I - O recorrente foi condenado pelo Tribunal de C (Brasil), no âmbito do Proc. n.º 14 …, nas seguintes penas:
- 9 anos e 4 meses de prisão, por 1 crime de extorsão mediante sequestro (art. 159.º do CP brasileiro);
- 7 anos de prisão e 16 dias de multa, por 1 crime de roubo qualificado (art. 157.º, § 2.º, do CP brasileiro);
- 6 anos, 2 meses e 20 dias de prisão e 14 dias de multa, por 1 crime de extorsão (art. 158.º, § 1.º, do CP brasileiro);
- 2 anos e 4 meses de prisão e 11 dias de multa, por 1 crime de detenção de armas, do art. 14.º da Lei 10 826/03;
- 3 anos e 6 meses de prisão, por outro crime idêntico, do art. 16.º da mesma lei;
- em cúmulo, foi condenado na pena única de 28 anos, 4 meses e 20 dias de prisão.
II - Em sede de recurso, o Tribunal de Justiça do Estado de … (Brasil) absolveu o recorrente dos crimes de extorsão e de porte de armas, subsistindo, pois, somente as penas referentes aos crimes de extorsão mediante sequestro e de roubo.
III - O acórdão proferido nestes autos em 20-12-2012, ao realizar a confirmação/revisão da sentença fixou as seguintes penas:
- 5 anos de prisão pelo crime de extorsão mediante sequestro;
- 7 anos de prisão pelo crime de roubo;
- 6 anos e 20 dias pelo crime de extorsão;
- 2 anos de prisão pelos 2 crimes de porte de armas;
- a pena única foi fixada em 15 anos e 20 dias de prisão.
IV - A decisão ora recorrida, ao proceder à reformulação do cúmulo das penas, tendo embora expurgado as penas pelos crimes “excluídos” pelo tribunal de recurso brasileiro, considerou, quanto às demais, as penas decretadas pelos tribunais brasileiros, ignorando que aquelas penas subsistentes tinham sido já revistas no acórdão de 20-12-2012, e fixadas em 5 anos de prisão para o crime de extorsão mediante sequestro e 7 anos para o crime de roubo.
V - Não tendo havido pedido de agravação das penas, nem sendo tal possível dado o trânsito em julgado do acórdão de 20-12-2012, é evidente que, na reformulação do cúmulo, as penas a considerar são as que esse acórdão fixou, e não as decretadas pelos tribunais brasileiros.
VI - A moldura penal do concurso vai de 7 a 12 anos de prisão, nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CP. Nesse quadro, e considerando os critérios aplicáveis segundo o n.º 1 do mesmo artigo, nomeadamente a personalidade negativa revelada pelo recorrente, e os fins das penas, considera-se adequada a pena única de 11 anos de prisão.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
O Ministério Público requereu, ao abrigo dos arts. 99º, nº 4, e 123º, nº 1, da Lei n° 144/99, de 31-8, e da Convenção Europeia Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, e arts. 234° e ss. do Código de Processo Penal (CPP), a revisão e confirmação das sentenças da 3ª Vara Criminal de Campinas, São Paulo, Brasil, proferidas nos procs. nº 2487/95 e 1494/04, que haviam condenado AA, com vista ao cumprimento em Portugal do remanescente das penas.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.12.2010, foi decidido:
- confirmar, conferindo-lhe força executiva, a sentença de 25.10.1995, proferida no processo nº 2487/95, da qual foi interposto recurso, tendo sido proferido acórdão em 29.8.2002, devidamente transitado, em que o requerente foi condenado na pena de 13 anos de prisão, para o efeito de, operada a sua transferência, cumprir em Portugal, em conformidade com a lei portuguesa, o remanescente da pena;
- rever a sentença de 9.6.2006, proferida no processo nº 1494/04, devidamente transitada, sendo a sentença confirmada, mas a pena (28 anos, 4 meses e 20 dias) reduzida, por ser superior ao máximo da lei portuguesa, fixando-se a pena em 15 anos e 20 dias de prisão, para efeitos de, operada a sua transferência, cumprir em Portugal, em conformidade com a lei portuguesa, o remanescente da pena.
Estando já o ora recorrente a cumprir pena em Portugal, por requerimento de 17.4.2013, veio o Ministério Público requerer, ao abrigo dos arts. 4° e 121°, n° 3, da Lei 144/99, de 31-8, e relativamente ao proc. nº 1494/04, a retificação do acórdão proferido, com base em que a decisão da 1ª instância tinha sido alterada em sede de recurso, tendo sido excluídas as condenações pelos delitos dos arts. 14º e 16º da Lei 10.826/03, e 158°, § 1°, do Código Penal brasileiro, sendo a pena reduzida pelo tribunal superior para 16 anos e 4 meses de prisão.
A Relação, por acórdão de 6.6.2013, considerando a decisão do tribunal de recurso brasileiro, decidiu fixar a pena em 14 anos de prisão e 16 dias de multa.
Desse acórdão recorreu o condenado, dizendo:
A) Vem o presente recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo em 6 de Junho de 2013 e notificada ao Recorrente em 1 de Julho, a qual, após pedido de aclaração por parte do Ministério Público, condenou o arguido nas penas de 13 (treze) anos de prisão no âmbito do processo 2487/95, e de 14 (catorze) anos de prisão e 16 (dezasseis) dias de multa, no âmbito do processo 1494/04, ambos da 3.ª Vara do Tribunal Criminal de Campinas, São Paulo.
B) O Recurso tem por objecto a decisão proferida no âmbito da revisão da sentença estrangeira proferida no Processo n.° 1494/04, do Tribunal Criminal de Campinas, em São Paulo.
C) O Ministério Público solicitou a rectificação/redução da pena operada no processo n.° 1494/04, por forma a serem deixadas de ter em conta, na pena a aplicar ao arguido, as condenações que foram excluídas pelas autoridades judiciárias brasileiras, respeitante aos crimes de extorsão e uso e porte de arma, nos quais o arguido acabou por ser absolvido.
D) O Recorrente entende que a reformulação da pena no processo 1494/04 foi mal efectuada, pois o cálculo do cúmulo jurídico das penas respeitantes aos dois crimes está acima do adequado e proporcional.
E) No âmbito do processo 1494/04 do Tribunal Criminal de Campinas – São Paulo, o arguido foi, na realidade, condenado a 16 (dezasseis) anos e 4 (quatro) meses de prisão e não a 28 (vinte e oito) anos, 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de prisão, o que justifica uma redução da pena aplicada ao arguido no âmbito de tal processo.
F) Estão apenas em causa os crimes de Roubo Qualificado e Sequestro.
H) No âmbito da Lei Penal Portuguesa, a moldura abstrata dos crimes efectivamente praticados pelo arguido varia, no Roubo Qualificado, entre 3 a 15 anos de prisão (artigo 210.°, do Código Penal) e, no sequestro, entre os 2 a 10 anos de prisão (artigo 158.°, do Código Penal).
I) Tratando-se de factos que a Lei Portuguesa prevê e pune, mas cuja medida da pena é superior ao máximo permitido em Portugal, a pena teria necessariamente de ser reduzida, até ao limite adequado.
H) A pena única teria de ser adequada e proporcional aos crimes cometidos, e ter em conta os efeitos de prevenção geral e especial, nomeadamente a reinserção do arguido na sociedade.
J) O Tribunal a quo decidiu aplicar ao arguido, no âmbito do processo 1494/04, uma pena única de 14 anos de prisão e 16 dias de multa, muito próxima do máximo previsto para esses dois crimes no ordenamento jurídico português.
K) A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas e como limite mínimo a mais elevada dessas penas (artigo 77.° n.° 2, do Código de Processo Penal),
L) Aquando da sentença de revisão e confirmação da sentença estrangeira proferida no âmbito do processo 1494/04, foram aplicadas ao arguido as penas de 7 (sete) anos de prisão pelo crime de roubo qualificado e 5 anos pelo crime de sequestro, pelo que a moldura penal teria como limite mínimo os 7 (sete) anos - pena parcelar mais elevada - e como limite máximo os 12 (doze) anos - soma das duas.
M) O Tribunal a quo desrespeitou o contido no artigo 77.° n.° 2, do Código de Processo Penal, ao aplicar uma pena única de 14 (catorze) anos de prisão e 16 (dezasseis) dias de multa,
N) Ao decidir desta forma, o Tribunal da Relação contrariou o que havia decidido anteriormente, em 20 de Dezembro de 2010, em que considerou como adequada uma pena única de 15 anos e 20 dias por quatro crimes, apenas mais um ano do que a pena agora considerada para dois desses crimes.
O) Nessa mesma decisão, o mesmo Tribunal considerou as penas parcelares de 7 (sete) anos de prisão para o crime de roubo qualificado - mantendo assim a decisão do Tribunal brasileiro -, e 5 (cinco) anos para o crime de sequestro - redução justificada por ser mais adequada e proporcional à medida abstraía da pena, tendo essa decisão transitado em julgado.
P) A soma das penas aplicadas ao arguido pelos crimes de Roubo Qualificado e Sequestro, ou seja, 7 (sete) e 5 (cinco) anos de prisão, dariam a pena de 12 (doze) anos de prisão e não de 14 (catorze) anos e 16 (dezasseis) dias como agora aplicados.
R) Nos termos do artigo 409.°, do Código de Processo Penal, e força do princípio constitucional "reformatio in pejus', interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
S) O Recorrente está preso ininterruptamente desde 2 de Agosto de 1995 (fls. 15 e 16 dos autos), desde os 30 anos de idade, necessitando de refazer a sua vida.
Respondeu o Ministério Público, dizendo:
Não se resignou o arguido AA com a pena única de 14 anos de prisão e 16 dias de multa que o Tribunal da Relação de Lisboa lhe aplicou, quando deferiu o pedido de revisão e confirmação da sentença penal estrangeira, revendo a pena aplicada e fazendo-lhe corresponder a referida pena de 14 anos de prisão e 16 dias de multa.
A questão submetida a esse Supremo Tribunal é, pois, a medida da pena única.
O Tribunal que procede à revisão e confirmação de sentença penal estrangeira não pode agravar, em caso algum, a pena estabelecida na sentença estrangeira.
O artigo 237°, n° 3 do C. P. P., estabelece que "se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a Lei portuguesa não prevê ou pena que a Lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a Lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado".
É essa a situação dos autos.
O arguido, segundo se pode ler no douto acórdão sob recurso, foi condenado no processo n° 1494/04 da 3ª. Vara do Tribunal Criminal de Campinas, São Paulo nas penas de 7 anos e 16 dias de multa e 9 anos e 4 meses de prisão. Penas essas que, por acórdão de 06 de Junho de 2013, deste Tribunal da Relação, vieram a ser confirmadas, e, efectuado o cúmulo jurídico das penas, condenado na pena única de 14 anos de prisão e 16 dias de multa.
Pena única que o arguido acha excessiva.
Ora, o pressuposto da cooperação judiciária internacional, que assenta na lógica do cumprimento de sentença estrangeira, pressupõe, em nosso entender, que se deva manter a pena aplicada pelo país da condenação, reduzindo-a, somente, no máximo, até ao limite adequado.
Pelo que é nosso entendimento que o douto acórdão deve ser mantido, confirmando-se a pena revista e confirmada.
Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a remeter para aquela resposta.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
Como resulta do relatório, o acórdão recorrido não é a decisão que originariamente confirmou e reviu a sentença do tribunal brasileiro, mas sim um acórdão subsequente, proferido sob impulso do Ministério Público, para “retificação” do anterior, face a novas informações remetidas pelas autoridades brasileiras.
Na verdade, o acórdão de 20.12.2010 teve acesso apenas à sentença de 1ª instância, desconhecendo que a mesma tinha sido impugnada pelo condenado e que o recurso tinha tido sucesso parcial.
Impunha-se, pois, uma “revisão” do acórdão de revisão da sentença, para que fosse considerada a decisão definitiva da justiça brasileira, consideravelmente mais favorável ao condenado (a da 1ª instância era de 28 anos, 4 meses e 20 dias de prisão, enquanto a fixada pelo tribunal superior é de 16 anos e 4 meses de prisão, e 16 dias de multa), e que só não fora considerada por lapso das autoridades brasileiras na tramitação do processo de transferência, já que a decisão do recurso é de 9.4.2008, antes portanto de ser desencadeado o processo de transferência, em 12.8.2009.
O acórdão recorrido procedeu à reformulação da revisão/confirmação, e, considerando as penas de 7 anos e 16 dias de multa e 9 anos e 4 meses e prisão, decretadas pelo tribunal brasileiro para os crimes subsistentes, fixou uma pena única de 14 anos de prisão e 16 dias de multa.
É esta decisão que o recorrente impugna.
Precisemos melhor a situação de facto.
O recorrente foi condenado pelo tribunal de Campinas, no âmbito do proc. nº 1494/04, nas seguintes penas:
- 9 anos e 4 meses de prisão, por um crime de extorsão mediante sequestro (art. 159º);
- 7 anos de prisão e 16 dias de multa, por um crime de roubo qualificado (art. 157º, § 2º);
- 6 anos, 2 meses e 20 dias de prisão, e 14 dias de multa, por um crime de extorsão (art. 158º, § 1º, todos do Código Penal brasileiro);
- 2 anos e 4 meses de prisão e 11 dias de multa, pelo crime de detenção de armas, do art. 14º da Lei 10.826/03;
- 3 anos e 6 meses de prisão, por outro crime idêntico, do art. 16º da mesma lei.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 28 anos, 4 meses e 20 dias de prisão.
Em sede de recurso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo absolveu o ora recorrente dos crimes de extorsão e de porte de armas, subsistindo, pois, somente as penas referentes aos crimes de extorsão mediante sequestro e de roubo.
O acórdão proferido nestes autos em 20.12.2010, ao realizar a confirmação/revisão da sentença, fixou as seguintes penas:
- 5 anos de prisão pelo crime de extorsão mediante sequestro;
- 7 anos de prisão pelo crime de roubo;
- 6 anos e 20 dias pelo crime de extorsão;
- 2 anos de prisão pelos dois crimes de porte de armas.
Com base nestas penas parcelares, foi fixada a pena única de 15 anos e 20 dias de prisão.
A decisão ora recorrida, ao proceder à reformulação do cúmulo das penas, tendo embora expurgado as penas pelos crimes “excluídos” pelo tribunal de recurso brasileiro, considerou, quanto às demais, as penas decretadas pelos tribunais brasileiros, ignorando que aquelas penas subsistentes tinham sido já revistas no acórdão de 20.12.2012, e fixadas em 5 anos de prisão para o crime de extorsão mediante sequestro e 7 anos para o crime de roubo.
Não tendo havido pedido de agravação das penas, nem sendo tal possível dado o trânsito em julgado do acórdão de 20.12.2012, é evidente que, na reformulação do cúmulo, as penas a considerar são as que esse acórdão fixou, e não as decretadas pelos tribunais brasileiros.
Procedem, pois, as razões do recorrente.
A moldura penal do concurso vai de 7 a 12 anos de prisão, nos termos do art. 77º, nº 2, do Código Penal.
Nesse quadro, e considerando os critérios aplicáveis segundo o nº 1 do mesmo artigo, nomeadamente a personalidade negativa revelada pelo recorrente, e os fins das penas, considera-se adequada a pena única de 11 anos de prisão.
Para evitar quaisquer dúvidas, exara-se que essa pena única se reporta exclusivamente aos crimes apreciados no proc. nº 1494/04, subsistindo, pois, a par desta pena, a aplicada no proc. nº 2487/95.
III. Decisão
Com base no exposto, e na procedência do recurso, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que fixou a pena única referente aos crimes apreciados no proc. nº 1494/04, a qual se reduz para 11 (onze) anos de prisão.
Sem custas.
Lisboa, 3 de outubro de 2013
Maia Costa (relator) **
Pires da Graça