COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
EXTRADIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário


    

I  -   A extradição, como forma clássica de colaboração judiciária internacional em matéria penal, traduz-se na entrega de um delinquente por parte de um Estado a outro, para efeito de julgamento ou de cumprimento de pena.
II -  No domínio da CPLP surgiu a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal e a Convenção de Extradição, ambas assinadas na cidade da Praia a 23-11-2005 e aprovadas, em Portugal, respectivamente, pelas Resoluções da AR 46/2008 e 49/2008.
III - Deve ser negada a extradição quando o crime estiver prescrito face à lei do Estado requerente ou do Estado requerido (art. 3.º, n.º 1, al. f), da Convenção de Extradição).
IV - O Estado requerido deve, de acordo com o art. 12.º da Convenção de Extradição, solicitar ao Estado requerente informações complementares sobre a ocorrência de eventuais causas de interrupção ou de suspensão do prazo de prescrição, quando se mostre possível que o procedimento criminal já esteja prescrito segundo a sua própria legislação.
V - Não pode é presumir-se sem mais que não houve prescrição do procedimento criminal, segundo a lei portuguesa, decidindo-se contra o arguido e ordenando-se a sua extradição.

      
    
     

Texto Integral

A  -   PEDIDO E PROCESSADO SUBSEQUENTE

1. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto do Tribunal da Relação de Évora promoveu a execução da presente extradição de AA, cidadão brasileiro nascido a ...., residente antes de preso em Portimão, em virtude de pedido formulado pelo Juízo da 4ª Vara Criminal de Cariacica, Estado de Espírito Santo, Brasil, para procedimento criminal pelo crime de homicídio, ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa de 25 de Novembro de 2005 (aprovada pela resolução da Assembleia da República Portuguesa n.° 49/2008 e ratificada pelo decreto do Presidente da República n.° 67/2008; e aprovada pelo decreto legislativo n.° 45/2009, do Congresso Nacional brasileiro, e ratificada pelo decreto n.° 7.935, da Presidência da República Federativa do Brasil).

Ouvido nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 54.°, da Lei n.° 144/99, de 31- 8, o extraditando declarou que não consentia na sua extradição para o Estado requerente, nem renunciava ao benefício da regra da especialidade e requereu prazo, que lhe foi concedido, para deduzir oposição. Também foi validada a detenção do extraditando, tendo o mesmo sido sujeito à medida de prisão preventiva.

 

Deduzida a oposição, o extraditando alegou, no que mais importa, a extinção do procedimento criminal por prescrição.

O Mº Pª junto da Relação respondeu, negando o decurso desse prazo de prescrição, e pronunciando-se pois pela concessão da extradição.

Por acórdão de 15/10/2013, o Tribunal da Relação de Évora deferiu a execução do pedido de extradição, dizendo a certo passo:

"Ao caso é aplicável a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia, em 23-11- 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 49/2008, de 15-9, e a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, aprovada pelo Decreto-lei n.° 144/99, de 31-8.

Assim, dispõe o art.° 3.°, n° 1 al. f), da aludida Convenção, que não haverá lugar a extradição quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.

E o art.° 8.°, n° 1 al. c), da Lei n.° 144/99, que a cooperação não é admissível se em Portugal (...) o procedimento se encontrar extinto por qualquer outro motivo, salvo se este se encontrar previsto, em convenção internacional, como não obstando à cooperação por parte do Estado requerido.

Do texto destas disposições legais resulta que a questão da prescrição terá de ser analisada do ponto de vista do direito de ambos os Estados interessados, não podendo a extradição ser concedida se o procedimento criminal, ou a pena, estiverem prescritos à luz da legislação de qualquer um dos Estados.

Ora o extraditando encontra-se pronunciado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 121°, parágrafo 2°, inciso 4°, do Código Penal Brasileiro, ao qual corresponde em abstracto a pena máxima de 30 anos de prisão.

E os factos constitutivos desse crime são igualmente previstos pelo artigo 132° do Código Penal Português, e punidos, em abstracto, com pena de prisão que pode atingir os 25 anos.

Os factos ocorreram em 13 de Novembro de 1993 - fls. 63.

De acordo com o Código Penal brasileiro e segundo o que consta certificado no pedido de extradição, a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá em 19-6-2017 - não havendo qualquer motivo para suspeitar da fidedignidade de tal informação proveniente das autoridades judiciais daquele país, de resto confirmado pelo disposto nos art° 109.°, 116° e 117° do Código Penal Brasileiro, reproduzidos a fls. 66-67.

No tocante à problemática da prescrição do procedimento criminal pelo Código Penal Português, o art.° 12°, n° 1 al. a), da Lei n.° 144/99, estipula que produzem efeitos em Portugal os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido.

Segundo o acórdão do STJ de 30-5-2012, CJ, 2012 11-195, o que este preceito determina é a aceitação pelo Estado Português dos motivos de interrupção e suspensão da prescrição do Estado requerente, mas já não a renúncia à aplicação do regime da interrupção e da suspensão da prescrição do Estado Português na sua globalidade.

A relevância dos motivos da interrupção ou suspensão segundo o direito do Estado requerente, prevista no citado art.° 12°, n° 1, não obsta, pois, à efetivação da prescrição, se ela resultar do regime da prescrição consagrado na lei portuguesa, aplicado em toda a sua extensão.

Ora, a nossa estabelece, no n° 3 do art.° 121° do C.P., que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, descontado o período da suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade.

Trata-se de uma cláusula que visa, afinal, salvaguardar o objetivo do instituto da prescrição, que radica em razões político-criminais ancoradas nos fins das penas, definidos no art. ° 40° do C.P. (...)

A estipulação de um limite máximo para a prescrição do procedimento criminal, independentemente da ocorrência dos diversos fatores de interrupção, visa, pois, assegurar que as finalidades das penas não saiam lesadas. A inexistência desse limite, permitindo a prorrogação indefinida, ou desproporcionada, do prazo prescricional, frustraria as razões político-criminais que fundamentam o instituto da prescrição.

Assim, e por força do disposto nos artº 118°, n° 1 al. a) e 121.°, n° 3, do Código Penal, o prazo máximo de prescrição do procedimento criminal do caso dos autos ocorrerá em 13-5-2016.

Pelo que improcede a argumentação expendida na oposição à extradição apresentada pelo extraditando.

III

Face ao exposto, acordam na 2ª sub- Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em deferir a execução do pedido de extradição emitido pelo Juízo da 4ª Vara Criminal de Cariacica, Tribunal de Júri do Estado do Espírito Santo, da República Federativa do Brasil, contra o cidadão brasileiro AA, natural de Resplendor, Minas Gerais, Brasil, onde nasceu a ...., filho de ... e de ..., casado, titular do bilhete de identidade brasileiro n.° ..., emitido em Espírito Santo, Brasil, em ..., e, nesta conformidade, ordenam a sua entrega às autoridades brasileiras para efeitos de procedimento criminal no processo n.° 0000754-20.1994.8.08.0012 (012.93.000754-2) que corre termos no mencionado Juízo, aonde está pronunciado pela prática, em 13-11-1993, de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelo artº 121°, parágrafo 2°, inciso 4°, do Código Penal Brasileiro, mais se especificando que o extraditando declarou não renunciar ao benefício da regra da especialidade."

B - RECURSO

 

 Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso do extraditando:

"a)- Do disposto no art° 121, n° 3 do Código Penal resulta que a prescrição do procedimento criminal calculada segundo as regras do direito português ocorre sempre e incontornavelmente quando se vença prazo que, contado da prática da infracção, corresponda à soma do prazo normal (no caso 15 anos) com mais metade desse prazo (mais 7 anos e seis meses, por consequência 22 anos e seis meses, ou seja, no caso dos autos, a 13 de Maio de 2016),

b)- e isto mesmo que, tendo ocorrido factos que, nos termos do ordenamento jurídico português pudessem ser havidos como causas interruptivas ou suspensivas da prescrição, tal limite de prazo fosse por via deles ultrapassável.

c)- É este, o único sentido em que a mencionada disposição legal pode e deve ser interpretada, sendo que a mesma não derroga a regra geral de que o prazo de prescrição do procedimento criminal pode ser inferior a esse limite, se não estiver demonstrada, como efectivamente o não está nos presentes autos, a ocorrência de factos interruptivos/suspensivos da prescrição que não determinem ultrapassamento de tal limite...

d)-...Outrossim não está nos autos demonstrada a exacta data em que qualquer desses pretensos factos suspensivos/interruptivos, teriam ocorrido.

e)- O ora Recorrente não foi pessoalmente notificado de qualquer acto processual.

f)- A douta decisão de extradição, ao afirmar que o prazo de prescrição do procedimento criminal do caso dos autos ocorrerá a 13 de Maio de 2016 é ilegal, na medida em que viola o disposto nos arts° 118°, n° 1, ai. a), 120° e 121° do Código Penal Português e o art° 3º n° 1, al. f) da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

g)- a douta decisão que decreta a extradição deve por isso ser revogada, por ilegal, nos referidos termos, e substituída por outra que, recusando a requerida extradição e ordenando a devolução à liberdade do ora Recorrente, faça a costumada JUSTIÇA!"

A resposta do Mº Pº terminou com as seguintes conclusões:

 

"a) O procedimento criminal instaurado contra o extraditando na República Federativa do Brasil não se acha prescrito, seja em face da lei penal brasileira seja perante a lei penal portuguesa.

b) O acórdão recorrido, ao considerar não se achar o procedimento criminal prescrito, não violou o disposto nos artigos 118º, nº 1, alínea a), 120º e 121º, todos do Código Penal, nem o preceituado no artigo 3º, nº 1, alínea f) da Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, nem qualquer outra norma.

c) Assim deve o recurso ser julgado improcedente e, por essa via, ser confirmada a decisão que autorizou a extradição do recorrente para a República Federativa do Brasil."

 Colhidos os vistos foram os autos levados à conferência.

C – APRECIAÇÃO

1. É sabido que a extradição, como forma clássica mais antiga de colaboração judiciária internacional em matéria penal, se traduz na entrega de um delinquente por parte de um Estado a outro, para efeito de julgamento ou cumprimento de pena.

Diz-nos a história que, até à Idade Média, esta entrega de indivíduos estava essencialmente ligada a práticas de cortesia entre soberanos, e, sobretudo, era considerada um ato político, para obtenção de dividendos políticos, geralmente associada a crimes também políticos. A partir do século XVII, e sobretudo no século XVIII, com a proliferação de tratados bilaterais, a extradição passou a assumir a configuração moderna. Mas, essa proliferação de tratados cedo demonstrou a necessidade de unificação dos direitos internos sobre extradição e de uma fonte convencional comum. Daí se ter pensado mesmo num tratado universal de extradição (cf. o Congresso Internacional de Polícia Judiciária do Mónaco, 1914, ou o Congresso Penitenciário Internacional de Londres, 1925), começando, a seguir, a surgirem iniciativas concretas, no sentido de se criar um instrumento convencional sobre extradição o mais abrangente possível (disposições integradas no chamado Código Bustamante de 1928, subscrito por 21 países sul-americanos, a Convenção Centro-Americana de 1934, Escandinava de 1961, o Tratado Benelux de Extradição de 1962). Estas iniciativas tiveram um ponto alto com a Convenção de Extradição do Conselho da Europa de 1957, pelo menos tendo em conta a sua importância para os países europeus, mas não só. Seguir-se-iam, como se sabe, instrumentos vários de cooperação internacional para a área penal, no âmbito da União Europeia, com especial relevo para o Mandado de Detenção Europeu, cujo regime foi aprovado entre nós pela Lei 65/2003, de 23 de Agosto

 Ora, foi também sob a égide política e o apoio técnico do Conselho da Europa, que os países procuraram elaborar leis internas que contemplassem a cooperação em matéria penal, e sobretudo a extradição. Portugal, contando já com uma lei interna sobre extradição, de 1975, também sentiu a necessidade de ampliar, aperfeiçoar, e alinhar com outros países a matéria da cooperação internacional em matéria judiciária penal. Surgiu assim o D.L. 43/91, de 22 de Janeiro, muito inspirado na lei homóloga suíça de 1981, sucedendo-lhe, sem grandes alterações de fundo, a actual Lei 144/99 de 31 de Agosto, a nossa lei geral de cooperação penal internacional, em vigor.

Acolhe, esta, princípios que resultaram da evolução a que antes se aludiu a traço grosso, e que são hoje comummente aceites. Foram desenvolvidos pelo Conselho da Europa nas suas convenções sectoriais, e a sua aplicação assume especial relevância no domínio da extradição. Falamos do princípio da reciprocidade, da dupla incriminação, da subsidiariedade, do ne bis in idem, e do princípio da especialidade, a que se acrescentou o princípio da não reextradição.

Entretanto, foram feitos tratados ou convenções, sempre no âmbito da cooperação judicial em matéria penal, entre Estados com afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados. Surgiu, assim, no domínio da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal, aprovada, entre nós, pela Resolução da Assembleia da República 46/2008, bem como a Convenção de Extradição, com aprovação da nossa Assembleia da República pela Resolução 49/2008, ambas assinadas na Cidade da Praia a 23/11/2005.

2.  O recurso do extraditando renova a argumentação aduzida na sua oposição por considerar que o acórdão recorrido não rebateu essa argumentação, e que no essencial respeita ao seguinte:

Para o arguido, importa ter em conta o prazo prescricional previsto na lei contado a partir da data dos factos – 13/11/1993 – porque não pode ter-se em linha de conta qualquer suspensão ou interrupção do prazo da prescrição. Na verdade, competia à entidade requerente demonstrar a ocorrência de factos que ocasionassem essa interrupção ou suspensão e tal não foi feito. Daí que, tanto segundo a lei portuguesa como segundo a lei brasileira tenha tido lugar a prescrição, com o consequente indeferimento da execução da extradição.

Para o extraditando, é importante ter em conta que não consta da documentação recebida qualquer data da citação para interrogatório, nem existe qualquer termo assinado de receção da citação. Por outro lado, não se sabe em que data o arguido se apresentou voluntariamente para interrogatório, desconhecem-se datas de notificações da pronúncia ou da audiência de julgamento, bem como as datas desses mesmos atos processuais.   

3. Tendo em conta a informação que consta de fls. 66 e 67 destes autos, poderá afirmar-se que o crime pelo qual o arguido se encontra indiciado, é o crime de homicídio qualificado, do art. 121.º, §2.º, IV, do Código Penal Brasileiro (CPB), punido com pena de reclusão de 12 a 30 anos. Segundo a lei portuguesa, esse crime estará previsto no art. 131.º e 132.º, nºs 1 e 2 al. i), pelo menos, do CP, e é punido com pena de 12 a 25 anos.

Segundo o art. 109.º, nº I, do CPB, o prazo de prescrição é, no caso, de 20 anos, e de 15 anos segundo a lei portuguesa (art. 118.º, nº 1, al. a) do CP). Verifica-se pelo art. 111.º, I, do CPB e 119.º nº 1 do CP, que o prazo em foco começa a correr a partir da data em que o crime se consumou. O crime terá tido lugar a 13/11/1993.

Nos termos do art. 3º, nº 1, al. f), da Convenção de Extradição da CPLP (doravante, Convenção), "Não haverá lugar a extradição (…) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido." Portanto, em princípio, o crime estaria prescrito em 13/11/2008 (já que prescreveria antes, segundo a lei portuguesa).

De acordo com o art. 12.º, nº 1, al. a), da Lei 144/99, de 31 de agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), "Produzem efeitos em Portugal (…) Os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido".

A Convenção é omissa a este concreto respeito, pelo que cumpre observar o disposto na norma referida, da nossa lei geral interna de cooperação.

Mas, de acordo com o art.º 121.º, nº 3, do CP, "a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade." Portanto, segundo o regime global da prescrição aplicável ao caso, segundo a lei portuguesa, o prazo de prescrição em nenhuma hipótese poderia estender-se para além de 18/5/2016, o que seria suficiente, se fosse esse o cso, para se negar a extradição, face ao art. 3º, nº 1, al. f), da Convenção. E, claro que essa negação deveria ter lugar, também, se face a qualquer das legislações, portuguesa ou brasileira, o crime já estivesse prescrito antes dessa data.

 O art. 116.º do CPB prevê as circunstâncias que determinam que o prazo de prescrição não corra (suspensão), as quais não interessam ao caso. O art. 117.º do CPB estabelece que "O curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa, II – pela pronúncia, III – pela decisão confirmatória da pronúncia, IV – pela sentença condenatória recorrível, V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena, VI – pela reincidência." (fls. 67).

O § 2.º do preceito prevê que "Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção."

4. Importa de seguida ver, se existiu ou não alguma causa interruptiva do prazo prescricional segundo a lei brasileira. Ora, para além de vários atos processuais reportados, na documentação que acompanhou o pedido de extradição, verifica-se que:

Foi proferida "denúncia" [libelo acusatório na sequência de investigação policial] do Mº Pº, contra o arguido, a 17/1/1994, recebida no dia seguinte, portanto, a 18/1/1994 (fls. 63). 

Esta, uma causa interruptiva da prescrição que por si só remeteria o fim do prazo prescricional para 18/1/2014.

Mas sobreveio "sentença de pronúncia" do arguido a 20/8/1997 (fls.72), o que configura nova causa interruptiva, que estende o fim do prazo prescricional até  20/8/2017. Aliás, o n.º 2 do art.º 121.º do CP, com recurso ao qual interpretamos o preceito da lei brasileira, diz-nos que "Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição" (realce nosso).

Quer dizer que, segundo a lei brasileira, o procedimento criminal contra o extraditando não se encontra prescrito. Vejamos agora o que aconteceria face à lei portuguesa.

Nos termos do CP português, no caso de dedução de acusação (aqui equivalente à "denuncia"), a relevância interruptiva do prazo prescricional passa pela respetiva notificação, como resulta do art,. 121.º, nº 1, al. b), do CP. Igualmente, aliás, na falta de acusação, com a notificação da pronuncia (cf. o mesmo preceito).

Ora, depois da "denuncia" proferida e recebida a 18/1/1994, como se vê da "sentença de pronúncia" de fls. 71 v., mais de dois anos depois do crime, ou seja, depois de 13/11/1995, "o acusado apresentou-se para ser interrogado, cujo auto de interrogatório às fls. 67, confessa o crime".  Tomou pois conhecimento do libelo acusatório, contra si deduzido, pelo menos nessa altura.

Mas não se sabe quando é que tal teve lugar, e essa data é essencial se for a partir dela que se comece a contar o novo prazo prescricional, aqui de 15 anos, por aplicação da lei portuguesa. Quanto à "sentença de pronúncia" de 20/8/1997, desconhece-se completamente se, e quando, é que, dela, o extraditando tomou conhecimento.

Acresce que, segundo a nossa lei, também interrompe o prazo prescricional a declaração de contumácia (al. c) do nº 1 do art. 121.º do CP). E face ao art. 120.º, nº 1, al. c), do CP, "A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que (…) c) Vigorar a declaração de contumácia;".   

Consta de fls. 52 "EDITAL DE CITAÇÃO", nos termos do qual, não tendo sido possível "citar pessoalmente" o arguido, este ficou por tal via citado para comparecer na sala de audiências do "Juizado de Direito" em questão, a 29/4/1994, pelas 13 h.

E conforme se vê de fls. 70 v., foi decretada a revelia do arguido a 3/5/1994, "dando-lhe defensor" na pessoa que a seguir se indicou. Se considerarmos que essa data equivale à da declaração de contumácia, então 15 anos de pois, a 3/5/2009, na pior das hipóteses, ocorreria a prescrição.

 Mas, como se viu, o arguido apresentou-se voluntariamente para ser interrogado, já depois de novembro de 1995.

Cessou a situação de "revelia", nessa data (aliás desconhecida) e, com ela, uma eventual suspensão do prazo de prescrição?

 Vê-se assim que, se deve ser negada a extradição, quando o crime estiver prescrito face à lei portuguesa (ou seja, à lei do Estado requerido), então falecem os elementos necessários para proceder a essa avaliação. Ora, na dúvida, não poderá partir-se do princípio de que não houve prescrição do procedimento criminal segundo a lei portuguesa, ou seja, decidir contra o arguido.

De acordo com o art. 12.º da Convenção, o Estado requerido poderá solicitar ao Estado requerente as "Informações complementares" que entender faltarem para produzir uma decisão. Transcreve-se o texto do preceito:

"1 – Se os dados ou documentos enviados com o pedido de extradição forem insuficientes ou irregulares, o Estado requerido comunicará esse facto sem demora ao Estado requerente, que terá o prazo de 45 dias seguidos, contados a partir da data do recebimento da comunicação, para corrigir tais insuficiências ou irregularidades.

2 – Se, por circunstâncias devidamente fundamentadas, o estado requerente não puder cumprir com o disposto no número anterior dentro do prazo consignado, poderá solicitar ao Estado requerido a prorrogação do referido prazo por mais 20 dias seguidos.

3 – O Estado requerido poderá solicitar ao Estado requerente uma redução do prazo previsto no nº 1, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

4 – O não envio das informações solicitadas nos termos do nº 1 não obsta a que o pedido de extradição seja decidido à luz das informações disponíveis." 

Justifica-se que no caso presente, e na fase atual, se faça uso desta possibilidade.

Somos confrontados com a prática de um crime ainda não julgado cometido já há mais de 20 anos. É possível que segundo a lei portuguesa o procedimento criminal esteja prescrito. Importaria colher as informações que pudessem ajudar a avaliar a situação. Entre elas, e desde já, a informação sobre a data em que o extraditando tomou conhecimento da "denúncia" e da "sentença de pronúncia", a data em que ficou na situação de "revelia" e a data em que essa situação terminou.

D  – DELIBERAÇÃO

Pelo exposto se concede provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro em que, ao abrigo do art. 12.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, de 25 de Novembro de 2005, se solicitem os elementos necessários para apurar, se segundo a lei portuguesa ocorreu prescrição do procedimento criminal contra o arguido, tendo em conta as considerações que a esse propósito se teceram na fundamentação do presente acórdão.

Sem custas.

 


Lisboa, 21 de novembro de 2013

(Souto de Moura)

(Isabel Pais Martins)