a redigir o contrato de arrendamento comercial, que foi assinado por ambos em 1 de Junho de 2008 (alínea C) da matéria de facto dada como assente).

4. O contrato foi celebrado pelo prazo 5 anos, tendo tido o seu início em 1 de Junho de 2008, renovando-se por iguais períodos, com a finalidade de exploração de uma clínica médica (alínea D) da matéria de facto dada como assente).

5. Foi convencionada a renda mensal de € 2.000,00 (alínea E) da matéria de facto dada como assente).

6. A condição essencial que levou a Autora a celebrar o contrato foi o facto de o Réu marido lhe ter prometido que poderia, sem quaisquer entraves, usar o arrendado para prestar serviços de clínica médica, sendo que de outro modo o não teria celebrado (resposta dada aos quesitos 1º e 2º da b.i.).

7. Ao celebrar o contrato, a Autora esperava que o arrendado tivesse licença para a actividade de exploração da clínica médica (resposta dada ao quesito 3º da b.i.).

8. O locado dos autos foi construído há mais de dez anos (resposta dada ao quesito 66º da b.i.).

9. A Autora efectuou no arrendado obras e instalou o respectivo equipamento para o exercício da sua actividade de clínica médica (alínea F) da matéria de facto dada como assente).

10. O arrendado está apenas licenciado para o exercício do comércio (alínea G) da matéria de facto dada como assente).

   11. Quando o contrato de arrendamento foi celebrado, os réus estavam convictos de que a clínica médica era enquadrável no comércio (resposta dada ao quesito 23º da B.I.).

   12. Quando a Autora ocupou a loja, em Maio desse ano de 2008, nenhum condómino manifestou qualquer oposição ou intenção de não autorizar a instalação de uma "clínica médica" (resposta dada ao quesito 24º da b.i.).

   13. Quando perceberam que a clínica incluía, entre outros, serviços de radiologia e TAC, alguns condóminos manifestaram a sua oposição, por recearem consequências nefastas para a sua saúde, devido à eventual exposição aos raios X (resposta dada ao quesito 26º da b.i.).

   14. Os legais representantes da autora e o réu marido procuraram saber junto da Câmara Municipal de Viseu se era realmente necessária a autorização do condomínio, ou seja, se a exploração da clínica médica se encontrava englobada na actividade de comércio, à qual se destinava a loja (resposta dada ao quesito 27º da b.i.).

15. Foram então informados que a actividade cm causa (clínica médica) se incluía no ramo "prestação de serviços" e não no de "comércio", pelo que seria necessária a autorização de todos os condóminos para que fosse alterada a finalidade da fracção arrendada (resposta dada ao quesito 28º da b.i.).

16. A autora, por volta de finais de Julho de 2008, foi informada pela Câmara Municipal de Viseu de que não poderia ali exercer a sua actividade, não estando o arrendado licenciado para o uso da actividade de exploração de clínica médica (resposta dada ao quesito 4º da b.i.).

17. Perante tal circunstancialismo, a Autora, de imediato, contactou os Réus, vindo estes a responsabilizar-se pela resolução desta questão, encetando diligências junto da Câmara Municipal de Viseu e dos condóminos para a obtenção da unanimidade dos votos para a alteração da finalidade da fracção, por tal ser obrigatório (resposta dada aos quesitos 6º e 7º da b.i.).

18. Transmitindo à Autora que a questão iria ser resolvida, indo obter com toda a certeza, as assinaturas dos condóminos (resposta dada ao quesito 8º da b.i.).

19. Confiante nos Réus, a Autora continuou com a execução das obras no arrendado, bem como a pagar as respectivas rendas (resposta dada ao quesito 9º da b.i.).

20. A Autora, na expectativa de fruição do locado, adquiriu bens e executou obras no arrendado, para assegurar a sua exploração, obras a que os Réus nunca se opuseram e inclusive incentivaram (resposta dada aos quesitos 13º e 14º da b.i.).

21. Os sócios da autora e o réu marido procuraram convencer todos os condóminos a aceitarem a alteração da finalidade da fracção, mas tal não foi possível devido à renitência de alguns deles (resposta dada ao quesito 29º da b.i.).

22. Por volta de Setembro de 2008, os réus comunicaram à autora que, definitivamente, não iriam conseguir obter a unanimidade dos votos dos condóminos do edifício para a alteração da finalidade da fracção (resposta dada ao quesito 10º da b.i.).

23. Relativamente a um pedido de emissão de título habilitante à realização de obras de adaptação de uma loja comercial a clínica de TAC/RX, requerido por AA, L.dª, correspondente à fracção “A” do lote 00 da Rua ........., da freguesia de Coração de Jesus, …, em Viseu, a Câmara Municipal de Viseu forneceu as seguintes informações:

Doc.s de fls. 184/185 - resposta da Câmara Municipal de Viseu a um pedido de esclarecimento formulado pelo Tribunal – segundo a qual “para o referido lote (do prédio aqui em causa) está definida uma utilização de comércio ao nível do rés do chão que possibilita indiscriminadamente uma utilização comércio/serviços, …em conformidade com a acta de reunião ordinária da C. M. de Viseu de 27/11/2008, segundo a qual a designação de comércio é tida com a correspondência de comércio/serviços, para os loteamentos entrados antes da entrada em vigor do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial – Dec. Lei nº 380/99, de 22/09”;

Doc. de fls. 199 - cópia do alvará de licença de utilização n.º 000/.... - segundo o qual “a fracção “A” do lote 00 da , freguesia de Coração de Jesus, em Viseu, com a área de 296m2 é destinada a comércio”;

Doc. de fls. 206 a 215 - informação prestada pela Câmara Municipal de Viseu ao Tribunal de Viseu, em 21/10/2010 – segundo a qual “a fracção do rés-do-chão do prédio localizado no lote 00 da .............., afecta a comércio, conforme o alvará de licença de utilização nº 000/...., permite o exercício da actividade de exploração de clínica médica TAC/RX, não sendo necessário alterar a finalidade da fracção”;

e Doc. de fls. 229 a 236 - certidão emitida pela Câmara Municipal de Viseu, em 19/01/2011 – segundo a qual “a não emissão do título habilitante à realização de obras de adaptação de uma loja comercial a clínica de TAC/RX, requerido por AA, L.dª, correspondente à fracção “A” do lote 00 da Rua .............., da freguesia de Coração de Jesus, …, em Viseu, deve-se à falta dos elementos de aperfeiçoamento do pedido, referidos na informação nº 0000000 (de 21/08/2008), pelo qual a AA foi informada de que deveria aperfeiçoar o seu pedido, com a apresentação de vários documentos, designadamente da autorização da assembleia de condóminos ou declaração individual de cada condómino para alteração à finalidade da fracção, de comércio para clínica de TAC/RX (facto(s) aditado(s) aos demais factos antes tidos como apurados, ao abrigo do disposto no artº 659º, nº 3 do CPC, conforme antes decidido).

24. A fim de realizar as obras, a autora não obteve prévia licença camarária (resposta dada ao quesito 32º da b.i.).

25. O Réu marido, na qualidade de sócio gerente da sociedade “P...... - S............... Lda." de que também é sócia e gerente a sua esposa, a aqui Ré mulher, apresentou à Autora, com data de 17 de Março de 2008, orçamento para execução das obras de interiores na Clínica, onde expressamente identifica todas as obras a executar, incluindo salas de exame Tac, sala de comando Tac, salas de exame Rx, Comando Rx, Mamografia, Ecografia, etc. (resposta dada ao quesito 65º da b.i.).

26. A Autora contratou com a sociedade "EE , L.da", a execução de todas as obras da clínica médica (resposta dada ao quesito 15º da b.i.).

27. As quais consistiram na edificação das paredes divisórias interiores e adaptabilidade da fracção a clínica, com respectivos gastos na aquisição e aplicação de materiais propositadamente adquiridos para a fracção, construção de divisórias, wc(s), tectos falsos, ..etc, melhor descriminados na memória descritiva anexa ao contrato e cuja cópia consta de fls. 44 a 48 que aqui se dão por integralmente reproduzidos (resposta dada ao quesito 16º da b.i.).

28. Obras que de uma forma geral foram executadas, vindo a dita sociedade a emitir pela execução de tais trabalhos as facturas n.os 00000000, 00000000, 00000000, 0000000000 e 00000000000, no total de € 165.396,50 (resposta dada ao quesito 17º da b.i., corrigida em conformidade com o antes decidido e mantendo-se o valor global indicado, por ser o alegado, embora tal valor global seja de € 168.425,80).

29. Para a instalação da clínica médica, teve a autora necessidade de reformular a instalação eléctrica (resposta dada ao quesito 68º da b.i.).

30. Os equipamentos existentes no locado não foram aproveitados para a clínica médica que a autora ali pretendia instalar (resposta dada ao quesito 69º da b.i.).

31. A Autora pagou de rendas aos Réus a quantia de € 8.000,00, até Setembro de 2008 (alínea L) da matéria de facto dada como assente).

32. A Autora, por carta registada com aviso de recepção, datada de 08-10-2008, que os réus receberam e aqui se reproduz, notificou-os do seguinte:

"Ex.mos Senhores:

Apresentando respeitosos cumprimentos, vem esta reportar-se ao contrato de arrendamento comercial, celebrado aos 1 de Junho de 2008, incidente sobre a fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente ao Ré do Chão do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito à .............. - Rua .............., Lote 00

Fracção esta destinada a fim não habitacional/comércio e a que corresponde, segundo consta no ponto 2 da cláusula introdutória daquele contrato, a licença de utilização, titulada pelo Alvará nº 000, emitido pela Câmara Municipal de Viseu em 27.10.99.

Acontece, agora, que o arrendado não está licenciado para a actividade de exploração de clínica médica, finalidade contratualmente prevista na cláusula terceira do sobredito contrato.

Estando tão só licenciado para comércio.

Sendo necessário junto da Câmara Municipal de Viseu alterar o seu uso de comércio para clínica TAC/RX.

Daqui decorrendo que o arrendamento foi realizado para fim diverso do licenciado.

Pelo que solicitamos a V. Ex.ª, pelo prazo máximo de dez dias a contar da recepção da presente, se digne junto da Câmara Municipal de Viseu proceder ao pedido de alteração da licença da fracção de uso de comércio para clínica médica, podendo caso opte, autorizar-nos por escrito a proceder a esta mesma alteração, ao que solicitamos nos remeta no prazo fixado esta autorização escrita e ainda a autorização da Assembleia de Condóminos ou alteração individual de cada condómino para alteração à finalidade da fracção de comércio para clínica médica, dando cumprimento ao n.º 2 do art.º 1419.º ou n.º 5 do art.º 1432º e 1422.º do Código Civil.

Como compreenderá tal situação, é-lhe directamente imputável, pois que é da obrigação do senhorio assegurar o gozo do arrendado para os fins a que se destina e causa graves prejuízos a esta empresa, bastando atentar à impossibilidade de exercer a sua actividade no local arrendado, onde já despendeu milhares de euros em obras, aí tendo instalado os equipamentos ao exercício da sua actividade.

Permitimo-nos pois dar-vos conta, que caso não regularize tal situação no fixado prazo, procederemos à resolução do contrato de arrendamento, pelo incumprimento da sua obrigação de assegurar o seu gozo para os fins a que se destina, já que não tem aptidão ou as qualidades formais necessárias para aí podemos exercer a nossa actividade, incumprimento que torna inexigível a manutenção do arrendamento, sem prejuízo de se considerar nulo por o arrendamento ser para fim diverso do licenciado, reclamando em ambos os casos as legais indemnizações.

Neste seguimento, aguardamos as v/ prezadas notícias sobre o exposto.

      De Vs. Exªs

        A gerência" (alínea H) da matéria de facto dada como assente).

33. Não obstante a interpelação referida em 32 supra, os Réus não lograram alterar a finalidade do arrendamento, alegando ser inviável a obtenção da unanimidade dos votos dos condóminos do edifício para a alteração da finalidade da fracção (alínea I) da matéria de facto dada como assente).

34. A Autora resolveu o contrato através da notificação de 16-12-2008, que os réus receberam e aqui se reproduz, remetendo-lhes com esta, após procederem à limpeza do arrendado, as respectivas chaves do arrendado, assim formalizando a sua restituição:

"Ex.mos Senhores:

Damos como reproduzida a nossa comunicação de 21.11.08.

A verdade é que, por o motivo do arrendamento ter sido realizado para fim diverso do licenciado, continuamos impedidos de exercer a nossa actividade de exploração de clínica médica, finalidade aliás, expressamente prevista na cláusula terceira do contrato.

Sendo que não era da N/ incumbência a obtenção daquela licença, mas da V/ exclusiva responsabilidade.

Relativamente ás rendas em atraso, estranhamos a V/ posição, pois que nos disseram que não pagaríamos mais rendas até conseguir resolver o assunto.

Por outro lado, alegando V. Exªs ser inviável a obtenção da unanimidade dos votos dos condóminos do edifício para a alteração da finalidade da fracção, manifesto resulta que continuaremos impossibilitados de aí exercer N/ actividade.

Aliás sempre foram, ao longo deste tempo, criadas expectativas por parte de V. Exas. de que estavam a tratar do problema e de que iriam obter, com toda a certeza, as referidas assinaturas, assumindo sempre a inteira responsabilidade quanta a resolução desta questão.

Razão pela qual as obras foram avançando, com o seu devido conhecimento e incentivo, bem como foram feitos os pagamentos das respectivas rendas.

Pelo que, é deveras estranho invocarem a falta de pagamento das rendas desde Setembro quando a iniciativa partiu de V. Exas.

Pois que foi nesse momento que deram por finalizadas as diligências, por infrutíferas, para obtenção das assinaturas, tendo-nos informado que não pagaríamos mais rendas até arranjar uma alternativa e a assunto ficar resolvido.

Como deverá compreender, e de acordo com todos os contactos havidos, mantivemos sempre uma postura de abertura, compreensão e tolerância para resolução deste incidente.

Lamentavelmente, face aos prejuízos e montantes envolvidos, não poderíamos, de forma alguma, esperar mais tempo, situação esta também transmitida verbalmente.

Acresce que a nossa missiva foi única e exclusivamente formalizar, por escrito, o que há muito tem vindo a ser informado a V. Exas.

Tentamos de todo evitar este desfecho, demos tempo, propusemos soluções, pelo que é com muito pesar que tenhamos sido acusados de ter agido com má-fé, o que deveras lamentamos!

Permitimo-nos pois dar-vos conta, que procedemos a resolução do contrato de arrendamento, pelo incumprimento da sua obrigação de assegurar o seu gozo para os fins a que se destina, já que não têm aptidão ou as qualidades formais necessárias para aí podemos exercer a nossa actividade, incumprimento que torna inexigível a manutenção do arrendamento.

Sem conceder, invocamos a nulidade do arrendamento por ser para fim diverso do licenciado.

Relativamente aos prejuízos sofridos, ascendem neste momento em montante não inferior a 20 0 .0 0 0 ,0 0  € .

Em anexo, remetemos as chaves do arrendado, tendo procedido ontem a sua limpeza.

Neste seguimento, aguardamos as v/ prezadas noticias sobre o exposto.

De Vs. Exªs

A gerência"

(alínea J) da matéria de facto dada como assente).

35. Para atenuar os seus prejuízos, a autora contratou a sociedade empreiteira para retirar do arrendado todos os materiais que pudessem ser aproveitados em nova obra (resposta dada ao quesito 18º da b.i.).

36. Foram reaproveitados os seguintes materiais:

- 90% das carpintarias, portas, aros e guarnições a que corresponde um valor de € 1.500,00;

- 80% da blindagem de chumbo aplicada, obtendo-se depois um rendimento de 67.37%, dado o grau de deterioração da mesma blindagem em virtude da remoção, que implicou que 32,63% do material não pudesse ser aplicado, a que corresponde um valor de € 18.324,64;

- da rede eléctrica aproveitou-se a totalidade da esteira, os cabos que alimentavam os cabos parciais e as caixas de quadro, tendo-se retirado mais cablagem mas que devido às curtas distâncias entre caixas se revelaram curtos para a realidade física desta obra, tornando-se completamente irrealizável o seu aproveitamento pela onerosidade do emendar de troços curtos bem como da não conformidade com a regras da boa execução. O valor estimado para o material aproveitado é de € 1.350,00, no total de € 19.052,99 (Resposta dada ao quesito 19º da b.i., com a correcção supra decidida).

37. A autora tinha previsto a abertura do estabelecimento para Setembro de 2008, mas em virtude de algum atraso na execução das obras, foi posteriormente adiada para Dezembro de 2008 (resposta dada ao quesito 20º da b.i.).

38. Os réus procuraram proporcionar à autora outra loja em que pudesse instalar a clínica, mostrando-a aos legais representantes (resposta dada ao quesito 33º da b.i.).

39. Os sócios da autora não ficaram agradados com as condições proporcionadas por essa outra loja, desde logo a nível de localização, optando por uma outra que melhor satisfazia os seus interesses (resposta dada ao quesito 34º da b.i.).

40. A autora encontra-se instalada na rua que entronca na Av. ..................e que conduz ao Fórum, nesta cidade (resposta dada ao quesito 35º da b.i.).

41. A loja arrendada era constituída, no rés-do-chão, por um compartimento amplo, um espaço destinado a escritório e duas casas de banho e, na cave, por outro compartimento amplo (resposta dada ao quesito 36º da b.i.).

42. A loja arrendada foi devassada e gravemente danificada pela autora, que a entregou aos réus com o pavimento de granito polido riscado e sem possibilidade se recuperação, em várias zonas do mesmo (resposta dada ao quesito 37º da b.i.).

43. As paredes de gesso cartonado ficaram inacabadas, esventradas de placas de gesso, com partes partidas, outras arrancadas e outras rasgadas (resposta dada ao quesito 38º da b.i.).

44. As paredes da loja encontram-se rasgadas e furadas, bem assim como rasgado e danificado o revestimento de azulejo cerâmico das instalações sanitárias (resposta dada ao quesito 39º da b.i.).

45. Os tectos estão completamente degradados, perfurados e com os estuques danificados e inutilizados (resposta dada ao quesito 40º da b.i.).

46. A caixilharia de madeira da parede do alçado posterior foi irremediavelmente deteriorada pela colocação de perfis (resposta dada ao quesito 41º da b.i.).

47. A caixilharia de alumínio da zona de entrada tem a lacagem deteriorada, está empenada e com um vidro partido, encontrando-se a porta de entrada também empenada e com o vidro partido (resposta dada ao quesito 42º da b.i.).

48. As soleiras das montras da frente da loja estão deterioradas devido a aplicação de perfis metálicos (resposta dada ao quesito 43º da b.i.).

49. A autora perfurou a laje do pavimento que divide o rés-do-chão da cave, nela executando um corte em círculo, com um raio de cerca de 1m, para comunicação entre os dois pisos, o que obrigou posteriormente, para a sua tapagem, a um reforço da laje em torno do mesmo (resposta dada ao quesito 44º da b.i.).

50. A autora retirou os aparelhos interiores de ar condicionado dos locais onde se encontravam implantados, e que faziam parte integrante da loja, inutilizando e danificando as máquinas, provocando ainda a necessidade de instalação de nova tubagem de cobre para ligação às máquinas exteriores (resposta dada ao quesito 45º da b.i.).

51. Aquando da realização das obras, a autora retirou e removeu das 2 instalações sanitárias, quer as loiças (sanitas, bidés e lavatórios com móveis), no valor aproximado de € 1.000,00 (€500,00 x 2) – resposta dada ao quesito 46º da b.i..

52. Quer um móvel em MDF (lacado) existente num dos WC, no valor aproximado de €750,00 (resposta dada ao quesito 47º da b.i.).

53. Aquando da realização das obras, a autora retirou dos tectos cerca de 70 focos com projectores e lâmpadas, que neles se encontravam implantados e que faziam parte do arrendado, no valor global estimado de € 2.100,00 (€30,00 x 70) – resposta dada ao quesito 48º da b.i..

54. Para reposição da loja arrendada no estado de utilização adequada em que a mesma se encontrava na data em que foi entregue à autora, necessitaram os réus de gastar cerca de € 60.000,00, com IVA incluído (resposta dada ao quesito 49º da b.i.).

55. Sendo para o efeito necessário arrancar o total das obras incorporadas, com demolição das paredes existentes em pladur (resposta dada ao quesito 50º da b.i.).

56. Remover, transportar e vazar todo o entulho em locais próprios de reciclagem do mesmo (resposta dada ao quesito 51º da b.i.).

57. Retirar o pavimento em vinílico, colocado por cima do granito, bem como o granito inutilizado, incluindo o mosaico do pavimento da cave, vazando-o (resposta dada ao quesito 52º da b.i.).

58. Retirar os tectos falsos em pladur e lã de rocha e levá-los para o vazadouro (resposta dada ao quesito 53º da b.i.).

59. Fornecer e executar paredes em alvenaria de tijolo (30X20) assentes em argamassa e com os acessórios necessários (resposta dada ao quesito 54º da b.i.).

60. Regularizar o pavimento para assentamento de granito e fornecer assentamento de granito polido da região, em placas de 30X20X2cm, bem como de todos os acessórios necessários (resposta dada ao quesito 55º da b.i.).

61. Reparar as canalizações de águas e esgotos (resposta dada ao quesito 56º da b.i.).

62. Arrancar todos os parafusos existentes nas paredes e tectos e fornecer e executar tectos em pladur, com placas BA 13, com isolamentos com lã de rocha de 40mm e pintar (resposta dada ao quesito 57º da b.i.).

63. Arrancar peitoris e soleiras inutilizadas e colocar novos e substituir os alumínios deteriorados (resposta dada ao quesito 58º da b.i.).

64. Repor a rede eléctrica e o aro das portas de acesso às caixas de contadores e recepção, incluindo fornecer e aplicar novas caixas (resposta dada ao quesito 59º da b.i.).

65. Fornecer e executar paredes em pladur, com placas BA 13 e isolar com lã de rocha de 40mm e pintar (resposta dada ao quesito 60º da b.i.).

66. Fornecer e executar a rede de ar condicionado, com os necessários acessórios (resposta dada ao quesito 61º da b.i.).

67. E reforçar a estrutura, devido ao buraco aberto na loja, com fornecimento e execução de tal reforço em estrutura metálica (resposta dada ao quesito 62º da b.i.).

68. Para execução de todas as obras referidas será necessário, pelo menos, um mês (resposta dada ao quesito 64º da b.i.).

     A questão essencial posta no recurso é a de saber se as circunstâncias em que as partes firmaram o contrato de arrendamento comercial, assinado em 1 de Junho de 2008, sofreram uma alteração anormal e superveniente, nos termos prescritos no art° 437.º a 439.º do C. Civil.

Concomitantemente com esta, haverá de se apreciar se a autora tem direito às indemnizações que roga em virtude desta resolução do contrato e se, contrariamente, poderá ser responsabilizada pelos danos sofridos pelos réus e invocados no pedido reconvencional.

I. Vamos pôr em evidência a factualidade comprovada em julgamento, cronologicamente sistematizada, sobre a qual havemos de sobrepor o nosso discernimento para a decisão da questão que ora nos é colocada.

Em inícios de Março de 2008, a autora solicitou ao réu marido o arrendamento da fracção autónoma designada pela letra "...", correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito à Tapada ou .............., Rua .............. Lote 52, em Viseu, inscrito na matriz da Freguesia de Coração de Jesus sob o artigo 1618, para aí instalar uma clínica médica.

Acordadas as condições do arrendamento, a autora tomou posse desta fracção, em inícios de Maio de 2008, e o contrato de arrendamento comercial, antes solicitado, foi assinado por ambos, em 1 de Junho de 2008.

A condição essencial que levou a autora a celebrar o contrato foi o facto de o réu marido lhe ter prometido que poderia, sem quaisquer entraves, usar o arrendado para aí prestar serviços de clínica médica, sendo que de outro modo a autora o não teria celebrado.   

O arrendado estava apenas licenciado para o exercício do comércio; mas, ao celebrar o contrato, a autora esperava que o arrendado tivesse licença para a actividade de exploração da clínica médica e os réus estavam convictos de que a clínica médica era enquadrável no comércio.

     Quando a Autora ocupou a loja, em Maio de 2008, nenhum condómino manifestou qualquer oposição ou intenção de não autorizar nela a instalação de uma "clínica médica"; mas quando perceberam que a clínica incluía, entre outros, serviços de radiologia e TAC, alguns deles manifestaram a sua oposição, por recearem consequências nefastas para a sua saúde, devido à eventual exposição aos raios X.

Perante este adverso ambiente, a autora e o réu marido procuraram saber, junto da Câmara Municipal de Viseu, se era realmente necessária a autorização do condomínio, ou seja, se a exploração da clínica médica se encontrava englobada na actividade de comércio, à qual se destinava a loja; e, através desta edilidade, foram então informados de que a actividade cm causa (clínica médica) se incluía no ramo "prestação de serviços" e não no de "comércio", pelo que seria necessária a autorização de todos os condóminos para que fosse alterada a finalidade da fracção arrendada.

Neste contexto, por volta de finais de Julho de 2008, foi a autora informada pela Câmara Municipal de Viseu de que não poderia ali exercer a sua actividade, pois que o arrendado não estava licenciado para o uso da actividade de exploração de clínica médica.

      Perante tal circunstancialismo, os réus responsabilizaram-se perante a autora pela resolução desta controvérsia, encetando diligências junto da Câmara Municipal de Viseu e dos condóminos para a obtenção da unanimidade dos votos para a alteração da finalidade da fracção, por tal ser obrigatório; os sócios da autora e o réu marido procuraram convencer todos os condóminos a aceitarem a alteração da finalidade da fracção, mas tal não foi possível.

Até que, por volta de Setembro de 2008, os réus comunicaram à autora que, definitivamente, não iriam conseguir obter a unanimidade dos votos dos condóminos do edifício para a alteração da finalidade da fracção.

       Reagindo a esta informação a autora, por carta de 16.12.2008, notificou os réus de que procediam à resolução do contrato (cfr. carta de fls. 37/38).

                    Entretanto,

     Em 21/10/2010 a CMViseu informa o Tribunal de que “a fracção do rés-do-chão do prédio localizado no lote 00 da .............., afecta a comércio, conforme o alvará de licença de utilização nº 000/...., permite o exercício da actividade de exploração de clínica médica TAC/RX, não sendo necessário alterar a finalidade da fracção” (cfr. docs. de fls. 206 a 215).

     Também, em 19/01/2011, dá conta a CMViseu de que “a não emissão do título habilitante à realização de obras de adaptação de uma loja comercial a clínica de TAC/RX, requerido por AA, L.da, correspondente à fracção arrendada, isto é, a falta de prévia licença camarária necessária à autorização para a autora poder fazer as obras, se devia à carência de apresentação de vários documentos, designadamente da autorização da assembleia de condóminos ou declaração individual de cada condómino para alteração à finalidade da fracção, de comércio para clínica de TAC/RX (cfr. docs. fls. 229 a 236).

     II. No contrato bilateral, verificando-se que o devedor deixou de cumprir definitivamente a sua obrigação, tem o credor a possibilidade de resolver o contrato celebrado (art.º 801.º, n.º 1 e 2, do C.Civil).
Pode, assim, o credor resolver o contrato sempre que a prestação se tenha tornado impossível por causa imputável ao devedor. Para tanto só tem que dirigir declaração nesse sentido à outra parte (art.º 436.º, n.º 1, do C.Civil).

Para a resolução do contrato torna-se necessário o inadimplemento definitivo - não a simples mora - por o credor ter perdido o interesse no cumprimento da obrigação. A simples mora do devedor ("mora solvendi"), representando um simples retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, só dá ao credor o direito de exigir o cumprimento da obrigação e a indemnização pelos danos causados e não é fundamento para a resolução do contrato - o direito à resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência.[1]
A resolução do negócio jurídico só tem lugar nos casos de incumprimento definitivo, havendo-se como tal a verificação da perda do interesse do credor no cumprimento, apreciada objectivamente, ou quando a prestação, apesar de objectivamente ter interesse, não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (art.º 808.º, n.º 1 e 2, do C.Civil); e, salvo se a obrigação tiver prazo certo, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido interpelado para cumprir, judicial ou extrajudicialmente (art.º 805.º, n.º 1 e 2, al. a) do C.Civil).
Deste modo, tendo a prestação um prazo certo, o facto de esta não ser realizada no tempo acordado implica desde logo o não cumprimento, que se tornará definitivo no caso de ocorrer a perda do interesse do credor no cumprimento; e este prazo para o cumprimento da obrigação, se não foi clausulado no momento da celebração do contrato e sob a cominação de a prestação deixar de interessar ao credor a partir da data em que expirar o prazo de cumprimento, há-de ser fixado posteriormente.
Tenhamos em consideração que "a declaração de resolução não visa invalidar um contrato perfeitamente válido (e parcialmente executado), mas procura apenas eliminar o «vício» de uma relação contratual truncada no seu desenvolvimento.[2]
Não ocorrendo qualquer vício nesta relação que torne palpável o inadimplemento do contrato, também se não pode asseverar que a resolução do contrato se legitimou e concretizou.

 A resolução do contrato por alteração das circunstâncias que é o fundamento deduzido pela autora com o fim de, através dela, obter as parcelares indemnizações que em seu proveito deduz[3], está expressamente regimentada na lei.
Quando “as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato…” (n.º 1 do art.º 437.º do C.Civil).
Flui deste normativo legal que esta particularizada resolução fundada na alteração das circunstâncias está dependente da verificação dos seguintes pressupostos:

     - Uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar - para que haja alteração anormal das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar é preciso que essas circunstâncias se tenham modificado.[4]
- A exigência das obrigações assumidas pela parte lesada tem de afectar gravemente os princípios da boa-fé e não estar coberta pelos riscos próprios do negócio - em princípio o tribunal não deve aceitar a resolução dos contratos, mas deve fazê-lo quando as alterações forem de tal monta que no momento da realização do contrato se considerassem completamente impossíveis.[5]

     No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé (art.º 762.º, n.º 2, do C.Civil), ou seja, deverão "agir lealmente, correctamente, honestamente, quer no cumprimento do dever que a lei impõe ou sufraga, quer no desfrute dos poderes que o Direito confere"[6], devendo a sua actuação ser presidida pelos "ditames da lealdade e probidade" [7].   
     Exige-se também que essa deslealdade, detectada no comportamento desta omissão de fidelidade, tenha a suportá-la culpa sua, isto é, que se lhe possa imputar um juízo de reprobabilidade pessoal da sua conduta, podendo exigir-se-lhe um outro comportamento, culpa que se presume se o contraente violou esse dever, nos termos do disposto no art.º 799.º, n.º 1, do C.Civil.

IV. O contrato de arrendamento firmado entre a autora e os réus, em 1 de Junho de 2008, foi projectado pela autora para no locado instalar os serviços de uma clínica médica, sendo que de outro modo a demandante o não teria celebrado; e, embora o imóvel arrendado estivesse apenas licenciado para o exercício do comércio, na altura da concretização do contrato, tanto a autora como os réus estavam convencidos de que era possível aí a actividade de exploração da perspectivada clínica médica.

 Efectivamente, a fracção arrendada, licenciada tão-só para o exercício do comércio, aparentava ter as necessárias características para nela funcionar uma clínica médica, como era desejado pelos locatários no momento em que o contrato foi assinado.

    Este desígnio só foi interrompido quando alguns dos condóminos do prédio manifestaram a sua oposição, ao perceberem que a clínica incluía, entre outros, serviços de radiologia e TAC.

Tomando em consideração esta nova realidade, ao procurarem saber das consequências desta detectada discórdia condominial, autora e réus ficaram a saber, através da Câmara Municipal de Viseu que, sem autorização de todos os condóminos, não poderia ser alterada a finalidade da fracção arrendada; e, por volta de finais de Julho de 2008, foi a autora informada pela mesma edilidade de que não poderia ali operar uma clínica médica.

Empenharam-se os réus na procura do consentimento dos condóminos para a possibilidade de, no locado, poder funcionar a prescrita clínica médica, mas sem sucesso algum; e, por volta de Setembro de 2008, os réus comunicaram à autora que, definitivamente, não iriam conseguir obter a unanimidade dos votos dos condóminos do edifício para a alteração da finalidade da fracção.

     Reagindo a esta informação a autora, por carta de 16.12.2008, notificou os réus de que procediam à resolução do contrato (cfr. carta de fls. 37/38).

     Temos, assim, que no pactuado contrato de arrendamento, convencionado pelas partes contratantes para, no locado, passar a funcionar uma clínica médica e que, também pelos seus signatários estava assente que nada entravaria este propósito, estas motivações transfiguraram-se substancialmente quando, em Setembro de 2008, os réus ficaram a saber que a unanimidade dos votos dos condóminos do edifício era tarefa impossível para a alteração da finalidade da fracção, disso fazendo saber a autora.

    Tratando-se de um evento posterior ao arrendamento e insusceptível de se conjecturar no momento da formalização do contrato, esta circunstancial vicissitude está incluída na “ratio” descritiva do art.º 437.º do C.Civil.

         Quer isto dizer que assiste à autora o direito de resolver o contrato de arrendamento celebrado com os réus, pelo modo e no tempo em que o fez, sendo irrelevante para esta resolução assim tomada pela autora a circunstância de, posteriormente, já em 21/10/2010, a CMViseu informar o Tribunal de que “a fracção do rés-do-chão do prédio permite o exercício da actividade de exploração de clínica médica TAC/RX, não sendo necessário alterar a finalidade da fracção” (cfr. docs. de fls. 206 a 215);

    É que, o que presidiu à resolução do contrato pela autora foi a informação que os réus tinham obtido da mesma edilidade (e a autora disso veio saber por estes demandados) e que era no sentido de que estava interdita à autora a exploração de uma clínica médica no arrendado.

          A mutação de atitude da autarquia, que se operou depois, não era susceptível de ser concebida pela arrendatária/autora e nem os subscritores do contrato tinham a possibilidade de prever esta ulterior e estranha contingência.

    Não pode, pois, ficcionar-se que em 16.12.2008 (data da resolução do contrato) já havia a autora de saber - e de ter em consideração - a renovada elucidação que a C.M.Viseu viria a prestar, a seguir, em 21/10/2010.[8]

          V. A resolução do contrato, tornada admissível por envolver uma anormal alteração das circunstâncias que foram decisivas para os objectivos da contratação, tem também por detrás dela - e a fundamentá-la - o incumprimento do que foi acordado no contrato bilateral pelas partes assumido; e o seu exercício, ex vi do estatuído nos artigos 433.º (princípio da liquidação resolutiva), 289.º e 434.º, todos do C.Civil, confere-lhe eficácia retroactiva, equiparada aos efeitos da invalidade do negócio.

     A nulidade do negócio jurídico impõe às partes signatárias a restituição de tudo o que receberam por força desse acordo - tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio jurídico têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente  (n.º 1 do artigo 289.º do Cód. Civil).


     A resolução operada num contrato bilateral tem o seu fundamento, essencialmente, no inadimplemento da obrigação da outra parte contratante - a resolução surge motivada por factores supervenientes e exteriores ao próprio «corpo» negocial, que geram situações violadoras da disciplina contratual originária [9]; e o seu regime legal há-de ter em consideração a situação que assim foi criada, ou seja, a desvinculação do contrato tornada efectiva por uma das partes e a necessidade recuperatória do que já foi prestado no âmbito desse mesmo negócio jurídico.

     Da resolução do contrato, jurisdicionalmente consentida, advém para o credor o direito de ser indemnizado pelos prejuízos que neste contexto sofreu em virtude da conduta culposa do devedor e ainda de reaver para si a sua prestação já realizada (art.º 801.º, n.º 2, do C. Civil).

Esta indemnização há-de medir-se pelo dano advindo ao credor em consequência de ter celebrado o contrato, também chamada indemnização do interesse negativo ou de confiança.   

O que o credor pretende, com a opção feita, é a exoneração da obrigação que, por seu lado, assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo), que pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante (o proveito que o credor teria obtido, se não fora o contrato que efectuou.[10]

          Neste contexto, têm os réus “jus” a receber da autora a indemnização relativa às obras que terão de efectivar no locado (€ 60.000,00), aos materiais inutilizados (€ 3.850,00) e quanto à privação do locado (€ 2.000,00); mas, contrariamente ao que foi entendimento da Relação, têm a autora também direito a ser indemnizada pelas obras realizadas no arrendado (€ 146.343,51) e pelas rendas pagas (€ 8.000,00),[11] tal e qual decidiu a sentença da 1.ª instância e que mereceu o assentimento da autora/recorrente.

       Concluindo:
1. A resolução fundada na alteração das circunstâncias está dependente da verificação dos seguintes pressupostos:

     - Uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;

     - A exigência das obrigações assumidas pela parte lesada tem de afectar gravemente os princípios da boa-fé e não estar coberta pelos riscos próprios do negócio.

     2. No pactuado contrato de arrendamento, convencionado pelas partes contratantes para no locado passar a funcionar uma clínica médica e que, também pelos seus signatários estava assente que nada entravaria este propósito, estas motivações transfiguraram-se substancialmente quando, em Setembro de 2008, os réus ficaram a saber que a unanimidade dos votos dos condóminos do edifício era tarefa impossível para a alteração da finalidade da fracção, disso fazendo saber a autora.

    3. Tratando-se de um evento posterior ao arrendamento e insusceptível de se conjecturar no momento da formalização do contrato, esta circunstancial vicissitude está incluída na “ratio” descritiva do art.º 437.º do C.Civil.

    4. Assiste à autora o direito de resolver o contrato de arrendamento celebrado com os réus, pelo modo e no tempo em que o fez, sendo irrelevante para esta resolução assim tomada pela autora a circunstância de, posteriormente, já em 21/10/2010, a CMViseu afirmar que no locado poderia operar tal clínica médica.   

     5. A mudança de atitude da autarquia, que se operou após, não era susceptível de ser concebida pela arrendatária/autora e nem os subscritores do contrato tinham a possibilidade de prever esta ulterior e estranha contingência; não pode, pois, ficcionar-se que em 16.12.2008 (data da resolução do contrato) já havia a autora de saber - e de ter em consideração - a renovada elucidação que a C.M.Viseu viria a prestar, a seguir, em21/10/2010.

        Pelo exposto, concede-se a revista e, em consequência:

          1. Revoga-se o acórdão recorrido;

          2. Julgamos a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, nos moldes decididos pelo tribunal da 1.ª instância.

                As custas na Relação e neste Supremo Tribunal ficam a cargo dos réus, apelantes e recorridos, respectivamente.

 Na 1.ª instância as custas são devidas por autora e réus na proporção em que decaíram.       

 Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Junho de 2013

Silva Gonçalves (Relator)

Ana Paula Boularot

Pires da Rosa

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     [1] Baptista Machado; Pressupostos da Resolução por Incumprimento; Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro; II Jurídica, págs. 3 48 e 349.
     [2] José Carlos Brandão Proença; A Resolução do Contrato no Direito Civil; pág. 22.

     [3] A nulidade do contrato decidida pelo tribunal da 1.ª instância, subsidiariamente requerida pela autora, deixou de ter justificação pela circunstância de a Relação ter considerado “não provado” o ponto 5.º da instrução preparatória (…e constatou que a licença de utilização titulada pelo Alvará n.° 000, emitido pela Câmara Municipal de Viseu em 27/10/99, existente sobre o arrendado e declarada pelos Réus no ponto 2 da cláusula introdutória do contrato de arrendamento, não lhe permitia aí exercer a sua actividade?)

[4] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, volume I, 2.ª ed., pág.363.
[5] Vaz Serra; RLJ; 113.º-314.
[6] A. Varela; R.L.J.; 122.º; pág. 148.
[7] Prof. Mário Júlio de Almeida Costa; Obrigações; pág. 715.

[8] Não curamos aqui de saber se existe responsabilidade da C.M.Viseu e qual a sua dimensão e o projectado seu alcance.
[9] José Carlos Brandão Proença; ob. citada; pág. 64.

[10] Prof. A. Varela; Obrigações; II; pág. 104 e 105.
[11] Não tendo obtido qualquer proveito em resultado da entrega da fracção (não a usou para a desejada exploração de uma clínica médica), não se aplica ao caso “sub judice” o benefício previsto no art.º 434.º, n.º2, do C.Civil.