I - O empreiteiro encontra-se adstrito a uma obrigação de resultado, devendo a obra ter aptidão para o seu uso ordinário ou para o uso previsto no contrato – cf. art. 1208.º, in fine, do CC.
II - Se as modificações respeitam à obra convencionada, limitando-se a alterar a sua composição ou conteúdo, devem ser reputadas como meras alterações. O art. 1214.º diz respeito a alterações realizadas por iniciativa do empreiteiro; quando as alterações se revelem necessárias em virtude de razões objectivas deverá aplicar-se o regime constante do art. 1215.º. ambos do CC.
III- Deparando-se o empreiteiro com a necessidade técnica de fazer alterações à obra e sabendo-se que lhe cabe realizar a empreitada sem vícios, é coerente e consequente estabelecer a lei, em caso de ausência de acordo dos interessados, que seja o tribunal a determinar o conteúdo das mudanças e o respectivo preço.
IV - O acordo relativo a alterações necessárias não está sujeito a forma escrita – como exige o art. 1214.º, n.º 3, do CC, para as modificações autorizadas da iniciativa do empreiteiro –, podendo ser celebrado por qualquer forma – cf. art. 219.º do CC.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório:
1-1- AA, SA. propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, CC e marido DD, EE e esposa FF e GG – Sociedade Imobiliária e Investimentos, SA., pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 56.396,40€ acrescida da taxa de IVA em vigor à data do efectivo pagamento e acrescida dos juros de mora à taxa legal prevista no artº 102º do Código Comercial, contados de 22.12.2004 até efectivo e integral pagamento, encontrando-se já vencidos juros no valor de 10.426,44 €, ou, subsidiariamente, a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia fixa de 56.396,40€, acrescida da taxa de IVA em vigor e juros de mora a contar de 22.10.2004 até efectivo e integral pagamento, encontrando-se vencidos juros no valor de 10.426,44€.
Fundamenta o pedido, em síntese, dizendo que no âmbito da sua actividade social a pedido dos RR. e com base no mapa de quantidades por estes fornecido, apresentou uma proposta sendo que o mapa de quantidades que havia sido fornecido pelos RR. continha erros nas quantidades, motivo pelo qual foi necessário aplicar nas obras quantidades de material superiores às que constavam do orçamento e do contrato celebrado, pelo que a A. contactou a representante do dono da obra, a R. BB que, confrontada com essa situação deu instruções à A. para executar a obra na sua totalidade, aplicando também as quantidades não previstas no mapa de quantidades e que não estavam incluídas no preço do contrato, o que a mesma efectivamente fez, tendo a final da obra, que os RR. aceitaram, elaborado um mapa de medições final, onde enumerava os serviços a mais e a menos que havia efectuado que entregou aos RR.. Porém, estes apesar de dele não terem reclamado não o enviaram à A. devidamente assinado, encontrando-se por liquidar a quantia peticionada, que corresponde ao crédito a favor da A., já tendo em conta os acertos de trabalhos feitos a mais e a menos, tendo por referência o contratado, sobre tal quantia devendo acrescer juros desde a data de aceitação da obra.
Subsidiariamente, para o caso de não se entender que o peticionado tem por base a argumentação fáctica mencionada, sempre terá que se considerar que os RR. viram engrandecido o seu património, com inclusão na obra de materiais e trabalhos não contidos no preço contratado e fornecido pela A., tendo esta empobrecido em idêntica medida pelo pois sempre teriam eles que concluir os trabalhos despendendo o valor correspondente, sempre procedendo o pedido, com tal argumentação.
Comprovado o falecimento do R. DD, foi a acção suspensa até estarem processualmente habilitados os seus herdeiros, o que veio a ocorrer, por decisão já transitada em julgado, proferida no apenso criado com tal finalidade.
A R. GG SA. contestou, deduziu reconvenção e incidente de intervenção acessória provocada de HH – …, Ldª, autora do projecto e mapas de quantidades, pois a proceder a argumentação da A. sempre poderia exercer regresso contra a mesma.
Tal incidente foi deferido.
A R. invocou a prescrição do direito à restituição com base em enriquecimento sem causa invocada pela A., na medida em que, em Novembro de 2002 já a A. tinha apurado as contas finais referentes ao contrato celebrado entre as partes e apresentou nessa altura uma proposta de resolução amigável do litígio já tendo em conta o valor que agora peticiona pelo que, entre essa data e a de propositura da presente acção decorreram já mais do que os 3 anos previstos no art. 482º do Código Civil, aplicável in casu, encontrando-se prescrito o direito da A. com o citado fundamento, devendo ser proferida decisão em conformidade.
No mais, pugna pela total improcedência do peticionado, argumentando, em síntese, que quando foi convidada pela A. a apresentar uma proposta de orçamento com vista à execução da obra que depois acabou por lhe ser adjudicada, foi-lhe entregue a totalidade do projecto de arquitectura e, os trabalhos que foram executados são, precisamente aqueles que constam do referido projecto pelo que não se pode considerar existirem quaisquer trabalhos a mais. Aliás, do contrato celebrado pelas partes consta que qualquer alteração a esse contrato, ao projecto ou ao preço acordado teria que ser reduzida a escrito nada disso ocorrendo neste caso. Tendo sido pagos à A. o valor acordado através da entrega de lotes, nos exactos termos acordados, nada os RR. lhe devem, pelo que improcede a sua pretensão na totalidade. Muito pelo contrário, foi a A. quem se constituiu em mora e, por isso, na obrigação de indemnizar os RR., pois contratualmente estava previsto o prazo de 12 meses, a contar de Setembro de 1999, para a conclusão dos trabalhos sendo a própria A. que alega que a aceitação da obra a título definitivo só ocorreu em 22.12.2004. Ora, em 1999/2000 havia na zona procura para os fogos a construir e pouco ou nenhuma oferta o que não ocorre actualmente, não se conseguindo vender os lotes, exclusivamente por causa do atraso nas obras da responsabilidade da A.. Com base nesta fundamentação, a título reconvencional peticiona a condenação da A. a indemnizá-la, a ela R. GG, SA., pelos danos causados com o incumprimento culposo do prazo contratual, em montante que se vier a apurar, a liquidar em execução de sentença.
Os RR. BB, CC, II e JJ também apresentaram contestação.
Nela invocaram a mencionada a prescrição do direito da A. com base em enriquecimento sem causa.
Com argumentação em tudo idêntica à mencionada pela R. sociedade, pugnam pela total improcedência da acção e requereram a intervenção acessória provocada da empresa já mencionada.
A A. replicou nas quais defende que, ao contrário do invocado pelos RR., o pedido deduzido (subsidiariamente) com base em enriquecimento sem causa não se encontra prescrito, pois só a partir do momento em que o dono da obra aceita a mesma de forma definitiva e sem reservas é que nasce o direito de o empreiteiro ser ressarcido pelo valor do empobrecimento, que constitui a medida do enriquecimento da contraparte, sendo que, no caso dos autos, isso só aconteceu em 22.12.2004 pelo que é evidente que entre essa data e a de propositura da acção não tinha ainda decorrido o prazo prescricional de 3 anos.
Acresce que o direito com tal fundamento só nasce depois de esgotadas as possibilidades de obter o pagamento com base no contrato pelo que o dito prazo não começa a correr enquanto o empobrecido puder recorrer a outro meio, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão absolutória proferida numa acção destinada a exigir o cumprimento da obrigação de pagamento.
Impugna a restante argumentação fáctica vertida nas contestações, mantendo no essencial o argumentado na petição, defendendo a total improcedência do pedido reconvencional na medida em que os atrasos na execução da obra foram devidos a condutas dos próprios RR., que descreve sendo que o facto de os lotes não serem vendidos se deve a outras circunstâncias que não a data em que veio a ocorrer a sua conclusão.
Requer a condenação da R. GG como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor, que não deverá ser inferior a 5.000 €.
Citada, a interveniente acessória HH apresentou articulado próprio, no qual, invoca, também a prescrição e impugna fundamentadamente os factos articulados pela A., cuja pretensão, defende, deve improceder na totalidade.
Também a tal articulado se opôs a A. com os fundamentos constantes de fls. 273 a 275.
1-2- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, no qual relegou para a sentença final o conhecimento da invocada excepção de prescrição, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se a acção e a reconvenção improcedentes por não provadas, absolvendo-se as partes dos pedidos deduzidos contra elas.
1-3- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A., AA, SA., de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 29-1-2013, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
1-4- Continuando irresignada, a A. AA SA., recorreu do acórdão proferido, para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Da matéria fáctica elencada nos factos fixados como provados ressalta que entre as partes foi celebrado contrato de empreitada e que este contrato foi celebrado por escrito constando de duas peças essências, a proposta de preço apresentada pelo empreiteiro e o contrato propriamente dito.
2ª- Da matéria fáctica elencada nos factos fixados como provados constata-se que pela empreiteira não foram executados trabalhos que constavam da proposta por si apresentada (supressão de trabalhos) e foram por si executados outros trabalhos que não constavam da proposta apresentada (acrescento de trabalhos).
3ª- Da definição de contrato de trabalho emergem três elementos essenciais: os sujeitos (dono da obra e empreiteiro), a obra a realizar (obrigação do empreiteiro) e o pagamento do preço (obrigação do dono da obra).
4ª- A relação jurídica da empreitada consiste numa relação sinalagmática, onerosa, comutativa e consensual.
5ª- A essência de um contrato de empreitada está na obrigação assumida do empreiteiro realizar uma obra, segundo um plano e com características previamente definidas no conteúdo contratual acordado com o dono da obra, em que este assume a obrigação do pagamento do preço.
6ª- O contrato de empreitada distingue-se de outros contratos de troca pela natureza da prestação não monetária que se encontra adstrito o empreiteiro: a realização de uma obra, isto, obviamente, sem prejuízo da possibilidade de estipulação do preço e da variação da sua modalidade.
7ª- O preço, no contrato de empreitada, representa a retribuição devida ao empreiteiro pela realização do obra e tem de ser fixado em dinheiro, não se exigindo qualquer relação de proporcional idade entre a remuneração do empreiteiro e a qualidade ou quantidade da sua prestação.
8ª- Uma empreitada ajustada por preço global só tendencialmente assume uma feição rígida e fixa quanto a este elemento do contrato.
9ª- Ainda que as partes sujeitem a um determinado regime de pagamento a realização de uma obra, é licito que não queiram abdicar de proceder a ajustamentos, necessários e justificados, que uma execução continuada quase sempre co-envolve.
10ª- Na empreitada por preço global, se existirem trabalhos suprimidos ou acrescentados ao acordado no contrato - por terem sido retirados ou aditados - o respectivo valor será deduzido ou acrescentado ao valor do contrato.
11ª- Só assim se garantindo uma justiça comutativa e uma execução integral e de boa-fé do contrato celebrado.
12ª- Não sendo justo nem equilibrado e violador dos principio da boa-fé e do cumprimento pontual dos contratos que as partes porque aceitaram uma forma ou modalidade de pagamento do preço, fossem "despojadas da criteriosa adaptação e conformação do conteúdo prestacional à realidade originada pelas alterações e modificações que a execução contratual ditou".
13ª- As obrigações decorrentes do contrato de empreitada e da sua execução estão sujeitas ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no artigo 309° do CC.
14ª- A contagem do prazo de prescrição da indemnização por enriquecimento sem causa previsto no artigo 1214° nº 2 do CC no contrato de empreitada só tem inicio quando o dono da obra a aceita, pois só com a aceitação da obra é que o empreiteiro tem conhecimento do direito que lhe assiste a exigir essa indemnização.
15ª- A aceitação da obra pelo dono, no contrato de empreitada em causa, verificou-se na data em que este requereu a recepção definitiva da obra junto da Câmara Municipal, correspondendo este pedido à aceitação tácita da obra.
16ª- O acórdão recorrido ao não decidir no sentido referido nos números antecedentes e propugnado pela recorrente viola as normas jurídicas constantes dos artigos 1207°, 1211º, 1214º, 833º, 406° e 309° todos do Código Civil.
Termos em que, revogando-se o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue a acção procedente e condene os recorridos no pedido principal ou, caso assim não se entenda, no pedido subsidiário, será feita Justiça.
Não foram produzidas alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas no regime de recursos pelo Dec-Lei 303/2007 de 24/8) Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Se a A., recorrente, com base no contrato de empreitada, terá direito a receber dos RR. os trabalhos acrescentados aos acordados no contrato.
- Se ocorreu, ou não, o prazo de prescrição em relação à indemnização por enriquecimento sem causa previsto no art. 1214º nº 2 do C.Civil.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de montagem e remodelação de instalações eléctricas, construção civil e obras públicas.
2. A chamada “Urbanização ...” foi implantada em dois terrenos, o primeiro situado no lugar do ..., confrontando do norte com Estrada Nacional, nascente e sul com ... e poente com ... e Outros, e o segundo situado no lugar de ... ou ..., que confronta do norte com ... ..., nascente com estrada, sul com o caminho e do poente com ... ..., no concelho de ....
3. Tendo os RR. decidido levar a cabo um loteamento com a denominação de loteamento ..., em ..., publicitaram tal decisão junto de construtores interessados na sua execução, conforme projecto, tendo a A. apresentado, por escrito, a proposta nº ....
4. A proposta apresentada pela A. teve por base essencialmente os mapas de quantidades ou estimativas de custos constantes do projecto que lhe foi entregue.
5. Tal proposta, no valor global de Esc. 56.022.403$00 [€ 279.738,57], era dividido pelos diferentes tipos de trabalhos a executar na obra, assim discriminados: CAPÍTULO DESCRITIVO VALOR - I Rede viária/terraplanagens Esc.12.585.148$00, II Pavimentação Esc. 5.871.136$10, III Diversos Esc. 3.202.842$00, IV Sinalização Esc. 2.107.900$00, V Rede de águas/movimento de terras Esc.694.171$10, VI Tubagens e acessórios Esc.3.407.856$00, VII Rede de esgotos pluvial Esc.4.753.398$20, VIII Rede de esgotos residual doméstico Esc.4.419.238$20, IX Sistema elevatório do esgoto residual Esc. 5.674.213$90, X Rede de baixa tensão e rede de iluminação pública Esc.6.799.500$00, XI Posto de transformação Esc.4.360.000$00, XII Condutas telefónicas Esc. 2.147.000$00.
6. Na sequência dessa proposta iniciaram-se negociações entre a A. e os RR. na sequência das quais veio, em 6.9.1999, a ser por todos subscrito o documento intitulado contrato de empreitada, que se encontra junto a fls. 36 a 39, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
7. No decurso daquelas obras, a A. constatou que não seria necessário executar alguns desses trabalhos, no valor global de € 17.600,10, assim descriminados:
Capítulo Descritivo Valor - III Diversos 9.243,10 €; V Rede de águas-movimento de terras 61,56 €, VI Tubagens e acessórios 1.195,67 €, VII Rede de esgotos pluviais 998,11 €, VIII Rede de esgotos residual doméstico 4.525,90 €, IX Sistema elevatório do esgoto residual 1.563,79 €, XII Condutas telefónicas 11,97 €.
8. Do orçamento elaborado pela A. constavam 755,05m2 de área para aplicação de sub-base, 755,05m2 de macadame betuminoso com 0,60m de espessura, 121,77m2 de material granulado britado com 0,12 m de espessura, 755,05 m2 de rega de impregnação, 755,05 m2 de rega de colagem com emulsão catiónica, 755,05m2 de camada de desgaste em betão betuminoso com espessura de 0,06m, 1014,75m2 de camada de pó em pedra com 0,08m e 1014,75m de calçada miúda vidraço.
9. As quantidades que vieram a ser aplicadas foram superiores a essas, facto de que a A. se apercebeu no decurso do trabalho.
10. Perante essa situação, a A. através do técnico responsável, fez saber à R. BB que a execução das obras de pavimentação implicava a aplicação de quantidades de material superiores às constantes da proposta feita pela A., facto que esta aceitou.
11. A A. aplicou, para além das quantidades constantes da proposta por si apresentada, 3.347,95 m2 de sub-base de material de acordo com CE, 1355,73 m2 de material granulado britado com 0,12 m de espessura, 3347,95 m2 de macadame betuminoso com 0,06 m de espessura, 3347,95 m2 de rega de impregnação, 3347,95 m2 de rega de colagem com emulsão catiónica, 3347,95 m2 de camada de desgaste em betão betuminoso com espessura de 0,06m, 462,75 m2 de fornecimento e colocação de camada de pó em pedra com 0,08 m e 462,75 m de calçada miúda vidraço.
12. O custo do material descrito e sua aplicação, tendo em conta a aplicação dos preços unitários constantes do mapa de medições e quantidades anexo à proposta supra referida, ascendeu a € 71.601,58, mais IVA, conforme se discrimina: 3347,95 m2 de sub-base em material de acordo com CE 10.353,69€, 1355,73 m2 de material granulado britado com 0,12 m de espessura 3.245,93 €, 3347,95 m2 de macadame betuminoso com 0,06 m de espessura 23.379,31 €, 3347,95 m de rega de impregnação 2.337,93 €, 3347,95 m2 de rega de colagem com emulsão catiónica 2.003,94 €, 3347,95 m2 de camada de desgaste em betão betuminoso com 0,06m 23.379,31 €, 462,75 m2 de camada de pó de pedra 900,19 €, 462,75m2 de calçada miúda vidraço 3.001,29 €.
13. Também na rede de baixa tensão e iluminação a A. verificou, no decurso da obra, que as quantidades de material colocadas na sua proposta e, no essencial, retiradas do mapa de quantidades correspondente, constante do projecto que lhe havia sido entregue não correspondiam ao que era necessário colocar em obra.
14. Perante esta situação, a A., através do técnico responsável, fez saber à R. BB que a execução das obras em causa implicava a aplicação de quantidades de material superiores às constantes da proposta feita, facto que esta aceitou.
15. Para além das quantidades mencionadas na sua proposta/orçamento, a A. veio a aplicar na obra mais 864,80 m de tubo 50-6Kg/cm2, 10m de cabo LSVAV 4x95mm2 e 206m de cabo VAV 4x10mm2.
16. Cujo custo global, tendo em conta a aplicação dos preços unitários constantes do mapa de medições e quantidades anexo à proposta em 1) e do acordo em 5) a 12), ascendeu a € 2.394,93, mais IVA, como se discrimina: 864,80m de tubo 50 – 6kg/cm2 1.294,08 €, 10m de cabo LSVAV 4x95mm2 124,70 €, 206m de cabo VAV 4x10mm 2 976,15 €.
17. Com data de 29.10.2004, quando considerou findos os trabalhos, a A. enviou à R. BB a carta que se encontra junta a fls. 52, acompanhada do mapa que se lhe segue, até fls. 59, ambos de teor aqui dado por reproduzido.
18. Os mapas de medições finais nunca foram devolvidos à A., assinados pelos RR..
19. Embora os RR BB, CC e DD, EE e FF, e GG não tenham apresentado à A. qualquer reclamação sobre o mesmo mapa e as quantidades e valores nele mencionados.
20. Em 22.12.2004 foi elaborado auto de recepção da obra em causa, no qual intervieram representantes do Município e a R. BB, como representante dos promotores, no qual foi feito constar que os trabalhos se encontravam em condições de ser aceites definitivamente, com excepção das infra-estruturas viárias.
21. Em 30-10-2000, através carta dirigida à A., a R. GG informava que estava pronta para fazer a recepção provisória dos seus trabalhos na Urbanização ....
22. Em 22-11-2002, através de carta, a A apresentou aos RR uma proposta onde se dizia que “estamos dispostos a receber a quantia de 28.198,12€ acrescida de IVA a 19%, desde que, paga até ao próximo dia 20 de Dezembro, e assim dar por concluído o processo de urbanização ....
23. Os RR. forneceram à A., em conjunto com o mapa de quantidades, o respectivo projecto de arquitectura, que constava de um mesmo e único documento, o qual foi recebido pela A., não tendo reclamado de qualquer erro ou omissão.
24. O que está em obra e esta, tal como foi realizada, corresponde exactamente ao que consta do projecto de arquitectura, excepção feita, pelo menos a alguns itens dos mapas de quantidades.
25. Em 06-09-1999, A. e RR. BB, CC e DD, EE e FF, e GG declararam que as obras seriam realizadas no prazo de doze meses, a contar de Setembro de 1999.
26. Os lotes da Urbanização ... continuam por vender.
27. Os RR. levantaram o alvará do loteamento em 15/09/1999.
28. As obras da Urbanização foram iniciadas em 1999.
29. Durante o período de execução das obras de urbanização foi necessário suspender os trabalhos por várias vezes devido ao mau tempo.
30. Os RR. entregaram o livro da obra na Câmara Municipal de ... em 18/09/2001.
31. Em 19/10/2001 os RR. requereram à Câmara Municipal de ... a fiscalização para efeitos de recepção provisória da obra.
32. Em 19/10/2001 a Câmara Municipal de ... efectuou a recepção provisória da obra.
33. Só na data acabada de referir se fez referência à falta da camada de desgaste betuminoso.
34. Por ofício de 30/11/2001, os RR. foram notificados pela Câmara Municipal de ... para concluir as obras em falta no prazo de seis meses.
35. Encontravam-se em falta a recepção das infra-estruturas eléctricas pela EDP.
36. Para que a EDP aceitasse as infra-estruturas eléctricas do loteamento era necessário construir um Ramal MT para o PT IX de ....
37. A construção do Ramal referido não estava prevista nos escritos subscrito pelas partes e supra mencionado.
38. Os RR. pediram em princípios de 2002 um orçamento à A. para a execução do Ramal referido.
39. Orçamento que a A. apresentou aos RR. com data de 31 de Janeiro de 2002.
40. Em Março de 2003 os RR. solicitaram à A. novo orçamento para a construção do Ramal referido, tendo a A., em princípio de Abril, enviado um orçamento rectificado.
41. Por carta de 14 de Abril de 2003 os RR. comunicaram à A. que aceitavam o orçamento acabado de referir, solicitando à A. que executasse o Ramal.
42. Sem tal execução a Câmara Municipal não efectuaria a recepção definitiva da obra.
43. A EDP recebeu as infra-estruturas eléctricas em Janeiro de 2004.
44. Em 15/10/2004 os RR. solicitaram à Câmara Municipal de ... a recepção definitiva das obras de urbanização.
45. Foi a Interveniente HH que elaborou o mapa de quantidades, recebido pela A.
46. Há mais de dez anos, a Interveniente foi contactada pela família ... e … no sentido de fazer um estudo de valorização de uma parcela de terreno localizada junto à antiga EN nº ..., que ligava Pontão a ....
47. Daí resultando a elaboração de projecto de loteamento e de um orçamento de “custos estimados”, visando exclusivamente permitir o seu licenciamento, por parte da CM de ....
48. Projecto esse que acabou por englobar terrenos da R. GG, dando origem à Urbanização supra mencionada.
49. Foi, também a interveniente que realizou os projectos de especialidade, a pedido dos RR, projectos esses necessários ao licenciamento do loteamento.
50. Os trabalhos da Interveniente relativos ao estudo do loteamento foram concluídos e facturados em 1996 e o projecto de loteamento, em 1998.
51. Após a aprovação do loteamento, a Interveniente não mais participou nos trabalhos de realização da Urbanização ....
52. A Interveniente elaborou o projecto de licenciamento a partir do levantamento topográfico do terreno.
53. Processo esse que implicou o divisionamento do terreno por lotes, sendo assim quantificadas em Planta Síntese as áreas para cada parcela e as áreas de terreno a ceder para espaços públicos.
54. Na planta de síntese constam todas as exactas dimensões do projecto e com base nelas podem ser efectuadas as exactas quantificações necessárias à sua execução na prática.
55. Verificada a Planta Síntese da Urbanização ..., alguém habituado a este tipo de trabalhos facilmente se apercebe que as quantidades referidas em 5. não poderiam corresponder à realidade. ---------------------
2-3- Face aos factos dados como provados, entenderam as instâncias, de modo correcto, que o contrato que foi celebrado entre as partes foi o de empreitada, sujeito às regras dos artigos 1207º e seguintes do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), já que a A. se obrigou a realizar uma obra (trabalhos de construção civil – loteamento de terrenos -) aos RR., mediante um preço.
Como estabelece o art. 1208º, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. Refere-se, a este propósito, no acórdão deste STJ de 13-10-2009 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) “como se vê do disposto nos Arts. 1207 e 1208 do C.C., o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, visto que se encontra adstrito a uma obrigação de resultado. Como observa Menezes Cordeiro (Direito das Obrigações – 3º vol. – 527 – estudo da autoria de Pedro Romano Martinez), “na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra foi realizada com deformidades ou com vícios. As deformidades são as discordâncias com o plano convencionado... Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato, designadamente, por violação de regras especiais de segurança”.
O empreiteiro deve, pois, executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, mas sem vícios. A execução da obra não deve, porém, ser realizada cegamente em obediência ao estritamente contratado. Se realizar rigorosa e exactamente o projecto, mas a obra apresentar defeitos, não fica o empreiteiro isento de responsabilidade civil. Neste sentido dizem, adequadamente, Pires de Lima e Antunes Varela[1] que “o empreiteiro não fica necessariamente isento de responsabilidade pelo facto de ter executado fielmente o projecto da obra ou respeitado o caderno de encargos. Como perito que é ou será muitas vezes, ao empreiteiro incumbe, nos termos genéricos do artigo 762º nº 2, avisar o dono da obra dos defeitos que note no projecto ou no caderno de encargos, quer antes de iniciada a obra, quer durante a execução dela”. É que, como se sustenta no acórdão deste STJ já acima referenciado, o empreiteiro encontra-se adstrito a uma obrigação de resultado. A obra deve ter aptidão para o seu uso ordinário ou para o uso previsto no contrato (art. 1208º in fine).
Em causa, no presente processo, estão trabalhos que a A. terá feito a mais e que os RR. não lhe terão pago. Isto porque, alegadamente, o mapa de quantidades apresentadas pelos RR. continha erros, motivo por que foi necessário aplicar na obra quantidades de material superiores às que constavam do contrato celebrado, sendo que a R. BB, representante do dono da obra, deu instruções à A. para executar a obra na sua totalidade.
Na douta sentença de 1ª instância, sobre o tema, referiu-se que “em conformidade com o estabelecido no artº 1214º, nº3, a autorização para proceder a alterações ao plano convencionado da iniciativa do empreiteiro tem que ser dada por escrito, da mesma forma se exigindo a fixação do aumento do preço, numa clara excepção á regra geral contida no artº 219º. Tal exigência de forma constituiu, um verdadeiro requisito ad substantiam, pois a inexistência de autorização por escrito determina a impossibilidade de, com base no contrato (invocando a existência de trabalhos a mais), alterar o preço fixo inicialmente acordado para os trabalhos a executar (cfr. a este respeito o Ac. RG de 21.1.2010 in www.dgsi.pt, que retrata uma situação muito semelhante à dos autos). Ora, conforme se retira dos factos que resultaram provados é precisamente isso que acontece no caso em apreço: entre as partes foi celebrado por escrito, um contrato mediante o qual, a A. executaria, para os RR., os trabalhos de implantação de um loteamento, em conformidade com o projecto, mediante o pagamento de uma quantia fixa a pagar mediante a entrega de lotes, tendo tal contrato sido antecedido de um orçamento fornecido pela dita A., que terá sido aceite pelos RR.. Ora, tendo tal orçamento, no essencial, tido por base os mapas de quantidades ou estimativas de custos, juntos ao projecto de licenciamento, no decurso da obra, a A. constatou que os trabalhos e materiais a aplicar na obra seriam diversos (nuns casos para mais e noutros para menos), mas em todo o caso, com um resultado final de valor superior ao constante do orçamento e logo também do contrato subscrito, do que informou uma das RR., tendo efectivamente aplicado na obra os materiais e desenvolvidos os trabalhos necessários à sua execução conforme o projecto e, logo, despendido, um valor superior àquele que havia acordado com os RR. a título de preço. Na realidade, embora a A. tivesse alegado que haviam sido os RR. quem expressamente lhe solicitou que efectuasse a orçamentação tendo por referência os ditos mapas, isso não resultou provado, antes se tendo apurado que o que foi solicitado e contratado foi, efectivamente a execução do loteamento, conforme projecto, do qual constavam elementos que o descreviam nos exactos termos em que veio a ser executado, pelo que terá sido a A. quem tomou a iniciativa de ao efectuar a orçamentação da obra ter por base apenas ou essencialmente os ditos mapas ou estimativas de custos, quando tinha à sua disposição elementos que lhe permitiam tê-lo feito de outra forma…E, assim se considerando, por não se ter provado (porque também não se alegava) que tenha sido dada ordem por escrito, em ordem à execução de outros trabalhos que não os orçamentados ou a uma consequente alteração do preço acordado inicialmente, não pode a A., com base no contrato celebrado obter deferimento da sua pretensão: condenação da R. no pagamento do custo em que importaram os trabalhos a materiais não inicialmente previstos, descontando o valor dos que estavam previstos e não vieram a ser realizados, o que peticionava a título principal, com esse fundamento, falecendo, por completo a sua pretensão”.
Ou seja, de essencial, com base no disposto no disposto no art. 1214º nº 3 e porque não foi dada ordem por escrito pelos donos da obra com vista à execução de trabalhos não orçamentados, não pode a A., com base no contrato celebrado, obter condenação dos RR. no pagamento do custo em que importaram os trabalhos e materiais a mais não inicialmente previstos (descontando o valor dos que estavam previstos e não necessários).
Na Relação, de modo não muito coerente e claro, não se dissentiu deste entendimento.
O mencionado art. 1214º diz respeito a alterações realizadas pelo empreiteiro e por iniciativa dele.
Estabelece este artigo:
“1. O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.
2. A obra alterada sem autorização é havida como defeituosa; mas, se o dono quiser aceitá-la tal como foi executada, não fica obrigado a qualquer suplemento de preço nem a indemnização por enriquecimento sem causa.
3. Se tiver sido fixado para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com fixação do aumento de preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste”.
A respeito deste dispositivo refere João Cura Mariano[2] “o empreiteiro não pode efectuar alterações ao projecto da obra integrante do contrato de empreitada, sem o acordo do seu dono (art. 1214º nº 1 do C.C.). Se o fizer a obra é considerada defeituosa, mesmo que essas alterações a tenham valorizado, podendo o dono da obra utilizar alguns dos direitos que a lei lhe confere em tais situações …, sem que o empreiteiro possa exigir qualquer aumento do preço ou indemnização com fundamento no enriquecimento sem causa, no caso da alteração ter aumentado o valor da obra, conforme resulta do disposto no art. 1214º nº 2 do C.C.”.
Isto é, no caso de modificações realizadas pelo empreiteiro, por sua iniciativa e sem autorização do dono da obra, esta considera-se defeituosa e o empreiteiro fica sujeito às sanções previstas dos arts. 1221º e segs[3]. Todavia o dono não fica impedido de aceitar a obra com as alterações realizadas pelo empreiteiro, não ficando, no entanto, com essa aceitação sujeito a pagar ao mesmo um preço superior, ou obrigado ao pagamento de uma indemnização por enriquecimento sem causa.
No caso de as alterações serem autorizadas pelo dono da obra e serem dadas por escrito, então haverá que cumprir o acordado e esse dono deverá que pagar ao empreiteiro o preço ajustado pelas alterações. Na hipótese de as modificações serem autorizadas pelo dono da obra, mas a autorização não ser dada por escrito, então o empreiteiro só poderá exigir do dono uma indemnização correspondente ao enriquecimento sem causa (nº 3 do art. 1214º).
Apesar de, no caso, não se questionar se as transformações realizadas deverão ser reputadas como (meras) alterações ou se deverão ser reputadas como uma obra nova, Pires de Lima e Antunes Varela fazem suas as palavras de Vaz Serra dizendo que as “alterações são modificações das modalidades das obras, e respeitam, portanto, à obra convencionada, limitando-se a alterar alguma ou algumas modalidades (v.g., quanto ao tipo, qualidade ou origem dos materiais, à forma da obra à sua estrutura, dimensões ou funcionamento, ao tempo ou lugar da execução da obra) isto é, entram sempre no plano da execução da obra, apresentando-se como necessárias, ou ao menos, como oportunas para a realização dela”. Já obras novas[4] serão “os trabalhos extracontratuais que, tendo embora alguma relação, alguma conexão com a obra originária, todavia, não só não são necessárias para a realizar, como não podem considerar-se parte dela (v.g., construção de um caminho contíguo ao edifício objecto da empreitada; levantamento de um novo andar na casa a construir; construção de uma casa de habitação em vez de moinho objecto da empreitada: trabalhos exigidos pelo dono da obra depois de esta ser acabada e aceita”.
Neste contexto, sem polémica, diremos que as obras em causa, porque as modificações respeitam à obra convencionada, limitando-se a alterar a sua composição ou conteúdo, devem ser reputadas como meras alterações.
De sublinhar que o art. 1214º analisado, diz respeito a alterações realizadas por iniciativa do empreiteiro.
Porém, quando as alterações se revelarem necessárias “em virtude de certas razões objectivas” (Pires de Lima e Antunes Varela)[5] deverá ser-lhes aplicáveis o regime do disposto no art. 1215º.
Estabelece esta disposição no seu nº 1 que “se, para execução da obra, for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado, e as partes não vierem a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução”.
Em relação este dispositivo refere João Cura Mariano[6] que “pode, contudo, verificar-se uma situação em que é necessário efectuar-se alterações à obra inicialmente projectada, para que esta não venha a sofrer vícios, ou por erro de previsão, ou por evento superveniente. Neste caso, se o empreiteiro e dono da obra não chegarem a acordo sobre as alterações a efectuar, compete ao tribunal determiná-las, bem como as suas consequências no preço (art. 1215º nº 1 2ª parte)”.
Também Menezes Leitão[7] referiu, sobre o tema “que o regime das alterações necessárias encontra-se previsto no art. 1215º e abrange as situações em que a execução da obra impõe, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, que sejam efectuadas alterações ao plano convencionado…. Perante uma situação de alterações necessárias, devem as partes estabelecer por acordo quais as alterações a efectuar e os termos em que estas ocorrerão. Na falta de acordo, caberá ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução da obra (art. 1215°, 1, in fine). O acordo quanto as alterações necessárias não está sujeito a forma escrita, exigida pelo art. 1214°, n° 3, para as alterações autorizadas da iniciativa do empreiteiro, podendo ser celebrado por qualquer forma (art. 219º)”.
De igual modo Pedro Romano Martinez[8] refere que “no decurso da execução, para evitar imperfeições da obra ou em consequência de direitos de terceiro, haverá eventualmente necessidade de proceder a alterações ao plano convencionado (art. 1215°, nº 1 CC). A necessidade de alteração pode ficar a dever-se a uma imperfeição ou a uma insuficiência do plano não imputável a nenhuma das partes. Mesmo no caso em que seja imputável a uma das partes, pode esta, ou a contraparte, recorrer ao art. 1215° CC, suportando, todavia, o culpado os danos resultantes dos erros ou omissões do projecto… Verificando-se a necessidade da alteração, podem as partes chegar a acordo quanto as modificações a introduzir no contrato. Nesse caso estar-se-á perante uma modificação do negócio jurídico derivada do mútuo consenso (art. 406°, nº 1 CC), que segue os termos gerais (arts. 219° e 222°, n.° 2 CC). Não tendo as partes chegado a acordo, compete ao tribunal determinar quais as alterações que, por necessárias, devem ser introduzidas no plano convencionado, e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução (art. 1215° nº 1, 2º parte CC)”.
E percebe-se que assim seja. Deparando-se o empreiteiro com a necessidade técnica de fazer alterações à obra e sabendo-se, como se viu acima, que lhe cabe realizar a empreitada sem vícios, é coerente e consequente estabelecer a lei, em caso de ausência de acordo dos interessados, que seja o tribunal a determinar o conteúdo das mudanças e o respectivo preço.
Evidentemente que no caso de alterações necessárias ou imprescindíveis à obra contratualizada, não será de aplicar o disposto no nº 3 do art. 1214º. Isto porque este dispositivo respeita a alterações não necessárias realizadas por iniciativa do empreiteiro e não a modificações forçosas por razão técnicas (ou por direito de terceiros). A este respeito esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela[9] que “verificados os pressupostos do artigo 1215º e havendo, consequentemente, necessidade de alterar o plano convencionado, podem as partes chegar a acordo quanto às alterações, quanto á modificação do preço e quanto ao prazo de execução (nº 1). Não é evidentemente aplicável, sendo o contrato à forfait, o disposto no nº 3 do artigo anterior, que tem em vista as alterações voluntárias (de iniciativa do empreiteiro) e não necessárias. São aquelas e não estas que podem levantar a cobiça do empreiteiro”.
De idêntico entendimento foi o acórdão deste STJ de 14-6-2011 (in sumários internos) ao afirmar que “o empreiteiro está obrigado a realizar a obra, em conformidade com o convencionado e sem vícios, estando adstrito ao cumprimento de uma obrigação de resultado – arts. 1207.º e 1208.º do CC. As disposições do art. 1214º do CC referem-se apenas às alterações ao plano convencionado, feitas por iniciativa do empreiteiro. Quando sejam necessárias em virtude de certas razões objectivas, ou sejam exigidas pelo dono da obra são aplicáveis as disposições dos arts. 1215º e 1216º do CC.”
Ora, a nosso ver, os factos provados demonstram que por razões técnicas, ou melhor, por motivos de boa execução da obra, foi necessário introduzir alterações ao plano contratado.
Na verdade, provou-se que do orçamento elaborado pela A. constavam os elementos constantes no facto nº 8 acima referenciado, sendo que as quantidades que vieram a ser aplicadas foram superiores a essas, facto de que a A. se apercebeu no decurso do trabalho (facto nº 9). Perante esta situação, a A. através do técnico responsável, fez saber à R. BB[10] que a execução das obras de pavimentação implicava (sublinhado nosso) a aplicação de quantidades de material superiores às constantes da proposta feita pela A., facto que esta aceitou (facto nº 10), sendo que a A. aplicou, para além das quantidades constantes da proposta por si apresentada, as quantidade de materiais indicados no nº 11 dos factos assentes. O custo do material descrito e a sua aplicação, tendo em conta a aplicação dos preços unitários constantes do mapa de medições e quantidades anexo à proposta supra referida, ascendeu a € 71.601,58, mais IVA (facto nº 12). Também na rede de baixa tensão e iluminação a A. verificou, no decurso da obra, que as quantidades de material colocadas na sua proposta e, no essencial, retiradas do mapa de quantidades correspondente, constante do projecto que lhe havia sido entregue não correspondiam ao que era necessário (sublinhado nosso) colocar na obra (facto nº 13). Perante esta situação, a A., através do técnico responsável, fez saber à R. BB que a execução das obras em causa implicava a aplicação de quantidades de material superiores às constantes da proposta feita, facto que esta aceitou (facto nº 14). Para além das quantidades mencionadas na sua proposta/orçamento, a A. veio a aplicar na obra os materiais referenciados no nº 15 dos factos provados, cujo custo global, tendo em conta a aplicação dos preços unitários constantes do mapa de medições e quantidades anexo à proposta em 1) e do acordo em 5) a 12), ascendeu a € 2.394,93, mais IVA.
Quer dizer, esta factualidade patenteia que para a integral e correcta realização da obra convencionada, seria preciso aplicar, na sua pavimentação, quantidades de materiais superiores às constantes da proposta inicial contratada. Igualmente na rede de baixa tensão e iluminação seria necessária a aplicação de uma maior quantidade de material do que a havia sido prevista no contrato. Logo, a alteração do plano convencionado decorreu de precisões práticas que se verificaram aquando da realização das obras. Assim, as alterações realizadas têm que se ter ou reputar como necessárias.
Não se trata, assim, de modificações voluntárias realizadas pela empreiteira, por sua própria iniciativa, desnecessárias à realização da obra convencionada. Não se cuida aqui de satisfazer “a cobiça do empreiteiro”, mas sim de proceder a alterações destinadas à cabal e correcta concretização da empreitada.
Por outro lado, verifica-se que a R. BB (agindo como representante dos outros R.)[11] aceitou essas modificações, razão por que não se vê necessidade de o tribunal, nos termos do art. 1215º nº 1, se imiscuir na determinação das correspondentes alterações, quanto ao preço e o prazo de execução[12]. Conforme se refere no acórdão deste STJ de 24-6-2004 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) “sobre isso (alteração do plano de obras, consequente modificação de preços e do prazo de execução) terão as partes de se entender, pois, pelo menos para já, não é pedida ao tribunal a intervenção mediadora prevista no nº. 1, do citado art. 1215º”.
Não se vendo que possa ter aplicação ao caso, o disposto no art. 1214º (alteração da iniciativa do empreiteiro) resulta destituído de sentido o entendimento das instâncias de que a autorização para as alterações teria que ser dada por escrito e se o não fosse, a empreiteira só poderia exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento sem causa. O acordo relativo a alterações necessárias, não está sujeito a forma escrita (como exige o art. 1214 nº 3, para as modificações autorizadas da iniciativa do empreiteiro), podendo ser celebrado por qualquer forma (art. 219º)[13].
Não se desconhece que, nos termos contratual, ficou estipulado o acordo por escrito para qualquer alteração ao projecto[14]. Mas, a nosso ver, não se trata aqui de qualquer modificação do projecto, mas sim da precisão de realizar trabalhos adicionais para a realização do plano contratado.
Por conseguinte o recurso merece provimento, tendo a A. direito a receber dos RR., face ao dispositivo referido, a importância 56.396,40 € (€ 71.601,58 + 2.394,93 = 73.996,51 - 17.600,10) a que acrescerá o IVA e juros moratórios comerciais contados desde a citação (804º nºs 1 e 2 e 805º nº 1 - já que os factos provados não mostram que a obrigação tivesse prazo certo e tenha existido anteriormente interpelação -), até efectivo e integral pagamento.
A apreciação do pedido subsidiário e da questão subjacente resulta prejudicada pela solução dada à causa, pelo que não se realizará (art. 660º nº 2 do C.P.Civil).
III- Decisão:
Por tudo o exposto, concede-se a revista condenando-se os RR. a pagarem à A. a quantia de 56.396,40 € mais IVA, acrescidos de juros moratórios comerciais a contar da citação até integral pagamento.
Custas na acção e na revista pelos RR..
Lisboa, 12 de Setembro de 2013
Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Gregório Silva Jesus
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[1] Em C.Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, pág. 792
[2] Em Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 3ª edição.
[3] Vide também sobre este assunto Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 807.
[4] Sobre obras novas, ver o art. 1217º nº 1 que estabelece que “não é aplicável o disposto nos artigos precedentes às alterações feitas depois da entrega da obra, nem às obras que tenham autonomia em relação às previstas no contrato”.
[5] Obra citada, pág. 806.
[6] Obra citada págs. 69 e 70
[7] Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, 7ª edição, pág. 541.
[8] Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2ª edição, pág. 428 e 429
[9] Mesma obra pág. 809.
[10] Esta R. foi considerada, nos termos do contrato, representante dos outros donos da obra, sendo que esta circunstância, alegada pela A., nunca foi desmentida no decurso do processo (vide cláusula 18ª do contrato de empreitada celebrado pelas partes (fls. 36 a 39 e articulados).
[11] Vide nota de rodapé anterior.
[12] Determinação, aliás, que nesta altura está, pela natureza das coisas, definitivamente ultrapassada.
[13] Vide a doutrina acima referenciada sobre matéria.
[14] Vide contrato de empreitada de fls. 36 a 39.