O prazo prescricional previsto no art. 498.º do CC apenas pode ser interrompido, através de notificação judicial avulsa, por uma vez, não tendo as eventuais e sucessivas notificações judiciais avulsas subsequentes qualquer eficácia interruptiva da prescrição.
AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra:
- Companhia de Seguros BB e
- Companhia de Seguros CC, peticionando a condenação solidária das rés a pagar-lhe a quantia de 351.763,97€ a título de danos patrimoniais, a quantia de 150.000,00€ a título de danos não patrimoniais, a quantia a liquidar em execução de sentença referente aos danos não patrimoniais emergentes das intervenções cirúrgicas a que o autor venha a ser submetido no futuro em virtude do sinistro dos autos, juros à taxa legal desde a data de citação e até efetivo e integral pagamento sobre todas as quantias peticionadas, bem como a quantia a calcular e referente a correção monetária sobre o montante reclamado a título de danos patrimoniais, contado desde a data do acidente (momento da verificação do dano) até à data de citação das rés tendo por base os coeficientes de inflação verificados nos anos de 2004, 2005,2006, 2007, 2008,2009, 2010, 2011 e 2012.
Para tanto alega que, no dia 31 de Março de 2004, pelas 20:13 horas, na A3, mais precisamente ao Km 3,325 no sentido Porto / Braga, na Maia, ocorreu um acidente de viação no qual intervieram os veículos de matrícula -AL, conduzido por DD, de matrícula -HU, conduzido pelo autor, de matrícula -OB, conduzido por EE e de matrícula -AM, conduzido por FF, sendo que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, pelo veículo -OB, encontrava-se, à data do sinistro, válida e eficazmente transferida para a primeira Ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice n° ... e a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, pelo veículo -AM, encontrava-se, à data do sinistro, valida e eficazmente transferida para a segunda R., através de contrato de seguro titulado pela apólice n° ….
O acidente em causa provocou danos ao autor, que o mesmo descreveu, sendo certo que tais danos foram provocados por culpa dos condutores dos veículos segurados nas rés.
Alegou, também, que não se encontrando reunidas as necessárias condições para a propositura da presente acção no final do prazo de prescrição de 3 anos (ou cinco) designadamente, porque o autor permanecia em tratamento, procedeu o autor à Notificação Judicial Avulsa de ambas as rés como forma de interrupção da prescrição, por duas vezes sucessivas.
Por outro lado, ainda que se considere que o prazo de prescrição aplicável ao caso é de 5 anos por a conduta do condutor do OB poder ser subsumível ao crime de ofensas corporais negligentes, a verdade é que também nesse caso o direito do autor estará prescrito, porquanto o prazo de prescrição só é susceptível de ser interrompido por via da notificação judicial avulsa por uma única vez.
Assim sendo, considerando que existiram duas notificações judiciais avulsas feitas pelo autor, apenas a primeira interrompeu o prazo de prescrição.
O autor apresentou réplica, respondendo a essa excepção alegando que a segunda notificação judicial avulsa teve como efeito a interrupção da prescrição relativamente a essa ré já que em momento algum se estabeleceu qualquer limite para a utilização da notificação judicial avulsa como forma de interromper a prescrição e nem da legislação resulta qualquer limitação.
Assim sendo, considerando que o prazo de prescrição aplicável in casu foi interrompido validamente em 22/2/2007, temos de concluir que o direito do autor prescreveu em 22/2/2012, não tendo a notificação judicial avulsa realizada em 26/1/2010 a virtualidade de interromper novamente o prazo.
Tendo a acção sido interposta em 18/12/2012 há que concluir que a excepção de prescrição deve ser julgada procedente e, em consequência, deverão as Rés ser absolvidas do pedido…”, o que foi efectivamente decidido.
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“1- Requer o recorrente que o presente recurso suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça (recurso per saltum) tanto mais que verificam de forma cumulativa os requisitos plasmados no artigo 725 do CPC, ou seja:
a) O valor da causa é superior ao da alçada da Relação;
b) O valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação;
c) Apenas se suscitam questões de Direito;
d) Inexistem quaisquer decisões interlocutórias impugnadas;
Do Recurso em si:
2- No que a este ponto diz respeito, há desde já a salientar a matéria de facto em que o mesmo se suportou e, com interesse para a causa:
a) O acidente de viação invocado nos presentes autos ocorreu em 31/3/2004.
b) Em 22/2/2007 foram as rés notificadas da notificação judicial avulsa requerida pelo autor cuja cópia se encontra junta a fls. 160/163 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido conforme certidões juntas a fls. 158/159.
c) Em 26/1/2010 foi a 1ª ré notificada da notificação judicial avulsa requerida pelo autor cuja cópia se encontra junta a fls. 169/172 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido conforme certidão junta a fls. 57.
d) Em 4/2/2010 foi a 2ª ré notificada da notificação judicial avulsa requerida pelo autor cuja cópia se encontra junta a fls. 169/172 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido conforme certidão junta a fls. 58.
e) A presente acção foi intentada em 18/12/2012.
f) A 1ª ré foi citada em 19/12/2012.
3- É certo que o prazo de prescrição estipulado no artigo 498º nº l corresponde a 3 anos sendo que, caso a atuação do agente configure crime para o qual a lei estipule prazo prescricional mais longo, será este o aplicável (no caso 5 anos, pelo menos).
4- Igualmente certo é que esse prazo de prescrição pode ser interrompido e,
5- A notificação judicial avulsa, é meio idóneo para que opere essa interrupção sendo certo que, com a mesma, inicia-se novo prazo.
6- A consagração da notificação judicial avulsa como meio idóneo para interromper a prescrição teve como marco o douto Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência 3/98 in www.dgsi.pt.
7- Ora, este mesmo acórdão limita-se apenas, e tão só, a consagrar a Notificação judicial Avulsa como meio idóneo para aquele efeito, em momento algum se pronunciando sobre quantas vezes poderia ser aquele instrumento utilizado para aquele mesmo efeito.
8- Em momento algum se estabeleceu qualquer limite de utilização da Notificação Judicial Avulsa para interromper a prescrição, designadamente em número e, nem da legislação resulta qualquer limitação.
9- Aliás, atento o teor da decisão, afigura-se correto o entendimento de que por esse mesmo acórdão se estabeleceu, não só a possibilidade de interrupção da prescrição pela Notificação Judicial Avulsa, como também se fixou a inexistência de qualquer limite ao número de vezes que a prescrição poderia ser interrompida.
10- Outra questão diversa e que o tribunal recorrido não cuidou, é saber se tal interrupção sucessiva teve por base uma inércia ou negligência por parte do credor, essa sim suscetível de afetar negativamente a segurança jurídica de que deve beneficiar o devedor ou, se tal procedimento (segunda notificação judicial avulsa) teve por base factualidade atendível e, que, como tal, deve sobrepor-se àquele valor.
11- Tal como melhor resulta do texto das duas NJA a fls., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a factualidade que levou àqueles procedimentos teve que ver com os tratamentos que o A., ora recorrente, teve de fazer ao longo de anos por força do acidente dos autos.
12- A interposição de uma ação de indemnização pressupõe o conhecimento dos efetivos danos e das sequelas que resultaram para o lesado assim como o impõe os princípios de economia e celeridade processuais.
13- Ora, tal como melhor resulta daquelas NJAs a justificação para a interrupção levada a efeito em 2007 foi o facto do A. prosseguir em tratamentos, não lhe sendo possível, ainda, interpor a ação pois, se se encontrava ainda em recuperação para si eram ainda desconhecidas as reais sequelas emergentes do acidente dos autos.
14- Se o motivo foi o mesmo aquando da NJA levada a efeito em 2010, o certo é que já aí, até para que as RR. tivessem maior noção da gravidade do sinistro, o ali requerente ainda acrescentou o elevadíssimo número de intervenções cirúrgicas a que àquela data já tinha sido submetido (17) sendo que, depois disso, ainda veio a ser submetido a mais quatro intervenções.
15- Estamos assim a falar não de um qualquer sinistro de "chapa" apenas, mas de um acidente de viação que se traduziu em lesões gravíssimas para o A., ora recorrente, e em anos de tratamento até que as mesmas atingissem a fase sequelar, ao contrário do que acontecia nos dois processos a que se reportam as doutas decisões do TRP e a que a R. alude na sua contestação.
16- Acresce que as RR., designadamente a BB, sempre tiveram conhecimento da gravidade das lesões que resultaram para o Recorrente, quer por si, quer pela intervenção noutro processo judicial em que era demandante um outro interveniente (Artºs 31 da PI)
17- Isto posto, questiona-se se há ou não uma qualquer negligência por parte do Recorrente e, se a segurança jurídica da R. se encontra injustificadamente afetada pela negativa.
18- A R. como qualquer seguradora tem por obrigação contratual e até por obrigação inerente à sua própria atividade, o ressarcimento dos terceiros vítimas de acidente de viação pelo que, se é justo conferir-lhe segurança ante a negligência injustificada dos sinistrados, de todo se afigura correto impedir que a prescrição seja interrompida por meio de NJA em casos de enorme gravidade como é o dos autos em que inexiste inércia ou negligência.
19- O Recorrente, em sede de NJA não se limitou a dizer que ainda não podia interpor a ação. A interrupção foi justificada factualmente com a gravidade das lesões e o prolongamento dos tratamentos.
20- Por outro lado, sendo a R. conhecedora da gravidade das lesões que resultaram para o Recorrente e, bem assim dos tratamentos prolongados no tempo a que ia sendo submetido, o A. tinha também plena consciência de que se trata aqui de um caso de gravidade excecional sendo expectável para si (Ré) a demanda judicial.
21- A situação clínica do A. foi uma incógnita durante todos estes anos sendo certo que, apenas pouco tempo antes da interposição da ação em juízo é que o A. tomou efetivo conhecimento da verdadeira dimensão dos danos por si sofridos ou seja,
22- Apenas depois da segunda interrupção da prescrição é que o A. tomou conhecimento efetivo dos seus direitos sendo que, tal como melhor consta do artigo 44º da PI cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, após a segunda notificação, o A foi submetido a mais quatro operações, duas em Outubro de 2010, uma em Julho de 2011 e uma outra em Maio de 2012.
23- Ora, sendo a R. conhecedora da gravidade da situação e, bem assim de que o A. se encontrava ainda em tratamentos que se prolongaram ainda por mais tempo, factos que impediam que o A., ora recorrente, dispusesse de todos os elementos que se afiguram necessários á propositura da ação judicial, designadamente o conhecimento da dimensão dos danos, seja em quantidade seja em qualidade, necessariamente teremos que concluir não só pela ausência de negligência ou inércia por parte do A. como também teremos que concluir que a segurança jurídica que lhe assistirá (como a qualquer outra pessoa) em momento algum resultou ferida.
24- Acresce que, nem pode argumentar-se com a indefinição no tempo e nem com a questão da desejável proximidade entre os factos e o julgamento porquanto caso a primeira notificação tivesse sido cumprida, não ao fim de três anos, mas ao fim dos 5 anos, sempre teríamos que a R. estaria a contestar esta mesma PI nesta mesma altura.
25- Concorda-se que a utilização da NJA como meio de interrupção da prescrição não deve premiar a negligência ou inércia do credor em detrimento da segurança jurídica do devedor.
26- No entanto, salvo melhor opinião, o comportamento quer do credor quer do devedor, terão que ser aferidos em cada caso em concreto para daí se extraírem conclusões fáticas, essas sim, passíveis de preencher os conceitos de negligência, inércia e segurança jurídica.
27- O caráter de exceção da NJA (face à regra da prescrição), para efeito de interrupção de prescrição, não pode aferido por critérios meramente quantitativos.
28- Inexiste qualquer limitação imposta legalmente e, o douto Ac. de Uniformização de Jurisprudência que instituiu a NJA como meio adequado à interrupção da prescrição em momento algum estabeleceu esse limite e, como tal, salvo melhor entendimento,
29- Impõe a Justiça que se aprecie cada caso em concreto para daí aferir do comportamento do credor e devedor, designadamente em ordem a apurar se da parte do credor houve inércia, negligência ou desinteresse que justificassem a primazia da segurança jurídica do devedor.
30- No caso em concreto, atenta a matéria alegada em sede de PI, documentação junta com a mesma, teor das NJAs, salvo melhor entendimento e, sem prejuízo de apreciação ulterior, é evidente que o A. em momento algum foi negligente, desinteressado ou revelou inércia e, muito menos em grau que justificasse a sobreposição do interesse da R. tanto mais que esta sempre teve noção da gravidade deste sinistro.
31- Quer isto dizer que, nos presentes auto,s mesmo considerando a segunda NJA como tendo o efeito interruptivo de prescrição, o caráter excecional da NJA mantém-se.
32- O caráter de excecionalidade da NJA como meio de interrupção da prescrição deve ser aferido não só por critérios quantitativos mas também qualitativos, designadamente através da avaliação da motivação para o recurso àquele expediente legal em detrimento da interposição da ação, o que apenas pode ser feito mediante a análise de cada caso em concreto.
33- As circunstâncias do presente caso são manifestamente graves, merecendo atenção especial e justificam plenamente o caráter excecional de qualquer notificação judicial avulsa seja ela uma primeira ou uma segunda.
34- É este mesmo critério de gravidade que leva a que se considere um prazo de prescrição superior caso o facto danoso constitua crime.
35- É este critério de gravidade amplamente considerado na doutrina e jurisprudência que igualmente deverá ser atendido e subsistir no presente caso.
36- É este critério de gravidade que se pode e deve considerar quando se afere do caráter de excecionalidade das NJAs.
37- Acresce ainda referir que a segunda notificação judicial avulsa, onde já se referia tratar-se de uma segunda NJA, foi objeto de despacho judicial que a ordenou tendo sido verificado judicialmente, desde logo: A não violação de normativos legais nem os princípios da boa fé ou bons costumes; A potencialidade abstracta da existência do facto ou direito afirmados; que a diligência não era juridicamente inútil.
38- Ora, se apenas são passíveis de deferimento as diligências que revelem utilidade (no caso a interrupção de prescrição), necessariamente terá que considerar-se que aquela decisão judicial validou a segunda NJA como meio idóneo e capaz de interrupção da prescrição pela segunda vez.
39- Cumpre, por fim registar a atitude desta R. na qual não vai acompanhada pela co-Ré CC, seguradora esta que assumiu o seu dever social, moral e contratual não procurando esquivar-se às suas responsabilidades por um qualquer meio, designadamente em face de um caso da gravidade como o dos presentes autos.
40- Ainda mais, a R., quer pelas notificações quer pelo acompanhamento que foi tendo do sinistro sempre soube do direito do A. e bem assim de que o mesmo se encontrava impedido de o reclamar devidamente e, mais, que sempre foi sua intenção fazê-lo.
41- Deve assim ser alterada a douta sentença recorrida julgando-se improcedente a invocada exceção de prescrição.
Sem prescindir,
42- Não obstante a exceção de prescrição ter sido invocada única e exclusivamente pela R. BB, o tribunal recorrido decidiu pela absolvição de ambas as RR. ou seja, absolveu não só a R. BB mas também, a R. CC mediante uma exceção que esta mesma R. em momento algum invocou, tal como melhor resulta da douta contestação pela mesma oferecida a fls..., cujo teor por mera facilidade aqui se dá por integralmente reproduzido.
43- A exceção de prescrição é um meio pessoal de defesa de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente tendo, portanto, que ser invocado por quem dele se pretende aproveitar sendo certo que, o presente caso não configura qualquer caso de litisconsórcio passivo necessário tanto mais que nenhum preceito impunha a demanda de ambas as RR. para além de que, o momento para a sua invocação é o da contestação.
44- Tal como muito bem refere A. Varela in Das Obrigações em Geral - I – 6º -739, meios pessoais de defesa "são os factos que, afastando temporária ou definitivamente a pretensão do credor, se referem apenas a um dos condevedores, só por este podendo ser invocados", entre os quais se conta a prescrição que, como se referiu já apenas pode ser invocada por quem dela aproveite não sendo de conhecimento oficioso.
45- Dispõe o Art.º 303 do CC:
"O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita..." e, tal como muito bem refere Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. I (3ª Ed.) "A prescrição não importa ipso iure, a extinção do direito. Carece de ser invocada por aquele a quem aproveita ou pelo seu representante, ou pelo Ministério Público, tratando-se de incapazes. Daí o regime estabelecido no artigo seguinte."
46- A R. CC não invocou a prescrição e, como tal, também não poderia a mesma ser do conhecimento oficioso do tribunal, ou seja, não poderia o tribunal recorrido ter suprido tal falta de alegação, conhecimento de exceção que o mesmo assumiu absolvendo esta R.
47- Impõe-se assim a alteração da douta sentença proferida e de que ora se recorre designadamente considerando-se como não prescrito o Direito que o A. pretende fazer valer contra a R. CC.
48- Neste mesmo sentido veja-se a título meramente exemplificativo:
a) O Ac. do STJ de 30/09/2008 in www.dgsi.pt:
b) O douto Ac do STJ de 28/05/2009 in Biblioteca Digital da Justiça Portuguesa:
c) O douto Ac. do STJ de 07/07/2010 in www.stj.pt:
d) O douto Ac. Do STJ in www.stj.pt de 19/06/2012:
e) O douto Ac. STJ de 14/02/2013 in www.stj.pt:
f) O douto Ac. Do STJ de 19/02/2009 in www.stj.pt
49- Deve assim ser alterada a douta sentença proferida julgando-se improcedente a exceção de prescrição invocada pela R. BB assim prosseguindo os autos contra ambas as RR. ou, caso assim se não entenda, deverá a douta sentença recorrida ser alterada e em conformidade deverão os autos prosseguir contra a R. CC porquanto não invocou a prescrição.
50- A douta sentença ora recorrida, viola, entre outros, o disposto no artigo 303º, 498º e nº 1 do CC e, os artigos 261 e 262 do CPC.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V/Exªs mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, alterada a douta sentença recorrida em conformidade e com as legais consequências, com o que se fará sã e inteira Justiça!”.
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Os Factos
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Fundamentação
Como se vê das conclusões, são duas as questões de direito suscitadas.
A primeira, traduz-se em saber se o prazo prescricional se interrompe mediante uma segunda notificação judicial avulsa.
A segunda, se a prescrição invocada pela 1ª Ré, aproveita à 2ª, que não suscitou tal excepção.
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1ª Questão
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Determina-se, no nº 1 do citado dispositivo que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”, e o nº 3 do preceito estatui que “Se o facto ilícito constituir crime para a qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.
Significa isto que, em princípio, só após a produção da prova se poderá concluir que o prazo prescricional aplicável é o de 3 anos ou 5 anos.
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Podemos, portanto, entrar na apreciação da questão colocada na revista.
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É sabido que o prazo prescricional pode ser interrompido pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertença e ainda que o Tribunal seja incompetente, sendo certo que a lei equipara à citação ou notificação, para efeitos de interrupção da prescrição, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto, àquele contra quem o direito pode ser exercido (Art.º 323º nº 1 e 4 do C.C).
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Surgiu divergência jurisprudencial sobre a questão de saber, se, face ao citado dispositivo legal, a notificação judicial avulsa (N.J.A.) prevista nos Artºs 261º e 262º do C.P.C., era meio idóneo para interromper a prescrição.
Tal divergência foi sanada pelo Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 3/98, de 26/3/1998, que decidiu:
“A notificação judicial avulsa pelo qual se manifesta a intenção do exercício de um direito, é o meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do nº 1 do artigo 323º do Código Civil.”
Concordamos inteiramente com tal decisão, a qual, por isso, se adopta plenamente.
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Quer dizer, com início em 22/2/2007, dispunha o A. de novo prazo prescricional para exercer o seu direito à indemnização, que seria de 5 ou de 3 anos, consoante provasse ou não que o acto ilícito imputados aos segurados dos RR, constituía ou não o crime de ofensa à sua integridade física.
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Todavia, antes de decorrer qualquer dos aludidos prazos, o A. voltou a notificar judicialmente (N.J.A) as rés, pretendendo interromper, novamente, o prazo prescricional em curso.
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A questão está, portanto, se esta 2ª N.J.A interrompe, de novo, o prazo da prescrição nos mesmos termos em que o interrompeu a 1ª. N.J.A.
Representa, assim, um mecanismo estabilizador do direito, simplesmente por efeito do decurso do tempo, tal como também acontece, por ex., através da caducidade e do não uso.
Tal função estabilizadora é essencial à segurança, transparência e certeza do tráfego jurídico, evitando, por um lado, a vinculação indefinida do devedor, e funcionalizando, por outro, o exercício útil dos direitos subjectivos, por via da desvalorização da inércia do titular quando se prolongue para além de um prazo considerado por lei como razoável.
E estas razões de segurança e certeza jurídica, que estão na origem do velho instituto da prescrição, são de tal modo valorizados pela lei, que, por isso estabeleceu para a prescrição um regime de interesse e ordem pública, que não pode ser modificado, facilitado ou dificultado por acordo dos interessados, como decorre do Art.º 300º do C.C.
A ser como quer o recorrente, estava descoberta a maneira de defraudar a lei, ignorando-se os prazos prescricionais, que, por via de sucessivas notificações judiciais avulsas, se renovariam periodicamente, à vontade do titular do direito, sem nunca se esgotarem.
Uma tal interpretação, além de violar o Art.º 300º do C.C., contrariaria o espírito da lei, sem encontrar qualquer apoio na sua letra.
Salvo melhor opinião, o argumento não colhe.
O Art.º 323ºdo C.C. não fala expressamente na notificação judicial avulsa como meio de interrupção da prescrição.
No entanto, o seu nº 4 equipara à citação ou notificação para esse efeito, “qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.
Deste modo parece legítima a interpretação segundo a qual a notificação judicial avulsa, como “meio judicial” que é, pelo qual o onerado fica tendo conhecimento que o titular do direito tem intenção de o exercer, está abrangida pelo nº 4 do preceito.
Ora, não se vê que a citação ou notificação judicial a que se refere o nº 1 do Art.º 323º, possam ser usadas para interromper mais do que uma vez o prazo prescricional.
Assim, tendo em conta a equiparação prevista no nº 4, também não se nos afigura defensável, face à letra do preceito, a interpretação no sentido de que a notificação judicial avulsa possa servir de meio idóneo à interrupção sucessiva do prazo prescricional, colocado na livre disponibilidade do titular do direito.
Uma tal interpretação, além de contrariar claramente a “ratio legis” do instituto da prescrição, não encontra nenhum eco na letra da lei (antes pelo contrário).
Acontece que o dito acórdão, não só nada fixou no sentido pretendido (nem tal se infere, minimamente, de qualquer dos votos de vencido), como a questão da eficácia interruptiva de sucessivas notificações judiciais avulsas, nem sequer foi abordada, até porque não era essa a questão a decidir.
Assim, só a eventual leitura deficiente do acórdão justifica a afirmação do recorrente.
Não há, portanto, na situação concreta inércia negligente em instaurar a acção, razão porque deverá ser admissível a interrupção do prazo prescricional por via da segunda notificação.
Portanto, não era necessário que o A. conhecesse toda a extensão dos danos sofridos, bastando que tivesse conhecimento, como teve, dos factos constitutivos do direito à indemnização e que desses factos lhe resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais, ainda que não pudesse quantificá-los rigorosamente.
A aludida presunção, nada tem a ver com qualquer presunção legal ilidível pela prova do contrário, ou com as presunções judiciais, que podem ser destruídas por simples contraprova.
Quando se fala em presunção de negligência ou desinteresse do titular do direito, como fundamento da prescrição, quer-se referir um pressuposto prévio, tido em conta pelo legislador, no desenho legal do respectivo instituto e seu regime, pressuposto que, como será evidente, não pode ser posto em causa por qualquer meio de prova.
Por isso mesmo, a segurança e certeza jurídica que se quis assegurar através do mecanismo da prescrição, não pode ser atendida ou desatendida em função da diligência ou negligência do titular no exercício do direito, em cada caso concreto, como parece pretender o recorrente.
Tal significa que, considerando o prazo de prescrição de 5 anos, como pretende o recorrente e foi aceite pela decisão recorrida, o A. dispunha de mais 5 anos a contar do acto interruptivo, para exercer tempestivamente o seu direito, prazo suplementar esse que apenas se esgotou em 22/2/2012.
Ora, como resulta dos autos, o A. dispunha dos elementos clínicos que agora juntou aos autos, pelo menos desde 12/1/2011 (v. fls. 43) e 4/4/2011 (v. fls. 44).
Pagava as rendas de casa que peticiona, pelo menos desde 1/5/2009 (v. fls. 50/53) e tinha conhecimento do orçamento dos danos no seu veículo desde 6/5/2004, verba que, segundo alega, pagou em 6/7/2005 (v. fls. 32 e 33).
Fácil será, então, perceber que independentemente da 2ª notificação judicial avulsa (pela qual indevidamente optou), dispunha, na prática, de todos os elementos de prova que ora utiliza, antes de se ter esgotado o prazo de prescrição de que passou a beneficiar em consequência da interrupção provocada pela 1ª notificação judicial avulsa.
Se não intentou a acção dentro desse prazo, como podia, porque interpretou erradamente a lei, ou por qualquer outra razão, apenas dele se poderá queixar, podendo mesmo dizer-se que a opção de A. não primará pela diligência e cautela exigíveis…
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2ª Questão
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Questiona-se, então, se a 2ª Ré, Companhia de Seguros CC, beneficiará da referida excepção, apesar de a não ter invocado na sua defesa.
Trata-se, portanto, de uma excepção peremptória de caracter pessoal, cuja invocação depende da vontade do beneficiário, daí que não possa ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. (Art.º 496º C.P.C.)
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Assim, parece claro que a 2ª Ré que não invocou a excepção, não pode dela beneficiar, e por isso, não podia ser absolvida do pedido logo no saneador-sentença, como indevidamente foi.
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