HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO
LIMITES DO CASO JULGADO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
INTERPRETAÇÃO
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
MANDADO DE DETENÇÃO
COMPETÊNCIA
CUMPRIMENTO DE PENA
EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
Sumário


I - O habeas corpus requerido ao STJ, reporta-se a casos de prisão ilegal com fundamento numa das três situações previstas no n.º 2 do art. 222.º do CPP, sustentando o peticionante que a prisão foi motivada por facto pelo qual a lei não a admite (violação de casos julgados formais sobre a exacta questão do cumprimento da pena; incumprimento da ordem legal para o cumprimento de julgados contraditórios e violação de lei nova favorável ao arguido) e que foi ordenada por entidade incompetente.
II - Uma vez que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” (art. 673.º do CPC, ex vi art. 4.º CPP), a Relação, ao reconhecer expressamente como transitada em julgado a decisão condenatória, não violou qualquer decisão anterior transitada em julgado, maxime o acórdão da mesma Relação de 14-12-2011, pois esta última decisão não teve por objecto o trânsito em julgado da decisão condenatória, questão que nem sequer constituía pressuposto para a decisão do recurso.
III - Por outro lado, não se verificando qualquer contradição de julgados, não havia que fazer funcionar a regra prevista no art. 675.º do CPC, relativa a casos julgados contraditórios.
IV - A afirmação da Relação, como argumento, no acórdão de 14-12-2010 foi a de que a decisão condenatória, ou seja o acórdão da Relação de 13-07-2010, “não transitará enquanto estiverem pendentes recursos ordinários, instaurados durante a pendência do processo, que possam contender com a subsistência dessa decisão condenatória”; mesmo na óptica daquele primeiro acórdão, transitada a decisão do TC acerca da intervenção do tribunal do júri e a decisão que apreciou a questão da prescrição do procedimento criminal, produziu-se o trânsito em julgado da decisão condenatória.
V - Invoca o requerente para fundamentar o seu pedido a alteração ao art. 120.º do CP operada pela Lei 19/2013, de 21-02, que consistiu na inserção no n.º 1 do referido artigo onde são elencadas as causas de suspensão da prescrição, de uma nova alínea (“a sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado”) e bem assim dos n.ºs 3, 4 e 5 respeitantes ao tempo de suspensão.
VI - Segundo o requerente, resulta de tal norma penal a clarificação, por interpretação autêntica, de que o recurso para o TC, neste caso reconduzível à discussão da competência material do tribunal colectivo/júri (pendente no dia 19-09-2011), obsta ao trânsito em julgado, tendo passado a configurar uma causa de suspensão do decurso do prazo da prescrição do procedimento criminal.
VII - Fala-se de interpretação autêntica quando a determinação do sentido duma norma ocorre por força de outra lei (Franscesco Ferrara); “para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia seja tal que o julgador ou o intérprete a ele poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.” (Baptista Machado).
VIII - A nova alínea do n.º 1 do art. 120.º do CP não reúne os requisitos enunciados, resultando evidente da leitura da exposição de motivos constante da Proposta de Lei 75/XII, de 21-06-2012, que, com a alteração legislativa, se pretendeu pôr fim ao exercício do direito de defesa com a mira de alcançar a extinção do procedimento criminal, por prescrição.
IX -Criada uma nova causa de suspensão da prescrição a fim de retardar a extinção do procedimento criminal, o novo dispositivo, se fosse aplicável ao arguido, não poderia ser executado por o regime anterior ser aquele que lhe é mais favorável.
X - Todavia, à data da entrada em vigor da referida norma, há muito transitara em julgado a decisão condenatória, pelo que, também por esta razão, a nova redacção do art. 120.º do CP não teria aplicação ao caso dos autos.
XI - Segundo o acórdão de 24-04-2012, o impedimento de execução da decisão condenatória transitada consistia no conhecimento, por decisão transitada, da problemática da prescrição do procedimento criminal dos crimes de fraude fiscal de 2001 e de 2002, objecto do apenso ….; transitada em julgado a decisão sobre aquela questão cessou o motivo de inexequibilidade, podendo, finalmente, ser dado cumprimento à decisão condenatória e à execução da pena.
XII - Na audiência, o requerente alegou que o mandado de detenção foi emitido por entidade incompetente, defendendo que, ao lado da incompetência em razão da matéria, do território ou da hierarquia, existe ainda uma incompetência temporal, que se revela por o tribunal não ser competente para decidir em determinado momento. No caso, o Juízo Criminal de … não era ainda competente para ordenar a prisão, pois a Relação, no acórdão de 24-04-2012 prolatado no recurso do MP, fixou um prazo suspensivo e não se pode considerar o acórdão da Relação da mesma data, proferido no recurso interposto pelo arguido (apenso …) como constituindo a verificação da condição de que dependia o terminus da suspensão.
XIII - Contrariamente ao que sustenta o requerente, não se trata de qualquer falta de competência temporária do juiz. Se este tem competência em razão da matéria, do território e da hierarquia, ele é competente para ordenar a prisão. O que pode é esta depender, de facto, da verificação de uma condição, cuja falta de preenchimento acarretará uma ilegalidade.
XIV - Estando o peticionante na situação de cumprimento de pena, por ter transitado a decisão condenatória e estar verificado o pressuposto de que, por força de decisão transitada em julgado, dependia a execução da decisão condenatória, a situação de prisão em que se encontra não se coaduna com nenhuma das situações de prisão ilegal previstas no art. 222.º do CPP, pois foi ordenada pelo juiz do processo que é quem tem competência, trata-se de um facto pelo qual a lei permite a prisão, e porque não decorreu ainda o tempo de pena de prisão em que o requerente foi condenado.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


            1.
O cidadão AA, actualmente preso à ordem do Processo nº 712/00.9JFLSB do 2º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, veio, representado por advogado, requerer a providência excepcional de habeas corpus, invocando disposto no art. 31º da Constituição da República Portuguesa e no art. 222º do Código de Processo Penal.

Alega o seguinte:

1. No dia 24 de Abril passado, o requerente foi preso à ordem do Tribunal de Oeiras, que considerou que o acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Lisboa (de 13JUL10) transitara em julgado "em 19.09.2011", em resultado do trânsito em julgado da Decisão Sumária proferida no Tribunal Constitucional sobre conformidade constitucional da norma que vedava a recorribilidade de tal decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme o certificado remetido por este último tribunal em 22SET11.

2. Todavia, a ser assim, não podia ter havido decisões de tribunais superiores, transitadas, posteriores a essa data de 19SET11, decidindo que, nas datas em que foram proferidas, a decisão condenatória não tinha transitado em julgado.

3. Claro que, se por hipótese um tribunal superior tivesse decidido (não em obiter dictum, mas no dispositivo) que na data em que proferia acórdão (vamos supor: 14DEZ11) a decisão condenatória, pretensamente transitada em 19SET11, era modificável, não poderia depois o Tribunal de 1.ª instância entender o contrário, ignorando uma decisão superior.

4. É que uma coisa parece certa: não pode dizer a Ia instância que uma decisão condenatória transitou em Setembro de um ano, quando em Dezembro desse ano a 2.a instância decide que nessa data está pendente de apreciação uma questão de prescrição sobre crimes integrados na decisão condenatória, "consignando-se que tal conhecimento não será afectado pelo trânsito de qualquer Acórdão do Tribunal Constitucional incidente sobre normas alheias a tal questão, que foram oportunamente objecto de impugnação." (sendo que, na data em que tal decisão foi proferida, ainda não era definitivo o Acórdão do Tribunal Constitucional de 110UT11 sobre a conformidade com a Lei Fundamental da norma que fora invocada para denegar ao arguido o julgamento por tribunal de júri).

5. Como é doutrinal e jurisprudencialmente aceite que a pendência de um recurso para o Tribunal Constitucional obsta ao trânsito da decisão condenatória, certamente que, estando em 19SET11 pendente no Tribunal Constitucional um dos dois recursos de constitucionalidade que tinham sido anteriormente interpostos - não de quaisquer normas substantivas invocadas na decisão condenatória, mas de uma das duas questões processuais que podiam ter reflexos na sua estabilidade -, a decisão condenatória não estava obviamente transitada.

6. Como não há razão para considerar que o trânsito da Decisão Sumária sobre a conformidade constitucional da norma que obstava à irrecorribilidade (dentro da ordem dos Tribunais judiciais) da decisão condenatória leva ao trânsito desta, mas o Acórdão (posterior) do mesmo tribunal, sobre a composição do tribunal de julgamento, já não.

7. Deste modo, não pode uma decisão que fixa o trânsito preferir arbitrariamente uma em detrimento da outra. (Aliás, se a ordem de decisão do Tribunal Constitucional tivesse sido inversa, estar-se-ia agora a discutir nas instâncias a razão de dar prioridade ao acórdão em detrimento da decisão sumária...).

8. E seguramente que não pode haver uma decisão posterior à suposta data de trânsito -proferida em recurso interposto pelo Ministério Público a reclamar a imediata prisão do arguido - a impor que não se dê exequibilidade à decisão condenatória enquanto estiverem pendentes, como ainda estão[1], questões de prescrição.

9. Portanto, considerando a decisão que ordenou a emissão de mandado de condução à prisão, até parece não existir:

a) a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no apenso Q.Ll-3 dos presentes autos e datada de 14DEZ11 (onde se decidiu como se transcreveu supra, 4.°), determinando que a decisão que recusara conhecer a "prescrição tempestivamente invocada" devia ser substituída por outra que dela conhecesse, com os seguintes fundamentos (destaques aditados):

 "Assim sendo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, falece a razão ao Tribunal a quo quando quer fazer equivaler o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que não conheceu sequer o recurso penal que incidia sobre o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao trânsito em julgado desde último Acórdão, uma vez que o mesmo foi objecto de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o qual foi admitido, com efeito suspensivo. Contudo, afigura-se-nos que mesmo que ao referido recurso enviado para o Tribunal Constitucional tivesse sido atribuído efeito meramente devolutivo a decisão condenatória não passaria a definitiva sem que o recurso pendente no Tribunal Constitucional fosse julgado, ou sem que fosse conhecida a prescrição invocada antes do esgotamento dos recursos ordinários (ou de constitucionalidade) e das reclamações sobre a decisão condenatória.

Assim, salvo o devido respeito por opinião em contrário, em face das ocorrências acima descritas e do que anteriormente dito fica, o despacho impugnado de 29SET2011 que não conheceu a questão suscitada da prescrição, partiu do pressuposto que a decisão condenatória nessa data já havia transitado em julgado, quando tal não corresponde à verdade, pela singela razão de que a mesma cai em erro quanto a pressuposto de facto, não se verificando, por isso, qualquer omissão da pronúncia prevista no art. 379. °, n." 1, alínea b) do Código de Processo Penal.

Na verdade, em 29SET201I, se bem vemos, a única decisão condenatória penal existente, ê o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 13JUL201Q, exactamente o que alterou a condenação do arguido de 7 (sete) para 2 (dois) anos de prisão efectiva. Ora, essa decisão não transitará enquanto estiverem pendentes recursos ordinários, instaurados durante a pendência do processo, que possam contender com a subsistência dessa decisão condenatória. (...)

Em face de tudo que até agora dito fica, facilmente se enxerga que a decisão recorrida ao afirmar a existência de caso julgado impeditiva do conhecimento da excepção de prescrição oportunamente deduzida pelo arguido partiu do pressuposto errado de que a decisão condenatória penal (que é a do Tribunal da Relação de Lisboa) havia transitado em julgado. A propósito da suscitação da prescrição do procedimento criminal tendo o seu não conhecimento sido suscitado durante a pendência do processo (isto ê: antes do trânsito e, portanto, da possível entrada em cumprimento de pena), salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que não podia o Tribunal a quo recusar o seu conhecimento — mesmo que isso não lhe tivesse sido expressamente determinado (como foi) pelo Supremo Tribunal de Justiça. Na verdade, se bem vemos, a simples e atempada invocação da prescrição sempre obstaria à exequibilidade da decisão condenatória,"

ou

b)  o acórdão do Tribunal Constitucional de 110UT11, que, na sequência das reclamações apresentadas (uma em 250UT11 quanto à tramitação anterior ao mesmo e outra em 270UT11 quanto ao respectivo teor), até fixou o seu trânsito em 310UT11, ainda que tal decisão só tenha sido notificada ao arguido no dia 7NOV11[2];

muito menos

c)  o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos autos em 24ABR12, em que se negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público da decisão de não emissão de mandado de detenção para cumprimento de pena e se escreveu:

"os princípios da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito (art,2, da Constituição da República Portuguesa), da mínima restrição dos direitos, liberdades e garantias (art. 18, n°2, C.R.P) e da dignidade humana do condenado (arts.l e 30, n°5, da C.R.P.), impõem que não seja reconhecida, no caso concreto, exequibilidade à decisão condenatória já transitada, em relação à pena de prisão, enquanto se puder verificar a condição resolutiva do trânsito em julgado, pela eventual procedência da prescrição invocada"

E adiante:

"pretendendo-se com a execução da pena de prisão a satisfação das necessidades de prevenção e a reintegração do condenado na sociedade, ê importante que este inicie esse cumprimento sem dúvidas sobre a medida exacta e modo de execução da pena que tem a cumprir, o que não acontecerá enquanto tiver a expectativa de obter a declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição, em relação a crimes cujas penas foram integradas no cúmulo jurídico que fixou a sua pena em dois anos de prisão efectiva,"

10. Porque se tais decisões existem, então a 1ª instância não podia ter determinado a emissão de mandado de detenção para cumprimento da pena, seja porque não era ainda competente para determinar a prisão que ordenou (essa competência só lhe adviria após se ter encerrado o conhecimento das questões de prescrição todas entregues à apreciação de Tribunais Superiores), seja porque tal prisão foi motivada, na circunstância, por facto que a lei, no seu conjunto e na sua aplicação prática, não permite (nos termos do artigo 675.°, n.° 2, do C. Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.° do C. Processo Penal, perante duas decisões contraditórias transitadas em julgado - como as do Tribunal da Relação de Lisboa de 14DEZ11 e de 24ABR12 {a proferida no recurso interposto pelo arguido}, a primeira negando o trânsito da decisão condenatória em 14DEZ11, a segunda afirmando esse trânsito em 19SET11 - tem de se dar preferência à que primeiro transita, uma vez que versam sobre a mesma questão jurídica).

11. Aliás, o próprio prosseguimento dos autos para conhecimento de questões que não fazem parte da decisão condenatória (que só abrange a determinação dos factos, sua imputação e aplicação da correspondente sanção), mas com possível repercussão naquela (como as questões, ainda pendentes[3], de prescrição do procedimento criminal), seria, perante um trânsito prévio com tais características, um embuste: se fosse entendimento dos tribunais que o trânsito da decisão condenatória torna esta inexpugnável à apreciação das questões de prescrição (e decisões houve que recusaram conhecê-las com esse fundamento), então o que seria coerente seria recusar liminarmente conhecê-las - não fazer prosseguir o processo, para se chegar, no fim, ao que era um pressuposto de partida: nada pode alterar o "âmbito e eficácia" da decisão condenatória.

12. O que os autos mostram - e, em especial, mostra-o a decisão de emissão de mandado de prisão -, é que foram indevidamente desconsideradas todas as decisões que não afirmam a sua própria inutilidade (ao afirmarem o trânsito prévio da decisão condenatória e a sua ínexpugnabilidade a qualquer juízo nelas contidos o que afirmam, ipso facto, é a sua plena desnecessidade), como foram indevidamente desconsiderados pela decisão impugnada os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 14DEZI1, e de 24ABR12 (o proferido em recurso do Ministério Público).

13. Aquilo que o Ministério Público reclamou em 60UT11, e não logrou que o Tribunal da Relação de Lisboa lhe deferisse num dos seus dois acórdãos proferidos em 24ABR12, é exactamente o mesmo que reclamou em 24ABR13 e lhe foi imediatamente deferido pela 1* instância. Porém, não há nenhuma diferença material entre a situação dos autos em ambos os momentos temporais — a não ser o decurso do tempo e consequente decaimento de mais crimes do que aconteceu um ano antes: continuam em apreciação as questões de prescrição[4].

14. E mesmo que assim não fosse, caso se entenda que algum limite preclusivo se há-de estabelecer para a possível invocação (ou conhecimento) da prescrição na pendência dos processos (mesmo que tal criação jurisprudencial de causas de inutilização da prescrição tenha já sido considerada inconstitucional pelo nosso tribunal com competência especializada nessa matéria[5]): ao menos durante a pendência do segundo dos dois recursos de constitucionalidade anteriormente interpostos e dos recursos de prescrição que foram reconhecidos como tempestivos por decisões com trânsito em julgado (as do Tribunal da Relação de Lisboa de 14DEZ11 e de 24ABR12 - esta tirada em recurso interposto pelo Ministério Público), não pode ter-se como imutável a decisão condenatória, nem fazer remontar a um seu trânsito arbitrário o dies ad quem dos prazos de prescrição - como, a bem da credibilidade da Justiça, ainda será estabelecido nos recursos pendentes.

15. Em todo o caso, certo é que, mercê da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24ABR12, tirada em recurso interposto pelo Ministério Público, não podia o acórdão condenatório ser executado, como já referido, "enquanto tiver a expectativa de obter a declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição, em relação a crimes cujas penas foram integradas no cúmulo jurídico que fixou a sua pena em dois anos de prisão efectiva,"

16. E assim sendo, como V. Exas. não deixarão de confirmar, certo é que a prisão decretada em 24ABR13 é - ao menos por enquanto – ilegal [6], quer à luz da lei, quer à luz de dois  Acórdãos do TRL transitados em julgado, manifestando-se assim como uma violação grosseira dos mesmos.   

17. A isto acresce que, em 25MAR13, com o trânsito em julgado do Ac. do TRL de 24ABR12, que decidiu o recurso interposto pelo Arguido, constituíram-se no processo duas decisões contraditórias sobre a mesma questão jurídica (a existência de trânsito fosse em 19SET11, 14DEZ11, até à apreciação do recurso de constitucionalidade atinente ao júri, ou até à apreciação - peio menos - da concreta questão de prescrição mandada apreciar em 14DEZ11 e só definitivamente apreciada em 25MAR13 - no âmbito do segmento U) passando a verificar-se a previsão normativa do artigo 675.°, n.° 2, do CPC, ex vi artigo 4.° do CPP (considerando o anterior transito do Ac. do TRL de 14DEZ11).

18.  Posto isto, deveria o Tribunal recorrido aquando da prolação do despacho recorrido ter determinado a data do putativo trânsito em julgado da decisão penal condenatória de acordo com a ordem pela qual estava obrigado a dar cumprimento aos dois julgados contraditórios.

19.  Dispõe o artigo 675.° do CPC:

Artigo 675º

Casos julgados contraditórios

     1-Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em  julgado em primeiro lugar.

     2- É aplicável o mesmo principio à contradição existente entre duas decisões que, dentro, do  processo,  versem sobre a mesma questão concreta da relação processual."

20. Conforme se decidiu no douto Ac. do STJ de 17.01.13: "(...) nos termos do art, 675.°do CPC, aplicável ao processo penal segundo o art. 4. ° do CPP, a existência de duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão ou a contradição entre duas decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual resolve-se segundo o principio de que se cumprirá a que passou em primeiro lugar.".

Disponivel em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954iDce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cf791l3dldd413bc80257b040057tad37OponDocumetit

21. Assim, ao determinar em 25MAR13 que o trânsito em julgado da decisão penal condenatória se constituíra em I9SET11, violou o Tribunal recorrido o disposto no artigo 675.°, n.° 2, do CPC ex vi artigo 4.° do CPP.

22. Da mesma forma, ao determinar em 25MAR13 que o trânsito em julgado da decisão penal condenatória se constituíra em 19SET11, violou o Tribunal recorrido o disposto no princípio da aplicação da lei penal mais favorável ao Arguido (artigo 29.° da CRP).

23. De facto, como já se viu, entre as duas jurisprudências contraditórias sucessivamente afirmadas nos autos sobre o momento do trânsito em julgado da decisão penal condenatória, a decisão recorrida optou pela tutela da segunda jurisprudência que veio a defender a existência de trânsito em 19SET11, repristinando a putativa data de um trânsito já defendida num despacho do Tribunal de primeira instância que o TRL anulou em 14DEZ11, a propósito do dever de conhecimento da questão da prescrição, com fundamento em erro acerca de pressupostos de facto (a existência de trânsito em 19SET11).

24. No dia 21MAR13 entrou em vigor a nova redacção do artigo 120,° do C. Penal.

25. O qual passou a dispor que:

     1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que;

O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial ajuízo não penal;

O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;

Vigorar a declaração de contumácia; ou

A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;

A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;

O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos,

3- No caso previsto na alínea c) do n." 1 a suspensão não pode ultrapassar O prazo normal de prescrição.

4- No caso previsto na alínea e) do n.° 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.

5- Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.

6- A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão."

26. De tal norma penal resulta a clarificação, por interpretação autêntica, de que o recurso para o Tribunal Constitucional, neste caso reconduzível à discussão da competência material do Tribunal Colectivo/júri (pendente no dia 19SET11), obsta ao trânsito em julgado, tendo passado a configurar uma causa de suspensão do decurso do prazo da prescrição do procedimento criminal;

27. Assim, no que concerne à concreta questão de saber se se poderia em 24ABR13 - à luz do regime mais favorável ao Arguido - considerar que a decisão penal condenatória transitara em julgado em 19SET11, jamais a resposta poderia ser, como foi, afirmativa.

28. Se dúvidas houvesse relativamente à resolução da mesma questão jurídica sobre a qual se debruçou sucessivamente o TRL em 14DEZ11 e 24ABR12, e à prevalência do julgado contido no primeiro, a lei nova afastou-as no sentido mais favorável ao Arguido;

29. Também por isso, a decisão recorrida cometeu um clamoroso erro judiciário, só explicável pela enorme dimensão mediática dos autos e peia pressão que junto da Ia instância o Ministério Público tem exercido sobre o decisor (tanto intra-processualmente, como em comunicados junto do site da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa em que, afrontando o decidido em 14DEZ11 e 24ABR12 (no recurso interposto pelo MP), defende a imediata execução do julgado);

30. Acresce a isto que, peio menos um dos crimes que integra o cúmulo jurídico em que o Arguido vem condenado prescreveu entre a data em que foi proferido o Ac. do TRL de 24ABR12 e a data do respectivo trânsito (25MAR13).

31. Efectivamente, tendo decorrido cerca de um ano entre a data em que o TRL esgotou o seu poder cognitivo no âmbito do apenso U (24ABR12) e a data em que tal acórdão transitou em julgado (25MAR13), considerando que o STJ rejeitou o recurso ordinário interposto, e que o TC não tem sequer competência material para aplicar direito íntraconstitucional, como poderia o TRL ou qualquer outro Tribunal (no âmbito do apenso U) exercer o poder oficioso de conhecimento da prescrição entretanto verificada?

32. Relativamente ao ano que decorreu entre o prolatar do Acórdão de 24ABR12 e o trânsito do mesmo, tendo a prescrição do crime de fraude fiscal de 2002 ocorrido - considerando a contagem aceite pelas instâncias, por exemplo, no douto Ac. do TRL de 24ABR12 - como poderia o Arguido fazer apreciar o efeito da passagem do tempo sem ser através da arguição da prescrição junto da primeira instância (o que foi feito em 8NOV12)?

33. Na verdade, para quem considere que a prescrição tem de ser conhecida oficiosamente em sede de recurso, aquilo de que o arguido se queixa é do facto de nem o próprio Tribunal de recurso ter tido em conta tal período de tempo, nem o Tribunal ora recorrido considerar relevante a invocação da prescrição efectuada em 8NOV12, ou que a mesma obstasse ao trânsito, ou a exequibilidade da decisão penai condenatória (para quem possa considerar que se está perante conceitos jurídicos distintos).

34. Qualquer que seja a justificação, a verdade é que, segundo o entendimento que as instâncias têm adoptado, os crimes de fraude fiscal de 2001 e 2002 prescreveram, respectivamente, em 4NOV11 e em 30OUT12, e não há tribunal que o reconheça, naquilo que é uma manifesta desconsideração pelo Direito e por decisões judiciais anteriormente tomadas.

35. Nem se diga, como se disse já (num caso distinto do presente em que a prescrição apenas foi invocada na pendência de recurso de constitucionalidade - Ac. STJ, de 17ABR13, proc.0 1718/02.9JDLSB.20.S1), que restaria ao Arguido cumprir o remanescente das duas penas parcelares não prescritas, razão pela qual a prisão não seria ilegal, uma vez que, no caso sub judicio, a prescrição de duas das quatro penas ditaria, não só um novo cúmulo não superior a um ano, como a muito provável suspensão da execução da pena de prisão (considerando até que o Arguido é um certamente o único cidadão que cumpre pena por crimes fiscais, sendo como é primário, pai de família e inserido profissionalmente e tendo pago integralmente todos os tributos devidos, os respectivos juros e os acréscimos legais).

O juiz do processo informou, nos termos do disposto no art. 223º nº 1 que:

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.07.2010, transitado em julgado em 19.09.2011, o arguido AA foi condenado numa pena única de dois anos de prisão.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2011, proferido no apenso "Q", foi revogado o despacho proferido nestes autos em 28.09.2011 e determinou-se a sua substituição por outro que conhecesse da questão da prescrição do procedimento criminal dos crimes de fraude fiscal de 2001 e 2002, suscitada antes do trânsito em julgado daquela decisão condenatória.

Em cumprimento daquele acórdão de 14.12.2011, por despacho de 30.01.2012, devidamente fundamentado, foi apreciada tal questão, tendo-se concluído, além do mais, que:

- o acórdão condenatório transitou em julgado em 19.09.2011;

- o procedimento criminal relativamente aos crimes de fraude fiscal de 2001 e de 2002 não se encontrava prescrito;

-  não se iria, por ora, ordenar a emissão de mandados de detenção do arguido para o cumprimento de pena.

Do despacho de 30.01.2012 foi interposto recurso:

a) pelo Ministério Público (apenso "T"). Nesse recurso, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 24.04.2012, transitado em julgado, foi deliberado que o acórdão condenatório de 13.07.2010 transitou em julgado em 19.09.2011, mas "apesar do trânsito em julgado da decisão condenatória, deve a mesma considerar-se inexequível até ao trânsito da decisão relativa à prescrição suscitada pelo arguido, em apreciação no apenso "U", destes autos.";

b) pelo arguido (apenso "U"). Nesse recurso, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 24.04.2012, confirmou-se o despacho recorrido, que concluíra não se verificar a prescrição daqueles crimes de fraude fiscal. Não se conformando com o teor dessa decisão, além do mais, o arguido interpôs recurso da mesma para o STJ, o qual foi rejeitado por decisão sumária de 28.09.2012, da qual o arguido reclamou para a conferência, sendo que, por acórdão de 08.11.2012, foi indeferida a reclamação e confirmada a decisão sumária reclamada. Não se conformando com esse indeferimento, dele interpôs o arguido novo recurso para o TC Por decisão sumária de 21.01.2013, decidiu-se não conhecer do objecto do recurso. Por despacho de 14.02.2012, declarou-se extinta ta! instância de recurso. O arguido interpôs ainda um outro recurso para o TC, do acórdão proferido pelo TRL em 24.04.2012. Por decisão sumária de 13.03.2013, decidiu-se não conhecer do objecto do recurso, tendo tal decisão transitado em julgado.

Ora, aquele apenso "U" desceu do Tribunal da Relação de Lisboa e o despacho de 30.01.2012 já transitou em julgado em 12.04.2013.

Cumpre ainda referir que após o trânsito em julgado do acórdão condenatório de 13.07.2010 e da prolação daquele despacho de 30.01.2012, o arguido veio ainda requerer:

- em 12.09.2012, que se declarasse extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto ao crime de fraude fiscal de 2003, questão apreciada no despacho de 20.09.2012, do qual foi interposto recurso, com efeito meramente devolutivo, não existindo ainda decisão transitada em julgado (apenso "V");

- em 17.09.2012, a suspensão do processo penal tributário, ao abrigo do disposto no art. 47.0 do Regime Geral das Infracções Tributárias, questão apreciada no despacho de 10.10.2012, do qual foi interposto recurso, com efeito meramente devolutivo, não existindo ainda decisão transitada em julgado (apenso "W");

- em 08.11.2012, que se declarasse extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto ao crime de fraude fiscal de 2002, questão sobre a qual recaiu o despacho de 20.11.2012, do qual foi interposto recurso, com efeito meramente devolutivo, não existindo ainda decisão transitada em julgado (apenso "Y");

- em 24.01.2013, que se declarasse extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto ao crime de fraude fiscal de 2001, questão sobre a qual recaiu o despacho de 30.01.2013, do qual foi interposto recurso, com efeito meramente devolutivo, não existindo ainda decisão transitada em julgado (apenso "Z");

- em 25.03.2013, que se declarasse extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto ao crime de branqueamento de capitais, questão sobre a qual recaiu o despacho de 30.01.2013, do qual foi interposto recurso, com efeito meramente devolutivo, não existindo ainda decisão transitada em julgado (apenso "AD").

- o arguido interpôs recurso para uniformização de jurisprudência.

Na sequência do supra exposto, o arguido AA foi detido no dia 24.04.2013 e, desde então, encontra-se preso à ordem dos presentes autos.

Do despacho que ordenou a emissão de mandados de detenção em 24.04.2013 foi interposto recurso (apenso "AA") e do despacho de 24.04.2013 que indeferiu a libertação imediata, foi igualmente interposto recurso (apenso "AB").

Pelo exposto, afigura-se que a presente providência de "habeas corpus" não tem qualquer fundamento, porquanto a prisão foi ordenada por entidade competente, para execução da pena em que o arguido foi condenado por acórdão de 13.07.2010, transitado em julgado em 19.09.2011 e, conforme determinado por acórdão de 24.04.2012, após o trânsito em julgado do despacho de 30.01.2012.

            2. Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência a que se referem os arts. 223º nº 3 e 435º do Código de Processo Penal.
Tudo visto, cumpre tornar pública a decisão.

3. O instituto do habeas corpus, previsto já na Constituição de 1911, mas só introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei 45.033, de 20 de Outubro de 1945, consiste “na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade. Providência de carácter extraordinário ... é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade”,  conforme se afirma na exposição de motivos do referido diploma.

A Constituição de 1976 estabelece, no art. 31º, que “haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente”. Em anotação a esta norma referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa – Anotada, 4ª edição revista, 2007, pág. 508) que, “a prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27º, quando efectuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.”.
O habeas corpus visa, portanto, reagir contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, constituindo, segundo o Prof. Germano Marques da Silva, (Curso de Processo Penal, II, pág. 321) “não um recurso, mas uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”, sendo certo que “a qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e nesse sentido fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial de detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal” (Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, pág. 343). Mas, mesmo a considerar-se, como propugnam os  constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, que “o habeas corpus se aproxima, por vezes, de um modo de recurso em processo penal”, o pedido sempre terá de assentar “em nulidade do processo ou na violação de pressupostos jurídico-normativos (constitucionais e legais) da determinação ou manutenção da prisão preventiva” (op. cit., pág. 510). 

Trata-se, porém, como afirmou este mesmo Supremo Tribunal no seu acórdão de 16 de Dezembro de 2003, proferido no procedimento de habeas corpus n.º 4393/03-5, de «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objecto de recurso ordinário e ou extraordinário. (…) A natureza sumária e expedita da decisão de habeas corpus, por outro lado, não permite que, quando o aspecto jurídico da questão se apresente altamente problemático, o Supremo se substitua de ânimo leve às instâncias, ou mesmo à sua própria eventual futura intervenção no caso, por via de recurso ordinário, e, sumariamente, ainda que de modo implícito, possa censurar aquelas por haverem levado a cabo alguma ilegalidade, que, como se viu, importa que seja grosseira.”

Ora, no caso presente, e tal como referiu o Ministério Público em audiência, o modo como o presente habeas corpus foi construído aproxima-se mais de um recurso, do que de uma providência célere destinada a reagir contra situações de excepcional gravidade.

Contudo, passaremos a apreciar os fundamentos da providência tal como  foram apresentados pelo requerente.

Quando requerido ao Supremo Tribunal de Justiça, o habeas corpus reporta-se a casos de prisão ilegal, e tem, necessariamente, como fundamento uma das três seguintes situações previstas no n.º 2 do art. 222º do Código de Processo Penal, norma que desenvolve o princípio constitucional:

a) ter sido a prisão efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) ser motivada por facto pelo qual a lei não o permite;

c) ou manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

4.  Começaremos por referir que o peticionante não concretizou a alínea no nº 2 do art. 222º que serve de fundamento ao seu pedido. Se, perante o seu rerquerimento, seríamos levados a dizer que os motivos que indica, que, no seu conjunto, tornam, a seu ver, a prisão ilegal – violação de casos julgados formais sobre a exacta questão do cumprimento da pena; incumprimento da ordem legal para o cumprimento de julgados contraditórios e violação de lei nova favorável ao arguido – só seriam concretizáveis no campo da al. b): ter a prisão sido motivada por facto pelo qual a lei não a admite, a verdade é que em audiência sustentou que foi violada também a al. a), tendo a prisão sido ordenada por entidade incompetente.

4.1 Vejamos, antes de mais, o que os autos revelam com interesse para a decisão da presente providência.

4.1.1  Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2010, proferido em recurso, foi o arguido condenado pela prática de três crimes de fraude fiscal [um do art. 23º do RJIFNA e dois do art. 103º nº 1 do RGIT], na pena de 4 meses de prisão por cada um deles e pela prática de um crime de branqueamento de capitais [art. 2º nº 1, als. a) e b) do Decreto-Lei nº 325/95, de 2/12, na redacção introduzida pela Lei nº 10/2002 de 11/02, tendo em conta o nº 2 do art. 2º daquele Decreto-Lei], na pena de 1 ano e 5 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas parcelares impostas, foi o impetrante condenado na pena única de 2 anos de prisão.

Desta decisão, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual veio a ser rejeitado por acórdão de 27-04-2011, com fundamento em inadmissibilidade legal.

Recorreu, então, para o Tribunal Constitucional, que, em decisão sumária, se pronunciou sobre a conformidade constitucional da norma que veda a recorribilidade da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça. A decisão sumária transitou em julgado em 19-09-2011.

Com base no trânsito em julgado desta decisão, o tribunal de Oeiras considerou transitado em 19-09-2011 o acórdão condenatório. E, em consequência, tal como consta do despacho de 28SET2011, por entender que se mostra afastada a possibilidade da respectiva apreciação, não obstante se tratar de questão que fora suscitada antes do trânsito em julgado de decisão condenatória, não conheceu da questão da prescrição do procedimento criminal quanto a uma parte dos crimes,  conforme lhe fora determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 13-07-2011.

4.1.2 Deste despacho foi interposto recurso para a Relação. Por acórdão de 14-12-2010, decidiu-se julgar “provido o recurso, e consequentemente, revoga[r]-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que conheça da questão da prescrição tempestivamente colocada pelo arguido em cumprimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13JUL2011, consignando-se que tal conhecimento não será afectado pelo trânsito em julgado de qualquer Acórdão do Tribunal Constitucional incidente sobre normas alheias a tal questão, que foram oportunamente objecto de impugnação.”

Argumentou-se nesse acórdão que “o despacho impugnado de 29SET2011 que não conheceu a questão suscitada da prescrição, partiu do pressuposto que a decisão condenatória nessa data já havia transitado em julgado, quando tal não corresponde à verdade, pela singela razão de que a mesma cai em erro quanto a pressuposto de facto, não se verificando, por isso, qualquer omissão da pronúncia prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal. Na verdade, em 29SET2011, se bem vemos, a única decisão condenatória penal existente, é o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 13JUL2010, exactamente o que alterou a condenação do arguido de 7 (sete) para 2 (dois) anos de prisão efectiva. Ora, essa decisão não transitará enquanto estiverem pendentes recursos ordinários, instaurados durante a pendência do processo, que possam contender com a subsistência dessa decisão condenatória.”

Porque pendia ainda no Tribunal Constitucional um recurso interposto pelo arguido respeitante ao segmento do acórdão que confirmou o indeferimento da requerida intervenção do tribunal de júri no julgamento de todos crimes imputados ao arguido, a Relação referiu a este respeito que “afigura-se-nos que mesmo que ao referido recurso enviado para o Tribunal Constitucional tivesse sido atribuído efeito meramente devolutivo, a decisão condenatória não passaria a definitiva sem que o recurso pendente no Tribunal Constitucional fosse julgado, ou sem que fosse conhecida a prescrição invocada antes do esgotamento dos recursos ordinários (ou de constitucionalidade) e das reclamações sobre a decisão condenatória.”
            4.1.3
No cumprimento da decisão tomada neste recurso, foi proferido, na 1ª instância, novo despacho, datado de 30-01-2012, nos termos do qual, conforme a síntese que é feita na informação para a presente providência, prestada nos termos do art. 223º do Código de Processo Penal, se concluiu que “o acórdão condenatório transitou em julgado em 19.09.2011; o procedimento criminal relativamente aos crimes de fraude fiscal de 2001 e de 2002 não se encontrava prescrito; não se iria, por ora, ordenar a emissão de mandados de detenção do arguido para o cumprimento de pena.”

4.1.4 Deste despacho foram interpostos recursos pelo Ministério Público e pelo arguido, os quais foram conhecidos pela Relação de Lisboa em dois acórdãos autónomos, embora proferidos em 24-04-2012.

4.1.4.1  No acórdão em que foi apreciado o recurso interposto pelo Ministério Público respeitante à questão da emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena, a Relação, depois de fazer aquilo que apelidou de “resumo das vicissitudes teste processo” onde referiu as diversas decisões, reclamações e recursos, afirmou: “o Tribunal Constitucional … rejeitou o recurso por decisão sumária, transitada em 19Set.11. Deste modo, a questão relativa aos factos praticados pelo arguido, subsunção dos mesmos a três crimes de fraude fiscal e um crime de branqueamento de capitais, respectiva pena por esses crimes e pena única por esses quatro crimes, ou seja os limites e termos em que este Tribunal julgou pelo acórdão de 13Julho10, considera-se definitivamente fixada em 19Set.11.”

Por outro lado, referindo-se ao recurso para o Tribunal Constitucional relativo ao indeferimento do pedido para intervenção do tribunal do júri, o qual foi julgado improcedente por acórdão de 11-10-2011, relativamente ao qual o arguido arguiu nulidades, o que levou o Tribunal Constitucional em 31-10-2011 a fazer uso do procedimento sancionatório previsto no 720º do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do art. 84º nº 8 da Lei do Tribunal Constitucional, a Relação afirmou que “também a decisão relativa à intervenção do tribunal do júri já transitou, esta em, 31Out11.”

Como consequência do que ali ficou exposto concluiu-se á Relação: “Reconhecemos, deste modo, que a condenação do arguido pelo acórdão deste Tribunal da Relação de 13Julho10, transitou em julgado.”

Todavia, o Tribunal da Relação entende que “os princípios da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito (art. 2º da Constituição da República Portuguesa), da mínima restrição dos direitos, liberdades e garantias (art. 18º nº2, C.R.P.) e da dignidade humana do condenado (arts. 1º e 30, nº5, da C.R.P.), impõem que não seja reconhecida, no caso concreto, exequibilidade à decisão condenatória já transitada, em relação à pena de prisão, enquanto se puder verificar a condição resolutiva do trânsito em julgado, pela eventual procedência da prescrição invocada.”

É neste contexto que, imediatamente antes da decisão, que é a de negação de provimento ao recurso do Ministério Público, se afirmou como conclusão: “apesar do trânsito em julgado da decisão condenatória, deve a mesma considerar-se inexequível até ao trânsito da decisão relativa à prescrição suscitada pelo arguido, em apreciação no apenso “U”, destes autos.”

4.1.4.2  Relativamente ao recurso do arguido referente à decisão que não julgou prescrito o procedimento criminal quanto a dois dos crimes de fraude fiscal, a Relação negou-lhe provimento, confirmando a decisão recorrida.

Deste acórdão interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, em decisão sumária do relator, julgou ser irrecorrível a decisão da Relação, o que veio a ser confirmado pelo acórdão de 08-11-2011.

Também desta decisão, houve recurso para o Tribunal Constitucional, que pela decisão sumária nº 43/2013 não conheceu do objecto do recurso, tendo a instância de recurso sido declarada extinta por despacho de 14-02-2013, depois de o arguido ter desistido da impugnação daquela decisão sumária.

4.1.5  Além do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o arguido recorreu também do acórdão da Relação de 24-04-2012 para o Tribunal Constitucional. Pela decisão sumária nº 131/2013, de 13-03-2013, foi o recurso julgado manifestamente improcedente.

4.1.6 Com o trânsito em julgado desta última decisão sumária ficaram esgotados os recursos respeitantes à prescrição do procedimento criminal dos crimes de fraude fiscal praticados nos anos de 2001 e 2002. 

Por consequência, e conforme previsão do art. 80º nº 4 da Lei do Tribunal Constitucional, transitou o despacho de 30-01-2012 confirmado pelo acórdão da Relação de 24-04-2012, que julgou não prescrito o procedimento criminal quanto aos referidos crimes.

 

4.2  A violação de caso julgado que o peticionante invoca resulta de a Relação, no acórdão de 14-12-2011, ter afirmado que a decisão condenatória  “não transitará enquanto estiverem pendentes recursos ordinários, instaurados durante a pendência do processo, que possam contender com a subsistência dessa decisão condenatória.”

Esta afirmação, como se referiu já, consta da fundamentação do acórdão e não da respectiva parte decisória, não fazendo parte do objecto do recurso que consistia em saber “se deve ou não em determinar-se que a 1ª instância conheça da excepção de prescrição do procedimento criminal contra o arguido/recorrente”.

Ora, só relativamente a este segmento se produz caso julgado, como resulta do disposto no art. 673º do Código de Processo Civil, norma aplicável ao processo penal ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal, nos termos da qual “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.

Procurando alcançar o objectivo de considerar que a decisão não transitou em julgado, o requerente, após pôr em causa “que o trânsito da Decisão Sumária sobre a conformidade constitucional da norma que obstava à irrecorribilidade (dentro da ordem dos Tribunais judiciais) da decisão condenatória leva ao trânsito desta, mas o Acórdão (posterior) do mesmo tribunal, sobre a composição do tribunal de julgamento, já não” (ponto 6) aduz, no ponto 8, que  “não pode haver uma decisão posterior à suposta data de trânsito - proferida em recurso interposto pelo Ministério Público a reclamar a imediata prisão do arguido - a impor que não se dê exequibilidade à decisão condenatória enquanto estiverem pendentes, como ainda estão, questões de prescrição”.

Refere-se o recorrente ao acórdão de 24-04-2012 que apreciou o recurso suscitado pelo Ministério Público, que, perante o trânsito em julgado da decisão condenatória e definitivamente resolvida a questão do tribunal competente, havia requerido a emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena, o que lhe foi indeferido pelo despacho de 30-01-2012, com base na “posição tida por plausível pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2011, último acórdão proferido por Tribunal Superior nestes autos.”

Sustentando na sua motivação que “As decisões condenatórias, penal e cível, respectivamente, da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça são imutáveis, não podem ser afrontadas por quaisquer outras decisões, e já deviam estar em execução, pelo menos, desde 9 de Novembro de 2011”, o Ministério Público defendia então dever “a decisão recorrida ser revogada e satisfeita a pretensão apresentada, ordenando-se a detenção do arguido para o cumprimento da pena aplicada e a execução do julgado:”

Para decidir o recurso, a Relação forçosamente tinha de se pronunciar sobre a questão do trânsito em julgado da decisão e dos eventuais obstáculos à emissão dos mandados de detenção, o que fez nos termos acima expostos.

Por outro lado, o reconhecimento do trânsito em julgado da decisão condenatória não se mostra contraditório com a decisão de não execução imediata do acórdão condenatório, como o impetrante alega. Com efeito, esse adiamento da execução foi tomado em nome dos princípios constitucionais da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, da mínima restrição dos direitos, liberdades e garantias e da dignidade humana do condenado e resultou de, na pendência do processo e, antes de ser operado o trânsito em julgado da decisão condenatória, ter sido suscitada a questão da prescrição do procedimento criminal relativamente a dois dos crimes.

A Relação, ao reconhecer expressamente como transitada em julgado a decisão condenatória, não violou qualquer decisão anterior transitada em julgado, maxime, o acórdão da mesma Relação de 14-12-2011, como pretende o requerente. na medida em que, como se disse, esta última decisão não teve por objecto o trânsito em julgado da decisão condenatória, questão que nem sequer constituía pressuposto para a decisão do recurso.

Do que se deixou dito, nomeadamente quanto ao âmbito do recurso do acórdão da Relação de 14-12-2011, resulta claramente que não se verifica qualquer contradição de julgados, como pretende o peticionante nos pontos 10 e 17 do seu requerimento. E, por isso, não havia que fazer funcionar a regra prevista no art. 675º do Código de Processo Civil, relativa a casos julgados contraditórios.

Aliás, a afirmação da Relação no acórdão de 14-12-2010 foi a de que a decisão condenatória, ou seja o acórdão da Relação de 13-07-2010, “não transitará enquanto estiverem pendentes recursos ordinários, instaurados durante a pendência do processo, que possam contender com a subsistência dessa decisão condenatória.” Ora, mesmo na óptica daquele primeiro acórdão, transitada a decisão do Tribunal Constitucional acerca da intervenção do tribunal do júri e a decisão que apreciou a questão da prescrição do procedimento criminal, produziu-se o trânsito em julgado da decisão condenatória.

O terceiro e último motivo indicado pelo requerente, de que combinado com os demais resultaria a ilegalidade da prisão, decorre da alteração ao art. 120º do Código Penal operado pela Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro. Tal alteração consistiu na inserção no nº 1 do referido artigo onde são elencadas as causas de suspensão da prescrição, de uma nova alínea, que tomou a letra e), do seguinte teor:  “a sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado” e bem assim dos números 3, 4 e 5 respeitantes ao tempo de suspensão.

A este respeito diz o impetrante:  “De tal norma penal resulta a clarificação, por interpretação autêntica, de que o recurso para o Tribunal Constitucional, neste caso reconduzível à discussão da competência material do Tribunal Colectivo/júri (pendente no dia 19SET11), obsta ao trânsito em julgado, tendo passado a configurar uma causa de suspensão do decurso do prazo da prescrição do procedimento criminal [ponto 26]. Assim, no que concerne à concreta questão de saber se se poderia em 24ABR13 - à luz do regime mais favorável ao Arguido - considerar que a decisão penal condenatória transitara em julgado em 19SET11, jamais a resposta poderia ser, como foi, afirmativa [ponto 27]. Se dúvidas houvesse relativamente à resolução da mesma questão jurídica sobre a qual se debruçou sucessivamente o TRL em 14DEZ11 e 24ABR12, e à prevalência do julgado contido no primeiro, a lei nova afastou-as no sentido mais favorável ao Arguido” [ponto 28].

            A primeira afirmação, que devemos mesmo ter por atrevida, é a de que se tratou se uma interpretação autêntica.

            Fala-se de interpretação autêntica quando a determinação do sentido duma norma ocorre por força de outra lei. (Cfr. Franscesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, trad. de Manuel de Andrade, pág. 131). Como ensinava Baptista Machado “são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. […] Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se sitie dentro dos quadros da controvérsia seja tal que o julgador ou o intérprete a ele poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução a que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.” (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 246/7).

            Ora, claramente que relativamente à nova alínea do nº 1 do art. 120º do Código Penal não estão reunidos os requisitos acabados de enunciar, sendo certo que a própria defesa considera que a interpretação autêntica resulta duma visão filosófica que terá presidido à alteração legislativa. Contudo, que a alteração introduzida no art. 120º do Código Penal não tem natureza interpretativa resulta evidente da leitura da exposição de motivos constante da Proposta de Lei nº 75/XII, de 21-06-2012 (in www.parlamento.pt). Dela resulta nitidamente que, com a proposta de alteração legislativa, se pretendeu pôr fim ao exercício do direito de defesa com a mira de alcançar a extinção do procedimento criminal, por prescrição. Com efeito, lê-se nessa exposição de motivos: “O instituto da prescrição encontra-se sedimentado no ordenamento jurídico português há bastantes décadas não podendo, por conseguinte, o legislador alhear-se da repercussão que o decurso do tempo tem quanto à não efetivação do poder punitivo do Estado. Mas é fundamental que a sociedade possa contar que a perseguição dos crimes se efetive e que as garantias de defesa dos arguidos, maxime por via dos recursos, não resultem, na realidade prática, na ineficácia da perseguição criminal. O reconhecimento de que ao arguido deve ser assegurado o direito de defesa, entre os quais se inclui o direito ao recurso das decisões contra si proferidas, não pode operar como fundamento da extinção da responsabilidade criminal do agente, impedindo a sua punição. O exercício do direito de defesa, designadamente através da interposição de sucessivos recursos que acabam por determinar que se extinga, por prescrição, o procedimento criminal tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de incompreensão dos cidadãos perante o sistema de justiça e, até, de indignação social. Impunha-se, pois, uma alteração que, mantendo na íntegra a possibilidade de o arguido exercer os seus direitos de defesa, impeça que, por essa via, se possa extinguir a sua responsabilidade criminal. O decurso do tempo, que constitui a essência do instituto da prescrição, não deve favorecer o agente quando a pretensão punitiva do Estado e as exigências de punição são confirmadas através de certos atos de perseguição penal. A prolação de uma decisão condenatória assume, sem margem para dúvidas, um relevo e um significado que dão claramente a entender que o Estado, designadamente para responder às exigências comunitárias, continua interessado em exercer o ius puniendi e que o arguido não pode esperar o estabelecimento de uma paz jurídica com o Estado. Nessa medida, sem pôr em causa o efetivo exercício dos direitos de defesa do arguido, designadamente o direito ao recurso, entende-se ser de incluir nas causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal a prolação de sentença condenatória em 1.ª instância.”

Vindo a lei criar uma nova causa de suspensão da prescrição a fim de  retardar a extinção do procedimento criminal, o novo dispositivo, que entrou em vigor trinta dias depois da sua publicação, ou seja em 23 de Março de 2013, se fosse aplicável ao arguido, não poderia ser executado por ser o regime anterior aquele que lhe é mais favorável.

Mas, uma vez que, à data da entrada em vigor da referida norma, há muito transitara em julgado a decisão condenatória, conforme se expôs, também por esta razão a nova redacção do art. 120º do Código Penal não teria aplicação ao caso dos autos.

Finalmente, dir-se-á que, segundo o acórdão de 24-04-2012, o impedimento de execução da decisão condenatória transitada era o conhecimento, por decisão transitada, da problemática da prescrição do procedimento criminal dos crimes de fraude fiscal de 2001 e de 2002 objecto do apenso U.

Esta referência ao apenso U, torna claro que, para a Relação, o impedimento de que a execução da decisão condenatória transitada era apenas o conhecimento, por decisão transitada, da problemática da prescrição do procedimento criminal dos mencionados crimes de fraude fiscal, e não qualquer outra questão relativa à prescrição, nomeadamente respeitando aos crimes de branqueamento de capitais ou  de fraude fiscal de 2003, aos quais o peticionante veio a fazer referência na nota de rodapé respeitante ao ponto 8 do seu requerimento e bem assim no ponto 30 do seu requerimento.

Transitada em julgado a decisão sobre aquela questão, o que veio a suceder com o trânsito em julgado da decisão sumária nº 131/2013, cessou a razão da inexequibilidade podendo, finalmente, ser dado cumprimento à decisão condenatória, executando-se a pena.

5.  Como se referiu, pela parte requerente foi alegado em audiência que o mandado de detenção foi emitido por entidade incompetente. O impetrante defendeu então que, ao lado da incompetência em razão da matéria, do território ou da hierarquia, existe ainda uma incompetência temporal, que se revela por o tribunal não ser competente para decidir em determinado momento. No caso, o Juízo Criminal de Oeiras não era ainda competente para ordenar a prisão, pois a Relação, no acórdão de 24-04-2012 prolatado no recurso do Ministério Público, fixou um prazo suspensivo e não se pode considerar o acórdão da Relação da mesma data, proferido no recurso interposto pelo arguido (apenso U) como constituindo a verificação da condição de que dependia o terminus da suspensão.

Contrariamente ao que sustenta o requerente, não se trata de qualquer falta de competência temporária do juiz. Se este tem competência em razão da matéria, do território e da hierarquia, ele é competente para ordenar a prisão. O que pode é esta depender, de facto, da verificação de uma condição, cuja falta de preenchimento acarretará uma ilegalidade.

Ora, o despacho de 30-01-2012 da juíza do processo, que considerou o procedimento criminal pelos crimes de fraude fiscal de 2001 e de 2002 não prescrito, foi confirmado pelo acórdão da Relação de 24-04-2012. Deste acórdão houve recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi rejeitado por decisão sumária do relator, por a decisão ter sido considerada irrecorrível. Esta decisão sumária veio a ser confirmada por acórdão deste Supremo Tribunal de 8-11-2012., Houve então recurso para o Tribunal Constitucional, para onde o arguido já interpusera outro recurso do acórdão de 24-04-2012. O dois recursos não foram admitidos por decisão sumária, tendo transitado em julgado.

Nos termos do art. 80º nº 4 da Lei do Tribunal Constitucional com o trânsito em julgado da decisão que não admita recurso transita também a decisão recorrida.

Transitada a decisão da Relação de 24-04-2012, que confirmou o despacho de 30-01-2012, verificou-se a condição de que dependia a execução da decisão condenatória, executando-se a pena.

6.  Estando o peticionante, por tudo quanto se deixou exposto, na situação de cumprimento de pena, por ter transitado a decisão condenatória e estar verificado o pressuposto de que, por força de decisão transitada em julgado, dependia a execução da decisão condenatória, a situação de prisão em que se encontra não se coaduna com nenhuma das situações de prisão ilegal previstas no art. 222º do Código de Processo Penal, pois foi ordenada pelo juiz do processo que é quem tem competência, trata-se de um facto pelo qual a lei permite a prisão, e porque não decorreu ainda o tempo de pena de prisão em que o requerente foi condenado.

Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o pedido de habeas corpus apresentado pelo cidadão AA.

            Custas pelo requerente, com 5 (cinco) UC de taxa de justiça.

       Lisboa, 26 de Junho de 2013

Arménio Sottomayor (relator)

Souto de Moura                   

Santos Carvalho