I - Nos termos do art. 77.°, n.º 1, do CP, existe concurso de crimes quando alguém comete vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. O trânsito em julgado de uma condenação estabelece, pois, uma linha de demarcação entre os crimes cometidos antes e depois, impedindo que as penas correspondentes a todos eles sejam abrangidas por uma única pena conjunta. Nesse caso, não haverá concurso, mas sim sucessão de crimes e de penas.
II - No caso de o conhecimento do concurso ser superveniente, ou seja, quando só após o trânsito em julgado se tem conhecimento da existência de condenações anteriores, aplicam-se as mesmas regras (art. 78.°, n.ºs 1 e 2, do CP), devendo o tribunal da última condenação proceder ao cúmulo jurídico das penas como se o conhecimento de todas elas fosse contemporâneo.
III - Existem, porém, casos em que uma pena está em concurso simultaneamente com outra ou outras penas que, por sua vez, não estão numa relação de concurso entre si. Terá essa “pena-charneira” a virtualidade de “arrastar” todas as penas para um único concurso, punido consequentemente com uma pena única? Desde há anos que a jurisprudência do STJ é unânime na rejeição do “cúmulo por arrastamento”. Na verdade, não só seria absurdo que a prática de mais um crime servisse de expediente para a fusão num único concurso de um conjunto de penas que, não fora essa outra condenação, deveriam ser cumpridas em termos de sucessão, como a solução é contra legem, pois o art. 77.°, n.º 1, do CP claramente determina, como vimos, a impossibilidade de proceder a um único cúmulo. Doutra forma, ficaria prejudicada a razão de ser da regra, que assenta no valor da “solene advertência” para o condenado não cometer novos crimes, que a condenação transitada encerra, não podendo consequentemente ele beneficiar do desrespeito por essa advertência.
IV - Por conseguinte, interrompendo o trânsito de uma condenação a formação de um único concurso de crimes, há que proceder a dois cúmulos: um entre as penas anteriores ao trânsito da condenação; outro referente às penas posteriores. Estas duas penas conjuntas deverão ser cumpridas sucessivamente.
V - No caso dos autos, verifica-se que existe uma relação de concurso entre os crimes apreciados no proc. A, os crimes do proc. B e ainda os crimes de roubo praticados em 05-12-2008 e 29-01-2009, destes autos, porquanto todos eles foram praticados antes do trânsito da condenação decretada no proc. A (26-10-2009). Ficam necessariamente excluídos desse concurso os crimes de roubo cometidos em 01-11-2009, 01-12-2009, 15-12-2009 e 18-12-2009 (presentes autos), posteriores a esse trânsito. Contudo, esses crimes estão em concurso com os crimes do proc. B, cuja condenação só transitou em 03-11-2010.
VI - Assim, haveria que proceder a dois cúmulos: um entre as penas correspondentes aos crimes do proc. A e aos crimes de roubo praticados em 05-12-2008 e 29-01-2009, destes autos; outro englobando as restantes penas destes autos e as penas do proc. B. Contudo, o tribunal recorrido englobou todas as penas num único cúmulo, ignorando o trânsito em julgado da condenação proferida no proc. A, ocorrido em 26-10-2009. Violou, consequentemente, o disposto no art. 77.°, n.º 1, do CP, pelo que há que proceder à formulação de duas penas conjuntas, a cumprir sucessivamente.
VII - No entanto, como foi interposto recurso exclusivamente pelo arguido, o princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 409.° do CPP) impede a agravação da condenação imposta em 1.ª instância.
VIII - Na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas parcelares, não as penas conjuntas anteriormente fixadas. É que, no sistema da pena conjunta, consagrado na nossa lei, e contrariamente ao que sucede com o sistema da pena unitária, as penas parcelares não perdem a sua autonomia, não se “dissolvem” no cúmulo. Assim, em caso de conhecimento superveniente de concurso, sendo a pena anterior uma pena conjunta, há que anulá-la, “desmembrá-la” nas respetivas penas parcelares, e são estas, individualmente consideradas, que vão “entrar” no novo cúmulo. Por este motivo também, o cúmulo jurídico realizado deverá ser reformulado, tendo sempre presente o princípio da proibição da reformatio in pejus, que afasta a possibilidade de agravação da pena já fixada.
IX - Acresce que, apesar de o recorrente alegar vários factos “novos”, porque ocorridos posteriormente à última condenação, e que podem ser relevantes em termos de apreciação da sua personalidade, e na sua conjugação com os factos objetivos apurados, no acórdão recorrido apenas foram tomados em consideração os factos fixados nas condenações anteriores, não se tendo ordenado a elaboração de um relatório social atualizado. Afigura-se, pois, que a matéria de facto relativa à personalidade se mostra insuficiente ou desatualizada, pelo que o acórdão enferma de omissão de pronúncia nessa parte.
X - Nos termos do art. 402.°, n.º 2, al. a), do CPP, o recurso interposto por um arguido aproveita aos restantes, em caso de comparticipação. Visa este preceito salvaguardar a unidade de decisão, e consequente justiça relativa, no que se refere às matérias decorrentes da comparticipação criminosa, de forma a evitar decisões opostas quanto às mesmas questões.
XI - No entanto, no caso dos autos, não derivou da comparticipação entre os dois arguidos a decisão do tribunal quanto à fixação das respetivas penas conjuntas. Não se aplica, pois, nesta matéria o preceito acima citado.
I. Relatório
AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 11.3.2013, do tribunal coletivo da comarca de Sesimbra, na pena única de 14 anos de prisão, em cúmulo das penas aplicadas no acórdão de 11.1.2012, destes autos, no acórdão de 18.12.2009, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, proferido no proc. nº 410/04.4GESLV, e ainda no acórdão de 1.10.2010, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, proferido no proc nº 1565/07.1JDLSB.[1]
Do acórdão cumulatório recorreu o arguido, alegando:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão fls. (...) proferido pelos Juízes que compõem o Tribunal Colectivo no processo comum singular n°. 19/09.6JBLSB, Secção Única, do Tribunal Judicial de Sesimbra que condenou o arguido AA, na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.
2. Não pode o arguido conformar-se com o douto Acórdão do Tribunal Colectivo porquanto, decidindo como decidiram, o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos nem, tão pouco, uma adequada subsunção dos mesmos à norma jurídica.
3. O presente recurso tem como objecto os 14 anos, a que o arguido foi condenado em cúmulo jurídico, salvo melhor Vossa Douta opinião, peca por ser exagerada.
4. O Tribunal a quo não aplicou em concreto as normas que regem o cúmulo jurídico.
5. Fundamentando a sua decisão nas considerações já oportunamente tecidas a este respeito, no acórdão condenatório proferido nos presentes autos.
6. Citando apenas as partes mais impressivas.
7. Porém, como salienta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.2.86 (BMJ n°. 354 pág. 345): «A norma do art. 79°. do C. Penal de 1982 destina-se a autorizar o tribunal - e a impor-lhe - a aplicação em cúmulo jurídico de uma pena unitária, considerando em conjunto "os factos, e a personalidade do agente", sempre que se descubram infracções anteriores que formam uma acumulação com a já julgada, sem que a pena respectiva esteja cumprida, prescrita ou extinta, ou quando se verifique que não fora feito o cúmulo jurídico das diversas penas por crimes que formam uma acumulação de infracções, mesmo que as respectivas condenações hajam transitado. A nova avaliação conduz naturalmente ao encontro de umna pena unitária que pode não respeitar, ela própria, as particularidades das penas parcelares, de acordo, especialmente, com os critérios dos nos. 2, 3 e 4 do art. 78 daquele diploma legal."
8. Ora as razões apontadas por todas as decisões até agora proferidas nos processos e em todas as instâncias, apontavam para a falta de arrependimento e confissão dos factos.
9. Situação que actualmente não se mantém, o arguido já interiorizou a reprovabilidade da sua conduta, mostrando-se arrependido e envergonhado pelo cometimento dos mesmos; tendo inclusivamente contraído matrimónio no Estabelecimento Prisional onde se encontra, esperando o nascimento de mais um filho, que está previsto para o mês de Setembro, encontrando-se como é óbvio a sua mulher no estado de gravidez.
10. O arguido encontra-se a cumprir pena efectiva.
11. O tempo de prisão já cumprida, o seu efeito ressocializante, encontrando-se este, levam-nos a crer se encontra o arguido enquadrado nos parâmetros sociais considerados normais.
12. Ao arguido deverá ser reduzida a pena de 14 (catorze anos) de prisão no presente cúmulo, a qual foi condenado nos presentes autos, possibilitando assim ao arguido de reintegrar-se na sociedade.
13. Desta forma, o Tribunal a quo violou, entre outros:
- os artigos 127.°; 471° n°. 2 ambos do C.P.P.
- os artigos 77 n°. l, e n°. 3, 78 n°. l, ambos do CP..
14. O presente recurso tem por fundamento o disposto no n°. 1 do artigo 410.° do Código de Processo Penal.
CONCLUSÕES:
1) Na determinação de ser incluída a pena única no presente cúmulo jurídico, deve ser tida em conta a situação actual do arguido, ou seja casou com a sua companheira na prisão, vai ser pai novamente em Setembro, encontra-se inscrito na Universidade Aberta no curso de Ciência Política.
2) Não podendo a decisão, por estarmos em confronto com direito fundamental, simplesmente reportar-se a uma fundamentação de decisão anterior, desfasada da realidade actual.
3) Deveria, em nossa opinião, ter sido valorado o tempo já decorrido da prática dos factos pelo qual foi o arguido condenado.
4) Não foi elaborado relatório social pela D.G.R.S. para o cúmulo jurídico, o que é no mínimo lamentável, senão ilegal.
5) O tempo de prisão já cumprido pelo arguido mostra-se de uma forma muito favorável, visando a sua integração social.
6) O arguido encontra-se em condições para ser reintegrado na sociedade.
7) A pena única de 14 anos de prisão, a que foi condenado, em cúmulo jurídico, nos presentes autos, poderá prejudicar irremediavelmente a situação económica e familiar do arguido.
8) Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 127.°; 471°. n.º 2 do C.P.P., e os artigos 77°. n°. 1, e n°. 3, e 78°. n°. l ambos do C. P..
10) Assim, deve ser feito o cúmulo jurídico pela moldura mínima.
11) O arguido acredita na justiça!
Respondeu o Ministério Público, concluindo:
1ª A pena única aplicada (14A), em 11.03.13, que vem impugnada, foi deliberada, indubitavelmente, pelo Tribunal territorialmente competente (art 471º, 2, CPP), sendo tributário desse Juízo a prova antes (nos Julgamentos parcelares integrantes do derradeiro cúmulo) reunida, nos termos, mormente, do art 127º, CPP (cfr fls 13 do Acórdão, linhas 5 e 6), sopesadas as circunstâncias influenciadoras da dosimetria penal (art 77º, 1, 2º período, CP).
2ª O Colectivo, de resto, estava credenciado com os elementos de que carecia para o efeito, ora ouvindo o arguido/recorrente, em Audiência de cúmulo, quer quanto aos factos, quer quanto às suas condições pessoais e familiares (fls 13 da deliberação cumulatória, 1º parágrafo), partindo, daí, para a fixação da nova pena única (art 77º, 2, CP), em função das “parcelares” (e unitárias) anteriores.
3ª Veio, nessa medida, a pender para uma “nova” pena (14A) situada a meio dos parâmetros de que dispunha (art 77º, 2, CP: entre 9A e 6M e 19A e 6M), o que nos parece uma solução equilibrada e irredutível, tendo em conta os factos por que foi condenado o arguido, a actuação profissionalizante e grupal, a sua duração, a ausência de reparação, moral ou material, aos ofendidos, e, no fundo, as finalidades da punição (arts 40º, 1, e 71º, 1, CP).
4ª Nem se diga que novo relatório social ou mera informação actualizada da DGRSP (arts 1º e 370º, CPP) seriam instrumentos essenciais para a determinação da sanção, pois que o tribunal dispôs de relatório no Julgamento de 11.01.12, por isso recente, até porque o arguido, recluso desde 1.01.10, necessariamente, experimentou poucas mudanças na sua vida, que pudessem relevar, para lá daquelas que, ele mesmo, em Audiência de cúmulo, transmitiu ao Colégio de Julgadores!
5ª Mais significativamente, podendo, prescindiu de requerer, naquele acto/Audiência, ao abrigo do art 340º, CPP, qualquer diligência nesse sentido, certamente por achar a sua situação pessoal definida e divulgada ao Tribunal!...
6ª Não é do desconhecimento do Tribunal (cumulatório: art 471º, 2, CPP), nessa senda, que o arguido é casado, pai de 2 menores e que possui o 9º ano se escolaridade, como se consignou no Acórdão impugnado (fls 5).
7ª Estados de ansiedade, tristeza, dificuldades acrescidas familiarmente, mesmo do ponto de vista económico, são reflexos naturais e comuns a todos os reclusos, mal se aceitando que pudessem gerar clemência punitiva!
8ª Por fim, as normas alegadamente violadas pelo Tribunal recorrido (conclusão 8), além de escrupulosamente respeitadas, não se vê em que dimensão foram inobservadas nem as que se deveriam sobrepor, ónus incumprido pelo recorrente (art 412º, 2, b) e c), CPP), e que deve merecer sanção processual, rejeitando-se o recurso nesse segmento (de direito).
9ª Em suma, por irrepreensível, deve, sim, manter-se o deliberado em 11.03.13!
Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
1 - O acórdão recorrido proferido no Tribunal de Sesimbra englobou no cúmulo todas as condenações mas parece-nos não poder subsistir tal como foi proferido pelas seguintes razões:
a) não se verificar o conhecimento superveniente do concurso, entre o acórdão condenatório transitado em 15/12/2012 e o acórdão transitado em 29/10/2009.
Só poderá haver, por isso conhecimento superveniente do concurso nas decisões condenatórias do proc. 19/09.6JBLSB e o do proc. 1565/07.1JDLSB da 6ª Vara Criminal (de 3/11/2010), embora este também possa estar em concurso com o acórdão transitado em primeiro lugar (26/10/2009).
b) a pena única foi encontrada inexplicavelmente na soma das penas únicas das três condenações e não nas somas concretamente aplicadas aos vários crimes (artº 77º nº 2 do CP).
c) Parece-nos por isso que não se pode verificar o conhecimento superveniente do concurso entre uma das condenações transitadas em julgado e as outras duas condenações não se podendo proceder a cúmulo jurídico das penas quando os crimes foram cometidos depois de transitada em julgado a condenação anterior.
O primeiro acórdão condenatório transitou em julgado no dia 26 de Outubro de 2009 por factos ocorridos em 2/08/2004 (p. 410/04.4GESLV do Tribunal Judicial de Silves).
O terceiro acórdão condenatório que deu origem ao agora acórdão recorrido transitou em julgado em 15/02/2012 mas quatro dos factos/crimes verificaram-se entre 1 de Novembro e 18 de Dezembro de 2009 (proc. 19/09.6JBLSB).
O conhecimento superveniente do concurso, segundo os nºs 1 e 2 do artº 78º do CP, verifica-se:
1- Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação…
2- O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
E daqui se tem de concluir, de acordo com o estabelecido nesta disposição legal e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que os últimos 4 crimes pelos quais foi condenado o arguido no acórdão de 15/2/2012 ocorreram depois de ter transitado o acórdão condenatório de 26 de Outubro de 2009 (proc. 410/04.4GESLV).
O limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes para efeito de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente; no caso de conhecimento superveniente aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão que condene por um crime anterior, ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto (Ac. de 14/05/2009, p. 606/09, 3ª sec.).
2- Seguindo ainda estes princípios só se verifica o conhecimento superveniente do concurso entre o acórdão condenatório proferido no Tribunal de Sesimbra e transitado em 15/2/2012 (proc. 19/009.6JBLSB) e o acórdão condenatório proferido na 6ª Vara Criminal de Lisboa transitado em 3/11/2010, porque todos os crimes praticados pelo arguido AA pelos quais foi condenado no Tribunal de Sesimbra, ocorreram antes de transitar em julgado esta decisão condenatória da 6ª Vara Criminal de Lisboa.
1.1 É certo que os crimes cometidos pelo arguido e pelos quais foi condenado neste acórdão, também estão em concurso com a condenação do Tribunal de Silves, mas em alternativa parece-nos que o cúmulo poderá/deverá ser efetuado com a condenação mais grave, que é a de Sesimbra, por ser mais favorável ao arguido.
2- Não podemos no entanto deixar de suscitar ainda a nulidade do acórdão por não ter obedecido às regras da punição do concurso previstas no artº 77º, tal como prevê o nº 1 do artº 78º do CP.
O artº 77º dispõe as seguintes regras:
1- Quando … é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2- A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Os julgadores da 1ª instância (Circulo Judicial de Almada) para encontrar a medida da pena limitou-se a somar as três penas únicas que haviam resultado dos concursos dos crimes nos três acórdãos condenatórios, pois considerou que a pena máxima era de 19 anos e 6 meses (9 anos e 6 meses mais 6 anos e 6 meses e 3 anos e 6 meses) e a mínima de 9 anos e 6 meses.
No entanto, ainda que o concurso superveniente abrangesse os três acórdãos condenatórios, a pena única aplicável tinha de ter um limite máximo de 25 anos (a soma de todas as penas era de 33 anos) e como limite mínimo de 6 anos e 5 meses (a pena máxima aplicada).
Mas como nos parece que deste concurso deverá ser excluído o acórdão condenatório transitado em 26/10/2009, a medida da pena única deverá ser encontrada na soma das outras penas aplicadas, em que o limite máximo continua a ser 25 anos de prisão (26 anos e 4 meses, a soma) e o limite mínimo 4 anos de prisão, sendo nulo o acórdão recorrido, nesta vertente.
3- O acórdão recorrido para além de transcrever parcialmente a matéria de facto relativa a cada um dos crimes, quanto ao arguido AA limitou-se a referir os seus registos criminais e ainda que é casado e tem 2 filhos menores, tem o 9º ano e encontra-se preso desde 1/1/2010.
Haverá pois demasiada exiguidade na consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido para fundamentar a medida da pena única.
E tal como o arguido AA suscita no seu no seu recurso foi efetuado o julgamento e proferida a decisão condenatória sem ter sido solicitado um relatório atual sobre a personalidade do arguido.
O acórdão condenatório da 1ª instância, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça na interpretação dos artºs 77º e 78º do CP, na formação de um cúmulo jurídico devia pôr em causa as penas objeto de sentenças transitadas e não o julgamento de cada um dos crimes, devendo-se valer apenas das circunstâncias que estiverem na sua formação.
E por outro lado não é desejável, nem útil, que a decisão que efetua um cúmulo jurídico de penas, todas já transitadas em julgado, enumere os factos provados em cada uma das sentenças onde as penas parcelares foram aplicadas. Isso seria um trabalho inútil e que não levaria a uma melhor compreensão do processo lógico que conduziu á pena única.
Mas será desejável que o tribunal faça um resumo sucinto desses factos, por forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o tribunal superior, a perceber qual a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, cujo mero enunciado legal, em abstrato, não é regra bastante (Ac. STJ de 27 de Março de 2003, proc. n.º 4408/02-5.ª; SASTJ), citado no Ac. do STJ de 21/6/2012, proc. 778/06.8GAMAI.S1.
No entanto estes princípios não foram observados no acórdão recorrido pelo que também é nulo devido à falta de fundamentação.
4 - Embora o arguido BB não tenha interposto recurso e o acórdão condenatório tenha apenas transitado provisoriamente, parece-nos que deverá ser abrangido pela anulação do acórdão que também procedeu ao cúmulo das penas que lhe haviam sido aplicadas nos presentes autos (conjuntamente com o co-arguido AA) com uma condenação que também transitou antes da data do último crime do proc 19/09.6JBLSB do Tribunal de Sesimbra.
Como atrás se anota os dois últimos crimes de roubo agravados no acórdão transitado em 15/12/2012, ocorreram em 15 e 18 de Dezembro de 2009.
O acórdão proferido no Tribunal da Moita, transitou em 2 de Dezembro de 2009, portanto aqueles dois crimes só aconteceram depois de ter transitado o acórdão em que o arguido BB foi condenado a 10 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, com regime de prova.
Não poderá ocorrer pois, pelos fundamentos que atrás já referimos, concurso superveniente por factos/crimes que se verificaram em data posterior ao trânsito em julgado desta decisão condenatória o que torna nulo o acórdão recorrido, também quanto ao arguido BB.
Assim e por tudo isto parece-nos que, oficiosamente deverá ser anulado o acórdão proferido no Tribunal Judicial de Sesimbra não só por ter procedido a cúmulo cujo concurso superveniente não se verifica, com uma das decisões condenatórias, relativamente aos arguidos AA e BB, mas também por terem sido erradamente encontradas as penas mínimas e máximas, bem como falta de fundamentação da medida da pena (artºs 78º nºs 1 e 2, 77º nº 2 do CP e 379º do CPP).
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), nada tendo respondido o arguido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
A única questão colocada pelo recorrente é a da medida da pena do concurso, que pretende que seja reduzida ao mínimo legal, argumentando basicamente que a sua situação atual é diferente da apreciada na condenação anterior, pois já interiorizou a reprovabilidade da sua conduta e contraiu matrimónio na prisão, esperando o nascimento de um filho, factos estes que o tribunal recorrido não conheceu, por não ter mandado elaborar o relatório social.
Por sua vez, a sra. Procuradora-Geral Adjunta suscita as seguintes questões:
a) Não se verificar concurso entre os crimes do acórdão destes autos, transitado em 15.12.2012, e os do acórdão proferido no proc. nº 410/04.4GESLV, transitado em 29.10.2009;
b) Ter sido a pena única calculada com base na soma das penas conjuntas anteriormente aplicadas e não na das penas parcelares;
c) Ser o acórdão recorrido demasiado “exíguo” na consideração da personalidade do arguido, por falta do relatório social, ao mesmo tempo que não procede a uma síntese dos factos que serviram de fundamento às condenações, o que implica a nulidade do acórdão;
d) Dever essa nulidade ser extensiva ao arguido BB, não recorrente, já que também em relação a ele se efetuou o cúmulo com penas que não estavam abrangidas no concurso.
Importa, antes de mais, conhecer a matéria de facto, que é a seguinte:
I - O arguido AA, casado, ajudante de mecânico, nascido a 11/09/1979, filho de CC e de DD, natural da Guiné Bissau, residente na Rua S… de I… e R… B… “Os P….”, Lote xx, R/C Dtº., L… e, actualmente, preso, em cumprimento de pena, à ordem do Processo nº. 410/04.4 GESLV do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, no E.P. de Pinheiro da Cruz, foi condenado:
1º- Nos presentes autos (processo comum nº. 19/09.6 JBLSB), por acórdão proferido em 11/01/2012, já transitado em julgado (em 15/02/2012), pela prática, em 05/12/2008, 29/01/2009, 01/11/2009, 01/12/2009, 15/12/2009 e 18/12/2009, como co-autor material de quatro crimes de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nº. 2, al. g), ambos do Código Penal, de um crime de roubo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 210º, nºs. 1 e 2 e 204º, nº. 2, al. g) e nº. 4, ambos do Código Penal e de um crime de roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 210º, nº. 2, al. b), 204º, nº. 2, al. g), 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal, nas penas respectivas de 4 anos e 6 meses de prisão por cada um dos quatro crimes de roubo agravado, 2 anos de prisão pelo crime de roubo simples e 2 anos de prisão pelo crime de roubo agravado na forma tentada.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- O arguido, no dia 05/12/2008, juntamente com outros, efectuaram seguimento a uma carrinha de transporte de valores e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao funcionário porta valores, exigiram-lhe a entrega do saco que este transportava e que entregou, contendo no seu interior € 17 040,00, de que o arguido e os seus acompanhantes se apoderaram;
- O arguido, no dia 29/01/2009, juntamente com outros, efectuaram seguimento a uma carrinha de transporte de valores e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao funcionário porta valores, exigiram-lhe a entrega do saco que este transportava e que entregou, contendo no seu interior € 4 648,78 em numerário e € 231,00 em títulos de refeição, de que o arguido e os seus acompanhantes se apoderaram;
- O arguido, no dia 01/11/2009, juntamente com outros, aguardaram a chegada de uma carrinha de transporte de valores cujo trajecto já conheciam e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao funcionário porta valores, exigiram-lhe a entrega do saco que este transportava e que entregou, contendo no seu interior apenas diversa correspondência sem qualquer valor comercial, apoderando-se desse saco;
- O arguido, no dia 01/12/2009, juntamente com outros, aguardaram a chegada de uma carrinha de transporte de valores cujo trajecto já previamente conheciam e, quando um dos companheiros do arguido se preparava para abordar o funcionário porta valores que trazia consigo um saco contendo no seu interior € 11 00,00, não o logrou fazer por este ter entrado rapidamente na carrinha;
- O arguido, no dia 15/12/2009, juntamente com outros, efectuaram seguimento a uma viatura Mercedes e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao condutor da mesma ordenando-lhe que se deitasse no chão, entraram naquele veículo, com o valor comercial de € 9 000,00, colocaram-no em marcha e abandonaram o local, dele se apoderando;
- O arguido, no dia 18/12/2009, juntamente com outros, efectuaram seguimento a uma carrinha de transporte de valores na viatura Mercedes de que se haviam apoderado anteriormente, e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao funcionário porta valores, exigiram-lhe a entrega dos sacos de transporte de valores e que este transportava e que entregou, contendo no seu interior € 16 689,50, de que o arguido e os seus acompanhantes se apoderaram. Foram então perseguidos pelo funcionário da empresa de transporte de valores e, após imobilização forçada da viatura onde o arguido circulava, este e os seus acompanhantes abandonaram no interior desta sacos contendo € 16 270,15 e levaram consigo um saco que continha no seu interior € 418,95 – cfr. fls. 5241 a 5312 e 5998 a 6037.
2º - Por acórdão proferido em 18/12/2006, transitado em julgado a 26/10/2009, no âmbito do Processo nº. 410/04.4 GESLV, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, pela prática, em 02/08/2004, de um crime de tráfico de estupefacientes e como reincidente, p. e p. pelo artigo 21º, nº. 1, do D.L. nº. 15/93, de 22/01 e pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º do Código Penal, nas penas parcelares de 6 anos e 5 meses de prisão e de 3 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- No dia 02/08/2004, o arguido, juntamente com outro, procedeu à recolha de uma carteira que se encontrava escondida e que continha no seu interior 67,090 gramas de cocaína. Quando foi abordado por militares da GNR e ao ser-lhe dada ordem para permanecer no local, o arguido tentou fugir do local e, ao ser alcançado, debateu-se com aqueles militares, causando-lhes ferimentos e escoriações – cfr. certidão de fls. 6746 a 6754.
3º- Por acórdão proferido em 01/10/2010, transitado em julgado a 03/11/2010, no âmbito do Processo nº. 1565/07.1 JDLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 12/05/2005 e 25/07/2005, de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº. 1, als. a) e b) e nº. 3, do Código Penal, e de um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artigo 261º do Código Penal na versão vigente à data da prática dos factos, nas penas respectivas de 2 anos de prisão por cada um dos dois crimes de falsificação de documento e de 4 meses de prisão, pelo crime de uso de documento falso.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Em 12/05/2005, o arguido, exibindo um cartão de contribuinte e uma cédula militar respeitantes a EE, entregou nos serviços da Direcção Geral dos Registos e Notariado, um pedido de renovação do bilhete de identidade em nome do mencionado EE, e procedeu ao preenchimento do modelo 11 da referida Direcção Geral, com as menções de chamar-se EE, tendo, em 18/05/2005, sido emitido o bilhete de identidade nos termos solicitados;
- No dia 25/07/2005, no Governo Civil do distrito de Lisboa, o arguido requereu a concessão de um passaporte, afirmando chamar-se EE e exibindo o referido bilhete de identidade, tendo preenchido o impresso 1666 da INCM, S.A., aí consignando que se chamava EE, vindo tal passaporte a ser emitido ao arguido como por ele solicitado – cfr. certidão de fls. 6820 a 6826.
O arguido AA regista ainda outras condenações no seu certificado de registo criminal junto a fls. 6766 a 6772, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- O arguido AA é casado e tem dois filhos menores.
- Este arguido encontra-se preso desde 01/01/2010 e tem o 9º ano de escolaridade.
II - O arguido BB, solteiro, soldador, nascido em 12/12/1981, natural da freguesia de S. Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, filho de FFe de GG, residente na Praceta F… L…, lote xx, R/C Esqº., B… da B… e, actualmente, preso, em cumprimento de pena, à ordem dos presentes autos, no E.P. de Pinheiro da Cruz, foi condenado:
1º - Nos presentes autos (processo comum nº. 19/09.6 JBLSB), por acórdão proferido em 11/01/2012, já transitado em julgado (em 15/02/2012), pela prática, em 29/01/2009, 01/11/2009, 01/12/2009, 15/12/2009 e 18/12/2009, como co-autor material de três crimes de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs. 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, nº. 2, al. g), ambos do Código Penal, de um crime de roubo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 210º, nºs. 1 e 2 e 204º, nº. 2, al. g) e nº. 4, ambos do Código Penal e de um crime de roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 210º, nº. 2, al. b), 204º, nº. 2, al. g), 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal, nas penas respectivas de 4 anos de prisão por cada um dos três crimes de roubo agravado, 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de roubo simples e 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de roubo agravado na forma tentada.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Pelo menos a partir de 29/01/2009 o arguido aderiu ao plano acordado com outros co-arguidos, de interceptar carrinhas de transporte de valores, com o uso de aparentes armas de fogo e valores que aquelas transportassem;
- No dia 29/01/2009, o arguido, juntamente com outros, efectuaram seguimento a uma carrinha de transporte de valores e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao funcionário porta valores, exigiram-lhe a entrega do saco que este transportava e que entregou, contendo no seu interior € 4 648,78 em numerário e € 231,00 em títulos de refeição, de que o arguido e os seus acompanhantes se apoderaram;
- O arguido, no dia 01/11/2009, juntamente com outros, aguardaram a chegada de uma carrinha de transporte de valores cujo trajecto já conheciam e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao funcionário porta valores, exigiram-lhe a entrega do saco que este transportava e que entregou, contendo no seu interior apenas diversa correspondência sem qualquer valor comercial, apoderando-se desse saco;
- Na sequência de plano previamente delineado com o arguido e outros, com o intuito de alugarem uma viatura destinada à utilização na abordagem a uma carrinha de transporte de valores, no dia 01/12/2009, os comparsas do arguido, aguardaram a chegada de uma carrinha de transporte de valores cujo trajecto já previamente conheciam e, quando um dos companheiros do arguido se preparava para abordar o funcionário porta valores que trazia consigo um saco contendo no seu interior € 11 00,00, não o logrou fazer por este ter entrado rapidamente na carrinha;
- O arguido, no dia 15/12/2009, juntamente com outros, efectuaram seguimento a uma viatura Mercedes e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao condutor da mesma ordenando-lhe que se deitasse no chão, entraram naquele veículo, com o valor comercial de € 9 000,00, colocaram-no em marcha e abandonaram o local, dele se apoderando;
- O arguido, no dia 18/12/2009, juntamente com outros, efectuaram seguimento a uma carrinha de transporte de valores na viatura Mercedes de que se haviam apoderado anteriormente, e, mediante a exibição de objectos que aparentavam ser armas de fogo e que apontaram ao funcionário porta valores, exigiram-lhe a entrega dos sacos de transporte de valores e que este transportava e que entregou, contendo no seu interior € 16 689,50, de que o arguido e os seus acompanhantes se apoderaram. Foram então perseguidos pelo funcionário da empresa de transporte de valores e, após imobilização forçada da viatura onde o arguido circulava, este e os seus acompanhantes abandonaram no interior desta sacos contendo € 16 270,15 e levaram consigo um saco que continha no seu interior € 418,95 – cfr. fls. 5241 a 5312 e 5998 a 6037.
2º- Por acórdão proferido em 12/11/2009, transitado em julgado a 02/12/2009, no âmbito do Processo nº. 473/07.0 GBMTA, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Moita, pela prática, em 31/03/2007, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº. 1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova.
Nessa data, o arguido, desferiu um soco na cara de um militar da GNR que havia abordado o irmão do arguido para o fiscalizar, por o mesmo se encontrar a conduzir um motociclo sem capacete – cfr. certidão de fls. 6649 a 6658.
O arguido BB regista ainda outras condenações no seu certificado de registo criminal junto a fls. 6830 a 6837, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- O arguido BB é solteiro e tem uma filha menor.
- Este arguido tem o 7ºano de escolaridade e é soldador.
- Encontra-se preso desde 12/01/2010 e trabalha na faxina.
Comecemos por recapitular a situação penal do recorrente. Foi condenado por três decisões:
A) Nestes autos, por acórdão de 11.1.2012, transitado em julgado em 15.2. 2012, nas seguintes penas:
- 4 anos e 6 meses de prisão por cada um de quatro crimes de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1 e 2, b), e 204º, nº 2, g), ambos do Código Penal (CP), por factos ocorridos em 5.12.2008, 29.1.2009, 1.11.2009 e 1.12.2009;
- 2 anos de prisão por um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, e 204º, nºs 2, g), e 4, do CP, por factos ocorridos em 15.12.2009;
- 2 anos de prisão por um crime de roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 2, b), 204º, nº 2, g), 22º, 23º e 73º, todos do CP, por factos ocorridos em 18.12.2009;
Em cúmulo, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.
B) No proc. nº 410/04.4GESLV, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, por acórdão de 18.12.2006, transitado em julgado em 26.10.2009, nas seguintes penas:
- 6 anos e 5 meses de prisão, por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22-1;
- 3 meses de prisão, por um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 374º do CP, ambos por factos ocorridos em 2.8.2004;
Em cúmulo, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
C) No proc. nº 1565/07.1JDLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 1.10.2010, transitado em julgado em 3.11.2010, nas seguintes penas:
- 2 anos de prisão, por cada um de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, a) e b), e 3 do CP, por factos ocorridos em 12.5.2005;
- 4 meses de prisão, por um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo art. 261º do CP, por factos ocorridos em 25.7.2005;
Em cúmulo, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
Analisemos agora as questões propostas.
Inexistência de concurso entre todos os crimes considerados no cúmulo
Nos termos do art. 77º, nº 1 do CP, existe concurso de crimes quando alguém comete vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. O trânsito em julgado de uma condenação estabelece, pois, uma linha de demarcação entre os crimes cometidos antes e depois, impedindo que as penas correspondentes a todos eles sejam abrangidas por uma única pena conjunta. Nesse caso, não haverá concurso, mas sim sucessão de crimes e de penas.
No caso de o conhecimento do concurso ser superveniente, ou seja, quando só após o trânsito em julgado se tem conhecimento da existência de condenações anteriores, aplicam-se as mesmas regras (art. 78º, nºs 1 e 2, do CP), devendo o tribunal da última condenação proceder ao cúmulo jurídico das penas como se o conhecimento de todas elas fosse contemporâneo.
Existem, porém, casos em que uma pena está em concurso simultaneamente com outra ou outras penas que, por sua vez, não estão numa relação de concurso entre si. Terá essa “pena-charneira” a virtualidade de “arrastar” todas as penas para um único concurso, punido consequentemente com uma pena única?
A resposta da doutrina sempre foi no sentido de não admitir a figura do “cúmulo por arrastamento”.[2]
Já na jurisprudência persistiu durante vários anos a orientação oposta, sufragada aliás por este Supremo Tribunal[3]. Contudo, desde há anos que a jurisprudência deste Tribunal é unânime na rejeição do “cúmulo por arrastamento”.[4]
Na verdade, não só seria absurdo que a prática de mais um crime servisse de expediente para a fusão num único concurso de um conjunto de penas que, não fora essa outra condenação, deveriam ser cumpridas em termos de sucessão, como a solução é contra legem, pois o art. 77º, nº 1, do CP claramente determina, como vimos, a impossibilidade de proceder a um único cúmulo.
Doutra forma, ficaria prejudicada a razão de ser da regra, que assenta no valor da “solene advertência” para o condenado não cometer novos crimes, que a condenação transitada encerra, não podendo consequentemente ele beneficiar do desrespeito por essa advertência.
Por conseguinte, interrompendo o trânsito de uma condenação a formação de um único concurso de crimes, há que proceder a dois cúmulos: um entre as penas anteriores ao trânsito da condenação; outro referente às penas posteriores. Estas duas penas conjuntas deverão ser cumpridas sucessivamente.
Vejamos agora o caso dos autos.
Reportando-nos à descrição das condenações atrás exposta, verifica-se que existe uma relação de concurso entre os crimes apreciados no proc. nº 410/04.4GESLV, os crimes do proc. nº 1565/07.1JDLSB e ainda os crimes de roubo praticados em 5.12.2008 e 29.1.2009, destes autos, porquanto todos eles foram praticados antes do trânsito da condenação decretada no proc. nº 410/04.4GESLV (26.10.2009).
Ficam necessariamente excluídos desse concurso os crimes de roubo cometidos em 1.11.2009, 1.12.2009, 15.12.2009 e 18.12.2009 (presentes autos), posteriores a esse trânsito.
Contudo, esses crimes estão em concurso com os crimes do proc. nº 1565/07.1JDLSB, cuja condenação só transitou em 3.11.2010.
Assim, haveria que proceder a dois cúmulos: um entre as penas correspondentes aos crimes do proc. nº 410/04.4GESLV e aos crimes de roubo praticados em 5.12.2008 e 29.1.2009, destes autos; outro englobando as restantes penas destes autos e as penas do proc. nº 1565/07.1JDLSB.
Contudo, o tribunal recorrido, como já se disse, englobou todas as penas num único cúmulo, ignorando o trânsito em julgado da condenação proferida no proc. nº 410/04.4GESLV, ocorrido em 26.10.2009.
Violou, consequentemente, o disposto no art. 77º, nº 1, do CP, pelo que há que proceder à formulação de duas penas conjuntas, a cumprir sucessivamente.
No entanto, como foi interposto recurso exclusivamente pelo arguido, o princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 409º do CPP) impede a agravação da condenação imposta em 1ª instância.
Procede, pois, com a limitação assinalada, a questão suscitada pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal.
Moldura da pena conjunta
Suscita igualmente a sra. Procuradora-Geral Adjunta a questão da medida da moldura da pena conjunta, já que o tribunal recorrido atendeu, na fixação dos limites máximo e mínimo dessa moldura, às penas conjuntas fixadas nos diversos processos, e não às penas parcelares que as integram.
É pertinente o reparo. Na verdade, na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas parcelares, não as penas conjuntas anteriormente fixadas.
É que, no sistema da pena conjunta, consagrado na nossa lei, e contrariamente ao que sucede com o sistema da pena unitária, as penas parcelares não perdem a sua autonomia, não se “dissolvem” no cúmulo. Assim, em caso de conhecimento superveniente de concurso, sendo a pena anterior uma pena conjunta, há que anulá-la, “desmembrá-la” nas respetivas penas parcelares, e são estas, individualmente consideradas, que vão “entrar” no novo cúmulo.[5]
Contudo, o acórdão recorrido fixou a moldura da pena conjunta com base nos cúmulos anteriores, estabelecendo como mínimo o mais grave dentre eles e como máximo a soma de todos eles, ignorando portanto as penas parcelares.
Procede também neste ponto a questão suscitada pelo Ministério Público.
Porém, relembra-se que o já citado princípio da proibição da reformatio in pejus afasta a possibilidade de agravação da pena já fixada.
Nulidade do acórdão por insuficiência da matéria de facto
Quer o recorrente, quer a sra. Procuradora-Geral Adjunta se pronunciam pela nulidade do acórdão, por insuficiência da matéria de facto, nomeadamente quanto às condições pessoais do arguido.
No que respeita aos factos, e ao contrário do que entende a sra. Procuradora-Geral Adjunta considera-se que o acórdão recorrido satisfaz as condições exigidas, embora porventura excessivamente, pois transcreve integralmente a matéria de facto dos diversos acórdãos condenatórios. Não se pode, pois, alegar que faltem os factos objetivos.
Já quanto aos factos relativos à personalidade a situação é diferente. Foram tomados em consideração os factos fixados nas condenações anteriores, não se tendo ordenado a elaboração de um relatório social atualizado.
Ora, o recorrente vem alegar vários factos “novos”, porque ocorridos posteriormente à última condenação, que podem ser relevantes em termos de apreciação da sua personalidade, e na sua conjugação com os factos objetivos apurados.
Afigura-se, pois, que a matéria de facto relativa à personalidade se mostra insuficiente ou desatualizada, pelo que o acórdão enferma de omissão de pronúncia nessa parte.
Extensão do recurso ao coarguido BB
Pretende a sua. Procurador-Geral Adjunta que o acórdão recorrido deve também ser anulado quanto ao arguido BB, não recorrente, por ter também quanto a este arguido fixado uma pena conjunta incluindo uma pena não abrangida pelo concurso de crimes.
Nos termos do art. 402º, nº 2, a), do CPP, o recurso interposto por um arguido aproveita aos restantes, em caso de comparticipação.
Visa este preceito salvaguardar a unidade de decisão, e consequente justiça relativa, relativamente às matérias decorrentes da comparticipação criminosa, de forma a evitar decisões opostas quanto às mesmas questões.
No entanto, no caso dos autos, não derivou da comparticipação entre os dois arguidos a decisão do tribunal quanto à fixação das respetivas penas conjuntas.
Não se aplica, pois, nesta matéria o preceito acima citado. O recurso interposto não abrange, pois, o coarguido BB, não recorrente.
III. Decisão
Com base no exposto, e concedendo provimento parcial ao recurso, decide-se:
a) Anular o acórdão recorrido, por omissão de fundamentação de facto quanto à personalidade do recorrente, devendo o tribunal recorrido proceder à sanação desse vício, eventualmente mediante pedido de elaboração de relatório social do recorrente;
b) Revogar o acórdão recorrido na parte em que efetuou o cúmulo das penas, devendo proceder-se à fixação de duas penas conjuntas, a cumprir sucessivamente: uma entre as penas correspondentes aos crimes do proc. nº 410/04.4GESLV e aos crimes de roubo praticados em 5.12.2008 e 29.1.2009, destes autos; outra englobando as restantes penas aplicadas nestes autos e as penas do proc. nº 1565/07.1JDLSB, tendo sempre em consideração as penas parcelares, e sem prejuízo do princípio da proibição da reformatio in pejus.
Sem custas.
Lisboa, 16 de outubro de 2013
Maia Costa (relator) **
Pires da Graça