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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ACÇÃO DE DESPEJO
RESIDÊNCIA
RESIDÊNCIA PERMANENTE
RECONVENÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
BENFEITORIAS ÚTEIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - São qualificadas como benfeitorias necessárias as obras que «têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração do arrendado» e que sejam indispensáveis à respectiva conservação. II - Inexistindo nos autos elementos que permitam concluir pela urgência da realização das obras, nem havendo notícias de qualquer procedimento judicial destinado a exigir aos senhorios a realização de obras (em que se tivesse verificado a natureza urgente das mesmas) – e uma vez que os contrato de arrendamento celebrado entre as partes exclui a indemnização por benfeitorias úteis –, é de aplicar, às obras levadas a cabo pelo réu, o regime previsto para o possuidor de má fé no art. 1406.º do CC, com o inerente direito a levantar as benfeitorias úteis que este haja realizado. III - Cumpre a quem invoca o direito a ser indemnizado por benfeitorias o ónus de alegar e provar factos que permitam considerar preenchidos os requisitos de umas e outras benfeitorias; tratando-se de benfeitorias necessárias, exige-se a alegação e prova de que se tratavam de obras indispensáveis à conservação da coisa, com vista a evitar a sua perda, destruição ou deterioração. IV - As presunções judiciais são deduções que a experiência permite retirar de factos conhecidos para afirmar factos desconhecidos, não tendo a virtualidade de inverter o ónus da prova – como acontece com as presunções legais (art. 350.º do CC) – nem podendo ultrapassar o incumprimento do ónus de alegação de factos essenciais. V - A falta de alegação pelos réus (em sede de reconvenção) dos factos essenciais à distinção entre a realização de benfeitorias e o cumprimento da obrigação de manutenção do locado no estado em que o recebeu, não pode ser substituída por inferências resultantes do recurso a presunções judiciais. VI - Não sendo possível determinar – por ausência de base de facto – se as obras levadas a cabo pelos réus poderiam, ou não, ser havidas como benfeitorias necessárias, não poderá proceder o pedido reconvencional.
Texto Integral
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA, entretanto falecido, sendo habilitada pelo despacho de fls. 194 como autora BB, instaurou uma acção contra CC e mulher, DD, pedindo a resolução do contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma “B” de um prédio urbano identificado nos autos, localizado em Lisboa, e a sua consequente entrega.
Para o efeito, e em síntese, alegaram que os réus não residem na fracção, arrendada para habitação, mas em outro local, que indicaram.
Os réus contestaram e, para a hipótese de a acção proceder, deduziram reconvenção, pedindo uma indemnização de € 34.024,11, com juros de mora, pelas benfeitorias necessárias e úteis realizadas, que listaram. Houve réplica e tréplica.
A acção foi julgada procedente, pela sentença de fls. 474, que igualmente julgou parcialmente procedente a reconvenção. Os réus foram condenados a entregar a fracção à autora e esta foi condenada a pagar-lhes a quantia de € 7.043,03, com juros de mora, contados à taxa legal desde 15 de Setembro de 2006 (notificação do pedido reconvencional) até efectivo pagamento
No essencial, a sentença considerou demonstrada a falta de residência permanente e desatendeu as excepções opostas pelos réus; quanto à reconvenção, condenou a autora no pagamento das benfeitorias que teve como necessárias, mas absolveu-a no que toca às demais, por entender que o contrato excluía o “direito a levantá-las” ou “a ser por elas indemnizados”, nestes termos: “8.3. Ora, no caso dos autos, os Réus alegaram e provaram que, entre 1992 e 2992, executaram as obras descritas nos pontos 19 e 20 da matéria de facto e que essas obras aumentaram o valor do locado, não tendo, no entanto, logrado demonstrar o valor desse aumento. Porém, quanto à qualificação das benfeitorias (…) não alegaram os Réus factos que permitam, desde logo, qualificar das benfeitorias efectuadas quais as que são necessárias e quais as úteis. 8.5. Quanto às benfeitorias necessárias, ainda que não tenham sido alegados expressamente factos que permitam, desde logo, qualificar expressamente factos que permitam essa qualificação, temos por adquirido que as referentes às reparações do soalho e rodapé, efectuadas em 1992 no valor de € 1.266,95, as de remoção do soalho, substituição de 4 vigas, assentamento de um novo soalho e substituição do rodapé, realizadas em 1995 no valor de € 896,84 e as efectuadas em 1996, na cozinha, instalação sanitária e quarto, por revelarem intervenções profundas de reparação daquelas divisões, no valor total de € 4.879,24, integram aquela categoria, pois o tipo de obras em causa é reveladora de que as mesmas tiveram ‘necessariamente’ por fim evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio”.
As partes recorreram. Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 646 foi negado provimento à apelação da autora, mas concedido provimento parcial à dos réus, “condenando a A. a pagar aos RR., para além da quantia de € 7.043,03, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 15/09/2006, até efectivo pagamento, ainda a que se vier a liquidar, até ao montante de € 17.600,00, no que se refere às obras realizadas depois de 2002, referentes à reparação de paredes e pinturas, reparação de portas e rodapés e reparações da parte eléctrica, mantendo no demais a sentença recorrida.”
Para o efeito, a Relação confirmou o critério de selecção seguido na sentença: “Não tendo sido precisos relativamente à caracterização das mesmas, caberá ao julgador, com as necessárias cautelas, apartar nas invocadas, aquelas que, pelo seu conteúdo e à luz da experiência corrente, se traduzem em obras de conservação do locado no sentido atrás fixado: "destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração". Este procedimento não implica violação do princípio do dispositivo. O tribunal não se está a servir de factos não alegados. Está é a combinar e a articular os poucos alegados, e em função de factos da experiência corrente, a concluir - por presunção – que das obras feitas, algumas houve que se destinaram a "manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração", e que por isso merecem a qualificação de benfeitorias necessárias. O facto da experiência corrente que para o efeito referido a 1ª instância se serviu, foi o de tais obras "revelarem intervenções profundas de reparação». E assim sucede relativamente a todas as obras que a 1ª instância agrupou nessa categoria. (…) No entanto, provou-se ainda que para além das referidas obras realizadas entre 1992 e 2002, os RR. realizaram outras ao longo do tempo, designadamente, de reparação de paredes e pinturas, reparação de portas e rodapés, e reparações da parte eléctrica – ponto 20 da matéria de facto atrás elencada – obras estas que por constituírem benfeitorias necessárias no sentido atrás referido, merecem também ser ressarcidas, ainda que no que lhes respeita haja de se remeter a determinação do respectivo valor para ulterior liquidação, tendo presente a limitação de valor que os RR. lhes atribuíram de € 17.600,00 (cfr art 53° da contestação) (…)”.
2. Novamente recorreu a autora, agora para o Supremo Tribunal de Justiça; e o recurso foi recebido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «1ª A douta decisão recorrida considerou que as obras executadas pelos réus constituem benfeitorias necessárias, e por isso, a recorrente deve indemnizá-los na medida do valor que foi despendido com as mesmas. 2ª As obras que os réus executaram não integram o conceito de benfeitoria previsto no artigo 216° do Código Civil, porque não contribuíram para melhorar ou conservar o local dos autos. 3ª De facto, resultou provado que o locado carece de obras de reparação e que o estado de conservação em geral se deteriorou. Mesmo que assim não seja, 4ª O direito de indemnização que os réus alegaram tem como factos constitutivos o seguinte: - a alegação e prova da execução da obra; - a alegação e prova de que a obra constitui uma benfeitoria; - a alegação e prova de que as benfeitorias foram necessárias – ou seja – que foram executadas para evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio. 5ª Ora, os réus não alegaram um único facto que permitisse qualificar as obras executadas como benfeitorias necessárias. 6ª Pelo que, os réus não cumpriram o ónus da alegação e da prova que sobre eles recai, conforme resulta do disposto no artigo 342°, n° 1 do Código Civil. 7ª A douta decisão recorrida considerou que as obras executadas pelos réus destinaram-se a evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio e, 8ª Que foram executadas para manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existente à data da celebração. 9ª Sem que os réus tivessem alegado esses factos, a douta decisão aplicou uma presunção judicial no sentido de tais factos se terem verificado. 10ª Ora, não é admissível por presunção judicial considerar-se provado um facto concreto, essencial do direito dos réus, que carece de ser alegado para poder ser tomado em consideração pelo Tribunal. 11ª Pelo que, a douta decisão recorrida violou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 349° e 351.° do Código Civil. 12ª Ao aplicar a presunção judicial da verificação dos referidos factos, a douta decisão ora recorrida violou o princípio do contraditório (artigo 3º do CPC), princípio basilar do processo civil, já que não tendo tais factos sido alegados pelos réus, a ora recorrente nunca teve a oportunidade de pronunciar-se sobre os mesmos. 13ª Acresce que, os réus configuraram as obras executadas como sendo benfeitorias úteis porque alegaram que com a execução das mesmas o valor do locado aumentou. 14ª Resulta da cláusula 5ª do contrato de arrendamento que os réus renunciaram ao direito a serem indemnizados pelas benfeitorias úteis. 15ª O facto de terem sido executadas obras no soalho, rodapé, substituição de 4 vigas, cozinha, instalação sanitária e quarto não constitui matéria suficiente para qualificá-las como benfeitorias necessárias. 16ª A qualificação das obras como sendo benfeitorias necessárias constitui uma violação do princípio do dispositivo, uma vez que o Tribunal está limitado aos factos alegados pelas partes, conforme resulta do disposto no artigo 264° do CPC. 17ª Além dos factos referidos na 4ª conclusão, são também constitutivos do direito de reembolso por execução de benfeitorias: - o enriquecimento do proprietário decorrente da execução das benfeitorias; - o empobrecimento dos réus com a execução das benfeitorias. 18ª Ora, também no que respeita a estes factos, os réus nada alegaram. 19ª Tendo ficado demonstrado nos autos que o património da recorrente em nada se enriqueceu com as obras executadas pelos réus, uma vez que o locado encontra-se num estado de conservação que demonstra que as obras executadas em 1992, 1995 e 1996 em nada valorizaram o locado. 20ª De facto, a douta decisão recorrida ignorou por completo as regras que devem estar subjacentes à indemnização do arrendatário. 21ª A obrigação de indemnizar que recai sobre o senhorio, tem de obedecer às regras do enriquecimento sem causa, conforme resulta do artigo 1273°, n° 2 do Código Civil. 22ª Acresce também que a douta decisão não aplicou o disposto no artigo 1043° do Código Civil, do qual resulta que o arrendatário tem o dever de manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvando as deteriorações inerentes a uma prudente utilização. 23ª Pelo que, as referidas obras integram-se no dever de manutenção do locado que recai sobre o arrendatário. 24ª Donde, os réus não têm qualquer direito a serem indemnizados. 25ª Acresce também que a condenação da ora recorrente inclui juros de mora desde 2006, juros esses prescritos, nos termos do artigo 310°, alínea d) do Código Civil. 26ª A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 216°, 310°, 342°, n° 2, 349°, 350°, 1273°, n° 2, 1043° do Código Civil e 264° do CPC. 27ª Deve conceder-se provimento ao presente recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada por outra que absolva a recorrente do pedido reconvencional.»
Não houve contra-alegações.
3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido): «1.° O autor é usufrutuário de uma fracção autónoma designada pela letra «B», correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano situado em Lisboa, na Rua Arnaldo Gama, com o número 2 de polícia, descrito na ficha n.° 1241119931207 da 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, inscrito sob o artigo 2182 na matriz predial urbana da freguesia de São Jorge de Arroios. 2.° Por contrato celebrado no dia 1 de Outubro de 1968, e pela renda mensal de Esc.2.500$00, entretanto actualizada para € 103,92, e destinado a habitação, um anterior proprietário deu de arrendamento ao réu marido, a fracção autónoma acima descrita no ponto 1, conforme documento cuja cópia consta dos autos a fls. 15 e 126 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 3.° Consta da cláusula quinta do contrato referido no ponto 2.°, que: "(...) Não poderá o inquilino fazer quaisquer obras sem prévia licença escrita do senhorio, nem alegar retenção, nem pedir indemnização por benfeitorias voluptuárias ou úteis, ou por montagem de instalações eléctricas nem levantar as que fizer na casa, as quais só poderão ser executadas com autorização escrita do senhorio, ficando este com a faculdade de fazer quaisquer obras em benefício da casa, sem necessidade de autorização do inquilino (...)". 4.° E da cláusula sexta do contrato referido no ponto 2.°, consta o seguinte: "(...) O inquilino, obriga-se, também, sob pena de indemnização a) - A conservar em bom estado como actualmente se encontram: as canalizações de água, luz, esgotos, despejos e seus pertences, pagando à sua custa as reparações necessárias, se elas se entupirem ou romperem por sua culpa; b) - A manter em bom estado, os soalhos, vidros e pinturas obrigando-se a reparar as deteriorações quando deixar a casa; c) - A permitir que o senhorio, ou quem o representar, veja a casa. No omisso regulará a legislação em vigor. (...)" 5.° Os réus, através dos seus mandatários, enviaram à Associação Lisbonense de Proprietários, a carta registada com aviso de recepção, datada de 3 de Junho de 2005, cuja cópia consta dos autos a fls., 30/31, de cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: "Na qualidade de Advogados do Exmo. Senhor Arqt.° CC, arrendatário do rés do chão do número 2, da Rua Arnaldo Gama, em Lisboa, vimos, através de V. Exas., solicitar que o Exmo. Senhor AA, proprietário do aludido imóvel, proceda à realização das obras de conservação ordinária do imóvel arrendado que abaixo discriminamos: 1. Substituição do quadro eléctrico dado que o actual deixou de preencher os requisitos de segurança; 2. Substituição do soalho e do rodapé da segunda divisão assoalhada a contar da direita da porta da entrada e caso haja necessidade disso, de algumas das vigas que o suportam, visto o mesmo se encontrar a ceder em vários pontos da divisão e o rodapé se encontrar desfeito devido a uma infestação de "bicho da madeira". 3. Substituição das sacadas de todas as janelas do imóvel, também em mau estado, devido à já indicada infestação de "bicho da madeira". Atendendo à urgência da realização das obras, o nosso Cliente tomou a liberdade de solicitar um orçamento para a sua realização, o qual se cifra em 15.600,00 €(...) Atendendo à necessidade premente da realização de obras, que caso não sejam realizadas num curto espaço de tempo impossibilitam o uso e fruição do imóvel do qual o Exmo. Senhor Arqt.° CC é arrendatário, tomamos a liberdade de ficar a aguardar resposta breve de V. Ex.a(. ..)" 6° Na sequência da carta referida no ponto 5, o autor deslocou-se ao locado. 7.° Desde, pelo menos, o mês de Junho de 2005, que os réus não comem, não dormem e não recebem os amigos no locado, não tendo nele organizada a sua vida social e doméstica. 8.° Os réus deslocaram-se para a fracção sita na Rua Costa Goodolfim e a sua filha, EE, e respectiva família – marido e dois filhos -passou a usar o locado. 9.° A filha dos réus e respectiva família passaram a usar o locado, porque haviam vendido a sua casa de morada de família e o processo de aquisição da nova casa ainda não havia sido concluído na altura dessa venda, não dispondo de habitação em Junho/Julho de 2005, e os réus disponibilizaram o locado para seu uso e habitação. 10.° A filha dos réus e respectiva família habitaram no locado até Abril de 2006, altura em que se mudaram para a casa nova. 11.° O locado é ocupado, desde Abril de 2006, pelo filho dos réus, FF. 12.° O locado carece de obras de reparação e pintura de paredes, tectos, de rodapés, alguns em parte apodrecidos, e de portas e janelas, com danos causados por infiltrações, e reparação da parte eléctrica. 13.° Os réus deram conhecimento aos sucessivos senhorios da necessidade de realização de obras, mas em relação ao autor apenas enviaram a comunicação referida no ponto 5.° e fizeram a comunicação referida no ponto 15.°. 14.° Desde a comunicação referida no ponto 5.° até à presente data, a situação geral do locado agravou-se, com excepção dos danos no soalho que se mostram reparados. 15.° Em Abril de 2006, o autor foi interpelado verbalmente pela filha dos réus para a necessidade de reparação urgente da canalização de gás do locado. 16.° Uma das divisões do locado – a 2ª divisão, à direita de quem entra, voltada a tardoz – está em pior estado, apresentando sinais de infiltrações em paredes, tecto e rodapés, com falta de uma parte do rodapé na parede da janela, um buraco na parede por baixo da janela, por onde se vê o pátio exterior, e problemas no soalho, que flecte num canto da divisão. 17.° Apesar da interpelação escrita a que se refere o ponto 5, e da mencionada no ponto 15.°, o autor não fez obras no locado, nem assumiu a responsabilidade pela sua realização. 18.° Os réus apenas recebem correspondência no locado, pagam a água, a electricidade e o gás. 19.° Os réus realizaram as seguintes obras, no locado: Em 1992: a) Pinturas e reparações; b) Reparação do soalho e rodapé, no valor de Esc: 254.000$00 (€ 1.266,95); Em 1995: c) Remoção do soalho, substituição de 4 vigas, assentamento de um novo soalho e substituição do rodapé e materiais empregues, no valor total de Esc: 179.800$00 (€ 896,84); Em 1996: d) Cozinha: picagem, execução de reboco e estuque liso nas paredes; pintura das paredes e tecto; fornecimento e assentamento de mosaico idêntico ao existente; e) Instalação sanitária: picagem, execução de reboco e estuque liso nas paredes; pintura das paredes e tecto; remoção de azulejo e fornecimento e assentamento de novos azulejos; f) Quarto: picagem, execução de reboco e estuque liso nas paredes; pintura das paredes e tecto, no valor total de Esc: 978.200$00 (€ 4.879,24); Em 1997: g) Remodelação da cozinha, no valor total de Esc: 480.000$00 (€ 2.394,23); h) Colocação de um aro de madeira, no valor de Esc: 49.000$00 (€ 244,41); Obras de remodelação na casa de banho, no valor global de Esc: 315.742$00 (€ 1.579,91); j) Equipamento para instalação sanitária, no valor de Esc: 29.940$00 (€ 149,34); Em 1998: 1) Obras gerais no locado, no valor de Esc: 550.000$00 (€ 2.743,39); Em 2002: m) Equipamento para cozinha, no valor de € 1.569,80; n) Obras de remodelação da cozinha, no valor de € 700,00. 20.° Além das obras referidas no ponto anterior, os réus realizaram outras obras ao longo do tempo, designadamente, reparação de paredes e pinturas, reparação de portas e rodapés, e reparações da parte eléctrica. 21.° As obras realizadas aumentaram o valor do locado. 22.° Por sentença de 23/11/2007, proferida nos autos a fls. 184 a 186, foi decidido habilitar, para intervir na causa, como sucessora do Autor, AA, a sua filha, BB. 23.° Pela Ap.03/20041223 mostra-se inscrita provisoriamente, a favor de "GG c. c CC, comunhão geral" a aquisição, por compra, do rés-do-chão direito do prédio sito na Rua Costa Goodolfim, n,° 4, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.° 18.959, a fls. 186, do livro B-70, a qual foi convertida em definitiva pela Ap.27/20050317 (cfr. doe de fls. 198 a 201). 24.° Pela Ap.9 de 2000/11/27, mostra-se inscrita, em nome de HH, a aquisição por compra da fracção "C", correspondente ao 2.°andar direito do prédio sito na Avenida Barbosa do Bocage, n.° 48, 48-A e 48-B, descrito na 9ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 1526, da Freguesia de S. Sebastião da Pedreira.»
4. Está em causa neste recurso a questão de saber se é correcta a consideração das obras seleccionadas pelo acórdão recorrido como sendo benfeitorias necessárias.
Concluindo que sim, no todo ou em parte, haverá então que analisar a invocação da prescrição, relativamente aos juros de mora.
5. Antes de mais, cumpre ter presente o seguinte:
– Como se entendeu nas instâncias, é aplicável à questão em discussão neste recurso o regime definido pelo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 329-B/90, de 15 de Outubro, em vigor à data da realização das obras em concreto;
– De acordo com o contrato dos autos, para fazer obras no andar arrendado o inquilino necessitava de autorização escrita do senhorio (cfr. cláusula 5ª e ponto 3º dos factos provados); mas estava obrigado a manter a fracção arrendada em bom estado, nos termos da clásula 6ª – ponto 4º. A mesma obrigação sempre decorreria do disposto no artigo 1043º do Código Civil;
– Estando decidido definitivamente (cfr. acórdão recorrido, a fls. 656 v..) que os réus não têm direito a qualquer indemnização por benfeitorias úteis, “em função do clausulado em 5 do contrato” , não se curará de saber, nem se “o valor do locado aumentou” por efeito das obras (concls. 13ª e 14ª), nem se houve ou não enriquecimento sem causa ou se foram alegados factos nesse sentido (concls. 17ª a 21º) – cfr. nº 2 do artigo 1273º do Código Civil). Na verdade, o enriquecimento sem causa apenas é medida da indemnização devida no caso das benfeitorias úteis, e não quanto às benfeitorias necessárias;
– Não está em discussão neste processo o conceito de benfeitorias necessárias; a divergência centra-se na possibilidade de o considerar preenchido, seja por falta de alegação, seja por a recorrente sustentar que as obras qualificadas pelo acórdão recorrido como benfeitorias necessárias correspondiam à obrigação contratualmente assumida de manutenção do locado em bom estado.
Tem-se pois como assente que serão qualificadas como benfeitorias necessárias as obras que “têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração” do andar arrendado (artigo 216º do Código Civil), ou seja, que são indispensáveis para a respectiva conservação;
– Resulta da prova que “os réus deram conhecimento aos sucessivos senhorios da necessidade de realização de obras” (ponto 13º), mas não há elementos para concluir por qualquer situação de urgência na respectiva realização, como observou a 1ª instância; nem há notícia de qualquer procedimento judicial destinado a exigir a realização de obras, onde houvesse sido verificada a natureza das obras em causa. É pois aplicável o regime directamente previsto para o possuidor de má fé, pelo nº 1 do artigo 1046º do Código Civil, como também se entendeu nas instâncias.
Segundo o nº 1 do artigo 1046º do Código Civil, na falta de estipulação em contrário “o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”, o que significa que tem direito de ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e de levantar as úteis que haja realizado. Quanto a estas, se não for possível o seu levantamento sem detrimento do local arrendado, diz a lei que o senhorio lhe “satisfará (…) o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa” (nºs 1 e 2 do artigo 1273º do Código Civil).
Como se viu já, no caso está convencionalmente excluído o direito de indemnização por benfeitorias úteis; restam, assim, eventuais benfeitorias necessárias.
6. Tornava-se pois indispensável determinar se as obras comprovadamente realizadas pelos réus correspondem a benfeitorias necessárias ou úteis, porque o direito que pretendem fazer valer através da reconvenção que deduziram, nos termos previstos no nº 3 do artigo 56º do RAU, foi contratualmente restringido às benfeitorias necessárias.
Ora o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes observou que cumpre a quem invoca o direito a ser indemnizado por benfeitorias o ónus de alegar e provar factos que permitam considerar preenchidos os requisitos de umas e outras; ónus esse que, no caso de se tratar de benfeitorias necessárias, implica a alegação e prova de que se tratava de obras indispensáveis à conservação da coisa, nos termos em que o nº 3 do artigo 216º do Código Civil a define: perda, destruição ou deterioração da coisa.
Como se escreveu, por exemplo, no acórdão de 6 de Fevereiro de 2007, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 06A4036,. “é indispensável alegar, como fundamento da indemnização por benfeitorias necessárias e benfeitorias úteis, quais as obras correspondentes a cada uma das espécies, e ainda, quanto às necessárias, que elas se destinaram a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, e, quanto às úteis, que a valorizaram, que o levantamento a deterioraria e quais o respectivo custo e o actual valor. Ora, é claro que os factos materiais que permitem ao juiz concluir sobre a verificação dos indicados fundamentos são constitutivos do direito do autor, integrando-se na causa de pedir; daí que recaia sobre ele, autor, o ónus da prova respectivo (art.º 342º, nº 1). No caso presente, verifica-se que a autora não descreveu nem caracterizou os trabalhos realizados de molde a propiciar a sua qualificação jurídica em termos seguros como benfeitorias úteis e (ou) necessárias; e também nada de concludente alegou na petição em ordem à demonstração de que o levantamento das úteis, a verificar-se, determinaria a deterioração do prédio. Como assim, o julgador encontrava-se impedido de dar como verificados tais factos com base numa suposta notoriedade que, é manifesto, não ocorre, por não se verificar quanto a eles o requisito exigido pelo art.º 514º, nº 1, do CPC, que é o de serem do conhecimento geral”.
No mesmo sentido da necessidade de articulação de factos que permitam a qualificação das benfeitorias, cfr. por exemplo os acórdãos de 22 de Janeiro de 2004, www.dgsi.pt, proc. nº 04B2064, de 22 de Janeiro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07A4154 ou de 6 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08A1389.
7. Tratando-se de factos essenciais, integradores da causa de pedir da reconvenção, era aos respectivos autores (réus no processo) que incumbia a respectiva alegação (artigo 264º, nº 1, do Código de Processo Civil, na versão aplicável), não sendo possível ao tribunal suprir a falta de alegação (nºs 2 e 3 do mesmo preceito); nem, naturalmente, dispensar a respectiva prova.
As instâncias concluíram no sentido de haver certas obras que deviam ser consideradas como benfeitorias necessárias invocando presunções judiciais nesse sentido, como se viu.
Mas as presunções judiciais são deduções que a experiência permite retirar de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos, de cuja prova depende a procedência ou a improcedência da acção.
Não têm a virtualidade de inverter o ónus da prova, como as presunções legais (artigo 350º do Código Civil); nem podem ultrapassar o incumprimento do ónus da alegação de factos essenciais. São ligações entre factos, estabelecidas pelo julgador no âmbito do seu poder de livre apreciação da prova, afastadas do controlo do Supremo Tribunal de Justiça quanto à correcção da dedução factual que implicam, como tem sido repetidamente afirmado (cfr., apenas a título de exemplo, o acórdão de 30 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. 414/06.2TBPBL.C1.S1)
Mas não é desse controlo que agora se trata.
Como se decidiu no acórdão de 20 de Janeiro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 642/04.5TBSXL-B.L1.S1, “Não é admissível por presunção judicial considerar-se provado um facto concreto, essencial à sorte do litígio, que carece de ser alegado para poder ser tomado em consideração pelo Tribunal (artigos 349.º, 351º do Código Civil, artigos 264.º, 514.º, 515.º, 665.º todos do Código de Processo de Civil)”. Como também se observa, além do mais, a falta de alegação impede a parte contrária de exercer o direito ao contraditório.
No caso presente, não é possível presumir que, se foram realizadas determinadas obras, que implicavam intervenções profundas (1ª Instância), então tratava-se de obras indispensáveis à conservação do prédio, por se destinarem a "manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração”, como escreveu a Relação. Falta a alegação de factos essenciais, que não pode ser substituída por esta inferência.
Esta observação é tanto mais pertinente quanto, no caso, era imprescindível ao êxito do pedido de indemnização uma base factual que permitisse distinguir a causa, a finalidade e o efeito das obras realizadas, uma vez que o contrato excluiu a indemnização por benfeitorias úteis.
A terminar, diga-se ainda que a falta de base de facto (de alegação) impede igualmente a distinção entre a realização de benfeitorias e o cumprimento da obrigação de manutenção do locado no estado em que o recebeu, nos termos previstos no artigo 1043º do Código Civil.
8. Assim sendo, nunca a reconvenção poderia ser julgada procedente, por ser inviável determinar se, de entre as obras provadas, algumas (ou todas) poderiam ser havidas como benfeitorias necessárias. Esta impossibilidade tanto vale para as benfeitorias consideradas na condenação em 1ª Instância, como para aquelas que a Relação acrescentou, remetendo para liquidação.
Não há pois que analisar a questão relativa à prescrição dos juros de mora, invocada pela recorrente.
9. Nestes termos, concede-se provimento à revista, absolvendo a autora do pedido reconvencional e revogando o acórdão recorrido na parte correspondente.