1. O contrato de trabalho a termo certo caduca no final do prazo estipulado, ou da sua renovação, desde que o empregador ou o trabalhador comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, respectivamente 15 ou oito dias antes de o prazo expirar – art. 344.º, n.º 1, do Código do Trabalho/2009 – comunicação prévia que constitui pressuposto necessário de operação da caducidade.
2. As partes podem acordar que o contrato de trabalho a termo certo não fica sujeito a renovação. Na ausência dessa estipulação e de declaração de qualquer das partes que o faça cessar, feita com a antecedência prévia legalmente estabelecida, o contrato renova-se no final do termo, por igual período, considerando-se como único contrato aquele que seja objecto de renovação.
3. Provando-se que a empregadora e o trabalhador outorgaram, entre si, um contrato de trabalho a termo certo, com início em 16.1.2009 e pelo prazo de 18 meses, que cessaria, por caducidade, mediante aviso prévio, por escrito, com pelo menos 15 dias de antecedência, e que, por carta de 7 de Julho de 2010, a empregadora informou o trabalhador de que o mesmo caducaria em 15 desse mês de Julho, tal comunicação é intempestiva, ocorrendo assim a renovação automática do contrato, por igual período.
4. Esta comunicação extintiva do vínculo, não actuando como caducidade do contrato, por intempestiva, consubstancia uma forma de cessação da relação laboral equivalente a um despedimento ilícito.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I –
1.
AA, casado, com os demais sinais dos Autos, demandou, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, a sociedade «BB – Congelados Alimentares, Ld.ª», instaurando, em 10 de Setembro de 2010, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, em que pede a condenação da Ré no pagamento da quantia ilíquida global de € 64.297, acrescida de juros de mora, à taxa legal, respeitante, como discrimina:
- Ao vencimento e subsídio de refeição dos meses de Fevereiro a Junho e 15 dias de Julho de 2010;
- À diferença de vencimento e subsídio de refeição do mês de Novembro e subsídio de Natal de 2009;
- À diferença de vencimento e subsídio de refeição do mês de Dezembro e subsídio de férias de 2009;
- Aos proporcionais de subsídio de férias e de subsídio de Natal de 2010;
- Às retribuições que normalmente receberia desde 15 de Julho de 2010 a 15 de Janeiro de 2012, como se efectivamente estivesse em serviço efectivo, nelas se incluindo para além do vencimento, o subsídio de refeição, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, a que se soma, por fim, a compensação prevista no n.º 2 do art. 344.º do Código do Trabalho, devida pela caducidade do contrato a termo certo, resultante da declaração do empregador.
Alegou para o efeito, em escorço, que foi admitido ao serviço da R. em 16 de Janeiro de 2009, para exercer as funções de supervisor, mediante a outorga de um contrato de trabalho a termo, pelo período de dezoito meses.
A R., por carta que lhe enviou, com data de 7 de Julho de 2010, comunicou-lhe que não pretendia renovar o contrato, pelo que este caducava na data do seu termo, ou seja, em 15 de Julho de 2010.
E não lhe pagou as importâncias e diferenciais que discriminou no petitório.
Porém, como o contrato a termo foi celebrado pelo prazo de dezoito meses, só caducaria no final do prazo se a R. o tivesse denunciado, por escrito, com pelo menos 15 dias de antecedência relativamente à data do seu termo, o que não aconteceu, pois a denúncia foi feita penas com 7 dias de antecedência.
Assim, quando a R. enviou a carta a comunicar-lhe a não renovação do contrato, já este se havia renovado por prazo igual ao inicial, não se operando por isso a caducidade.
Consequentemente, tem direito a receber da R. as retribuições que normalmente auferiria desde 15 de Julho de 2010 a 15 de Janeiro de 2012, como se estivesse em serviço efectivo, nelas se incluindo, ‘para além do vencimento, o subsídio de refeição, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal’ e, além disso, a compensação a que alude o n.º 2 do art. 344.º do Código do Trabalho.
A R. contestou, aduzindo, no essencial, que o contrato em causa foi celebrado em condições especiais, na sequência da negociação da cedência das quotas que o A. e o seu cônjuge detinham na sociedade, bem sabendo as partes que o mesmo é simulado, pois a verdadeira intenção que lhe presidiu foi a de possibilitar ao A., por exigência deste, que continuasse a proceder aos descontos para a Segurança Social, a fim de beneficiar posteriormente da reforma.
O certo é que o A. nunca exerceu qualquer tipo de actividade laboral para a R. após a celebração do contrato e os pagamentos que lhe foram efectuados, a título de retribuição, foram, na realidade, para pagar o preço da cedência das quotas.
Foi por isso que nunca se preocupou com o prazo legal para comunicar a caducidade do contrato a termo, pois o que tinha acordado com o A. era que o ‘vínculo laboral’ só duraria 18 meses.
O A. aproveitou-se do facto de a comunicação de não renovação do contrato não ter sido realizada com a antecedência de 15 dias.
Tendo em conta esse comportamento, a R. enviou-lhe uma comunicação, em 8 de Outubro de 2010, informando-o de que a carta da não renovação se tinha tratado de um lapso administrativo, pelo que deveria comparecer na empresa para continuar a exercer as suas funções.
Todavia, o A. não compareceu, nem mais exerceu qualquer actividade para a R., não podendo por isso receber remuneração por um trabalho que nunca realizou.
Concluiu pela improcedência da acção, devendo o contrato celebrado a termo ser considerado nulo e de nenhum efeito, ou, caso assim se não entenda, julgados improcedentes os pedidos formulados pelo A.
O A. respondeu, sustentando que o contrato de trabalho em causa não foi simulado, devendo considerar-se válido, com a consequente improcedência da excepção deduzida.
__
2.
Discutida a causa, proferiu-se sentença, na sequência, julgando-se a acção parcialmente procedente, com condenação da R. no pagamento ao A. da quantia global de € 19.377, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, ``a taxa legal, desde a data da citação e até integral e efectivo embolso.
[Este valor final corresponde – como consta da liquidação que imediatamente precede o dispositivo de fls. 115-116, a que nos reportamos – à soma das parcelas seguintes: - € 10.590, referentes às ‘retribuições processadas, e não pagas, dos meses de Fevereiro a 15 de Julho de 2010’; - € 2.502, relativos à ‘diferença entre o montante devido e processado pela R. de retribuição do mês de Novembro de 200, subsídio de alimentação e subsídio de Natal de 2009…’; - € 2.175, respeitantes à ‘diferença entre o montante devido e processado pela R. de retribuição do mês de Dezembro de 2009, subsídio de refeição e subsídio de férias de 2009’; - € 1.959, relativos ‘aos proporcionais dos subsídios de férias e de Natal do trabalho prestado em 2010’ e, por fim, € 2.160, ‘a título de compensação pela caducidade do contrato’].
__
3.
Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, formulando as conclusões, que, porque interessantes para a melhor compreensão da temática decidenda, a seguir se editam:
“1. O contrato de trabalho a termo por dezoito meses celebrado entre A. e R., em 16 de Janeiro de 2009, renovou-se por igual período em 1 de Julho de 2010;
2. Com efeito, a R., ao denunciar o contrato pela carta de 7 de Julho de 2010, referida no ponto 3 da matéria assente, não cumpriu o prazo previsto no art. 344.º, n.º 1, do Código do Trabalho;
3. A sanção para o incumprimento do prazo previsto no art. 344.º, n.º 1, do Código do Trabalho é a renovação do contrato a termo por igual período, conforme resulta do disposto no n.º 2 do art. 149.º do C.T., tendo em conta o disposto no art. 148.º do mesmo Código
4. A denúncia do contrato operada pela R., em 7 de Julho de 2010, quando o contrato de trabalho a termo certo por dezoito meses já se havia renovado por igual período consubstancia uma declaração unilateral, de natureza receptícia, que se torna eficaz logo que chegue ao conhecimento do destinatário, não obstante os seus efeitos apenas ocorram em momento posterior, tornando-se irrevogável a partir desse momento;
5. A carta de denúncia remetida pela R. ao A., em 7de Julho de 2010, consubstanciou uma carta de despedimento sem justa causa e sem processo disciplinar;
6. A R. só podia exercer o direito de revogação da denúncia até ao termo do contrato;
7. A R. não exerceu o direito de revogação da denúncia antes do termo do contrato;
8. A invocação de erro administrativo no envio da denúncia que resulta da carta referida no ponto 9 da matéria assente não constitui meio adequado à revogação da declaração de denúncia, que, dado o carácter receptício desta, só poderia ocorrer por meio de reconhecimento expresso ou tácito pelo A. ou por meio de acção de anulação por erro (ou outro vício invalidante) da declaração em causa;
9. A R. não alegou sequer a essencialidade do erro em causa, pelo que sempre teria de improceder a invocação do referido vício;
10. A denúncia do contrato pela R., em 7 de Julho de 2010, configura, assim, um despedimento que se reputa ilícito, devendo esta ser condenada no pagamento ao A. das retribuições que este auferiria no período que vai de 15 de Julho de 2010 a 15 de Janeiro de 2012 e respectiva compensação por caducidade, num montante total de € 44.920,00, tudo nos termos do disposto nos arts.149.º, n.º 2, 148.º, 344.º, n.º 1 e 381.º e ss., por remissão do art. 391, do Código do Trabalho e 224.º, n.º 1, 230.º, n.º 1 e 236.º, n.º 1, do Cód. Civil, por ser esta a melhor interpretação das posições legais enunciadas;
11. Caso assim se não entenda, o que por hipótese meramente académica se coloca, sempre se dirá que assiste direito ao A. ao recebimento das retribuições no período que vai de 15 de Julho de 2010 (data em que a R. fez operar a caducidade) a 9 de Outubro de 2010 (data em que a R. comunica a intenção na revogação da denúncia).”
A R. não contra-alegou.
O Acórdão prolatado – fls. 155/ss. – não sufragou o entendimento proclamado na sentença sindicada, antes acolhendo a tese propugnada pelo apelante.
Deliberou, em consequência – depois de ter considerado que não foi emitida qualquer declaração susceptível de fazer operar a caducidade do contrato de trabalho no final do termo, sendo a identificada comunicação inoperante enquanto causa típica de extinção do contrato diversa do despedimento, antes equivalendo a um despedimento ilícito, por ausência de procedimento prévio bastante – julgar parcialmente procedente a apelação e, alterando a decisão recorrida, condenou a R., ‘…em lugar do ali consignado, a pagar ao autor a quantia de € 61.557,00 (…), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da acção e até integral e efectivo pagamento’.
É contra o assim ajuizado que a R., se insurge agora, mediante o presente recurso de Revista, cuja motivação rematou com a formulação destas conclusões:
“1.ª - A declaração extintiva emitida pela Ré em 7.07.2010, porque violadora de preceitos legais imperativos, nomeadamente os artigos 149.º, n.º 2 e 134.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não produz quaisquer efeitos, pelo que a consequência será a renovação do contrato por igual período, no caso, 18 meses;
2.ª - Sendo violadora de preceitos legais imperativos, tal declaração é nula, nos termos do art. 294.º do C.P.C. (quis dizer-se seguramente do Cód. Civil, ao qual pertence a norma invocada);
3.ª - Logo, por força da Lei, não pode tal declaração equivaler a um despedimento ilícito, ao contrário do que faz o douto acórdão. Alias, nem a própria Lei prevê tal consequência.
4.ª - Também, por qualquer exercício de interpretação jurídica de tal declaração, não se pode concluir que a mesma equivale a um despedimento ilícito;
5.ª - Aliás, o próprio Acórdão não fundamenta tal conclusão, procedendo a um ‘salto’ interpretativo da declaração no sentido da equivalência a um despedimento ilícito;
6.ª - De facto, porquê interpretar a declaração como sendo equivalente a um despedimento ilícito e não interpretá-la no sentido de a fazer equivaler a uma declaração de caducidade do contrato para o termo da renovação?
7.ª - Não podemos olvidar que, como consta de tal declaração, a R. pretendia fazer caducar um contrato a termo certo de 18 meses e não fazer caducar de forma ilegal (no sentido de um despedimento) um contrato a termo certo já renovado;
8.ª - Por outro lado, a declaração da R. de 8.10.2010 mais não fez do que confirmar a ineficácia da anterior declaração de 7.07.2010, porque violadora do art. 334.º, n.º 1, do Código do Trabalho;
9.ª - E nem se diga que a declaração de 7.07.2010 se tornou irrevogável porque chegou ao conhecimento do Autor, nos termos do art. 224.º do Cód. Civil;
10.ª - Na verdade, para que tal aconteça é necessário que a declaração seja válida juridicamente, o que não é o caso. Não é a recepção da declaração (pelo A.) que a torna válida e eficaz;
11.ª - A declaração terá que possuir previamente uma validade intrínseca;
12.ª - O que como vimos não é o caso;
13.ª - Daí que deva ser proferida decisão que revogue o douto acórdão ora recorrido e que o substitua por outro que confirme a douta sentença da primeira Instância”.
O A. contra-alegou.
Para além de sustentar a confirmação da deliberação sob protesto, fez notar liminarmente que, não obstante se ter requerido que fosse ‘proferida decisão que revogue a douto acórdão recorrido e que o substitua por outro que confirme a douta sentença de primeira Instância’, toda a motivação apresentada pela Recorrente e todas as conclusões (e não pedidos) que apresentou se circunscrevem à condenação elencada na alínea a), supra, (pórtico da própria peça, a contra-minuta), ou seja, à indemnização pelo despedimento.
Por tal motivo, prossegue, não constando das conclusões da Recorrente qualquer argumento relativo à condenação referenciada em b) – compensação pela caducidade do contrato –, deve esta ter-se por consolidada, circunscrevendo-se o presente recurso à condenação da Recorrente no montante de € 40.020,00, a título de indemnização pelo despedimento.
__
Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu proficiente Parecer, pronunciando-se no sentido de que o recurso devia improceder, em termos e fundamentos que aqui se dão por vertidos.
Notificadas do seu teor, as partes não reagiram.
II –
A – O ‘thema decidendum’.
Como resulta das asserções conclusivas que encerram a motivação recursória – por onde se afere e delimita o objecto e âmbito do recurso, por via de regra, como é consabido –, a questão analisa-se em dilucidar e resolver se declaração extintiva do contrato a termo, emitida pela R., sendo reconhecidamente inoperante enquanto indutora da caducidade do mesmo, configura ou não, nos seus termos e enquanto tal, uma forma ilícita de pôr fim ao vínculo, (equi)valendo, nos seus efeitos/consequências, a um despedimento ilícito.
Colheram-se oportunamente os ‘vistos’ devidos.
Vêm-nos os Autos conclusos para prolação do Acórdão na qualidade de 1.º Adjunto vencedor.
Cumpre decidir.
__
B – Dos Fundamentos.
B.1 – DE FACTO.
Vem assente a seguinte factualidade:
1. A Ré dedica-se à actividade de comércio, por grosso e a retalho, de produtos alimentares, mormente de produtos congelados, para o que dispõe de um estabelecimento constituído por armazéns e entreposto de frio, situados no lugar de Quimbres, S. Silvestre, Coimbra;
2. No dia 16/01/2009 o A. e a R. acordaram nos termos constantes do documento junto a fls. 9-12, cujo conteúdo aqui se transcreve:
«CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
Aos 16 de Janeiro de 2009, entre BB – Congelados Alimentares, Ld.ª, […], na qualidade de entidade patronal e Primeira Outorgante e AA, […], na qualidade de trabalhador e Segundo Outorgante, é celebrado o presente Contrato de Trabalho a Termo Certo, sob o seguinte clausulado:
A) - Considerando que o Segundo Outorgante é sócio-gerente da Primeira Outorgante, na qual possui uma quota no valor nominal de 62.349,74 Euros;
B) - Considerando que, nesta data, o Segundo Outorgante cede a quota de que é dono e possuidor, mediante a entrega da competente escritura pública;
C - Considerando que o Seguindo Outorgante, com a cessão da sua quota, renuncia imediatamente à gerência da Primeira Outorgante;
D) - Considerando que existe a necessidade de o Segundo Outorgante manter ao serviço da Primeira Outorgante e durante o período de dezoito meses, os seus conhecimentos técnicos e profissionais, de modo a dar continuidade à actividade da empresa e de introduzir os novos sócios nos respectivos mecanismos de funcionamento;
E) – Considerando que tais conhecimentos técnicos e profissionais são essenciais ao futuro desempenho comercial da Primeira Outorgante, ambos os outorgantes acordam no seguinte:
1.º
O Segundo Outorgante é admitido ao serviço da Primeira Outorgante para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de supervisor.
2.º
O local de trabalho do Segundo Outorgante terá lugar exclusivamente nas instalações da Primeira Outorgante.
3.º
O presente contrato tem o seu início no dia 16 de Janeiro de 2009, sem período experimental, e destina-se a vigorar pelo prazo de dezoito meses. Não havendo prorrogação do contrato, este cessa por Caducidade, nos termos da alínea a) do art. 387.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, mediante aviso prévio por escrito, que a Primeira Outorgante enviará ao Segundo Outorgante com pelo menos 15 dias de antecedência (n.º 1 do art. 388.º do diploma mencionado).
4.º
A Primeira Outorgante pagará, mensalmente, ao Segundo Outorgante a remuneração de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), passível dos descontos legais, acrescida do subsídio de refeição fixado em € 6,00/dia de trabalho (seis euros).
5.º
O segundo Outorgante tem direito a férias e respectivo subsídio, conforme dispõe a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
6.º
No termo do presente contrato, o Segundo Outorgante terá direito à compensação a que se refere o n.º 2 do artigo 388.º do Código (…) do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, isto é, dois dias por cada mês de duração do vínculo, o que se traduz numa compensação global de 2.160,00 Euros.
7.º
A celebração do presente contrato, como Contrato a termo Certo, é feita de acordo com as necessidades e parâmetros estabelecidos nas alíneas A), B), C), D) e E) do presente clausulado e ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 2 do art. 129.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, ou seja, execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro.
8.º
Ao Segundo Outorgante é lícito proceder à denúncia do presente contrato sem que lhe assista justa causa, mediante aviso prévio à Primeira Outorgante com a antecedência mínima de 30 dias.
9.º
As partes acordam que, para julgamento de quaisquer questões emergentes do não cumprimento do presente contrato o foro competente seja o Tribunal do Trabalho de Coimbra (por lapso manifesto, a sequência das cláusulas passa do n.º 9 para o n.º 11).
11.º
No mais, rege a legislação de Trabalho aplicável.
Nota: o presente contrato foi lido pelos outorgantes, que reciprocamente prestaram e obtiveram os esclarecimentos necessários quanto ao respectivo conteúdo.
Coimbra, 16 de Janeiro de 2009».
3. A R. enviou ao A. a carta junta a fls. 13-14, cujo conteúdo se passa a transcrever:
«Coimbra, 7 de Julho de 2010
Vimos por este meio informar V. Ex.ª, e ao abrigo do art. 388.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, pelo qual se rege o contrato de trabalho a termo anteriormente celebrado com V. Ex.ª, que o mesmo caducará no dia 15 de Julho de 2010, pois não é nossa intenção renovar o mesmo.
Desde já se informa que naquela data lhe serão liquidados todos os valores ao abrigo do contrato (nomeadamente subsídio de férias e proporcionais de subsídio de Natal). Informamos também de que deverá gozar férias a que tem direito até essa data.
Sem mais de momento.
Atentamente».
4. A R. processou e entregou ao A. os recibos de vencimento e subsídio de refeição relativos aos meses de Fevereiro a Junho e 15 dias de Julho de 2010 e não lhos pagou;
5. A R. processou o vencimento e subsídio de refeição do mês de Novembro de 2009 conjuntamente com o subsídio de Natal daquele ano, no montante de € 3.726, mas apenas lhe pagou a quantia de € 1.224, por transferência bancária para o Millennium BCP;
6. A R. processou o vencimento e subsídio de refeição do mês de Dezembro de 2009 conjuntamente com o subsídio de férias daquele ano, no montante global de € 3.645, mas apenas lhe pagou a quantia de € 1.470, por transferência bancária para o Millennium BCP;
7. Conjuntamente com o recibo do vencimento de Julho de 2010 (15 dias), a R. processou igualmente o subsídio de férias e o subsídio de Natal proporcionais de 2010, no montante de € 975 cada um, e, ainda, a compensação pela denúncia do contrato, no montante de € 2.160 e não pagou ao A. nenhuma destas quantias;
8. Em 16/01/2009, o A. e a mulher, CC, cederam as quotas que detinham na sociedade Ré;
9. A R., em 8/10/2010, enviou ao A. uma comunicação, dizendo-lhe que se tratava de um lapso manifesto, pelo que deveria comparecer na empresa para continuar a exercer as suas funções;
10. A partir de 15.07.2010, o A. não mais compareceu na empresa nem exerceu qualquer actividade para a Ré.
__
Estes são os factos havidos por provados.
Não tendo sido impugnados, por qualquer forma, nem se vislumbrando prefigurada alguma das situações a que se reporta o n.º 3 do art. 729.º do C.P.C., será com base neles que há-de ser resolvida a questão colocada no recurso.
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B.2 – Os FACTOS e o DIREITO.
. Equacionando a questão nos termos plasmados no intróito do ponto 2., fls. 159 dos Autos – saber …se a denúncia extemporânea do contrato a termo confere ao autor o direito a auferir as remunerações que auferiria até ao termo da renovação do contrato, não obstante não ter trabalhado para a Ré, mesmo depois de receber carta desta a comunicar-lhe que a denúncia se tratava de um lapso administrativo, pelo que deveria comparecer ao serviço – a deliberação sub specie dissentiu da solução da 1.ª Instância.
[Considerou-se na sentença que, apesar de se entender que a declaração do empregador não operou eficazmente a caducidade – renovando-se o contrato, por isso, no final do termo estipulado, por igual período –, a declaração da ré posterior ao despedimento, de 8-10-2010, comunicando que a anterior declaração extintiva se tratava de um lapso administrativo (…pelo que deveria comparecer na empresa para continuar a exercer as suas funções), reforçada pela circunstância de o A. não se ter apresentado em nenhum dos dois momentos (seja logo após o início da renovação, seja depois da comunicação de Outubro de 2010), retira ao A. o direito a qualquer retribuição após 15.7.2010: “Assim sendo, não tendo prestado qualquer trabalho para a Ré a partir de 15.7.2010, o A. não tem direito a qualquer retribuição após esta data.” (Transcrição do excerto da sentença, reproduzido a fls. 160)].
As razões da dissensão constam do seguinte passo da fundamentação respectiva:
“ (…)
Sendo assim, a declaração extintiva emitida pela ré a 7 de Julho de 2010, estando o termo do contrato do trabalho previsto para o dia 16 de Julho de 2010, por não respeitar o prazo de antecedência de 15 dias, sendo inoperante para a caducidade ou para qualquer outra causa típica de extinção do contrato diversa da do despedimento, equivale a um despedimento ilícito, por ausência de procedimento prévio bastante, como decorre do art. 381.º, c), do Código do Trabalho (neste sentido, entre outros, v. o Acórdão da Relação do Porto de 16.5.2005, in CJ/2005, Tomo III e disponível em CJ-on line, ref.ª 2996/2005).
Daí que, ocorrendo a renovação do contrato por mais 18 meses e depois o despedimento ilícito, o autor tenha direito a indemnização que não pode ser inferior às retribuições que deveria auferir desde a data do despedimento até à data do renovado termo certo (que já ocorreu à data deste Acórdão) e à compensação de 2 dias de retribuição-base e diuturnidades por cada mês de duração do vínculo, uma vez que o contrato vigorou por mais de seis meses, como resulta do disposto nos arts. 393.º, n.º 2, al. b) e 334.º, n.º 2, respectivamente, ambos do Código do Trabalho (v. ainda, neste sentido, o A. da Relação do Porto de 8.5.1995, in CJ, Tomo III, pgs. 270-271).
Pode questionar-se, tal como o fez a sentença recorrida, o relevo da declaração da R. posterior a esse despedimento, de 8-10-2010, comunicando que a anterior declaração extintiva se tratava de um lapso administrativo, pelo que deveria comparecer na empresa para continuar a exercer as suas funções.
No entanto, a natureza de lapso não resultou esclarecida, cabendo à R. o respectivo ónus de demonstração (art. 343.º, n.º 2, do Cód. Civil) e, a nosso ver, a primeira declaração não era revogável.
O exercício de um direito potestativo extintivo do contrato de trabalho, como ocorre com as situações de caducidade, não prescinde da correspondente declaração negocial extintiva, como já vimos ser o caso. E para a eficácia da declaração negocial deve atender-se ao que dispõe o art. 224.º, n.º 1, do Cód. Civil: a declaração negocial considera-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário.
Sucedendo que, como se refere na anotação ao art. 230.º do Cód. Civil Anotado, de Pires de Lima-Antunes Varela, ‘a recepção ou conhecimento da declaração negocial torna esta eficaz e, consequentemente, irrevogável’.
Ou seja, a declaração não pode ser unilateralmente revogada, a menos que a lei o preveja, como é, por exemplo, o caso, em matéria de cessação de contratos de trabalho, das situações dos arts. 350.º (situação da revogação do contrato de trabalho), 397.º (situação de resolução pelo trabalhador do contrato de trabalho) e 402.º (situação de denúncia pelo trabalhador do contrato de trabalho).
Pode, naturalmente, ser revogada por acordo entre ambas as partes, nos termos gerais do disposto no art. 406.º do Cód. Civil, mas essa situação não é revelada nos Autos.
No caso, portanto, nenhum efeito pode ter a aludida declaração da ré.
Ou seja, perante a declaração unilateral de cessação do contrato de trabalho, sempre se deveria concluir que esta se tornou eficaz quando chegou ao conhecimento do autor. E, assim sendo, a colocarem-se como sem fundamento os pressupostos da cessação por caducidade, sempre se teria de concluir por um despedimento, tal como o autor adianta no recurso.
Assim, como já dissemos, considerando o disposto nos arts. 393.º, n.º 2 e 334.º, n.º 2, do Código do Trabalho, ao autor é devida a quantia de (…)”.
. O que contrapõe a recorrente, afinal, de realmente impressivo, à fundamentação jurídica e juízo que veio pôr em crise?
Analisaremos, mais adiante, a consistência dos argumentos aduzidos, não sem antes relembrar, nos seus traços gerais, os contornos do quadro normativo de significação em cujo âmbito se dirime o caso sujeito.
. Nos termos do art. 148.º/1 do Código do Trabalho/2009 (diploma aplicável, in casu, sem controvérsia - uma vez que aqui se discutem os efeitos da comunicação intempestiva da vontade da R./empregadora de fazer cessar o contrato a termo, operada em 7.7.2010 – e a que pertencem as normas adiante referidas sem menção de origem) o contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes e a sua duração não pode exceder 18 meses, dois anos ou três anos, consoante se trate, respectivamente, de pessoa à procura de primeiro emprego, das situações identificadas no n.º 4 do art. 140.º e nos demais casos legalmente previstos.
As partes podem acordar, desde logo, que o contrato de trabalho a termo certo não fique sujeito a renovação.
Não ficando acordada tal estipulação, e na ausência de declaração de qualquer das partes que o faça cessar, o contrato renova-se no final do termo, por igual período, se outro não for acordado pelas partes – art. 149.º, n.ºs 1 e 2.
E quando caduca?
Di-lo o art. 344.º, n.º 1: o contrato de trabalho a termo certo caduca no final do prazo estipulado, ou da sua renovação, desde que o empregador ou o trabalhador comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, respectivamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar.
Essa comunicação prévia constitui requisito necessário de actuação da caducidade.
Tratando-se de uma declaração negocial recipienda, como é, a mesma torna-se eficaz logo que chega ao poder do seu destinatário ou é dele conhecida – art. 224.º/1 do Cód. Civil.
Integrado no Capítulo VII, sob a epígrafe ‘Cessação do contrato de trabalho’, o art. 340.º do Código do Trabalho elenca as causas/modalidades por que, por via de regra, se pode fazer cessar a relação juslaboral (…para além de outras modalidades legalmente previstas).
E, excluídas a caducidade, a revogação e a resolução ou a denúncia pelo trabalhador, todas as demais assumem a feição de despedimento por iniciativa do empregador: por facto imputável ao trabalhador; colectivo; por extinção de posto de trabalho e por inadaptação.
[A comunicação intempestiva/extemporânea da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho a termo certo não viu os seus efeitos legalmente previstos. Compreensivelmente. Não sendo uma modalidade de cessação, analisa-se apenas numa manifestação deficiente/ineficaz do pressuposto operativo da caducidade: a comunicação prévia, com a legal antecedência, é condição necessária à eficácia desta modalidade de cessação – arts. 343.º, a) e 344.º/1].
O despedimento por iniciativa do empregador em caso de contrato a termo tem regra especial, constante do art. 393.º.
Nos termos dos seus n.ºs 1 e 2, as regras gerais de cessação do contrato aplicam-se ao contrato de trabalho a termo, com as seguintes alterações:
Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado (a) no pagamento de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, que não deve ser inferior às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente; caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão judicial, na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
Importa frisar, por fim, neste plano e contexto, para melhor compreensão da economia da previsão, que, afinal, as regras especiais se limitam ao despedimento declarado ilícito, pois às outras modalidades de cessação (caducidade, revogação/acordo das partes, resolução e/ou denúncia pelo trabalhador) aplicam-se as respectivas regras gerais.
Do até aqui exposto, resulta, com segurança, que, na falta de uma comunicação da vontade de fazer cessar o contrato, feita à parte contrária, por escrito, e com a antecedência prévia legalmente prevista, a caducidade não opera, renovando-‑se o contrato automaticamente, no final do termo estipulado, por igual período.
[Assim também, em uníssono, a nossa doutrina mais qualificada – v.g. Pedro Romano Martinez, M. Rosário Palma Ramalho e Júlio Vieira Gomes, nas suas obras de referência, respectivamente, ‘Direito do Trabalho’, 6.ª edição, Almedina, 3013, pgs. 858-860; ‘Tratado de Direito do Trabalho’, Parte II, 4.ª edição, Almedina 2012, pgs. 785-787 e ‘Direito do Trabalho’, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pg. 923.
Sob reserva de maior ponderação, quanto aos efeitos da não-concessão do aviso prévio, vide ainda Pedro Furtado Martins.[1]
Situando a sua reflexão, no que tange à alusão à proposta de B. Lobo Xavier, no âmbito de jure condendo, não deixa de reconhecer que, face à solução do direito positivo (art. 344.º/1), …a comunicação prévia da cessação funciona como um pressuposto necessário da ocorrência da caducidade. Na falta de uma declaração emitida na forma e no tempo exigidos por lei, a caducidade não opera, passando o contrato a valer como contrato por tempo indeterminado se já não for susceptível de renovação automática. (Sublinhámos).
Também pelas razões que adianta, ibidem – que subscrevemos e aqui damos por editadas, com vénia – entendemos excluída a possibilidade de aplicação analógica ao contrato a termo certo da solução prevista no n.º 3 do art. 345.º para o contrato de trabalho a termo incerto].
E sendo pacífico que, no caso, a declaração extintiva, emitida em 7.07.2010, não observou a disciplina legal constante dos arts. 149.º/2 e 344.º/1, não operando por isso a caducidade – …como a própria recorrente expressamente aceita, aliás –, a consequência está à vista: o contrato renovou-se por igual período, 18 meses, considerando-se como um único contrato aquele que seja objecto de renovação (n.º 4 do citado art. 149.º)
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. Resta saber – porque decisivo à solução da questão decidenda, entrando, assim, na análise nuclear do caso concreto – se, não obstante a ineficácia da identificada comunicação do empregador enquanto dirigida à caducidade do contrato, a declaração consubstanciada no documento reportado no ponto 3. da FF[2], sendo igualmente inoperante enquanto outra qualquer causa típica da extinção do contrato, deve ou não ser juridicamente tida por equivalente, como se considerou na deliberação sujeita, a um despedimento ilícito.
Ante a evidência de que, com aquela comunicação da vontade de fazer cessar o contrato a partir de 15.7.2010, emitida pelo empregador e dirigida ao trabalhador seu destinatário, este, desde essa data, não mais compareceu na empresa, nem exerceu qualquer actividade para a Ré, não se duvidará de que, não obstante a falada renovação automática do contrato a partir de 16.7.2010, a relação juslaboral cessou nessa data.
Cessou licitamente?
É que, se não terminou validamente, mediante uma das modalidades de cessação acima lembradas (art. 340.º) – a que se aplicam as regras gerais – há mesmo que enfrentar a solução prevista no n.º 2 do art. 393.º (sempre do Código do Trabalho/2009).
Não vemos – …com o respeito devido por quem sustente o contrário – que, ante o reportado quadro legal de significação, possa ser de outro modo.
O caso presente não é inédito.
Este Supremo Tribunal já se pronunciou sobre a questão, como pode confirmar-se, inter alia, no Acórdão de 16 de Dezembro de 2010, tirado na Revista n.º 3/07.5TTBRR.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, cuja consistente fundamentação (embora reportada ao Código do Trabalho/2003, a disciplina jurídica em causa passou, sem alterações substanciais, para as disposições homólogas da revisão/CT de 2009) e bondade da solução não vemos razão para não secundar.
Acompanhando, nos seus termos gerais, as considerações fundamentantes, delas respigamos os excertos mais impressivos, maxime os atinentes ao ponto equacionado, que subscrevemos:
“ (…)
Há que ter em atenção que um tal contrato ‘renova-se no final do termo estipulado, por igual período, na falta de declaração das partes em sentido contrário (…), considerando-se ‘como único contrato aquele que seja objecto de renovação’ (…).
Decorre deste regime que, em virtude da renovação, operada no momento em que expira o prazo para o empregador eficazmente comunicar a intenção de pôr fim ao contrato, a data do termo final do contrato, originariamente convencionada, é substituída pela que resulta da renovação, deixando esta de relevar para efeito de determinar a duração do contrato e, consequentemente, da licitude ou ilicitude da cessação e suas consequências, posto que a relação deve ser encarada como um único contrato e não como sucessão de contratos, autónomos entre si.
(…)
Na verdade, o facto gerador da prorrogação da vigência do contrato (…) situou-se e produziu os seus efeitos em momento anterior à comunicação (lembramos, tardia) da vontade de o fazer cessar, pelo que esta comunicação, face ao momento em que foi efectuada, não podia ter virtualidade para impedir a produção daqueles efeitos, mas tão-só para determinar a extinção do contrato, entretanto renovado.
(…)
A situação configura, por conseguinte, a cessação do contrato por iniciativa do empregador, sem cobertura da disciplina legal, por isso que equivale a um despedimento ilícito”…
. Revertendo ao caso que nos ocupa, vejamos ora, pari passu, os argumentos aduzidos pela recorrente.
A recorrente, referindo-se à sua comunicação de 7.7.2010, que pretende nula – reconhece-lhe apenas, como consequência, a renovação do contrato por igual período de 18 meses –, alega basicamente que não pode a mesma equivaler a um despedimento ilícito, conclusão que o próprio acórdão não fundamenta, procedendo a um ‘salto’ interpretativo da declaração no sentido da equivalência a um despedimento (cfr. conclusões 1.ª, 4.ª e 5.ª, alinhadas a fls. 175-6 dos Autos).
Não sendo nula, mas apenas ineficaz, o que se tinha a dizer acerca da validade/eficácia/efeitos da comunicação tardia/intempestiva da vontade do empregador de fazer cessar o factualizado contrato a termo, enquanto visando operar a caducidade, já se explicitou, em termos que se nos afiguram suficientemente esclarecedores do entendimento e juízo que se preconizam: não tendo sido remetida ou sendo remetida tardiamente, o contrato renovou-se por igual período.
A carta, reportada no ponto 3. da FF, comunica ao trabalhador destinatário que o contrato de trabalho entre ambos celebrado …’caducará no dia 15 de Julho de 2010, pois não é nossa intenção renovar o mesmo.
Desde já se informa que, naquela data, lhe serão liquidados todos os valores ao abrigo do contrato (nomeadamente subsídio de férias e proporcionais de subsídio de Natal).
Informamos também de que deve gozar férias a que tem direito até essa data’. (Sic).
Analisemos o conteúdo desta declaração negocial, recipienda, que a R. acha não poder interpretar-se no sentido da equivalência a um despedimento ilícito.
A R. saberia, por certo, que, aquando da celebração do contrato em causa, podia ter-se acordado, desde logo, que o mesmo não ficasse sujeito a renovação, como se prevê no n.º 1 do art. 149.º.
Não obstante, salvaguardou a possibilidade da sua prorrogação, consignando, no acordado ponto 3.º do documento que o suporta, que o mesmo cessaria por caducidade desde que a 1.ª outorgante enviasse ao 2.º outorgante aviso prévio, por escrito, com pelo menos 15 dias de antecedência.
Embora não respeitando a prevista antecedência legal mínima, a R. comunicou realmente ao A. que o contrato caducará no dia 15 de Julho de 2010, mais o informando de que naquela data lhe seriam liquidados todos os créditos retributivos devidos ao abrigo do contrato.
Valendo a declaração negocial com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – como reza o art. 236.º/1 do Cód. Civil, sob a epígrafe ‘sentido normal da declaração’ – um declaratário normal, colocado na posição do A., não poderia deixar de entender que a R., invocando embora fazê-lo a coberto da caducidade, colocou um ponto final da relação laboral existente entre os litigantes (usando as palavras certas constantes do Acórdão deste Supremo Tribunal, atrás referido).
E a prova inequívoca de que foi realmente esse o seu propósito – e de que o A. o interpretou adequadamente – é a carta que a R. lhe enviou posteriormente, em 8 de Outubro de 2010, dizendo-lhe que afinal se tratava de um lapso administrativo, pelo que deveria comparecer na empresa para continuar a exercer as suas funções.
Simplesmente, como bem se consigna no Acórdão revidendo, não só a natureza do pretenso lapso não resultou minimamente esclarecida, como a comunicação/declaração negocial extintiva, de 7.7.2010, se tornara já plenamente eficaz (desde que chegou ao poder do seu destinatário ou foi dele conhecida), tornando-se desde então irrevogável – cfr. arts. 224.º/1 e 230.º/1 do Cód. Civil. Vide também anotação 1. a este inciso, in ‘Código Civil Anotado’, de Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. I., 4.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987.
Daí a absoluta inocuidade jurídica, para o efeito, da (2.ª) declaração emitida pela R. em 8.10.2010.
O A., a partir de 15.7.2010 não mais compareceu na empresa.
Ante o analisado teor da comunicação do empregador, não tinha qualquer motivo, dever ou razão, juridicamente fundada, para se apresentar/manter no exercício das contratadas funções, após aquela data.
Em suma:
Aquela missiva/declaração, não operando validamente a caducidade do contrato – com a sua inexorável renovação por igual período, no final do termo estipulado –, nem constituindo outra qualquer causa típica de cessação do vínculo, não pode deixar de consubstanciar/equivaler-se, por falta de cobertura da disciplina legal, a um despedimento ilícito, como justamente se ajuizou.
Como assim, nada há a censurar na deliberação sub judicio, improcedendo as asserções conclusivas que rematam a motivação recursória.
Tudo tratado, do que, de essencial, constitui o objecto da impugnação, vamos terminar.
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III -
DECISÃO
Nos termos expostos, delibera-se negar a Revista e confirmar o Acórdão recorrido.
Custas pela R./recorrente.
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Anexa-se sumário do Acórdão.
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Lisboa, 9 de Outubro de 2013
Fernandes da Silva (Relator).*
Gonçalves Rocha.
Pinto Hespanhol (vencido).
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[1] - In ‘Cessação do Contrato de Trabalho’, 3.ª edição, Principia, 2012, pgs. 49-50.
[2] - FF= Fundamentação de Facto
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Declaração de voto
1. Sendo acentuado o meu inconformismo com o acórdão a que a presente declaração se acha anexa, votei vencido e passo, agora, a expor as razões do mesmo.
2. Como resulta do regime jurídico estabelecido no Código do Trabalho de 2009, diploma a que pertencem as normas adiante referidas, sem menção da origem, a lei não prevê, directamente, os efeitos da comunicação intempestiva da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho a termo certo; todavia, decorre do n.º 1 do artigo 344.º que a comunicação prévia da cessação do contrato constitui um pressuposto necessário da verificação da respectiva caducidade, nos termos da alínea a) do artigo 343.º, pelo que, na falta de uma comunicação emitida no prazo previsto na lei (e, por isso, ineficaz para fazer cessar o contrato) a caducidade não opera, o que determina a renovação automática do contrato, no final do termo estipulado, por igual período (artigo 149.º, n.º 2), isto nas situações em que for legalmente possível a renovação, por não terem sido excedidos os prazos máximos de duração ou o número máximo de renovações do contrato [artigos 147.º, n.º 2, alínea b), e 148.º, n.º 1], a não ser que, mediante o acordo das partes, tal como permite o n.º 1 do artigo 149.º, o contrato de trabalho a termo certo não estivesse sujeito a renovação.
Na verdade, não tendo as partes acordado excluir a renovação do contrato, a cessação do contrato de trabalho a termo certo por caducidade não opera ipso jure, diversamente do regime comum previsto no artigo 278.º do Código Civil (em que a verificação do termo final ou resolutivo extingue os efeitos do negócio jurídico), uma vez que se estabeleceu a regra da renovação automática (artigo 149.º) e da conversão em contrato de trabalho sem termo (artigo 147.º), sendo necessária, tratando-se de um termo certo, uma declaração de um dos contraentes a comunicar a vontade de o fazer cessar, declaração que tem de ser feita por escrito e com a antecedência mínima de quinze ou oito dias antes de o prazo expirar, consoante seja, respectivamente, da iniciativa do empregador ou do trabalhador (artigo 344.º, n.º 1).
A aludida declaração «consubstancia uma denúncia, pois obsta à renovação do contrato e, eventualmente, à sua conversão, pelo que a caducidade será uma consequência da denúncia» (PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, Maio 2013, p. 860), denúncia que, nesta modalidade, «não tem autonomia como modo de cessação do contrato, pois conduz à caducidade; ou seja, a denúncia funciona como meio indirecto de cessação do contrato, porque constitui o modo de fazer valer a caducidade, que sem a denúncia não operaria» (PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 849, nota de rodapé 1945).
Portanto, esse comportamento declarativo por parte de um dos contraentes (a comunicação da vontade de fazer cessar o contrato) não poderá consubstanciar, em si mesmo, uma declaração extintiva do contrato de trabalho (um «despedimento»).
Aliás, sempre seria consequência demasiado drástica a «descoberta» de um despedimento na denúncia do contrato pelo empregador sem o devido aviso prévio.
Tudo para concluir que a falta de comunicação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho a termo certo ou a comunicação intempestiva dessa vontade dá apenas lugar à renovação automática do contrato, no final do termo estipulado, por igual período, ou à sua conversão em contrato por tempo indeterminado, se já se tiver esgotado o prazo de duração máxima ou o número de renovações permitido.
Refira-se, neste conspecto, que se tem firmado uma corrente jurisprudencial que vem qualificando como despedimento ilícito a cessação do contrato a termo que não respeite o aviso prévio legal na comunicação escrita da cessação de um contrato de trabalho a termo certo por caducidade, tese que, no caso, fez vencimento.
Não se pode sufragar tal entendimento.
Em primeiro lugar, porque carece de fundamento legal a suposta renovação do contrato de trabalho a termo certo «operada no momento em que expira o prazo para o empregador eficazmente comunicar a intenção de pôr fim ao contrato», bem como a pretendida «substituição» da data do termo final do contrato, originariamente convencionada, pela resultante da ficcionada renovação; com efeito, o n.º 2 do artigo 149.º do Código do Trabalho de 2009 (tal como acontecia com o n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho de 2003) estatui que o contrato renova-se no final do termo (estipulado), por igual período, e não no momento em que expira o prazo para o empregador eficazmente comunicar a intenção de pôr fim ao contrato.
Ora, não pode ser considerado pelo intérprete um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, como referem os n.os 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil.
Em segundo lugar, porque atento o disposto no artigo 218.º do Código Civil, «o silêncio da Ré, subsistente para além do prazo legal, quanto à intenção de pôr fim ao contrato» não pode valer como declaração negocial «da vontade de prolongar a vigência do contrato por período igual ao que fora inicialmente estipulado, assim alterando a cláusula acessória de termo resolutivo», nem se descortina «a vontade tacitamente manifestada de não pôr fim ao contrato» [os trechos acima transcritos integram a fundamentação do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 16 de Dezembro de 2010, proferido no Processo n.º 3/07.5TTBRR.L1.S1], porquanto a mesma teria de ser deduzida de factos que, com toda a probabilidade, a revelassem (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil), o que não se antolha, sendo certo que, durante o período do aviso prévio que o empregador tem de respeitar, o contrato se mantém em vigor.
3. No caso, provou-se que o autor e a ré firmaram um contrato de trabalho a termo certo, com início em 16 de Janeiro de 2009 e pelo prazo de dezoito meses, que cessaria por caducidade, mediante aviso prévio, por escrito, que a empregadora deveria enviar, com pelo menos 15 dias de antecedência [facto provado 2)], sendo que, por carta de 7 de Julho de 2010, a ré informou o autor que o mesmo caducaria em 15 de Julho de 2010, já que não o pretendia renovar [facto provado 3)].
Ora, nos termos do estabelecido no n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, «[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».
É a chamada teoria da impressão do destinatário que, pelo seu carácter eminentemente objectivista, se entende ser aquela que dá «tutela plena à legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração» (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 444).
Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, pp. 152-153), «o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante», sendo que «[a] normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante».
Perante aquela comunicação de 7 de Julho de 2010, um declaratário normal colocado na posição do autor compreenderia que a empregadora pretendeu expressar a sua vontade de não renovar o contrato a partir de 15 de Julho de 2010, «ao abrigo do art. 388.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto», normativo que regia sobre a caducidade do contrato de trabalho a termo certo.
Acontece que, sendo tal comunicação intempestiva, seja à luz do normativo invocado pela empregadora, seja face ao expressamente acordado na cláusula 3.ª do contrato de trabalho a termo certo firmado entre as partes [facto provado 2)], a dita comunicação era ineficaz para fazer cessar o contrato por caducidade, e não estando excedido o seu prazo máximo de duração ou o número máximo de renovações, verificou-se a renovação automática do contrato, por igual período.
Logo, o autor devia ter continuado a apresentar-se no local do trabalho, o que não fez, estando demonstrado, neste plano de consideração, que, «[a] partir de 15/07/10, o A. não mais compareceu na empresa nem exerceu qualquer actividade para a ré», nem mesmo quando a ré, «em 08/10/10, enviou ao A. uma comunicação dizendo-lhe que se tratava de um lapso administrativo, pelo que deveria comparecer na empresa para continuar a exercer as suas funções» [factos provados 9) e 10)].
E não se diga que a comunicação endereçada pela ré ao autor, no dia 7 de Julho de 2010, terá de ser equiparada a um despedimento ilícito.
O despedimento caracteriza-se por ser uma decisão unilateral por parte do empregador, que assenta em factos ocorridos durante a execução do contrato e que determina a antecipação do momento convencionado para a cessação do contrato.
Ora, provou-se que a ré «enviou ao A. a carta junta a fls. 13 e 14» [facto provado 3)], datada de 7 de Julho de 2010, em que o informou «ao abrigo do art. 388.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, pelo qual se rege o contrato de trabalho a termo anteriormente celebrado com V. Exa, que o mesmo caducará no dia 15 de Julho de 2010, pois não é nossa intenção renovar o mesmo», acrescentando que, nessa data, lhe seriam liquidados «todos os valores ao abrigo do contrato (nomeadamente subsídio de férias e proporcionais de subsídio de Natal)» e que devia «gozar férias a que tem direito até essa data».
Por conseguinte, a comunicação emitida pela ré, em 7 de Julho de 2010, no contexto da relação contratual de trabalho a termo certo outorgada, apenas manifesta a vontade de não renovar o contrato, no final do termo estipulado entre as partes, pelo que não equivale a um despedimento, por carência do necessário suporte fáctico.
Donde, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 393.º, norma relativa ao despedimento por iniciativa do empregador em caso de contrato de trabalho a termo.
4. Nesta conformidade, concederia a revista e revogaria o acórdão recorrido, na parte em que considerou que a declaração emitida pela ré, em 7 de Julho de 2010, equivalia a um despedimento ilícito e atribuiu ao autor a quantia de € 40.020, a título de indemnização pelo despedimento.
Lisboa, 9 de Outubro de 2013
(Pinto Hespanhol)