I - A proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra na proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC), nessa medida sendo de conhecimento oficioso; no entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório.
II - São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.
III - Não actua com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o proprietário que exerce o direito de demarcação duma estrema do seu prédio confinante com outro prédio, após ter intentado acção de demarcação de uma outra estrema dos mesmos prédios, se da respectiva matéria de facto provada resulta demarcada a estrema não incluída no pedido formulado, que, por isso, veio a ser excluída da parte decisória.
IV - Se os autores construíram no seu prédio obra que se prolongou pelo prédio da ré e manifestaram vontade de adquirir a faixa de terreno ocupada, mediante o pagamento do respectivo valor e do prejuízo resultante da desvalorização daquele prédio, há que verificar se estão reunidos os requisitos da denominada acessão invertida, fixados no art. 1343.º, n.º 1, CC, a saber: a ocupação duma parcela de terreno alheio na construção dum edifício em terreno próprio; boa fé do autor da construção; decurso de três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário; pagamento do valor do terreno e reparação do prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante.
V - A acessão invertida prevista no citado art. 1343.º, n.º 1, reporta-se apenas à parcela ocupada e não à totalidade do prédio, pelo que a circunstância de os pressupostos do direito de aquisição por acessão não se verificarem relativamente a uma faixa de terreno não impede o reconhecimento de tal direito quanto a outra faixa.
VI - Apesar de o direito público impor diversas limitações à altura das vedações, o Código Civil confere liberdade aos proprietários para taparem os seus prédios; no entanto, se esse direito for exercido de forma abusiva ou violadora de direitos dos proprietários de prédios confinantes, podem interesses privados derivados de relações de vizinhança determinar restrições àquela liberdade.
VII - Se a ré construiu, na linha de demarcação do seu prédio com o dos autores um muro que, junto à casa destes, tem a altura de 2,5 metros e priva de sol a zona do alçado lateral esquerdo e a do rés-do-chão da parede sul dessa casa, não poderá essa altura considerar-se excessiva, uma vez que se destina a garantir a privacidade e a segurança, fins insusceptíveis de ser atingidos com um muro mais baixo; em tais circunstâncias, é de afastar o abuso do direito de tapagem imputado à ré.
VIII - No entanto, subsiste a possibilidade de o direito de tapagem exercido pela ré ter de ceder, se colidir com direitos dos donos do prédio vizinho, conforme resulta do art. 335.º do CC, considerando que está em causa o direito destes à insolação, eventualmente em colisão com aquele direito, pois o muro priva de sol parte do prédio e da casa dos autores.
IX - Tendo o muro as dimensões mínimas para poder desempenhar utilmente a função a que se destina – garantir a privacidade e a segurança – terá o direito dos autores à insolação que ceder.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Resumo dos termos essenciais da causa e dos recursos
AA e seu marido BB, entretanto falecido a …/…/20… e representado pela autora, herdeira habilitada, propuseram uma acção ordinária contra a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de CC, representada por DD e marido EE, FF e mulher GG, HH e marido II, pedindo:
a) se declare que a sentença proferida na acção n.º 184/97, do Tribunal de Vieira do Minho (confirmada por acórdãos da Relação do Porto e do STJ), é inválida por contrariar – e na medida em que contraria – a sentença proferida na acção n.º 110/95, do 2.º Juízo do Tribunal de Círculo de Braga e posterior acórdão da Relação do Porto;
b) se condene a herança ré (ou os réus, na qualidade de herdeiros de sua mãe): b.1 - a reconhecer(em) que os autores são plenos proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial; b.2 - a reconhecer(em) que a linha divisória entre ele e o prédio da herança ré (ou dos réus na referida qualidade) referido no artigo 7.º é a constante do artigo 122.º da petição inicial; caso assim se não entenda, pedem:
c) se reconheça aos autores o direito de adquirirem, por acessão, o terreno onde se encontravam implantadas as obras por eles realizadas até à linha referida na alínea anterior, mediante o pagamento do preço do terreno ocupado e da (eventual) desvalorização do prédio da herança ré (ou dos réus);
d) se condene a herança ré (ou os réus, na referida qualidade) a: d.1 - através de empreiteiro idóneo, demolir o muro construído e repor o prédio dos autores no estado em que se encontrava antes das obras feitas no decurso do ano corrente; ou, subsidiariamente, d.2 - a pagar(em) aos autores o custo desta reposição, de montante exacto ainda não apurado mas não inferior a € 80.000; ou, subsidiariamente, d.3 - a pagar(em) aos autores o montante de € 100.000 correspondente à desvalorização do seu prédio em consequência daquelas obras; e, em qualquer caso, d.4 - a pagar(em) aos autores o montante de € 25.000 como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos; d5 - a pagar(em) aos autores a importância que se liquidar em execução de sentença correspondente aos prejuízos pela não utilização do seu prédio.
Alegaram, em resumo, que são donos de dois prédios urbanos que se materializam num só e confronta, pelos lados sul e nascente, com um imóvel pertencente a CC, de quem os réus são os únicos herdeiros. Ao longo dos anos verificaram-se divergências relativas à definição da linha divisória entre estes prédios que levaram à propositura, pela falecida CC, de duas acções judiciais contra os autores, sustentando estes que foram ali proferidas decisões contraditórias, devendo prevalecer a primeira. Alegaram ainda que CC edificou um muro ao longo da estrema norte do seu prédio, com altura entre 2,5 e 5 metros, ocupando uma faixa de terreno do prédio dos autores de cerca de 220 metros quadrados, inutilizando a piscina aí implantada, desvalorizando o imóvel e causando-lhes danos patrimoniais e não patrimoniais.
A herança ré contestou e, prevendo a possibilidade de se considerar que a decisão proferida na anterior acção de demarcação (com o nº 184/97) não abrange toda a linha demarcada em conformidade com a resposta ao respectivo quesito 12.º e de se entender que não vale no presente processo a prova produzida nesse processo, deduziu reconvenção, pedindo:
a) se condenem os autores a concorrerem para completa demarcação entre o seu prédio e o da ré, na estrema norte do prédio desta última;
b) se declare que os limites de uma e doutros são definidos por uma linha de demarcação que é a seguinte: b.1) inicia-se no caminho público existente, colocado a 1,80 metros a sul do muro dos autores, prolongando-se em linha recta no sentido nascente-poente, numa extensão de 27,5 metros e paralelamente à casa dos autores, distando desta 1,8 metros tal como identificado na linha vermelha da planta topográfica de fls. 225 da acção sumária n.º 184/97; b.2) ao cabo daqueles 27,50 metros, a linha de demarcação flecte para sul, sensivelmente na perpendicular, com o comprimento de 15 metros; b.3) e depois, ao cabo de tais 15 metros, flecte novamente para poente, numa extensão de 19,50 metros e fazendo com a anterior um ângulo de 95 graus, tal como identificado com a linha vermelha referida.
Houve réplica, na qual os autores mantiveram a posição assumida na petição inicial e sustentaram que não se verificam os requisitos legais da demarcação, pronunciando-se pelo indeferimento liminar da reconvenção ou pela sua improcedência, e ampliaram o pedido, peticionando que a herança ré, ou os seus representantes, seja condenada a repor os marcos que estes arrancaram (os n.ºs 1, 2, 3 e 4 referidos no documento n.º 9 junto com a petição inicial).
No despacho saneador julgou-se improcedente o pedido formulado pelos autores em a) e coberto pelo caso julgado o pedido indicado em b) e b.2; admitiu-se a reconvenção no tocante aos pedidos das alíneas a), b.2 e b.3 e absolveram-se os autores da instância quanto ao pedido identificado em b.1, por tal estar já decidido com trânsito em julgado.
Os autores agravaram da decisão que admitiu parcialmente a reconvenção, bem como da relativa aos pedidos a), b) e b.2.
Realizado o julgamento e estabelecidos os factos, foi proferida sentença (fls 1010-1051) que decidiu o seguinte:
“Em face do exposto, julga-se a acção parcialmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os Réus dos pedidos formulados sob as alíneas c) e d) e aditamento constante da réplica a fls. 113 dos autos.
Custas a cargo dos Autores.
Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, declara-se que a linha de demarcação entre os prédios de Autores e Réus (no seguimento da linha definida na acção n.º 184/97), ao cabo dos 27,5 metros contados do caminho público a nascente, flecte para sul, sensivelmente na perpendicular, com o comprimento de 15,2 metros, após flecte novamente para poente, numa extensão de 19,50 metros, fazendo com a anterior um ângulo de 95°, como assinalado na planta de fls. 211 e 360 dos autos.
Custas a cargo dos Autores.”
Os autores apelaram.
Por acórdão de 24/07/2012 a Relação de Guimarães - fls 1239/1301 - alterou a matéria de facto assente e decidiu:
“A) Conceder parcial provimento ao recurso de agravo, admitindo-se o pedido formulado pelos Autores em B2, mas apenas no que respeita à linha que se desenvolve para Sul e, depois, para Poente, confirmando-se em tudo o mais o despacho recorrido;
B) Conceder parcialmente provimento ao recurso de apelação e, em consequência:
i) Confirma-se a sentença na parte em que, julgando parcialmente a reconvenção, determinou e declarou a linha divisória dos prédios e, em conformidade com essa decisão, julga-se improcedente o pedido formulado pelos Autores em B2, que foi admitido por força da procedência do recurso de agravo;
ii) Declara-se e reconhece-se aos Apelantes o direito de adquirirem, por acessão, a parcela de terreno que está referida nas respostas aos pontos 65º e 66º da base instrutória, correspondente ao terreno que ladeia a piscina dos Apelantes pelo lado nascente e sul e que prossegue para poente (encontrando-se assinalada a tracejado azul na planta de fls. 357), mediante o pagamento à herança Ré do respectivo valor – à razão de 25,00€/m2 – ficando determinado e esclarecido que a transmissão da propriedade referente a essa faixa de terreno fica dependente do pagamento desse valor;
iii) Condena-se a herança Ré a – logo que se consume a aquisição da faixa de terreno supra mencionada por parte dos Apelantes – demolir o muro que ladeia essa faixa de terreno e a repor a situação que existia anteriormente (muro, sebes, relva e iluminação), sem prejuízo da faculdade de vedar o seu prédio pelos limites que irão decorrer daquela aquisição e, portanto, pelo lado exterior às sebes e muro dos Apelantes;
iv) Condena-se a herança Ré a pagar aos Autores/Apelantes a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreram;
C) Em tudo o mais, confirma-se a sentença recorrida.
As custas do agravo serão suportadas pelos Agravantes.
As custas da apelação – bem como as devidas em 1ª instância – serão suportadas na proporção de 2/3 para os Apelantes e 1/3 para a Apelada”.
Inconformadas, ambas as partes recorreram de revista, os autores sustentando a revogação parcial da decisão recorrida - a condenação da herança ré nos pedidos formulados em b.1, b.2 (no que respeita à zona B), c) (no que respeita à zona A) e d.1, assim como a sua absolvição do pedido reconvencional - e a ré defendendo a reposição da sentença da 1.ª instância.
Nas conclusões dos recursos suscitam-se, em resumo, as questões úteis que a seguir se indicam.
Revista dos autores:
1.ª) O acórdão recorrido é nulo por não se ter pronunciado sobre a alteração da resposta ao ponto 11º da base instrutória, defendida pelos autores na sua apelação;
2.ª) O acórdão é ainda nulo por existir contradição entre o nº 38 da matéria de facto provada e a afirmação “nada tendo sido peticionado relativamente ao poço porque, eventualmente, este não era visível” constante da fundamentação da decisão recorrida;
3ª) Os pontos 79º, 80º e 81º da base instrutória contêm conceitos de direito e são conclusivos, pelo que devem ter-se por não escritas as respostas que lhes foram dadas ou, caso assim se não entenda, serem alteradas para “não provado”;
4ª) O ponto 18º da base instrutória deve ser considerado provado na totalidade, incluindo a frase “constituindo a vedação deste”;
5ª) A resposta aos pontos 70º, 71º e 72º da base instrutória é contraditória com a dada aos pontos 25.º, 38º, 53º, 54º, 55º, 56º e 57º, e com a matéria das alíneas G) a M) dos factos assentes., contradição que deverá ser superada mediante a resposta positiva àqueles três pontos;
6ª) Devem ser tomados em consideração os seguintes factos instrumentais: a) “A autora requereu à Câmara Municipal de Terras de Bouro em Janeiro de 1982 o licenciamento para a construção de uma piscina no seu prédio”; b) “A esse requerimento foi junta a planta de fls.... que traduz a realidade física dos prédios de autores e réus à data da sua elaboração”;
7ª) Deve julgar-se que os autores adquiriram, por usucapião, a faixa de terreno circundante da piscina e até ao caminho público a poente (zona B), não abrangida na acção n.º 184/97;
8ª) Ao pedir a demarcação dos prédios e por forma a ficar incluída no seu prédio aquela faixa de terreno, a herança ré incorreu em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium;
9ª) Assiste aos autores o direito de adquirirem, por acessão invertida, a faixa de terreno abrangida na acção nº 184/97 (zona A); ao decidir de modo diferente, o acórdão recorrido violou o artº 1343º do CC;
10ª) Face à procedência das conclusões 7ª e 9ª, a herança ré deverá ser condenada na demolição total do muro que construiu e na reposição integral da situação anterior.
Revista da herança ré:
1.ª) A resposta ao ponto 69.º da base instrutória, no que respeita à “oposição” nela aludida, deve ser tida por não escrita, por ser conclusiva e versar matéria de direito;
2.ª) A pendência de acção em que se discutem os limites dos prédios - acção de demarcação - inibe o proprietário que procedeu à construção de invocar a acessão com fundamento na falta de oposição do vizinho porque à efectivação do direito de demarcação apenas pode opôr-se, objectivamente, um direito adquirido por usucapião;
3.ª) As declarações feitas por uma das partes em articulado não podem valer como acordo sobre factos que foram impugnados pela parte contrária, considerados controvertidos e objecto de subsequente produção de prova;
4ª) Não tendo os autores o direito de adquirir, por acessão, uma parcela de terreno, a situação é idêntica relativamente à outra parcela, dado que o prédio, ao contrário do que o acórdão recorrido ficcionou, não é divisível em duas partes, antes sendo uma unidade indivisa;
5ª) Não recai sobre a recorrente a obrigação de demolir o muro que ladeia a parcela de terreno relativamente à qual foi reconhecido aos autores o direito de aquisição, por acessão, nem a reposição da situação anterior; tal obrigação não resulta da lei nem colhe qualquer justificação na matéria de facto provada;
6.ª) Não estão preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente a ilicitude e a culpa, pelo que não é devida aos autores a quantia de € 10.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Não houve contra alegações.
O processo foi distribuído neste STJ em 3/9/13.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. Fundamentação
a) Matéria de facto
A Relação considerou provados os seguintes factos:
1. Os Autores são plenos proprietários dos seguintes prédios sitos no lugar do Gerês, freguesia de ..., concelho de Terras de Bouro:
a) urbano, composto por uma casa de cave e rés-do-chão com logradouro, sito no Gerês, descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro sob o n.º … - freguesia de ... e inscrito na matriz no artigo …;
b) urbano, parcela de terreno para construção urbana, com a área de 455 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro sob o n.º … - freguesia de ... e inscrito na matriz no artigo … - certidão de fls. 35 a 40 – alínea A) dos Factos Assentes.
2. Estes prédios encontram-se definitivamente registados a favor da Autora pelas inscrições G-1 e G-2 – alínea B) dos Factos Assentes.
3. A Autora adquiriu-o:
- o da alínea a) por compra a JJ e mulher KK, LL, MM e NN - escritura de 03-07-82 a fls.19 do Livro … do 2.° Cartório Notarial de Braga - doc. de fls. 42 a 45;
- o da alínea b) por compra a OO e mulher PP - escritura de 09-12-91 a fls. …. do Livro … do Cartório Notarial de Terras de Bouro - doc. de fls. 46 a 50 – alínea C) dos Factos Assentes.
4. Embora formalmente constituam ainda dois prédios diferentes, estes prédios estão hoje totalmente integrados, sendo um a continuação do outro, não se distinguindo onde um começa e o outro acaba – alínea D) dos Factos Assentes.
5. Pelos lados sul e nascente ou sul e sudeste, este conjunto predial dos Autores confina com um outro conjunto predial urbano composto de casa de habitação e hóspedes e logradouro, com a área total de 1689,5 metros quadrados, sito no lugar do Gerês, freguesia de ..., concelho de Terras de Bouro, inscrito na matriz sob o artigo ….º (anterior 964.°) descrito na Conservatória do Registo Predial sob os n.º …, a confrontar do nascente com caminho, de poente com estrada, de Norte (ou NW) com os Autores e de sul com QQ – alínea E) dos Factos Assentes.
6. Este último pertenceu a CC, falecida em …-…-.., no estado de viúva, sem ter disposto de seus bens por morte, sucedendo-lhe como únicos e universais herdeiros os seus três filhos, acima identificados como Réus – alínea F) dos Factos Assentes.
7. Em 27 de Abril de 1990, a falecida D. CC ou CC instaurou contra os ora Autores, no Tribunal da Comarca de Vieira do Minho, acção com processo comum e forma sumária que aqui tomou o n.º 40/90 e transitou, depois, para o 2.° Juízo do Tribunal de Círculo de Braga tendo aí o n.º 110/95 - certidão de fls. 121 a 126 – alínea G) dos Factos Assentes.
8. Nesta acção a D. CC formulou contra os aí Réus e aqui Autores os pedidos de condenação dos Réus a:
I - reconhecerem o direito de propriedade da Autora sobre os prédios identificados nos artigos 1.° a 6.° inclusive.
II - reconhecerem que a linha divisória entre esses prédios e o deles Réus supra referidos, é a definida nos artigos 12.° a 17.° inclusive da presente petição.
III - A absterem-se de praticar quaisquer actos violadores do domínio e posse da Autora em relação aos ditos prédios e, em especial e designadamente, a absterem-se de prosseguir a construção do muro aludido no articulado;
IV - A restituírem o local dos autos à situação que se encontrava antes dos actos por eles praticados e nomeadamente:
e) - a taparem convenientemente a "rota" que abriram;
f)- a destruírem os alicerces do muro que já construídos, retirando do local as coisas resultantes dessa destruição;
g)- a destruírem as escadas mencionadas supra no artigo 27.º na parte em que ultrapassam a falada linha divisória, do local retirando, identicamente, o material resultante;
h)- a colocarem os marcos nos locais onde se encontravam tal como resulta do articulado supra ou, subsidiariamente, de melhor prova produzida - certidão a fls. 125 verso – alínea H) dos Factos Assentes.
9. Esta acção foi julgada por sentença de 15-7-96, cuja parte decisória é do seguinte teor:
1 - condenam-se os Réus a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre os prédios identificados nos artigos 1.° e 2.° da petição inicial;
2 - julgam-se os demais pedidos formulados pela Autora improcedentes por não provados, deles se absolvendo os Réus - certidão da sentença, fls. 152 a 163 – alínea I) dos Factos Assentes.
10. Interposto recurso, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 02-06-97, julgou-o parcialmente procedente “suprindo a omissão contida na sentença, condenam-se os Réus a reconhecer também o direito de propriedade da autora sobre o prédio urbano consistente em casa de habitação e hóspedes, de dois pavimentos, omisso na Conservatória e inscrito na matriz respectiva sob o artigo ….º construído na parcela de terreno identificada em 1 da petição inicial”; e “quanto ao demais mantém-se integralmente a decisão recorrida” - certidão a fls. 166 – alínea J) dos Factos Assentes.
11. Este acórdão transitou em julgado – alínea K) dos Factos Assentes.
12. Em 14-7-97, foi proposta no Tribunal de Vieira do Minho nova acção com processo comum e forma sumária pela Sra. CC contra os aqui Autores, acção que correu termos, acção n.º 184/97 - certidão de fls.167 e seguintes – alínea L) dos Factos Assentes.
13. Nesta acção foram formulados os seguintes pedidos:
H)Serem os Réus condenados a reconhecer que o conjunto predial identificado no artigo 1.° supra, constituído pelos urbanos identificados nos artigos 4.°, 5.°, 6.°, 7.°, 8.°, 9.° e 10.° está delimitado, na sua estrema norte, pela linha definida supra nos artigos 34.° a 39.° da presente.
I)E bem assim a reconhecer que a Autora é dona e legítima possuidora do indicado conjunto predial, com a referida delimitação a norte;
J)Se assim não se entender, subsidiariamente e sem prescindir, serem os Réus condenados a concorrerem para a demarcação entre o seu prédio e o da Autora, na extrema norte do desta última;
K)Declarar-se que os limites de uma e doutros são definidos pela linha referida na alínea a);
L)Em qualquer dos casos, serem os Réus condenados a, à sua exclusiva custa, proceder à colocação de marcos em substituição dos que foram destruídos, referidos nos artigos 34.°, 35.°, 36.° e 56.°.
M)Serem os Réus condenados a removerem os alegados objectos e obras efectuadas na porção de terreno do prédio da Autora, tudo melhor identificado nos artigos supra 66.° a 69.° inclusive;
N)Em custas e no mais legal – alínea M) dos Factos Assentes.
14. No despacho saneador os Réus foram absolvidos da instância no que se refere aos pedidos formulados nas alíneas A, B, E e F, por se ter verificado, quanto a eles, a excepção do caso julgado, prosseguindo quanto aos pedidos de C) e D) - certidão a fls. 194 e ss., maxime 198 – alínea N) dos Factos Assentes.
15. A final foi proferida sentença que julgou “o pedido parcialmente procedente, por provado e, em consequência, declara-se que a linha de demarcação entre o prédio da Autora e dos Réus, na parte em que confinam a norte do prédio dos Autores, inicia-se no caminho público existente, colocada 1,80 m a sul do muro dos Réus, prolongando-se em linha recta no sentido Nascente-Poente, numa extensão de 27,5 m paralelamente à casa dos Réus, distando desta 1,80 m, tal como identificado na linha vermelha da planta topográfica de fls. 225 dos autos” – alínea O) dos Factos Assentes.
16. Os (aí) Réus agravaram do saneador, defendendo que havia caso julgado (formado na acção 90/95) também em relação aos pedidos de C) e D), de demarcação, mas a Relação do Porto negou provimento ao agravo e confirmou inteiramente a sentença - certidão a fls. 22 e ss., maxime 237 e 241 – alínea P) dos Factos Assentes.
17. A requerimento dos Réus foi este Acórdão esclarecido pela forma constante de fls. 242 e 243, afirmando-se a dado passo: “Assim sendo, é evidente que a linha divisória fixada nesta acção é a que fica a valer para todos os efeitos e não colide nem viola minimamente o caso julgado anterior”- fls. 242 verso – alínea Q) dos Factos Assentes.
18. Do assim decidido agravaram os Réus para o Supremo Tribunal de Justiça com “fundamento em caso julgado, nos termos do art. 678. °, n. ° 2 do CPC, por haver incompatibilidade prática entre o caso julgado formado com a sentença proferida pelo Tribunal de Círculo de Braga confirmada pelo acórdão da Relação”- fls. 245 – alínea R) dos Factos Assentes.
19. Era do seguinte teor a conclusão 5.ª deste agravo para o STJ:
Testando no local as duas decisões, «logo salta aos olhos que essa linha passa por pontos que vão contra o caso julgado formado no primeiro processo, pois a porção de terreno que sempre esteve em discussão entre as partes deixa de incorporar a esfera patrimonial dos Réus (como se disse no primeiro julgado) e passa a fazer parte da esfera patrimonial da Autora (como se diz no acórdão recorrido)» - fls. 246 – alínea S) dos Factos Assentes.
20. O Supremo Tribunal negou provimento ao recurso por entender que «não se verifica caso julgado» - fls. 250 - e indeferiu o pedido de reforma do acórdão - fls. 251 – alínea T) dos Factos Assentes.
21. Na acção n.º 184/97 foi, em julgamento, formulado um quesito, o 12.°, do seguinte teor:
A linha de demarcação entre os dois prédios parte do caminho público que confronta a nascente dos prédios da Autora e Réus na direcção Nascente-Poente, numa extensão de 28 metros, fluindo em ângulo de 100 graus, numa extensão de 16 metros, para sul, fluindo depois para poente, numa linha com a extensão de 22 metros? - certidão a fls. 213 e 201 – alínea U) dos Factos Assentes.
22. Este quesito mereceu a seguinte resposta:
Quesito 12.° - provado que a linha de demarcação entre o prédio da Autora e o prédio dos Réus, na parte em que confinam a Norte do prédio do prédio dos Autores, inicia-se no caminho público existente, colocada 1,80 m a Sul do muro dos Réus, prolongando-se em linha recta no sentido Nascente - Poente, numa extensão de 27,5 m a paralelamente à casa dos Réus, distando desta 1,80 m; ao cabo de 27,5 m, essa linha flecte para Sul, sensivelmente na perpendicular, com o comprimento de 15 m; ao cabo de 15 m, flecte novamente para Poente, numa extensão de 19,5 m e fazendo com a anterior um ângulo de 95.°, tal como identificado na linha vermelha da planta topográfica de fls. 225 – alínea V) dos Factos Assentes.
23. Na sentença apenas se decidiu a demarcação no sentido Nascente-Poente, correspondente à 1.ª parte da resposta ao quesito 12.°, apesar de na 2.ª parte da resposta a este quesito 12.° - e na perícia que a baseou - se ter descrito, também, a linha divisória na continuação para sul e poente – alínea X) dos Factos Assentes.
24. Escreveu-se nessa sentença:
“Todavia, tal quesito mereceu resposta restritiva, como se extrai do alegado nos artigos 34.° a 39.° da P.I. (incluindo a conclusão a que se reporta o artigo 69.° da mesma P.I.), e como se extrai igualmente do teor do quesito 12.°. Nessa conformidade, haverá que decidir, tendo em atenção a prova efectuada no processo, a citada resposta ao quesito 12.° e, finalmente, o pedido da Autora (aqui tendo em atenção que o teor deste referido pedido apenas alude à demarcação pela estrema Norte do prédio da Autora, com vista a não se decidir ultra petitum – artigo 661.º n.º 1 CPC.) – alínea Y) dos Factos Assentes.
25. Logo no início da construção da sua casa, simultaneamente com a abertura dos alicerces, ainda antes da primeira acção, os AA. abriram um poço para captação de águas, onde instalaram um motor para elevação das mesmas, poço assinalado na planta de fls. 51 com a letra A) – resposta ao ponto 1.º da base instrutória.
26. No decurso da acção aludida em G), os Autores construíram uma piscina que se encontra assinalada com a letra E na planta de fls. 51 – resposta ao ponto 2.º da base instrutória.
27. À volta da piscina foi construído um passeio em cimento revestido com placas de moca creme, com largura de 0,90 m – resposta ao ponto 3.º da base instrutória.
28. Por fora do passeio foi plantada uma superfície relvada na parte norte e nascente da piscina – resposta ao ponto 4.º da base instrutória.
29. Seguia-se uma sebe viva com cedros, palmeiras e outras árvores – resposta ao ponto 5.º da base instrutória.
30. Entre a sebe e o bordo da piscina foram instalados três focos eléctricos para iluminação desta, dotados de um sistema automático que os ligava de noite e os desligava de dia – resposta ao ponto 6.º da base instrutória.
31. Por baixo dos passeios que circundam a piscina, foram colocados diversos tubos ligados à casa das máquinas, para renovação permanente da água – resposta ao ponto 7.º da base instrutória.
32. No exterior da sebe, foi construído um murete com vigas e blocos de cimento, para suporte de terras e uma rede a toda a volta da piscina, que seguia até à extrema poente do prédio – resposta ao ponto 8.º da base instrutória.
33. Os Autores realizaram as obras referidas nas respostas aos quesitos 2.º a 8.º na convicção de não prejudicar outrem – resposta aos pontos 70.º e 71.º da base instrutória.
34. A falecida Sra. CC vivia permanentemente no prédio contíguo ao dos Autores – resposta ao ponto 10.º da base instrutória.
35. E acompanhou as obras – resposta ao ponto 11.º da base instrutória.
36. Aquando da propositura da acção n.º 184/97, a piscina e respectivo rebordo já estavam terminados e os arbustos que a rodeavam plantados e crescidos, formando uma sebe – resposta ao ponto 59.º da base instrutória.
37. Assim como as redes eléctrica e de saneamento – resposta ao ponto 60.º da base instrutória.
38. A tampa do poço é visível à superfície do solo – resposta ao ponto 61.º da base instrutória.
39. A Sra. CC nunca formulou qualquer pedido no sentido da sua demolição, parcial ou total – resposta ao ponto 62.º da base instrutória.
40. No decurso do mês de Março de 2003, a mãe dos Réus edificou um muro ao longo da estrema norte do seu prédio, no sentido nascente/poente – resposta ao ponto 12.º da base instrutória.
41. Esse muro foi construído sensivelmente ao longo da linha definida na sentença da acção n.º 184/97, como assinalado com um traço verde na planta de fls. 44 – resposta ao ponto 13.º da base instrutória.
42. O muro tem uma largura de cerca de 20 cm e uma altura de 4,7m junto ao caminho público a nascente, junto à casa dos autores de 2,5m e na zona da piscina tem a altura de 1,75m, medida pelo interior e de 2,20m, medida pelo exterior – resposta ao ponto 14.º da base instrutória.
43. Na zona onde existiam umas escadas de acesso à casa dos Autores, o muro foi construído sobre as escadas e maciço que as suportava – resposta ao ponto 15.º da base instrutória.
44. A construção do muro continuou desde o topo poente flectindo no sentido norte/sul, a cerca de 6,6m do bordo nascente da piscina e sobre um muro de suporte de terras feito pelos Autores – resposta ao ponto 16.º da base instrutória.
45. A construção do muro prosseguiu na direcção Nascente-Poente, assentando sobre o muro da piscina e ocupando o seu rebordo – resposta ao ponto 17.º da base instrutória.
46. O muro prolonga-se, depois, para poente, até ao caminho público – resposta ao ponto 18.º da base instrutória.
47. A construção do muro a que alude o quesito 12.º obedeceu à linha de demarcação definida pela resposta ao quesito 12.º da acção n.º 184/97 a que alude a alínea M) da matéria de facto assente – resposta ao ponto 82.º da base instrutória.
48. Depois de construído o muro, a Sra. CC mandou demolir tudo o que se situava para sul e nascente dele e havia sido construído pelos Autores – resposta ao ponto 19.º da base instrutória.
49. O muro priva de sol a zona do prédio dos Autores junto ao alçado lateral esquerdo e a zona da piscina – resposta ao ponto 21.º da base instrutória.
50. O muro foi construído a uma distância de 1,8m da parede sul da casa dos Autores e a zona entre o muro e essa parede fica privada de sol ao nível do rés-do-chão – resposta ao ponto 22.º da base instrutória.
51. Devido à sua altura e acabamentos, o muro constitui elemento arquitectónico desenquadrado dos conjuntos prediais próximos – resposta ao ponto 24.º da base instrutória.
52. A sua construção não trouxe ao prédio da herança Ré qualquer vantagem, estética – resposta ao ponto 25.º da base instrutória.
53. A construção do muro implicou a destruição de parte do revestimento, constituído por placas de lajeado de betão com gravilha, colocado pelos Autores no pavimento exterior situado ao nível do rés-do-chão – resposta ao ponto 27.º da base instrutória.
54. Foram cortadas e, em parte, demolidas as escadas de acesso à piscina e ao patamar superior, onde existe uma entrada e se situa a cozinha – resposta ao ponto 28.º da base instrutória.
55. As escadas que subsistiram ficaram inaproveitáveis e ficou vedado o acesso pelo lado da cozinha àquele patamar – resposta ao ponto 29.º da base instrutória.
56. Ficou impedido o acesso a um poço de água que alimenta a casa dos Autores e, bem assim, aos motores e equipamento de captação e pressurização – resposta ao ponto 32.º da base instrutória.
57. O muro foi construído exactamente por cima do poço – resposta ao ponto 33.º da base instrutória.
58. A rede eléctrica de iluminação exterior na zona da piscina e os focos interiores da piscina ficaram sem funcionamento – resposta ao ponto 34.º da base instrutória.
59. O tolde de cobertura da piscina ficou inutilizável e parte do pavimento junto à piscina ficou destruído – resposta ao ponto 35.º da base instrutória.
60. Não podendo ser cheia, a piscina abrirá fendas e perderá a sua estanquicidade – resposta ao ponto 36º da base instrutória.
61. Foram destruídas plantas e a relva ficou danificada na zona circundante da piscina – resposta ao ponto 37.º da base instrutória.
62. O sistema de rega deixou de funcionar – resposta ao ponto 38.º da base instrutória.
63. A demolição das escadas exteriores de acesso à casa dos Autores, que eram em betão, foi feita com martelos pneumáticos e compressor de grande potência, que provocaram trepidação nas zonas circundantes – resposta ao ponto 40.º da base instrutória.
64. A habitação apresenta no seu interior diversas fissuras – resposta ao ponto 41.º da base instrutória.
65. A reparação das fissuras interiores da habitação importa o custo de 2.000,00€ – resposta ao ponto 43.º da base instrutória.
66. Antes das obras feitas pela mãe dos Réus, o prédio dos Autores – mais concretamente, o conjunto dos prédios a que aludem as alíneas A) a D) – valia 300.000,00€ – resposta ao ponto 45.º da base instrutória.
67. Depois dessas obras (construção do muro) o prédio a que se alude em A) a) dos Factos Assentes (lote nº 3) sofreu uma desvalorização de 28.142,37€ – resposta ao ponto 46.º da base instrutória.
68. No local onde foi construído o muro, o valor do terreno corresponde a 25€/m2 – resposta ao ponto 48.º da base instrutória.
69. Os Autores tinham gosto pela casa aludida em A) dos Factos Assentes – resposta ao ponto 49.º da base instrutória.
70. Lá passavam fins-de-semana e as suas férias, recebiam familiares e amigos – resposta ao ponto 50.º da base instrutória.
71. Aí descansavam das tarefas do dia-a-dia – resposta ao ponto 51.º da base instrutória.
72. Era o seu local de refúgio, onde recuperavam ânimo e energia – resposta ao ponto 52.º da base instrutória.
73. A construção do muro causou desgosto aos Autores – resposta ao ponto 53.º da base instrutória.
74. O Autor marido deixou de ir ao prédio – resposta ao ponto 54.º da base instrutória.
75. A Autora AA só lá vai quando se torna imperiosa a sua presença – resposta ao ponto 55.º da base instrutória.
76. Os Autores nunca mais lá pernoitaram – resposta ao ponto 56.º da base instrutória.
77. A faixa de terreno existente entre o muro construído pela mãe dos Réus e a linha que, na planta de fls. 51 e 357, une os locais ali assinalados como marcos 1, 2, 3 e 4 (assinalada nesta última planta a tracejado azul e localizada a nascente, sul e poente da piscina) tem a área de 93,76m2 – respostas aos pontos 65º e 66º da base instrutória.
78. A faixa de terreno existente entre o muro construído pela mãe dos Réus e a linha que, na planta de fls. 51 e 357, se desenha para nascente a partir do canto nordeste da piscina (assinalada nesta última planta a tracejado amarelo) tem a área de 56,42m2 – resposta ao ponto 67º da base instrutória.
79. Os Autores praticaram os actos mencionados nas respostas aos pontos 2º a 8º, sendo que alguns desses actos foram praticados sobre a faixa de terreno mencionada nas respostas aos pontos 65º e 66º da base instrutória, o que fizeram ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém – resposta aos pontos 68º e 69º da base instrutória.
80. Os Autores realizaram as obras referidas nas respostas aos pontos 2º a 8º na convicção de que, por exercerem um direito próprio, não prejudicavam ninguém – resposta aos pontos 70º, 71º e 72º da base instrutória.
81. Os Autores sempre estiveram convencidos de que faziam as obras referidas nas respostas aos pontos 2º a 8º em terreno que lhes pertencia – resposta ao ponto 76º da base instrutória.
82. Para além do valor do terreno, à razão de 25€/m2, a eventual perda ou transferência da área que foi ocupada pelos Autores não implicará qualquer outra desvalorização para o prédio da herança Ré – resposta ao ponto 77º da base instrutória.
83. A construção do muro não obteve licenciamento municipal – resposta ao ponto 75.º da base instrutória.
84. A Srª CC tinha consciência de que agia contra a vontade dos Autores e que lhes causaria danos – resposta ao ponto 78º da base instrutória.
85. Ao cabo dos 27,5 metros contados do caminho público a nascente, a linha de demarcação entre os prédios de Autores e Réus (da herança da falecida D. CC) flecte para sul, sensivelmente na perpendicular, com o comprimento de 15,2 metros – resposta ao ponto 79.º da base instrutória.
86. E depois, ao cabo desses 15 metros, flecte novamente para poente, numa extensão de 19,50 metros, fazendo com a anterior um ângulo de 95° – resposta ao ponto 80.º da base instrutória.
87. Como assinalado na planta de fls. 211 e 360 – resposta ao ponto 81.º da base instrutória.
b) Matéria de direito
1) Os autores começam por sustentar que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, pois não apreciou a impugnação da resposta ao ponto 11º da base instrutória apresentada nas alegações da apelação.
A nulidade em questão, como se diz no artigo 668º, nº 1, al. d), 1ª parte, CPC, ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar; e esta disposição tem de ser interpretada e aplicada sem perder de vista a do artigo 660.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo código, segundo a qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. No caso presente não ocorre tal vício dado que a questão apontada, apesar de abordada no corpo das alegações da apelação, não foi levada às respectivas conclusões, que delimitam o objecto do recurso, conforme resulta do artigo 684.º, nº 3, CPC; logo, não se trata de questão que o tribunal devesse apreciar, também porque não era de conhecimento oficioso.
Outra alegada causa de nulidade do acórdão recorrido é a resultante da contradição, que os autores afirmam existir, entre o nº 38 da matéria de facto provada – “A tampa do poço é visível à superfície do solo” – e a afirmação “nada tendo sido peticionado relativamente ao poço porque, eventualmente, este não era visível”, constante da fundamentação da decisão recorrida. A nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, al. c), do CPC, existe quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que se verifica quando aqueles devam conduzir, logicamente, a um resultado decisório oposto ao que acabou por prevalecer. Ora, a situação invocada pelos recorrentes, relativa a uma suposta contradição entre um fundamento de facto e um argumento constante da fundamentação de direito da decisão proferida, não se encaixa na previsão desta norma. Não se tratando duma contradição entre um facto provado e o segmento decisório do acórdão, ou um elemento conclusivo integrador do mesmo, a sua eventual verificação não releva como causa de nulidade da decisão recorrida.
2) As questões colocadas nas conclusões 3ª da revista dos autores e 1ª da revista da herança ré respeitam à redacção, respectivamente, dos pontos 79º, 80º e 81º e do ponto 69º da base instrutória, entendendo os autores que aqueles três indicados pontos e a ré que este último contêm conceitos de direito e se mostram conclusivos, devendo ter-se por não escritas as respostas que lhes foram dadas. Na parte aplicável ao caso, o artigo 646º, nº4, CPC, dispõe que se têm “por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito”, deste modo proibindo o tribunal que julga a matéria de facto de responder a questões de direito, ou de tirar conclusões nesse âmbito, e sancionando a infracção desta proibição com a eliminação de tal tipo de juízos. No entanto, o que o preceito manda ter por não escritas são as respostas sobre as questões de direito, e não propriamente as respostas conclusivas, sendo duvidoso que a regra nele contida possa ser aplicada por analogia a esta situação, por não ser inteiramente líquido que procedam no caso omisso (factos conclusivos) as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (questão de direito). Acresce que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, mostrando-se praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam implicados juízos conclusivos sobre outros elementos de facto. Conforme já pusemos em relevo noutras ocasiões [1] desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger.
Os pontos da base instrutória em causa têm a seguinte redacção:
69.º Isto ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém?
79.º Ao cabo dos 27,5 metros contados do caminho público a nascente, a linha de demarcação entre os prédios de Autores e Réus (da herança da falecida D. CC) flecte para sul, sensivelmente na perpendicular, com o comprimento de 15 metros?
80.º E depois, ao cabo desses 15 metros, flecte novamente para poente, numa extensão de 19,50 metros, fazendo com a anterior um ângulo de 95°?
81.º Como assinalado na planta de fls. 179?
Concordamos com a análise efectuada pela Relação a estes três últimos quesitos, que o acórdão recorrido, e bem, considerou não serem conclusivos nem conterem matéria de direito porque, além do mais, o seu conteúdo respeita à linha de demarcação dos prédios de autores e ré, o que, sem dúvida, constitui um facto e não uma conclusão. Quanto à redacção do quesito 69º, verifica-se que qualquer pessoa medianamente instruída e capaz, mesmo não sendo jurista, pode apreender o significado e discorrer em juízo sobre o conteúdo de uma expressão como “sem oposição”, realidade que, apesar de apresentar uma evidente conotação jurídica, se mostra de uso corrente, não integrando matéria de direito, nem representando um juízo conclusivo.
3) No recurso de apelação os autores impugnaram a decisão da 1ª instância relativa a vários pontos da matéria de facto, pretendendo ver alteradas as respostas dadas aos quesitos 1.º, 8.º, 12.º, 20.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 30.º, 31.º, 34.º, 36.º, 41.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 53.º, 63.º, 65.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 76.º, 77.º, 78.º, 79.º, 80.º e 81.º. A Relação, depois de reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada daquela decisão, conforme o artigo 712.º, nº 2, CPC, alterou as respostas aos quesitos 1º, 12º, 28º, 36º, 45º, 46º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 76º, 77º e 78º, e manteve inalteradas as dos quesitos 8º, 20º, 23º, 24º, 25º, 26º, 30º, 31º, 34º, 41º, 47º, 48º, 53º, 63º, 79º, 80º e 81º. Nas conclusões 3ª (2ª parte) a 5ª da sua revista, os recorrentes insurgem-se contra este último segmento do acórdão recorrido, sustentando que as respostas aos quesitos 79º, 80º e 81º devem ser alteradas para “não provado”, e para “provado” aos dadas aos quesitos 18º, 70º, 71º e 72º. Alegam, em suma, que as respostas a estes pontos da base instrutória estão em contradição com outros pontos da matéria de facto apurada.
A pretendida alteração da factualidade provada, no entanto, é matéria que escapa ao conhecimento deste Supremo Tribunal, por ser da exclusiva competência das instâncias. Na verdade, enquanto tribunal de revista, a competência do Supremo está circunscrita à matéria de direito. Compete-lhe aplicar em definitivo aos factos materiais fixados pelas instâncias o regime jurídico que considere adequado (artº 729º, nº 1, CPC), estando expressamente proibido de sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, a não ser nas circunstâncias excepcionais previstas no artigo 722º, nº 2, 2ª parte. Extrai-se deste preceito que as duas únicas situações em que o STJ pode imiscuir-se na decisão de facto – e, mesmo aí, de modo indirecto – ocorrem quando tiver havido ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova. Na primeira, a legitimidade do controle efectuado pelo Supremo resulta de o tribunal recorrido ter dado como provado um determinado facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; na segunda, de ter havido infracção das normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos pelo ordenamento jurídico. Os recorrentes, no entanto, não argumentam no sentido da verificação de alguma destas hipóteses; por outro lado, não se vê que ocorra qualquer um dos mencionados casos excepcionais, já que os pontos de facto indicados - quesitos 18º, 70º, 71º, 72º, 79º, 80º e 81º - não se encontram submetidos a prova vinculada e os meios probatórios agora em causa estão sujeitos ao princípio da livre apreciação das provas estabelecido no artº 655º, nº 1, CPC, o que impede o STJ de censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo citado artigo 712º CPC. Também não se vê que as mencionadas respostas tenham dado origem, quer a contradições relevantes com a factualidade assente indicada pelos autores, quer a ambiguidades que inviabilizem a solução jurídica do pleito; consequentemente, não se justifica o reenvio do processo à Relação, nos termos do artigo 729º, nº 3, CPC.
4) Os autores entendem ainda que devem ser tomados em consideração os dois factos indicados na conclusão 6.ª – “A autora requereu à Câmara Municipal de Terras de Bouro em Janeiro de 1982 o licenciamento para a construção de uma piscina no seu prédio” e “A esse requerimento foi junta a planta de fls.... que traduz a realidade física dos prédios de autores e réus à data da sua elaboração” – que qualificam como factos instrumentais, sustentando que com o aditamento ao rol de testemunhas foi junto um documento que consiste num requerimento de licenciamento subscrito pela autora, datado de 8/2/91, entrado na Câmara Municipal de Terras de Bouro a 8/1/92, ao qual se encontra anexada uma planta, documento esse que não foi impugnado pelos réus e de cujo conteúdo resulta assente a factualidade indicada. Extrai-se do artigo 264º, nº 2, CPC, que a vigência do princípio dispositivo não preclude a possibilidade do juiz fundar a decisão, não apenas nos factos alegados pelas partes mas também nos factos instrumentais que, mesmo por indagação oficiosa, resultem da instrução e discussão da causa. No entanto, o aditamento pretendido pelos autores não cabe nos poderes deste Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista. Com efeito, como já se disse atrás a outro propósito, os pontos de facto indicados não se encontram submetidos a prova vinculada e os meios probatórios indicados não dispõem de força probatória plena, antes se encontrando sujeitos ao princípio da livre apreciação das provas fixado no artigo 655º, nº 1, CPC; não se verifica, pois, nenhum dos casos excepcionais previstos no artigo 722º, nº 2, 2ª parte, o que impede o STJ de ordenar a pretendida alteração da matéria de facto. De todo o modo a questão em apreço é uma questão nova, visto que não foi posta à consideração do tribunal recorrido e, por isso, não pode ser agora levantada em sede de revista porquanto no nosso sistema os recursos não são meio adequado para obter decisão sobre matéria nova, mas sim para reexaminar as decisões recorridas. Por último importa referir que, não se verificando a necessidade de ampliar a matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a aplicação do direito, nem se detectando contradições na decisão a ela respeitante que inviabilizem a decisão jurídica do litígio, não há lugar à intervenção do Supremo Tribunal no quadro do artigo 729º, nº 3, do CPC, como também já se disse mais atrás, antes se impondo que acate e faça acatar pelas partes os factos que as instâncias apuraram.
5) O acórdão recorrido considerou que os autores não adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre a faixa de terreno em litígio nos presentes autos, que subdividiu em duas partes: uma, correspondente ao terreno que ladeia a piscina dos autores pelo lado nascente e sul e prossegue para poente (facto 77); outra, ao terreno existente entre o muro construído por CC e a linha que, na planta de fls 357, se desenha para nascente a partir do canto nordeste da piscina (facto 78).
Na tese dos autores deve considerar-se que adquiriram por usucapião a parte da faixa identificada no ponto 77) da matéria de facto, pois existe prova concludente de actos de posse sobre ela desde, pelo menos, 1992 (a construção da piscina, a implantação de esteios de cimento na zona limite de ambos os prédios e a colocação de uma rede apoiada nesses esteios); e argumentam ainda que, atenta a presunção do artigo 1254º, nº 2, CC, deve concluir-se que a posse se iniciou em 1982, com a aquisição que fizeram do prédio.
Não lhes assiste, no entanto, razão.
Quanto à primeira questão, a alegação baseia-se em matéria de facto que não foi considerada provada; na verdade, apenas está assente que construíram a piscina e um passeio à volta desta no decurso da acção referida no ponto 7) da matéria de facto - intentada em 27/4/90 e julgada por sentença de 15/7/96, seguida de acórdão da Relação de 2/6/97, transitado em julgado - sendo que, aquando da propositura da acção nº 184/97 do Tribunal de Vieira do Minho - o que sucedeu em 14/7/97 - a piscina e respectivo rebordo já estavam terminados e os arbustos que a rodeavam plantados e crescidos, formando uma sebe (facto 36), factos estes que apenas permitem situar o início da posse dos autores sobre a faixa de terreno em causa em 1997, conforme concluiu o acórdão recorrido.
Quanto ao problema da aplicabilidade da presunção do artigo 1254º, nº 2 - “A posse actual não faz presumir a posse anterior, salvo quando seja titulada; nesse caso, presume-se que há posse desde a data do título” - verifica-se que a factualidade provada não integra a hipótese prevista neste preceito. Com efeito, a presunção, reportada à posse anterior, pressupõe a “posse actual”, ou seja, nas palavras dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela [2] “a posse existente no momento em que é proposta a acção”. Ora, resultando da factualidade provada que a construção em 2003, por CC, do muro descrito nos autos, impediu o exercício pelos autores de actos de posse sobre a faixa de terreno em causa, não poderá a sua posse ser qualificada como actual à data da propositura da acção.
6) Os autores alegam o abuso do direito por parte da herança ré, na modalidade de “venire contra factum proprium”, ao pedir a demarcação dos prédios e ao incluir no seu terreno a faixa que ladeia a piscina que construíram; sustentam que CC nunca colocou em causa a demarcação dos prédios nesta estrema, aceitando a posse deles, autores, e não tendo pedido a demarcação naquela zona na acção cujo objecto consistiu na delimitação de outra estrema dos mesmos prédios.
Vejamos.
O abuso do direito, nas suas várias modalidades, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (artigo 334.º do CC). E como já tivemos oportunidade de dizer em acórdão desta conferência de 11/6/07 [3], a proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra, justamente, na proibição do abuso do direito, nessa medida sendo de conhecimento oficioso. No entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório, ou, dito de outro modo, “uma regra geral de coerência do comportamento dos sujeitos jurídico-privados, juridicamente exigível” [4]. Assim, o indivíduo é livre de mudar de opinião e de conduta fora dos casos em que assumiu compromissos negociais. Daí que, em princípio, o mecanismo disponibilizado pela ordem jurídica para possibilitar a formação da confiança na palavra dada e, consequentemente, na conduta futura dos contraentes seja só o negócio jurídico. Sabido, porém, que uma das funções essenciais do direito é a tutela das expectativas das pessoas, facilmente se intui que por si só o negócio jurídico, sob pena de cometimento de flagrantes injustiças em muitas situações concretas, não pode constituir o único modo de protecção das expectativas dos sujeitos na não contradição da conduta da contraparte; casos há em que, ainda antes do limiar da vinculação contratual, o agente deve ser obrigado a honrar as expectativas que criou, podendo exigir-se-lhe, então, que actue de forma correspondente à confiança que despertou; casos, isto é, em que não pode venire contra factum proprium. A delimitação de tais casos obrigou a doutrina e a jurisprudência a terem que precisar com o máximo de rigor possível os pressupostos da proibição desta modalidade do abuso, desde logo por se ter a noção de que este instituto, construído, todo ele, a partir da cláusula geral da boa fé, apenas deve funcionar em situações limite, como verdadeira válvula de segurança e de escape do sistema, e não como uma tal ou qual panaceia de que se lança mão sempre que a aplicação das regras de direito estrito pareça ser insuficiente para assegurar a solução justa do caso. Importa evitar a todo o custo, como escreveu o autor atrás citado, “a utilização da boa fé como um “nevoeiro” que serve para tudo” [5].
Assim, há desde logo um primeiro e fundamental pressuposto a considerar: a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança. Em segundo lugar exige-se que, quer a conduta anterior (factum proprium), quer a actual (em contradição com aquela) sejam imputáveis ao agente. Em terceiro lugar, que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, vale por dizer, que tenha confiado na situação criada pelo acto anterior, ignorando sem culpa a eventual intenção contrária do agente. Em quarto lugar, que haja um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma actividade com base no factum proprium, de modo tal que a destruição dessa actividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) traduzam uma injustiça clara, evidente [6]. Por último, exige-se que o referido “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva objectivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano. Os pressupostos enumerados não podem em caso algum ser aplicados automaticamente. Como observa o autor que vimos a acompanhar, “antes todos deverão ser globalmente ponderados, em concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo” [7].
No caso presente, como já se viu, encontra-se provado que a piscina foi construída pelos autores na faixa de terreno em causa no decurso da acção referida no ponto 7) e que, quando a acção nº 184/97 foi proposta, a piscina e respectivo rebordo já estavam terminados e os arbustos que a rodeavam plantados e crescidos, formando uma sebe, tendo a falecida CC, que vivia permanentemente no prédio contíguo ao dos autores, acompanhado as obras (factos 34 a 36). Apesar de ter conhecimento da ocupação da parcela pelos autores, CC não pediu na acção 184/97 a demolição das obras ali implantadas nem a demarcação dos dois prédios nessa estrema; daí que a sentença proferida apenas tenha decidido a demarcação no sentido nascente-poente, não obstante também resultar da matéria de facto provada a linha divisória na continuação para sul e poente (factos 13 e 22 a 24). Em momento posterior àquela sentença - concretamente, na reconvenção deduzida no presente processo - a ré pediu a demarcação desta segunda estrema do seu prédio; e pediu-a em conformidade com a linha definida na matéria de facto considerada provada no mencionado processo 184/97, incluindo no seu prédio, portanto, aquela parte de terreno que ladeia a piscina dos autores pelo lado nascente e sul e prossegue para poente. Verifica-se, assim, que CC e a herança ré adoptaram, efectivamente, dois comportamentos aparentemente contraditórios entre si. Todavia, há que levar em conta que entre estas duas condutas se localiza, temporalmente, a decisão proferida naquela acção judicial, de cuja matéria de facto provada resulta, não só a peticionada demarcação no sentido nascente-poente, como também a linha divisória na continuação para sul e poente em causa no presente processo, elemento este que, logicamente, assume capital importância como marco determinante da referida alteração de comportamento. O facto de CC não ter pedido na acção 184/97 a demolição das obras implantadas pelos autores na faixa de terreno em causa nem a demarcação dos dois prédios nessa estrema não é, por si só, revelador da intenção de não vir a praticar no futuro tais actos (e, portanto, concludente no sentido de justificar a fundada confiança dos autores de que isso não sucederia). Já a informação resultante da matéria de facto considerada provada nessa acção - a de que aquela faixa de terreno, então ocupada pelos aqui autores, pertence ao prédio de CC – justifica, sem dúvida, o pedido de demarcação posteriormente formulado. Retira-se da matéria de facto apurada, por fim, que não foi em consequência da confiança gerada pelo comportamento de CC que os autores ocuparam a parcela e nela erigiram as obras; não foi nem, em bom rigor, pode ter sido, pela simples mas decisiva razão de que tais obras foram anteriores àquele comportamento. Considerando que o direito de demarcação, tal como o define o artigo 1353º CC, se traduz na faculdade que assiste ao proprietário de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles, não se apresenta como abusivo o seu exercício na sequência de acção de demarcação que teve como objecto apenas uma estrema se da respectiva matéria de facto provada resulta demarcada outra estrema não incluída no pedido formulado e, por isso, excluída da parte decisória. Deste modo, pode dizer-se, em conclusão, o seguinte: no caso dos autos, e em termos objectivos, não estamos perante uma situação de confiança dos autores que, causalmente ligada a uma conduta de CC justificativa dessa confiança, mereça tutela jurídica no quadro do abuso do direito e, mais precisamente, da sua modalidade a que se dá a designação de venire contra factum proprium, cujos requisitos não se verificam.
7) Como já se viu, após concluir que a faixa de terreno em litígio nos presentes autos (que subdividiu em duas parcelas) pertence ao prédio da herança ré, a Relação reconheceu aos autores o direito de adquirirem, por acessão, aquela que ladeia a piscina pelo lado nascente e sul e prossegue para poente (facto 77), mediante o pagamento à ré do valor de 25 €/m2. Os autores sustentam (conclusão 9ª) que lhes assiste o direito de adquirirem, por acessão invertida, também a outra parte da faixa em litígio, correspondente à parcela de terreno existente entre o muro construído pela falecida CC e a linha que se desenha para nascente a partir do canto nordeste da piscina (facto78). A ré, por seu turno, entende que os autores não têm o direito de adquirir por acessão nenhuma parcela da faixa em litígio, argumentando que: 1º) o pedido de demarcação judicial traduz-se numa forma de oposição, motivo pelo qual a pendência de acção em que se discutem os limites dos prédios inibe o proprietário que procedeu à construção de invocar a acessão com fundamento na falta de oposição do vizinho (conclusão 2ª); 2º) as declarações duma das partes em articulado não podem valer como acordo sobre certos factos se foram alvo de impugnação pela parte contrária e consideradas matéria controvertida (conclusão 3ª); 3º) reportando-se a regulação judicial da estrema a dois prédios confinantes, duas unidades indivisas, mostra-se inadmissível ficcionar, como faz o acórdão recorrido, que o prédio da ré se divide em duas partes, para o efeito de atribuir o direito de adquirir uma delas por acessão; por isso, não tendo os autores o direito de adquirir uma das parcelas de terreno, a conclusão deve ser idêntica relativamente à outra parcela (conclusão 4ª).
Assente que os autores construíram no seu prédio obra que se prolongou pelo prédio pertencente à herança ré e manifestaram vontade de adquirir a faixa de terreno em causa mediante o pagamento do respectivo valor e do prejuízo eventualmente resultante da desvalorização daquele prédio, há que verificar se estão reunidos os requisitos fixados no artigo 1343º, nº 1, CC, a saber: a ocupação de uma parcela de terreno alheio na construção de um edifício em terreno próprio; boa fé do autor da construção; decurso de três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário; pagamento do valor do terreno e reparação do prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante. Esta figura é denominada acessão invertida, dado que, como explica o Prof. A. Santos Justo [8] “é o construtor, e não o proprietário do terreno, quem adquire a parcela ocupada”, sendo “titular de um direito potestativo: pode ou não adquiri-la”.
Quanto à parcela identificada no ponto 78) da matéria de facto provada, o acórdão recorrido considerou que os autores não agiram de boa fé ao construírem nesse terreno, dado que “(...) as divergências no que toca à fixação da linha divisória – no que se refere a essa faixa de terreno – começaram há muitos anos e, praticamente, desde a construção da casa dos Autores, já que, em Abril de 1990, a proprietária do terreno instaurou acção contra os aqui Apelantes, reclamando a propriedade dessa faixa de terreno e peticionando a destruição das escadas que os Apelantes haviam aí construído (...)”, divergências estas que “(...) obstam a que se possa concluir que os Autores/Apelantes desconhecessem que estavam a executar aquela obra em terreno alheio e que, nessa medida, tivessem actuado de boa fé”. Consistindo a boa fé, para este efeito, no desconhecimento, pelo autor da obra, de que o terreno era alheio, ou se a incorporação foi autorizada pelo dono do terreno (artº 1340º, nº 4, CC), e cabendo àquele o ónus da respectiva prova, dado traduzir-se num elemento constitutivo do seu direito (artº 342º, nº1, CC), não há dúvida que da matéria de facto provada não se extrai tal desconhecimento por parte dos autores, antes resultando assentes elementos que apontam em sentido contrário, nos termos correctamente expostos no acórdão recorrido.
Quanto à parcela identificada no ponto 77) da matéria de facto, relativamente à qual o acórdão recorrido deu por verificados os pressupostos do direito de aquisição, por acessão, por parte dos autores, mediante o pagamento do valor fixado, a ré sustenta que e indmissível a divisão da parcela de terreno ajuizada em duas partes, para efeitos de atribuir aos autores o direito de adquirir uma delas. Não se vê, no entanto, que lhe assista razão, uma vez que a acessão prevista no artigo 1343º, nº 1, aplicável aos casos de prolongamento de edifício por terreno alheio, se reporta apenas à parcela ocupada e não à totalidade do prédio. Explica o Prof. A. Santos Justo (loc. cit.) que “o termo legal «parcela» traduz a ideia de que só poderá ser ocupada uma pequena parte do terreno. Se se tratar da maior parte da construção, dever-se-á recorrer ao regime geral da acessão fixado no art. 1340.º”. Portanto, a circunstância de os pressupostos do direito de aquisição por acessão não se verificarem relativamente a uma faixa de terreno não impede o reconhecimento de tal direito quanto à outra faixa.
No que respeita às consequências que a ré pretende retirar da pendência da anterior acção de demarcação, no sentido de afastar o direito dos autores adquirirem por acessão a dita parcela de terreno (facto 77), também se entende que não tem razão. Efectivamente, como já se pôs em evidência, a piscina foi construída pelos autores nesta parcela de terreno no decurso da acção referida no ponto 7) e, aquando da propositura da acção n.º 184/97, tanto a piscina como o respectivo rebordo já estavam terminados e os arbustos que a rodeavam plantados e crescidos, o que tudo era do conhecimento da falecida CC (factos 23 a 25) que, não obstante, não exigiu a demolição das obras, nem (na acção 184/97) a demarcação dos dois prédios nessa estrema. Assim sendo, não pode considerar-se que tal acção configure uma oposição de CC no sentido visado pelo artº 1343º, nº 1, CC, isto é, um seu comportamento que exprima inequivocamente o propósito de não autorizar a construção levada a cabo pelos autores. Quanto às declarações eventualmente prestadas por CC nos articulados daquela acção, porque se trata de matéria que não consta da factualidade considerada assente nos presentes autos, torna-se manifestamente inviável tomá-las aqui em consideração, como logo resultaria, em qualquer caso, do disposto no artº 522º, nº 1, CPC, conjugado com o artº 355º, nº 3, CC.
8) A Relação condenou a herança ré a, logo que consumada a aquisição da faixa de terreno acima identificada por parte dos autores, demolir o muro que ladeia essa faixa de terreno e repor a situação que aí existia anteriormente (muro, sebes, relva e iluminação), sem prejuízo da faculdade de vedar o seu prédio pelos limites decorrentes daquela aquisição. Ambos as partes questionam este segmento do acórdão recorrido: os autores sustentam a condenação da ré na demolição total do muro que construiu e na reposição integral da situação anterior (conclusão 10ª); a ré, que não deve ser condenada na demolição da parte do muro que ladeia a parcela de terreno em questão, nem a repor a situação que aí existia anteriormente (conclusão 5ª).
Sobre esta última questão - a suscitada pela ré - disse-se o seguinte no acórdão recorrido:
“Este muro implicou (…) a destruição do relvado, muro, sebe e focos de iluminação que estavam implantados nesse local e que estavam em redor da piscina.
(…) aquela obra – ainda que executada em terreno dos Réus – pertencia aos Apelantes, importando notar que, desde a sua execução (…), a proprietária desse terreno (…) nunca lhe havia deduzido qualquer oposição (…). E, nessa perspectiva, (…) actuou de forma precipitada e abusiva, ao construir o muro e ao destruir a obra realizada pelos Apelantes e à qual nunca havia deduzido qualquer oposição, tanto mais que a linha divisória, nessa parte, ainda não estava judicialmente definida (embora tivesse ficado a constar da matéria de facto que se considerou provada naquela acção e embora se tenha concluído – também nesta acção – que era essa a linha divisória).
A verdade é que essas obras pertenciam aos Apelantes e, constatando a existência de uma obra alheia em terreno seu, a Srª CC não estaria legitimada, sem mais, a proceder à sua destruição.
(…) enquanto não for exercido o direito de acessão, as propriedades (do terreno e da obra) mantêm-se distintas, não sendo legítimo ao dono do terreno que actue sobre a obra que não lhe pertence como se fosse sua e sem que previamente – e quando seja o caso – seja resolvido, de acordo com as regras previstas nos arts. 1339º e segs., o conflito de direitos que emerge da construção de obra em terreno alheio e sem que se determine, em função daquelas normas, se o dono do terreno tem ou não o direito de exigir a destruição da obra ou de adquirir a respectiva propriedade.
Ainda que se considere que a destruição de uma obra feita de má fé em terreno alheio pode, de algum modo, integrar-se no âmbito dos direitos do proprietário do terreno, que, por essa via, assegura o seu direito, eliminando as obras e intromissões ilícitas que o afectaram (o que, de qualquer forma, sempre corresponderia a acção directa, que nem sempre é admissível – cfr. art. 336º), tal não acontece quando está em causa uma obra realizada de boa fé (como aqui acontecia), já que, nestes casos, o proprietário do terreno não terá, em princípio, o direito de exigir a destruição da obra – podendo, quando muito e em determinadas situações, adquirir a sua propriedade – e, portanto, tal destruição não corresponderia sequer à efectiva realização ou satisfação de um direito que lhe assistisse.
Por outro lado, (…) o direito de tapagem que assiste a qualquer proprietário não poderá interferir com os direitos de outrem, prejudicando-os; daí que, o direito que assistia à Srª CC de murar o seu prédio, ainda que com respeito pelos respectivos limites, não pudesse implicar – como implicou – a destruição de uma obra que não era sua, sem que, previamente, lhe fosse reconhecido o direito de adquirir a respectiva propriedade, de acordo com as regras previstas nos arts. 1339º e segs., e sem que lhe assistisse o direito de exigir ou proceder à sua destruição, por estar em causa uma obra realizada de boa fé e à qual nunca havia deduzido qualquer oposição.
Concluímos, pois, em face do exposto, que a herança Ré – logo que se consume a aquisição do terreno por parte dos Apelantes – ficará, efectivamente, obrigada a demolir o muro – na zona em questão – e a repor a situação que existia anteriormente (muro, sebes, relva e iluminação), sem prejuízo da faculdade de vedar o seu prédio pelos limites que irão decorrer daquela aquisição e, portanto, pelo lado exterior às sebes e muro dos Apelantes.”
Estamos de inteiro acordo, quer com a fundamentação reproduzida, quer com a solução adoptada pela Relação, que fazemos nossa, nada tendo a acrescentar-lhe.
Quanto à questão posta pelos autores verifica-se que, não lhes tendo sido reconhecido o direito de adquirir, por acessão, a faixa em litígio identificada no facto 78), pertencente ao prédio da ré, não há, em princípio, que ordenar a demolição do muro na parte que ladeia essa parcela de terreno e a reposição da situação anteriormente existente; isto porque, por um lado, a construção representa o exercício do direito de tapagem que o artigo 1356º do CC concede ao proprietário - “A todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo” - e, por outro lado, porque os autores não têm nenhum direito sobre aquilo que implantaram nessa parte do terreno da ré. Mas deve reconhecer-se-lhes razão quando sustentam que o direito de tapagem foi exercido abusivamente, tendo em conta a altura excessiva do muro e que as finalidades da demarcação podem ser atingidas por outros meios, além de que o muro não evita a devassa do prédio da ré?
Apesar de o direito público impor diversas limitações à altura das vedações, o Código Civil confere liberdade aos proprietários para taparem os seus prédios [9]; no entanto, se esse direito for exercido de forma abusiva ou violadora de direitos dos proprietários de prédios confinantes, podem interesses privados derivados de relações de vizinhança determinar restrições àquela liberdade.
O desequilíbrio no exercício de um direito, resultante da “desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem” [10], poderá integrar abuso do direito e, assim, mostrar-se inadmissível, se o respectivo titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Quanto à localização do muro, está provado que foi construído com respeito pela linha de demarcação definida na sentença da acção 184/97, com o aditamento resultante da factualidade aí considerada assente, e que apresenta a largura de 20 cm e a altura de 4,70 m junto ao caminho público a nascente, de 2,50 m junto à casa dos autores e, na zona da piscina, de 1,75 m medida pelo interior e de 2,20 m medida pelo exterior (factos 41, 42, 44 e 47). Mostra-se ainda provado o seguinte: o muro priva de sol a zona do prédio dos autores junto ao alçado lateral esquerdo e a zona da piscina; foi construído a uma distância de 1,80 m da parede sul da casa dos autores, sendo que a zona entre o muro e essa parede fica privada de sol ao nível do rés-do-chão; devido à sua altura e acabamentos, o muro constitui elemento arquitectónico desenquadrado dos conjuntos prediais próximos e a sua construção não trouxe ao prédio da herança ré qualquer vantagem estética (factos 49, 50, 51 e 52).
Num caso de contornos factuais semelhantes, este Supremo Tribunal decidiu[11] que não pode considerar-se excessiva uma altura máxima dum muro construído na estrema de prédio que não atinge um metro a mais daquilo que será a altura média de um indivíduo, quando é certo que um dos objectivos do direito de tapagem é garantir a privacidade e segurança; se um muro construído nessas condições retira uma hora e meia a duas horas de sol ao prédio contíguo, não estamos perante um abuso de direito, mas num caso de colisão de direitos: o direito de tapagem, por um lado, e o direito à salubridade, por outro; sendo direitos da mesma espécie, nos termos do artigo 335º do CC, deveriam ceder mutuamente de modo a que ambos produzissem o seu efeito útil; no entanto, tendo o muro praticamente as dimensões mínimas para que possa garantir a privacidade e segurança, é de aceitar como razoável a referida redução da radiação solar.
E no acórdão de 28/10/08 [12], acolhendo a doutrina daquele aresto de 5/11/05, considerou racional e equilibrado que no exercício do direito do artigo 1356º CC (em Portugal, em que a altura média do homem se situa hoje entre 1,68 m e 1,74 m) o muro de tapagem possa atingir cerca de 3 metros; um muro de vedação pode ter como funções específicas garantir a privacidade, evitando o devassamento, o arremesso de objectos e a demarcação do prédio, mas terá de ser limitado pelos direitos dos vizinhos; o direito à insolação - no sentido de exposição ao sol - integra-se no direito à saúde, na vertente de direito de personalidade, na estrita medida em que a exposição solar, com ponderada moderação, tem efeitos terapêuticos físicos e psicológicos; ocorre colisão de direitos sempre que, na configuração casuística, ou no seu exercício, dois ou mais direitos subjectivos são incompatíveis entre si, devendo então prevalecer o que tutela um interesse superior, como é o caso dos direitos de personalidade.
No caso presente a altura do muro não pode considerar-se excessiva se, junto à casa dos autores, que é a parte em causa, não ultrapassa os 2,5 m, tendo em atenção que se destina a garantir a privacidade e a segurança, fins insusceptíveis de serem atingidos com um muro mais baixo. É de afastar, por consequência, o abuso do direito invocado pelos autores. Porém, subsiste a possibilidade do direito da ré ter de ceder, se colidir com direitos dos donos do prédio vizinho, conforme resulta do disposto no artigo 335º do CC. Está em causa o direito à insolação, eventualmente em colisão com o direito de tapagem, pois o muro priva de sol a zona do prédio dos autores junto ao alçado lateral esquerdo e a zona do rés-do-chão da parede sul da sua casa. No entanto, tal como se julgou no citado acórdão de 3/11/05, tendo o muro as dimensões mínimas para desempenhar utilmente a função a que se destina - garantir a privacidade e a segurança - terá o direito dos autores à insolação que ceder, tanto mais sendo certo que a ordenada demolição da parte do muro relativa à faixa de terreno que ladeia a piscina pelo lado nascente e sul e prossegue para poente já elimina, praticamente, a situação de colisão de direitos nessa zona.
No que se refere à obrigação de repôr a situação anteriormente existente na faixa de terreno cujo direito de aquisição por acessão foi reconhecido aos autores, o acórdão recorrido esclareceu que abrangia muro, sebes, relva e iluminação. Os recorrentes alegam que a construção do muro causou outros danos nessa faixa de terreno, designadamente na piscina, com todos os seus elementos componentes, e que a reposição da situação anterior deve ser irrestrita. Tal factualidade, porém, não se encontra provada, razão pela qual improcede a 10ª e última conclusão da revista dos autores.
9) Na conclusão 6ª, a ré questiona a verificação da obrigação de indemnizar os autores por danos não patrimoniais, sustentando que não estão preenchidos os requisitos da ilicitude e da culpa porquanto CC agiu no exercício dum direito. Todavia, como acima se referiu, o direito de tapagem, que exerceu e se insere nos poderes de gozo e de fruição dos proprietários, não lhe conferia, na parte respeitante à parcela de terreno que ladeia a piscina pelo lado nascente e sul e continua para poente, o direito de destruir as obras implantadas no seu prédio, de boa fé, pelos autores, às quais não havia ainda deduzido oposição; por isso, mostram-se preenchidos os dois citados requisitos da obrigação de indemnizar fixados no artigo 483.º do CC, como a Relação decidiu.
Em face do exposto, improcedem ou mostram-se deslocadas as conclusões das duas revistas.
III. Decisão
Negam-se ambas as revistas.
Cada uma das partes suportará as custas da revista que interpôs.
Lisboa, 29 de Outubro de 2014
Nuno Cameira (Relator)
Sousa Leite
Salreta Pereira
_____________________________
[1] Cfr. acórdão desta conferência de 13/11/07 – Revª 3060/07-6ª, em www.stj.pt.
[2] Código Civil Anotado, III, 2ª edição revista e actualizada, 1987, pág.11.
[3] Revª 2960/07, cujo texto completo está acessível em www.stj.pt.
[4] Paulo Mota Pinto, Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil, BFDUC, Volume Comemorativo (2003), pág. 276.
[5] Obra e loc. citados, pág. 302.
[6] Neste exacto sentido, Meneses Cordeiro, “Contrato Promessa – Art.º 410º, nº 3, do Código Civil – Abuso do Direito - Inalegabilidade Formal”, ROA, Julho de 1998, II, pág. 964 (que seguimos de muito perto no texto).
[7] Obra e loc. cit, pág. 305).
[8] Direitos Reais, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 278-279.
[9] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra cit. pág. 205.
[10] Prof. Meneses Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, 1997, pág. 853.
[11] Acórdão de 3/11/05, na Revª 2728/05 – 2ª, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Revª 3005/08 – 1ª, disponível em www.dgsi.pt.