1. O recurso extraordinário de revisão, previsto no art. 771º do Código de Processo Civil, na redacção do DL.303/2007, de 24.8, não integra, formal e estruturalmente, a tramitação do processo de que se torna apenso, quando instaurado; a acção vive, sobrevive e finda, na maior parte dos casos, sem que haja tal recurso, não sendo de considerar um iter necessário da respectiva tramitação cuja autonomia e fim último é destruir, através de um processo, com regras peculiares, com estrutura declarativa e autonomia, o caso julgado.
2. É certo que tem uma componente mista (peculiar, sobretudo, se a acção passar à fase rescidente), com uma tramitação própria, mas essa singular tramitação não o descaracteriza como acção autónoma. Com ele, inicia-se um processo novo cujo fim último é a excepcional destruição do caso julgado, formado na acção em que foi proferida a decisão revidenda.
3. Não sendo tal recurso enxertado na acção anterior, antes prevendo uma petição inicial onde devem ser expostos os fundamentos da revisão, que pode ser objecto de indeferimento liminar e só passado esse crivo, uma fase de instrução e decisão, estes elementos caracterizam-na como acção autónoma, o que não é invalidado pelo facto do objectivo que visa se relacionar com a alteração de uma decisão judicial coberta pelo manto, em regra intangível, do caso julgado.
4. O regime jurídico decorrente do DL. 303/2007, de 24 de Agosto, no que aos recursos respeita, é aplicável ao recurso extraordinário de revisão se este é instaurado após 1.1.2008 e a decisão revidenda foi proferida em data anterior, não podendo esse processo ser considerado processo pendente.
Proc.5078-H/1933.L2.S1
R-433[1]
Revista
Requereu que se procedesse à revisão da “sentença proferida em 25.08.2005”, no âmbito do processo referenciado no requerimento de instauração de recurso, “no sentido de extinguir a indemnização concedida ao Recorrido ou, pelo menos, reduzir-se substancialmente a sua expressão pecuniária segundo juízos de equidade”.
Alega o requerente que o recurso é interposto ao abrigo da alínea c) do art. 771º do Código de Processo Civil, ou seja, é fundado na apresentação de documentos de que o 1º Réu/Recorrente não tinha conhecimento e de que, aliás, não pôde fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, são suficientes para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
A decisão definitiva foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 12.7.2007, tendo transitado em julgado em 26.7.2007, pelo que não decorreu o prazo de cinco anos previsto no art.772º, nº2, d) do Código de Processo Civil, contado do trânsito em julgado e tendo em conta a instauração do recurso de revisão.
O requerente pretende a revisão da sua condenação com base em certidões, documentos, que alega ter obtido em Abril de 2012.
Sustenta o ora requerente, condenado a indemnizar o Autor BB por danos sofridos por causa de um acidente de viação, que a sua situação pessoal e profissional, determinantes da indemnização judicialmente fixada, sofreu acentuada alteração, conforme documentos que elenca no art. 31º da petição inicial, sendo que, se tais documentos pudessem ter sido considerados nas decisões, nunca a indemnização arbitrada teria sido concedida, já que os documentos agora trazidos a juízo revelam que o Autor, na referida acção, faltou à verdade e que a sua situação física não era aquela, tão grave, que alegou e que o tribunal considerou assente, asserção que os documentos supervenientes (nºs 1 a 12) comprovam, pelo que a indemnização a cargo do ora requerente não pode manter-se.
Esse processo correu termos naquela Comarca, no 1º Juízo Cível, sob o nº 5 078/93.
Nos autos assim gerados, veio a ser proferida decisão judicial que decretou:
“Por se nos afigurar que inexiste motivo para revisão, por não se encontrarem reunidos os pressupostos previstos no art. 771°, al. c), de harmonia com o previsto no art. 774°, nº1, do Código de Processo Civil, indefiro o recurso deduzido por AA”.
Esta decisão foi notificada ao Recorrente através de ofício de 03.10.2012.
De tal decisão, assim notificada, foi interposto o recurso de apelação, apreciado liminarmente no Tribunal da Relação de Lisboa – decisão singular – em 10.4.2013 –, fls. 330 a 334, que, abordando a questão de saber qual o regime de recurso aplicável, afirmou a fls. 333/334:
“ […] 5. Flui do que fica dito que o regime processual aplicável a esta acção é o anterior à entrada em vigor do Dec. Lei n.°303/2007, de 24/08. Atento o disposto no n.° 2 do art. 18.° do Decreto-Lei n° 329-A/95, o prazo de interposição de recurso a aplicar no caso em apreço é o emergente deste diploma, ou seja, o de dez dias – cfr. n.° 1 do art. 685.° do Código de Processo Civil, na redacção pelo mesmo introduzida.
6. Extrai-se daqui, com a necessária clareza, que, à data da interposição do recurso que agora se aprecia ao nível da sua tempestividade, estava esgotado o lapso temporal concedido por lei para a impugnação judicial, razão pela qual a impugnação dirigida à sentença é extemporânea, o que ora se declara.” (destaque e sublinhado nosso)
De tal despacho, o Requerente, a fls. 339, reclamou para a Conferência – art. 700º, nº3, do Código de Processo Civil – apresentando logo alegações e formulando conclusões, pedindo que sobre tal despacho recaísse Acórdão.
Pugnou por que fosse considerado aplicável o regime jurídico emergente da Reforma introduzida pelo DL. 303/2007, de 24.8, uma vez que o recurso extraordinário de revisão de sentença ingressou em Juízo em 24 de Abril de 2012.
Foi proferido, em Conferência, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.7.2013 – fls. 376 a 383 – que, confirmando a decisão singular, rejeitou, com fundamento em extemporaneidade, o recurso interposto.
Inconformado, o Recorrente interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formulou as seguintes conclusões:
A — O recurso extraordinário de revisão de sentença submetido pelo Recorrente a Juízo em 24.04.2012 foi liminarmente indeferido por sentença proferida pela 1ª Instância de Cascais em 28.09.2012, do qual foi interposto recurso de apelação em 07.11.2012, que foi admitido.
B — Esse recurso de apelação foi rejeitado com fundamento em extemporaneidade, através de decisão singular do Relator da Relação de Lisboa datada de 10.04.2013 e confirmada por acórdão proferido pelo referido Tribunal em 11.07.2013, do qual ora se recorre.
C — Entre a decisão de admissão do recurso pela lª Instância e a decisão de rejeição do mesmo recurso decidido em acórdão da Relação de Lisboa inexiste identidade de julgados, pelo que não há dupla conforme, logo o recurso a interpor desta última é o de revista, dado que colocou termo ao processo — art. 691°, nº1, e 721°, nº 1 e 3 do Código de Processo Civil.
D — Acresce que, mesmo que semelhante decisão não fosse impugnável por via do nº 3 do art. 721º do Código de Processo Civil, sempre dela seria possível recorrer de revista ao abrigo da 2ª parte do nº4 do art. 721, aplicável “ex-vi” do art. 700º, nº4, do mesmo diploma legal.
E — Em última instância a decisão ora impugnada sempre seria recorrível por via de revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 721º-A, nº1, c) e nº2 c) do Código de Processo Civil, porque se encontra em contradição com o acórdão da Relação de Coimbra proferido em 20.10.2009 no âmbito do processo nº 501/05.4TBTNV-B.C1 de que se junta cópia.
F — O presente recurso é tempestivo, porque interposto até antes do início de contagem do correspondente prazo — art. 143º, nº 1 b) e c), 144º, nº1, 685°, nº1, do Código de Processo Civil, art. 12º da Lei nº52/2008 de 28 de Agosto e art. 22º do Decreto-Lei nº 35/2010 de 15 de Abril.
G — O acórdão recorrido encontra-se em contradição de julgados com o já transitado em julgado acórdão fundamento proferido pela Relação de Coimbra em 20.10.2009 no âmbito do processo nº501/05.4TBTNV-B.C1, cuja cópia consta em anexo, na medida em que ambos se reportam a processos idênticos, tendo sido proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito, qual seja a de aplicabilidade, ou não, do regime processual introduzido pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto aos recursos extraordinários de revisão da sentença e seus recursos ordinários que corram por apenso a processos matrizes iniciados antes de 01.01.2008, sendo certo que sobre esta temática não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com aquela conforme, conforme melhor resulta do alegado nos antecedentes nºs 14 a 26 destas alegações, que aqui se dão por reproduzidos.
H — O acórdão proferido em 06.12.2010 pelo Tribunal da Relação de Coimbra respeita a um incidente iniciado em 2010, que se processa por apenso a uma causa principal submetida a Juízo em 2006 e que em 01.01.2008 ainda se encontrava pendente.
I — O caso dos autos reporta-se a uma causa iniciada em 1993 e que findou em Julho de 2007, tendo-se iniciado o respectivo apenso de recurso extraordinário de revisão de sentença em Abril de 2012, pelo que aquela causa principal não se encontrava pendente em 01.01.2008,
J — Sendo distintos e diversos ambos os casos, não serve de precedente jurisprudencial nestes autos o invocado acórdão da Relação de Coimbra de 06.12.2010.
K — O novo regime de processo civil entrou em vigor em 01.01.2008, de harmonia com o disposto no art. 12º do Decreto-Lei nº303/2007, de 24 de Agosto e só não se aplica aos processos que, nessa data, se encontrassem pendentes, conforme aplicação restritiva do respectivo art. 11º, nº1, defendida por Teixeira de Sousa in ob. cit. (cfr. nº 46 das motivações) e pelo acórdão fundamento da Relação de Coimbra proferido em 20.10.2009 (cfr. nº 47 das alegações).
L — O processo principal, constituído pela acção declarativa de condenação que o ora Recorrido interpôs contra o ora Recorrente, foi definitivamente julgado por via do acórdão proferido em 12.07.2007 por esse Supremo Tribunal, que transitou em julgado em 26.07.2007, momento a partir do qual o mesmo foi arquivado e deixou de se encontrar pendente.
M — O recurso extraordinário de revisão da sentença foi submetido a Juízo em 24.04.2012, ou seja, 4 anos e 9 meses após o mencionado trânsito em julgado e num momento temporal em que, simultaneamente, o novo regime processual civil emergente da reforma de 2007 já se encontrava em vigor e o processo principal já se não encontrava pendente.
N — O recurso extraordinário de revisão da sentença comporta duas fases distintas, a rescindente que, se o dito recurso for provido, determina a reabertura da anterior instância onde foi produzido o caso julgado e a rescisória que só tem lugar se o recurso for provido e que se destina a proceder a novo exame da causa primitiva na instância ressuscitada, conforme entendimento de Brites Lameiras, in ob. cit. (cfr. nº 62 das motivações).
O — No caso dos autos, o recurso extraordinário de revisão de sentença foi liminarmente indeferido por sentença da 1ª instância, que foi jurisdicionalmente impugnada através do recurso de apelação que foi julgado extemporâneo, pelo que a causa principal não se reabriu, tendo permanecido até à data finda, encerrada e, por conseguinte, não pendente.
P — Neste sentido se pronunciou a Relação de Lisboa no invocado acórdão de 28.02. 2002, in CJ XXVII, 2002, Tomo I, pág. 129, em que foi considerado que, só após a formulação de um juízo rescisório, é que o processo anterior retoma o seu vigor e permite um reexame da causa, mantendo-se até então o litigio encerrado nos termos em que foi anteriormente dirimido.
Q — Assim, quando o recurso extraordinário de revisão de sentença foi em 24.04.2012 submetido a Juízo, o processo principal de que aquele é apenso não se encontrava pendente, pelo que, de harmonia com o disposto nos art. 11º, nº1, e 12º do Decreto-Lei nº 303/2007 de 24 de Agosto, o novo regime processual de reforma de 2007 era-lhe imediatamente aplicável.
R — Segundo este novo regime processual, o recurso a interpor da decisão de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão de sentença é o de apelação que, nos termos do art. 691º, nº1, do Código de Processo Civil, é interposto simultaneamente com as correspondentes alegações no prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão a jurisdicionalmente impugnar, sendo deste entendimento Brites Lameiras, in ob. cit. (cfr. n°49 das motivações).
S — A semelhante entendimento não obsta o disposto no art. 772º, nº5, do Código de Processo Civil, na medida em que este preceito legal apenas tem por escopro assegurar que no processo de revisão extraordinário de sentença são aplicadas as mesmas alçadas que se encontravam em vigor no momento em que o processo principal da decisão a rever foi submetido a Juízo, como defendem Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Abrantes Geraldes, in ob. cit. (cfr. nº58 destas alegações).
T — O ofício de notificação da decisão da lª instância de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão da sentença encontra-se datado de 03.10.2012, tendo sido expedido via plataforma “citius”, presumindo-se recebido no 3º dia posterior, ou no dia útil seguinte àquele a que a presunção se refere for Sábado, Domingo ou feriado, ou seja, “in casu” em 08/10/2012, conforme art.21º-A nº5 da Portaria nº 1.538/2008 de 30 de Dezembro.
U — O mencionado prazo de 30 dias para interposição do mencionado recurso de apelação e correspondentes alegações começou a correr a partir de 08.10.2012, pelo que terminou em 07.11.2012, data em que aquele foi electronicamente submetido a Juízo.
V — Nestes termos, foi o recurso de apelação “sub-judice” tempestivamente interposto de harmonia com os invocados preceitos processuais constantes da reforma de 2007, que lhe são, assim, manifestamente aplicáveis.
W — Ao se ter decidido diversamente no acórdão ora recorrido da Relação de Lisboa, violou-se o disposto no art. 11º, nº 1 e 12º do Dec-Lei 303/2007 de 24 de Agosto e o preceituado nos arts. 691º, nº 1, 684º-B, nº 2 e 685º, nº 1 do Código de Processo Civil na versão de 2007, pelo que, com esse fundamento, deve o aresto “sub-judice” ser revogado e substituído por outro que julgue tempestivo o recurso de apelação oportunamente interposto da sentença de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão da 1ª Instância de Cascais, cujo mérito da causa deve ser apreciado e, igualmente, ser julgado procedente.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve conceder-se a Revista, revogando-se com fundamento em ilegalidade o acórdão recorrido, julgando-se tempestivamente interposto o recurso jurisdicional de apelação interposto da sentença de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão da sentença proferida pela 1ª instância de Cascais, cujo mérito deve ser apreciado e julgado procedente, com todas as devidas e legais consequências.
O recorrente juntou – fls. 408 a 439 – cópia do Acórdão da Relação de Coimbra de 20.10.2009 – que considera estar em oposição com o Acórdão recorrido.
O requerido contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.
***
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, tendo em conta que relevam os factos descritos no Relatório.
Fundamentação:
Sendo pelo teor das conclusões das alegações que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber qual o regime jurídico dos recursos aplicável ao caso dos autos, em que está em causa um recurso extraordinário de revisão de sentença, requerido em 2012, pretendendo a alteração de sentença transitada em julgado, em acção intentada em 1993.
Como emerge do Relatório, a querela gira em torno de saber se, para efeitos de aplicação do DL.303/2007, de 24.8, quando foi requerida a revisão extraordinária se pode considerar pendente o processo onde foi proferida a sentença revidenda, isto porque aquele diploma legal só se aplica aos processos iniciados após 1.1.2008 e não aos processos pendentes, na data da entrada em vigor desse diploma – arts. 11º, nº1, e 12º, nº1 do citado diploma.
As instâncias consideraram extemporânea a pretensão do Requerente da revisão (Réu na acção cuja sentença se pretende rever), por considerarem aplicável o regime legal vigente em 1993, data da propositura da acção e não o decorrente do DL. 303/2007, de 28 de Agosto.
Assim, logo no despacho de fls. 506, a Ex.ma Juíza considerou, além do mais, que “Aos presentes autos de recurso de revisão são aplicáveis os arts. 771° a 777º do Código de Processo Civil, na redacção originária do Código de Processo Civil, anterior à revisão de 1995/96, atenta a data de autuação dos autos principais (20-12-1993).”
A melindrosa questão, é vexata quaestio que passa por saber qual a natureza do recurso extraordinário de revisão de sentença, questão que divide de há muito a doutrina e a jurisprudência.
Se se considerar que se trata de uma nova acção, ou novo processo, aplicar-se-á o regime dos recursos constante do DL. 303/2007, de 24.8, já que a revisão foi intentada ou requerida em 24.4.2012.
Aquele diploma não alude, nem a acções, nem a recursos, mas antes a “processos pendentes”, excluindo a sua aplicação aos que não estiverem pendentes em 1.1.2008.
Este Decreto-Lei 303/2007 introduziu alterações à tramitação dos recursos e acabou com o recurso de agravo, passando a considerar como recurso ordinário apenas o recurso de revista, como resulta do art. 676º, nº2.
O recurso extraordinário de revisão visa destruir a intangibilidade do caso julgado a que estão ligadas inquestionáveis razões de certeza e segurança do Direito com a inerente repercussão na paz social[2].
“O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente indicadas na lei” – Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição, pág. 333.
Mais adiante o mesmo autor, citando Alberto dos Reis:
“Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.
Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio.
A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio”.
Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. VI, 337 citando Mortara –“Commentario del Codice e delle legi di procedura civile”, 4º, pág. 484:
“Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao mítico princípio da intangibilidade do caso julgado”.
Os fundamentos do recurso de revisão são os taxativamente previstos no art. 771º do Código de Processo Civil, normativo alterado pelos Decretos-Lei nº 38/2003, de 8 de Março e 303/2007, de 24.8, este, como se disse, apenas aplicável aos processos iniciados após 1.1.2008.
O recurso de revisão é um recurso extraordinário que apenas pode ser intentado após o trânsito em julgado da decisão – daí a sua excepcionalidade e a taxatividade dos seus fundamentos como a previsão de prazos de caducidade de cinco anos e sessenta dias – arts. 772º, nº2, do Código de Processo Civil, do direito de pedir a revisão da decisão coberta pela estabilidade e segurança do caso julgado.
Comporta, como é tradicionalmente considerado, uma fase rescindente e uma fase rescisória.
Mas, nem por isso e pelo facto de ser designado como recurso, é pacífica essa sua natureza.
O Conselheiro Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – 8ª edição, pág.323, escreve:
“Tendo em vista o melhor entendimento da tramitação processual da revisão, atentemos na sua natureza jurídica.
Para uns, será uma acção para outros, um recurso; ainda para outros, um misto de recurso e de acção.
Para os seguidores da primeira doutrina, a revisão apresenta-se como uma autêntica acção autónoma, que se inicia com um requerimento, com as características de uma verdadeira petição inicial, visando a inutilização de uma decisão transitada.
Corresponderia à acção de anulação de caso julgado referida no art. 148.º do Código de Processo Civil de 1876.
Para os seguidores da segunda doutrina, a revisão configura-se como um verdadeiro recurso, alicerçado num requerimento de interposição sem outro fim que não seja o da impugnação da decisão transitada, por erros de julgamento que, uma vez constatados, determinariam a substituição da decisão em causa por outra deles liberta.
Para os seguidores da terceira doutrina, a revisão seria um misto de recurso e de acção, ou seja, um meio que partilha da estrutura de ambas as duas figuras processuais, por envolver um duplo julgamento: o primeiro com as características de recurso e o segundo com a contextura duma acção.
A questão é duvidosa e depende do conceito de que se parta acercado que é um recurso e do que é uma acção autónoma. Olhando ao nosso sistema legal, parece-nos, na esteira de Alberto Reis, de seguir a terceira doutrina.”
Não obstante, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, VI, pág. 373, afirma categoricamente:
“O recurso de revisão “é, estruturalmente, uma acção, como o era a anulação do caso julgado estabelecida no art. 148. ° do Código de 1876.
A denominação não importa: trata-se verdadeiramente de uma acção e não de um recurso no sentido técnico-jurídico de rigor”. (sublinhámos)
Armindo Ribeiro Mendes, in “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007”. escreve, págs. 180-181:
“É usual, desde Manuel de Andrade, sustentar que os recursos extraordinários abrem um processo novo, sendo verdadeiras acções autónomas (era o que sucedia, paradigmaticamente, com a acção de anulação do caso julgado prevista no art. 148º do Código de Processo Civil de 1876).
Segundo este processualista de Coimbra, o objecto dos recursos extraordinários é constituído por um processo anterior e uma decisão anterior, ou só por esta, embora a lei assimilasse, sob vários aspectos, a revisão e a oposição de terceiro aos recursos ordinários.
Alberto dos Reis defendia que os recursos extraordinários eram um misto de acção e recurso. Barbosa de Magalhães sustentava que, neste âmbito, estava-se perante uma nova instância, ao passo que outros autores falavam de renovação de instância extinta (…)”.
Se analisarmos o regime jurídico deste recurso, concluiremos que são raras as normas dos recursos ordinários que se lhes aplicam, estando mais perto a sua estrutura de uma acção autónoma – apesar de intimamente ligada a um processo anterior transitado em julgado.
O recurso extraordinário de revisão previsto no art.771º do Código de Processo Civil, na redacção do DL.303/2007, de 24.8, não integra, formal e estruturalmente a tramitação do processo de que se torna apenso, quando instaurado; a acção vive, sobrevive e finda na maior parte dos casos sem que haja tal recurso, não sendo de considerar um iter necessário da respectiva tramitação, cuja autonomia e fim último é destruir através de um processo declarativo com regras peculiares, com estrutura declarativa e autonomia, o caso julgado com fundamentos taxativamente previstos.
É certo que tem uma componente mista (peculiar, sobretudo, se a acção passar a fase rescidente), com uma tramitação própria, mas essa singular tramitação não o descaracteriza como acção autónoma. Com ele inicia-se um processo novo cujo fim último é destruir o caso julgado formado em acção anterior.
Não sendo, sequer enxertado na acção anterior, mas implicando uma petição inicial onde devem ser expostos os fundamentos da revisão, prevendo indeferimento liminar e, só passado esse crivo, uma fase de instrução e decisão; estes elementos, a nosso ver, caracterizam-na como acção autónoma o que não é invalidado pelo facto do objectivo que visa se relacionar com uma decisão judicial anterior.
Dito isto, importa saber se, no caso, se aplica o regime legal decorrente do DL. 303/2007, de 24 de Agosto, porque a acção foi intentada, anteriormente.
As instâncias consideraram que, intentado o recurso extraordinário em 2012, não se aplicava a lei de 2007 mas o regime jurídico vigente em 1993, daí que se tenha decidido que o recurso interposto do despacho de indeferimento era de agravo, devendo ser interposto por requerimento no prazo de oito dias, tendo o recorrente igual prazo de 8 dias para alegar – arts. 474º, nº 1, c), 475º, nº1, 676º, 685º, nº1, 687º, nº1 e 743º, nº1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à revisão de 1995/1996.
Como o recorrente considerou aplicável o regime dos recursos decorrente do DL. 303/2007, de 24 de Agosto, recorreu no prazo de 30 dias, tendo logo alegado e, por isso, o recurso foi rejeitado por extemporaneidade.
Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil-Novo Regime”, págs. 13 e 14, relativamente à aplicação deste diploma, afirma:
“Entre a modificação exaustiva de todos os diplomas elaborados na pressuposição de dualismo recursório (apelação e agravo, ou revista e agravo em 2.ª instância) prevê-se no art. 4° do Dec.-Lei n.°303/07 que todas as referências aos agravos se consideram doravante feitas ao recurso de apelação e todas as referências aos agravos em 2.ª instância ao recurso de revista.
Perante tal norma, não há qualquer dúvida quanto à sua aplicação a todos os diplomas que regulam recursos em matérias englobadas na grande categoria do direito civil e comercial, ainda que devam efectuar-se, quando tal se justifique, as “adaptações necessárias”.
Na vertente da aplicação da lei no tempo, o legislador reservou o novo regime para os processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2008, continuando os demais submetidos ao regime anterior, sem qualquer norma de direito transitório”.
De notar que o tratadista sustenta que seria mais razoável a aplicação da lei nova a todos os processos pendentes.
Temos para nós que, quer se trate de acção autónoma ou recurso tout court, ou misto de acção ou recurso, se lhe aplica o regime legal emergente do diploma de 2007.
Sendo o recurso extraordinário de revisão um processo novo não faz sentido que se lhe aplique, dada a sua natureza e fim último, o regime legal aplicável à decisão revidenda, cujos efeitos visa aniquilar.
O recurso extraordinário de revisão tem, essencialmente, a natureza de uma acção, visando a mudança da ordem jurídica definida em decisão transitada em julgado.
Com efeito, como refere Miguel Teixeira de Sousa, “Reflexões sobre a Reforma dos Recursos em Processo Civil”, [texto da Conferência proferida no Tribunal da Relação de Coimbra no dia 12/02/2007, disponível no sítio do Tribunal da Relação de Coimbra[3], http://www.trc.pt/doc/confintmts.pdf].
“ […] Como se pode facilmente concluir, a não aplicação imediata do novo regime dos recursos só atinge os processos que estivessem pendentes em 1.1.2008: nestes processos continuam a ser admissíveis os recursos anteriores à reforma.
Assim, nada impede a aplicação imediata do novo regime relativo aos recursos extraordinários de uniformização de jurisprudência e de revisão aos processos que já se encontravam findos em 1.1.2008.
Situação algo duvidosa é aquela que respeita aos recursos extraordinários aplicáveis aos processos que se encontravam pendentes em 1/1/2008.
Através de uma interpretação literal do disposto no artigo 11º, nº1, do DL 303/2007, concluir-se-ia que a esses processos se deveria aplicar o regime dos recursos extraordinários vigentes até àquela data, isto é, a revisão (na antiga configuração) e a (agora revogada) oposição de terceiro.
A verdade é que nada parece justificar essa sobrevigência do antigo regime dos recursos extraordinários para os processos que estavam pendentes em 1/1/2008.
A teleologia do novo regime dos recursos extraordinários não impede a sua aplicação aos processos pendentes em 1/1/2008 […].
Há que fazer, por isso, uma interpretação restritiva do disposto no artigo 11º, nº1, do DL 303/2007 e entender que o que nele se dispõe é aplicável apenas aos recursos ordinários.” (destaque e sublinhado nosso)
Aqui chegados, afigura-se-nos, ser aplicável a lei nova – DL.303/2007, de 24 de Agosto – ao processo sub judice, já que não se pode considerar que a acção estava pendente ao tempo em que foi requerida a revisão. O recurso de revisão é um recurso extraordinário não se lhe aplicando o art. 11º, nº1, do referido diploma, já que este normativo pressupõe que o processo esteja pendente em 1.1.2008.
Com efeito, o processo onde foi proferida a decisão revidenda estava à data da propositura do recurso de revisão, 24.4.2012, na comarca de Cascais, transitada em julgado a decisão nele proferida, em 12.7.2007, após recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. A sentença da 1ª Instância foi proferida em 25.8.2005 – cfr. fls. 204.
Nas suas alegações, o recorrente alude ao recurso de revista excepcional – art. 721º-A do Código de Processo Civil, e ao fundamento previsto na al. c) do seu nº1, tendo junto um Acórdão da Relação de Coimbra que estaria em contradição com o Acórdão recorrido.
Essa alusão, como resulta até da indicação das normas violadas feita pelo recorrente, não fundamenta, na realidade, o recurso de revista excepcional para cuja admissão teria competência a Formação de Magistrados a que alude o nº3 do referido art.721º-A do Código de Processo Civil, na antes referida redacção.
Por assim considerarmos, e por resultar do corpo das alegações, devidamente interpretado, que a alusão à decisão em alegada contradição mais não foi senão um argumento em defesa da tese do recorrente [cfr. als. E) G), H) e I) das conclusões], que não interpôs recurso de revista excepcional, o processo não tinha que ser apresentado àquela Formação.
Nestes termos, e considerando que ao recurso é aplicável o regime jurídico decorrente do DL. 303/2007, de 24.8, foi ele atempadamente interposto, pelo que a decisão recorrida não pode manter-se.
Sumário – art.713º, nº7, do Código de Processo Civil
1. O recurso extraordinário de revisão, previsto no art. 771º do Código de Processo Civil, na redacção do DL.303/2007, de 24.8, não integra, formal e estruturalmente, a tramitação do processo de que se torna apenso, quando instaurado; a acção vive, sobrevive e finda, na maior parte dos casos, sem que haja tal recurso, não sendo de considerar um iter necessário da respectiva tramitação cuja autonomia e fim último é destruir, através de um processo, com regras peculiares, com estrutura declarativa e autonomia, o caso julgado.
2. É certo que tem uma componente mista (peculiar, sobretudo, se a acção passar à fase rescidente), com uma tramitação própria, mas essa singular tramitação não o descaracteriza como acção autónoma. Com ele, inicia-se um processo novo cujo fim último é a excepcional destruição do caso julgado, formado na acção em que foi proferida a decisão revidenda.
3. Não sendo tal recurso enxertado na acção anterior, antes prevendo uma petição inicial onde devem ser expostos os fundamentos da revisão, que pode ser objecto de indeferimento liminar e só passado esse crivo, uma fase de instrução e decisão, estes elementos caracterizam-na como acção autónoma, o que não é invalidado pelo facto do objectivo que visa se relacionar com a alteração de uma decisão judicial coberta pelo manto, em regra intangível, do caso julgado.
4. O regime jurídico decorrente do DL. 303/2007, de 24 de Agosto, no que aos recursos respeita, é aplicável ao recurso extraordinário de revisão se este é instaurado após 1.1.2008 e a decisão revidenda foi proferida em data anterior, não podendo esse processo ser considerado processo pendente.
Decisão:
Na concessão da revista, revoga-se o Acórdão sob censura, e, por se considerar tempestivo o recurso de revisão extraordinário, determina-se que os autos sejam remetidos ao Tribunal de 1ª Instância, onde deverá ser dado seguimento à pretensão do recorrente.
Custas pelo recorrido, tendo em conta que litiga com o benefício do apoio judiciário.
Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Janeiro de 2014
Fonseca Ramos (Relator)
Fernandes do Vale
Ana Paula Boularot
_____________________________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.
[2] Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, Coimbra, 1976, págs. 305/306, alude a “razão de certeza ou segurança jurídica” nos seguintes termos:
“Sem o caso julgado material estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa – fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas. Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença. Não se trata propriamente de a lei ter como verdadeiro o juízo – a operação intelectual – que a sentença pressupõe. O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade, por força da qual, como diziam os antigos, a sentença faça do branco preto e do quadrado redondo (“facit de albo nigrum,... aequat quadrata rotundis...”) ou transforme o falso em verdadeiro (falsumque mutat in vero).
Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculante infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.
Vê-se, portanto, que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke).”
[3] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 20.4.2010 – Proc.926/03- in www.dgsi.pt.