I - A nulidade da decisão prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC – excesso de pronúncia –, serve de cominação para o desrespeito do comando previsto no art. 660.º, n.º 2, do CPC: o dever imposto neste preceito refere-se ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado, às quais o conhecimento do juiz fica confinado, com excepção daquelas que este deva conhecer oficiosamente.
II - A contradição entre a fundamentação e a decisão, fundamento de nulidade a que se reporta a al. c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, ocorre quando o razoamento ou o raciocínio dedutivo se revele antinómico ou adverso na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material, pelo que não se confunde com a inferência lógico-interpretativa de uma factologia que serviu de base ao raciocínio formativo da decisão.
III - Só a total falta de fundamentação – e não a fundamentação deficiente, acrática e errática – induz a nulidade da decisão por falta de fundamentação (al. b) do n.º 1 do art. 615.º ex vi dos arts. 666.º e 679.º, todos do CPC).
IV - Se o acidente de viação ocorreu quando os lesados se encontravam em trânsito, ocasionalmente, pelo território do Reino de Espanha e os mesmos detinham nacionalidade portuguesa, funciona a excepção do n.º 3 do art. 45.º do CC, pelo que a legislação aplicável, para efeitos de atribuição/quantificação da indemnização, é a nacional.
V - Perante a comprovação da falta de contrato de seguro que permita a cobertura dos danos ocorridos pela circulação do veículo sinistrado, a responsabilidade pelo pagamento da indemnização aos lesados pelos danos corporais sofridos no acidente, cabe ao FGA, nos termos do art. 53.º, n.º 3, do DL n.º 522/85, de 31-12.
VI - Ainda que, no caso concreto, o FGA estivesse obrigado a indemnizar até ao montante de € 450 000 – por ser este o valor do seguro obrigatório vigente à data em que ocorreu o sinistro (apartado 2 do art. 1.º da Directiva n.º 84/5/CEE, do Conselho, de 30-12-1983, e art. 12.º do Real Decreto n.º 7/2001, de 12-01) –, o direito a uma indemnização justa, adequada e suficiente dos lesados impõe, num eventual conflito de direitos, que este organismo de garantia assegure o direito a uma justa indemnização, em detrimento dos limites contidos no mencionado seguro obrigatório.
VII - Mostra-se justa, adequada e suficiente a indemnização atribuída pelo acórdão recorrido, nos termos das tabelas anexas ao Real Decreto Legislativo n.º 8/2004, de 29-10, por danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros sofridos pela autora, no valor de € 714 087, 70 – que, à data do acidente, tinha 20 anos de idade e, por causa do mesmo, ficou com uma incapacidade permanente geral de 20 pontos – e pelo interveniente principal, no valor € 30 656, 30 – que, na mesma data, contava com 22 anos de idade e, devido ao sinistro, ficou afectado de incapacidade permanente geral de 18 pontos.
I. – Relatório.
AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe: a) a quantia de € 2.700.000,00, a título de danos morais e patrimoniais; b) e ainda todos os medicamentos, consultas médicas, tratamentos, internamentos, e intervenções médico-cirúrgicas de que venha a necessitar e a realizar ao longo da sua vida e que sejam consequência do acidente objecto dos presentes autos.
Para o pedido que formula alega que em 27/10/2005 foi vítima de acidente de viação, ocorrido em Espanha, quando seguia no banco traseiro de um veículo ligeiro de passageiros, cujo condutor se despistou sozinho, fez vários piões, embateu nos rails de protecção, e acabou por invadir a faixa de rodagem reservada ao trânsito, em sentido contrário, colidindo frontalmente com um veículo pesado de mercadorias, após o que se incendiou e explodiu. Daí resultaram para a autora gravíssimos danos físicos, incluindo extensas queimaduras de grande parte do corpo. Transportada para o Hospital, foi-lhe induzido tendo-se seguido um longo período de tratamentos e intervenções cirúrgicas: A demandante veio a ficar afectada de gravíssimas lesões e deficiências físicas, que não só a impediram de trabalhar para o resto da sua vida, como lhe causaram enorme sofrimento psicológico.
Subdivide o pedido da seguinte forma: a) € 700,00 por mês desde 1.11.2005 até 31.3.2006; e b) € 1.500,00 por mês desde 1 de Março de 2006 e durante 54 anos, à razão de 14 meses por ano, a título de danos patrimoniais; c) € 668.000,00 a título de danos não patrimoniais.
O veículo ligeiro no qual a autora seguia, de matrícula inglesa, não beneficiava de seguro válido e eficaz, pelo que cabe ao FGA, em representação do seu equivalente Inglês, ressarcir a autora.
O réu foi regular e pessoalmente citado e apresentou contestação.
Na contestação que exibiu, o demandado, Fundo de Garantia Automóvel, aceita a culpa do condutor do veículo onde seguia a autora, e aceita também a inexistência de seguro válido e eficaz para esse veículo.
No mais, impugna os factos alegados, por desconhecimento.
Impulsou a dedução de incidente de intervenção principal provocada de BB, que também seguia como passageiro no mesmo veículo, e que tem vindo a ser ressarcido extrajudicialmente pelo contestante.
Termina pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova a produzir.
Julgado procedente incidente de intervenção de terceiros e ordenada a citação do interveniente BB, veio este a apresentar articulado próprio, onde deduz contra o Fundo Garantia Automóvel, pedido de condenação deste a pagar-lhe, por força do mesmo acidente: a) a quantia de € 210.094,81, mais os vencimentos que deixou de auferir desde a data de entrada da acção, acrescida dos subsídios de férias e de natal, tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento, quanto aos danos patrimoniais, e desde a prolação da decisão, quanto aos danos não patrimoniais, também até efectivo e integral pagamento; b) os montantes que se liquidarem em execução de sentença, decorrente da evolução
Do seu estado de saúde, em resultado do presente acidente de viação, incluindo eventuais intervenções cirúrgicas (plásticas ou outras), meios de diagnóstico, consultas médicas, também na vertente de psicologia, despesas com tratamentos e medicamentos, tudo por indicação médica.
O Instituto de Segurança Social. IP, citado para a acção, deduziu pedido de condenação contra o réu Fundo de Garantia Automóvel, para que este Fundo lhe pague a quantia de € 4.098,08, acrescida dos juros vincendos, contados a partir da data da citação deste pedido e até integral pagamento, alegando ser esse o montante que pagou ao autor BB, seu beneficiário, a título de subsídio de doença, nos períodos de 27.10.2005 a 17.5.2006 e de 28.5.2006 a 26.8.2006, e que tais pagamentos assumem natureza provisória e têm o carácter de adiantamento, enquanto o verdadeiro responsável pela indemnização -o ora réu- não proceder ao pagamento.
O Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação, onde relembrou que aceitou a culpa do condutor do -HGF e a responsabilidade decorrente deste acidente, e que recebeu reclamação dos sinistrados deste acidente e tem vindo a efectuar alguns pagamentos ao ora interveniente, que já atingem o valor de € 23.490,32.
Impugnou (por desconhecer) vários factos alegados sobre a situação do interveniente em todo o acidente, e no mais considerou o pedido formulado excessivo, à luz da legislação aplicável, a espanhola.
Termina pedindo a sua absolvição dos pedidos deduzidos pelos intervenientes, os quais devem por isso ser julgados improcedentes.
O tribunal de primeira (1.ª) instância, viria a condenar, o demandado, Fundo de Garantia Automóvel, a pagar:
a) À demandante, AA, as quantias de setecentos e setenta e cinco mil cento e dezoito euros e cinquenta e quatro cêntimos (€ 775.118,54), bem assim na quantia que vier a ser apurada em incidente de liquidação “correspondente às despesas futuras que a autora venha a ter que fazer para colmatar as áreas do seu corpo por epiletizar, tudo por causa do acidente”;
b) Ao demandante, BB, as quantias de setenta mil euros (€ 70.000,00), “acrescida de juros de mora contados à taxa supletiva legal, desde a data de prolação desta sentença até integral pagamento.”
Em dissensão com o decidido, impulsaram recursos de apelação – cfr. fls. 452 a 466 (demandante, BB); fls. 469 a 474 (demandante, AA); fls. (Fundo de Garantia Automóvel), tendo, por acórdão, de 7 de Maio de 2013, constante de fls. 650 a 694 (de fls. 674 a 694, consta o voto de vencido do relator originário) -, a Relação decidido condenar o demandado, Fundo Garantia Automóvel, a pagar à demandante; “AA, a indemnização de setecentos e catorze mil e oitenta e sete euros e setenta cêntimos (€ 714.087,70), a que deviam ser descontadas as quantias de trinta e três mil e vinte e um euros e quarenta e seis cêntimos (€ 33.021,46) e do “montante que vier a ser liquidado, correspondente à quantias pagas pelo réu á autora a título de reparação provisória do dano no procedimento cautelar já referido, e a que acrescem as despesas de tratamento futuro das sequelas do acidente (a apurar em liquidação de sentença); tudo com juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento”; - “a pagar ao autor BB a indemnização de trinta mil e seiscentos e cinquenta e seis euros e trinta cêntimos (€ 30.656,30), com juros de mora legais desse a citação até integral pagamento; - a pagar ao Instituto de Segurança Social, I. P., a quantia de quatro mil e noventa e oito euros e oito cêntimos (€ 4.098,08). [[1]]
Irresignados com o julgado prolatado pela Relação, recorrem, de revista, os indicados sujeitos processuais – cfr. fls. 736 a 768 (Do recorrente BB); fls. 787 a 809 (da recorrente, AA); e fls. 820 a 829 (do recorrente Fundo de Garantia Automóvel) – tendo dessumido as respectivas alegações com as sumulas conclusivas que a seguir quedam extractadas.
I.A. – Quadro Conclusivo.
(Do recorrente BB):
1.ª - Aquando do acidente, causa de pedir nestes autos, o agente e os lesados encontravam-se ocasionalmente em Espanha, porquanto se encontravam, todos, em trânsito em direcção a Inglaterra - cf. n.º 1, dos factos provados (sentença da 1.ª instância);
2.ª - Todos, agente e lesados, tinham a nacionalidade portuguesa, para além de todos terem residência em Portugal - cf. certidões dos respectivos assentos de nascimento, constantes dos autos;
3.ª - O n.º 3, do are 45.º, do Código Civil, contém uma importante excepção à regra da lex loci, nos seguintes termos: "Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas";
4.ª - Logo, tendo o agente (o falecido CC) e os lesados (BB e AA) a mesma nacionalidade - no caso a portuguesa -, encontrando-se ocasionalmente em Espanha (em trânsito para Inglaterra, país para onde todos se dirigiam), a lei aplicável não pode deixar de ser a lei da nacionalidade comum a todos eles, no caso a lei portuguesa;
5.ª - O Tribunal "a quo" reconheceu que todos - agente e lesados -, são portugueses, sendo seguro que se encontravam ocasionalmente em Espanha, e, não obstante tal, decidiu-se pela aplicação da lei espanhola;
6.ª- Deste modo, os fundamentos aduzidos pelo Tribunal "a quo", encontram-se em manifesta oposição com a decisão;
7.ª - Os fundamentos invocados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, impunham a conclusão que o Direito aplicável seria o português;
8.ª - Pelo que, ocorre, "in casu", a nulidade prevista na al. c), do n.º 1, do art. 668.º, do C.P.C.;
9.ª - O acórdão recorrido mostra-se, assim, ferido de nulidade, o que deve ser declarado por esse alto Tribunal;
10.ª - A declaração de voto de vencido do Exmo. Desembargador ---, aponta neste sentido, pronunciando-se pela aplicação da lei portuguesa;
11.ª - Para a eventualidade, que apenas se aventa, por cautela de patrocínio, de esse alto Tribunal entender inexistir a nulidade supra invocada, então temos como seguro que o acórdão recorrido enferma de violação de lei substantiva, consistente em manifesto erro de determinação da norma aplicável ou, numa outra visão da problemática, em causa, erro de interpretação e de aplicação da pertinente lei substantiva (art. 722.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.);
12.ª - Pelas razões, supra aduzidas, o ordenamento jurídico aplicável sempre seria o português, por força do invocado n.º 3, do art. 45.º, do Código Civil;
13.ª - No sentido do supra propugnado, pronunciaram-se, "a contrario", o Tribunal da Relação do Porto (Ac. de 18/11/2010, relatado pelo Exmo. Desembargador JOSÉ FERRAZ) e esse S.T.J. (Ac. de 19/4/2012, relatado pelo Exmo. Conselheiro SILVA GONÇALVES);
14.ª - A aplicação, "tout court", do "baremo" espanhol, conduziu o Tribunal "a quo" a um resultado miserabilista;
15.ª - A propósito da aplicação do "baremo" têm-se suscitado, no país vizinho, controvérsias jurídicas, no que tange ao seu carácter vinculativo, ou não, nomeadamente na vertente do seu carácter "meramente presuntivo", ou rígido, e nas dificuldades na avaliação, por tal método, dos lucros cessantes;
16.ª - A doutrina constitucional espanhola tem vindo a entender que o "baremo" deve ser aplicado, "mas destituído do seu carácter rígido e fechado, devendo ser-lhe atribuído mero alcance presuntivo (iuris tantum), ao aceitar-se que o lesado ou até o responsável possam vir, excepcionalmente, a fazer a demonstração de danos de valor diferente do que resulta da sua estrita aplicação. - Raul GUICHARD, "ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJECTIVA POR DANOS CAUSADOS POR VEÍCULOS DE CIRCULAÇÃO TERRESTRE", RCEJ, n.º 9, 2006;
17.ª - "In casu", sempre os danos patrimoniais, na vertente dos "lucros cessantes", e os danos não patrimoniais, teriam de ser valorados, para além do "baremo", corrigindo-o, em obediência à doutrina constitucional espanhola, supra invocada;
18.ª - A recepção do Direito espanhol, assim operada, conduzindo a tal resultado miserabilista, mercê da interpretação que do mesmo é feita pelo Tribunal "a quo", enferma de manifesta inconstitucionalidade material, por violação do princípio de igualdade, consagrada no art. 13.º, do C.R.P.;
19.ª - Para todos os legais efeitos, invoca-se tal inconstitucionalidade, com as legais consequências;
20.ª - Partindo da matéria fáctica, dada como provada pelas instâncias, mostram-se pertinentes as considerações da 1.ª instância, para a fundamentação da decisão de atribuir ao A. a importância de € 70.000,00, acrescida de juros, à taxa supletiva legal, a título de danos não patrimoniais, decisão com a qual o A. se conformou, não tendo recorrido, da mesma, para a 2.a instância; Nomeadamente:
21.ª " (...) à data do acidente o autor tinha 23 anos de idade. (...) Sofreu traumatismo torácico, com fractura de três arcos costais; queimaduras das mãos e dos pés, traumatismo crâneo-encefálico, com perda de conhecimento, traumatismo do ombro direito, traumatismo da coxa direita" - sentença (da 1.ª instância);
22.a - "Decorrente do acidente, o autor ficou com pouca apetência para o sexo, ao contrário do que sucedia anteriormente ao acidente. O autor BB ficou afectado de incapacidade permanente geral de 18 pontos. À data do acidente o autor era saudável, com grande alegria de viver, sem propensão para depressões ou angústias existenciais (...)" - sentença (da 1.ª instância);
23.a - "A doença do autor foi dolorosa, no grau 4, numa escala de 1 a 7. O autor vê-se diminuído e limitado na sua evolução humana, o que inclui, também, naturalmente, a vertente profissional, sendo que o dano estético foi fixado no grau 3, numa escala até 7, de gravidade crescente. Encara com muito cepticismo a sua vida futura, o que o angustia e deprime ainda mais, e o prejuízo de afirmação pessoal do autor foi fixado no grau 3, numa escala de 5 graus" - sentença (da 1.ª instância);
24a. "O sofrimento físico, ou seja, as dores que o autor teve de suportar em consequência do acidente, na escala de 1 a 7, foram fixadas no grau 4, o que já é considerável, e acima do ponto médio. O sofrimento psicológico, esse, para além do que já ficou para trás, vai manter-se no futuro (...)" - sentença (da 1.ª instância);
25.ª - Em suma, pugnamos pela procedência da presente revista devendo o F.G.A. ser condenado a pagar ao A. BB, a título de danos não patrimoniais, a importância de € 70.000,00, acrescida de juros de mora legais, desde a notificação à Ré do pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento;
26.ª - O A. tem o direito a ser indemnizado pelo dano patrimonial futuro, decorrente da incapacidade permanente que lhe foi fixada (18 pontos);
27.ª - Neste sentido, é pacífica a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores;
28.ª - São categóricos, no sentido supra apontado, nomeadamente os seguintes arestos, desse Alto Tribunal:
Ac. do S.T.J., de 19/2/2009 (Revista n.º 3652/08 - 2a Secção), relatado pelo Exmo. Conselheiro SANTOS BERNARDINO, o qual decidiu que "a repercussão negativa da I.P.P. (...) deve ser valorada, para efeitos de atribuição de indemnização por danos patrimoniais futuros, já que tem reflexos na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços daquela, e envolve uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e uma consequente maior penosidade, um maior esforço e desgaste físico na execução das tarefas que, antes, ela vinha desempenhando com regularidade, sendo este agravamento da penosidade que justifica a atribuição de tal indemnização";
Ac. do S.T.J., de 23/4/2009 (Revista n.º 544/09 - 2a Secção), relatado pelo Exmo. Conselheiro PEREIRA DA SILVA, o qual opinou que "a incapacidade permanente parcial, mesmo que não Impeça o lesado de continuar a trabalhar, que se não prove, sequer, ser fonte de quebra, actual, da sua remuneração, consubstancia um dano patrimonial indemnizável";
Ac. do S.T.J., de 18/6/2009 (Revista n.º 268/09 - 2a Secção), relatado pelo Exmo. Conselheiro ABÍLIO VASCONCELOS, o qual considerou que "a incapacidade permanente parcial é um dano patrimonial que atinge a força de trabalho do homem, que é fonte de rendimento e, por conseguinte, um bem patrimonial" e que "mesmo que dessa incapacidade não resulte diminuição dos proventos do trabalho, certo é que ela obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível dos rendimentos auferidos antes da lesão";
- Ac. do S.T.J., de 8/9/2009 (Apelação n.º 17/09. O T2 AND. S1-1.ª Secção), relatado pelo Exmo. Conselheiro GARCIA CALEJO, o qual decidiu que "tendo-se provado que ficou portador de uma IPP de 10%, porém sem sequelas em termos de rebate profissional, esforço acrescido ou particular repulsa, não pode deixar de se considerar a incapacidade em termos de prejuízo funcional; é o chamado dano biológico (...) indemnizável de per si, independentemente de se verificarem, ou não, consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado (...)", representando "um dano patrimonial (futuro), mesmo que a capacidade laboral do lesado não se encontre afectada";
29.ª - Considerando a idade da vítima, aquando do acidente (23 anos), sua esperança média de vida (76 - 23 = 53 anos), os anos até atingir a reforma (70-23 = 47 anos), a taxa de 18% de IPP, o seu rendimento anual (€ 10.429,55, líquidos), a inexistência de culpa sua na produção do acidente, a taxa de inflação e todos os demais critérios valoráveis na aplicação das tabelas financeiras usadas para o efeito, temperadas pela equidade, afigura-se-nos justa uma indemnização, a tal título (danos patrimoniais futuros), de € 133.333,33;
30.a - Ademais, tal IPP de 18 pontos, resultou de danos físicos, os quais produziram sequelas, nomeadamente o facto do A. ter ficado a claudicar, e danos psiquiátricos, com grave repercussão na autonomia profissional do A.;
31.ª - Se o A. perder o emprego, terá uma séria dificuldade, acrescida, em conseguir outro, por causa da IPP que o afecta, com uma importante vertente psiquiátrica (16 pontos), a qual é muito valorada, negativamente, ao nível do actual mercado do emprego (muito deprimido), para já não falar da vertente física (o claudicar ao andar);
32.a - Pelo que, julgamos adequado o valor de € 133.333,33, importância que deve ser atribuída ao A., a título de dano patrimonial futuro, que o Tribunal "a quo" não atendeu, acrescido de juros, à taxa legal, desde a notificação à Ré do pedido de indemnização, até efectivo e integral pagamento;
33.ª - Ao decidir, como decidiu, violou o Tribunal "a quo" o disposto nos ares 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do C.C.;
34.ª - De resto, no voto de vencido, apresentado pelo Exmo. Desembargador JOSÉ AUGUSTO RAMOS, tal dano patrimonial futuro é acolhido (muito embora com uma valoração inferior à por nós peticionada), com fundamentos jurídicos que merecem a nossa inteira concordância e para os quais remetemos, dando-os aqui por integralmente reproduzidos voto de vencido, pg. 15.
PELO QUE, deve o acórdão recorrido ser declarado nulo, porquanto os seus fundamentos encontram-se em oposição com a decisão (al. c), do n.º 1, do art. 668.º, do C.P.C., ex-vi do art. 722.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma adjectivo), com a consequência da revogação da decisão recorrida, na procedência da presente revista, decidindo-se:
a) Condenar o R. (F.G.A.) a pagar ao recorrente a quantia de € 70.000,00 (Setenta mil euros), a título de danos não patrimoniais;
b) Condenar o mesmo R. a pagar ao recorrente a quantia de € 133.333,33 (Cento e trinta e três mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), a título de danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade permanente geral de 18 pontos, de que o mesmo ficou afectado;
c) Condenar, ainda, o R., no pagamento de juros, à taxa supletiva legal, sobre a importância global peticionada de € 203 333,33 (Duzentos e três mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos) [€ 70 000,00 + € 133 333,33], desde a notificação, ao mesmo R., do pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento.
(Do recorrente Fundo Garantia Automóvel)
I - A douta sentença da 1.ª instância, no que respeita à condenação do FGA no montante a pagar à A. AA, não condena em quaisquer juros.
II - Lidas e relidas as alegações de apelação da aludida A., não descortinamos qualquer conclusão (e as conclusões delimitam o âmbito do recurso) onde se requeira a alteração dessa decisão da 1.ª instância.
III - No que respeita ao A. BB, a 1.ª instância condenou o FGA a apagar juros desde a prolação da sentença e também nas alegações de recurso deste A. não vislumbramos qualquer conclusão que ponha em causa esse momento de início da contagem de juros.
IV - O douto Acórdão recorrido condenou o FGA em juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento, quer no que respeita ao pedido da AA, quer no que concerne ao pedido do A. BB.
V - Conformados os AA. com a decisão da 1.ª instância relativamente, por um lado (AA) à inexistência de condenação em juros, e por outro (BB) ao início da contagem de juros desde a data da sentença, estava vedado ao Tribunal da Relação, porque se não trata de questão de conhecimento oficioso, a condenação do FGA em juros de mora relativamente à AA e na alteração do dies a quo relativamente ao A. BB.
VI - Verifica-se, pois, excesso de pronúncia, porquanto o Tribunal apreciou e tomou posição (emitiu pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso, isto é, esse excesso de pronúncia consistiu numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador, tudo como se lê do douto Acórdão do STJ de 30/09/2010, trado no proc. 341/08.9TCGMR.G1.S2, constituindo, assim, a nulidade do art. 668.º, n.º1, al. d) do C.P.C., que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
VII - No que à indemnização atribuída à A. AA concerne, o facto provado 17, que a Veneranda Relação considera como intocável é o seguinte: “Era uma aluna muito interessada e empenhada, pois era aquela profissão que pretendia vir a desenvolver num futuro próximo, e, uma vez obtido o respectivo e adequado diploma, seria susceptível de auferir, com o produto do seu trabalho, a quantia mensal de 800,00 Euros”.
VIII - Deste facto, quer a 1.ª instância, quer a Veneranda Relação retiram uma consequência jurídica que é a de dar como garantido que a lesada auferiria com o curso de estética, a quantia mensal de 800,00 Euros.
IX - Acrescentou a Veneranda Relação, a quantia de 100,00 Euros que poderia ser angariada noutra área profissional para fixar um salário mensal ilíquido de 900,00 Euros.
X - O que temos certo é que a AA auferia 340,00 Euros mensais, na DD. Tudo o mais é mera futurologia, que, nos tempos que correm tem um limite dramático que é o do elevado desemprego jovem.
XI - A situação de crise económica do país deve ser tomada em conta pelos tribunais, ademais, sendo essa expectativa derivada de um curso de estética ainda não terminado, veja-se como é público e notório a drástica redução de gabinetes de estética e de cabeleireiros onde essa actividade pode ser exercida, para concluir que centrando-se a população portuguesa actual maioritariamente nas despesas de alimentação e educação dos filhos, bem como na habitação, as actividades de serviços, nomeadamente as de estética, têm visto reduzido o número de clientes.
XII - E, infelizmente, parece que esta crise veio para ficar. Portanto, retirar de um facto que é hipotético uma certeza, algo muito aleatório é violar o princípio da justiça, pois as decisões devem pautar-se pelo que é absolutamente concreto e tangível e não por expectativas.
XIII - As expectativas podem entrar no domínio do dano não patrimonial, mas nunca ser base de um cálculo matemático de dano patrimonial futuro.
XIV - Sendo o valor de 340,00 Euros inferior ao salário mínimo nacional na data do acidente (2005), admitimos como já o fizemos na conclusão 28.ª da apelação, um valor de 374,70 Euros (D.L. 242/2004 de 31/12) e não o valor de 900,00 Euros.
XV - Ainda que pudéssemos hipoteticamente considerar um salário ilíquido de 900,00 Euros e porque a legislação espanhola aplicável e aplicada no Acórdão fala em "ingresos netos", isto é, remuneração líquida, teremos apenas um salário líquido mensal, nessa perspectiva, de 702,00 Euros, decorrente de dedução de 11% da tabela de IRS e de 11% da taxa social única (um total de descontos de 198,00 Euros).
XVI - Por outro lado, o Acórdão não fundamenta no Baremo, nem em qualquer outra lei, que deveria ser espanhola, a atribuição de um dano patrimonial futuro, que isolado e desta forma, não está previsto no Baremo.
XVII - Há ainda a considerar que o Acórdão toma por base o Baremo do ano de 2004, quando a legislação espanhola manda aplicar o Baremo do momento em que as lesões se encontram consolidadas (o que ocorreu em 2006) ou o momento em que é conhecida essa consolidação (relatório médico-legal de 2009).
XVIII - Portanto, tomando o Baremo de 2009, publicado no Boletín Oficial dei Estado n.º 28 (Lunes, 2 de Febrero de 2009 - seco I. pago 10831, teremos:
XIX - Sendo as tabelas espanholas vinculativas para os tribunais, temos:
c) Tabla III -193.184,94 € (78 pontos x 2.476,73)
d) Tabla IV- - Prejuícios económicas 34.773,29 € (18%)
- Lesiones permanentes que constituyan una incapacidad para la ocupación o actividad habitual de la víctima Permanente absoluta: 130.000 €
- Durante la estancia hospitalaria 8.250,48 € (de 27.10.2005 a 01.03.2006 = 126 dias x 65,48 €)
XX - O valor total a definir para indemnizar a AA ascende a 366.208,71 euros, (naturalmente com as deduções que constam do douto Acórdão e com as quais se conforma o FGA - valores adiantados, pensão arbitrada em providência cautelar...)
XXI - A Tabla 3 já é ela própria uma indemnização por dano patrimonial, porque quando se diz em epígrafe "incluídos danos morais" significa que, associado aos factores de correcção seguidos, nomeadamente à percentagem que tem relação com o valor dos ganhos líquidos anuais do lesado, não permite, sob pena de enriquecimento sem causa, um sobre cálculo para danos patrimoniais futuros para além da tabela, que foi o que ocorreu no acórdão em crise.
XXII - Estando o julgador obrigado a aplicar a tabela decorrente do Baremo, já que em Espanha essa aplicação é obrigatória e o juiz português, julgando sob a lei espanhola, tem de a respeitar, ocorre nulidade por falta de fundamentação, nos termos do art. 668.º do C.P.C, e enriquecimento (art. _) a atribuição à lesada de uma quantia extra de 472.500,00 a título de danos patrimoniais.
Portanto,
XXIII - A indemnização total deve calcular-se exclusivamente nas diversas tabelas do Baremo espanhol e não parcialmente, como fez o Acórdão recorrido, indo depois aplicar uma fórmula estranha e inexistente para sobrecalcular danos patrimoniais.
XXIV - A lei é o que é, e as decisões devem conter-se nela e não extravasar para outras fórmulas de cálculo estranhas a essa lei, como ocorreu no caso presente.
XXV - O julgador que está adstrito a aplicar exclusivamente o Baremo espanhol devia ter-se marginado nos seus limites, pelo que o montante atribuído extraordinariamente, a título de dano patrimonial futuro, com um mero cálculo, violou a lei sobre responsabilidade civil e seguro en la circulacion de vehiculos a motor aprovado pelo Real Decreto Legislativo 8/2004 de 29/10, bem como a Resolução n.º 1669 de 20/01/2009 do Ministério de Economia e Hacienda, publicado no BOE espanhol de 2009, de 02/02/2009, secção I, pág. 10831 e seguintes.
XXVI Tal constitui também enriquecimento sem causa, porquanto o Baremo já integra todo o tipo de indemnização, não havendo qualquer lacuna, nomeadamente a título de dano patrimonial futuro, que o legislador deva integrar.
(Da Recorrente AA)
1) A ora Recorrente adere in totum às doutas alegações do Recorrente BB no que tange à aplicação do Direito Pátrio, nomeadamente no que concerne à contradição na fundamentação e consequente nulidade do acórdão recorrido;
2) Considerando a aplicabilidade da Lei Espanhola, então consideramos que o Tribunal " a quo" não fundamentou a razão pela qual fixou os danos patrimoniais futuros em € 630.000 e depois reduziu-os em 1/4 por ser disponibilizados de forma imediata;
3) Não existe qualquer razão fáctica ou fundamento legal para tal desconto.
4) Se é verdade que a quantia será disponibilizada de uma só vez, o Tribunal também há que ter um consideração o crescendo aumento do custo de vida, a inflação galopante prevista para as próximas décadas e a impossibilidade da autora de vir a melhorar as suas aptidões profissionais e consequentemente a auferir um melhor salário, a fazer horas extraordinárias e a aumentar a sua produtividade profissional;
5) Deverá, pois, este desconto de 1/4 ser revogado e, em consequência, determinar-se que a Recorrente receba, na íntegra o montante arbitrado a título de danos patrimoniais.
6) O mesmo se diga para a quantia arbitrada pela Primeira Instância, a qual se baseou na aplicabilidade da Lei Portuguesa, mas que também considerou haver um enriquecimento por parte da Recorrente pelo facto de receber de uma só vez e de forma imediata a quantia arbitrada a título de danos patrimoniais futuros.
7) No cálculo dos danos patrimoniais, o Tribunal Recorrido alterou a matéria de facto dada como provada;
8) No quesito 24.º a Primeira Instância deu como provado que a AA pretendia conciliar a actividade de esteticista com a profissão que vinha desenvolvendo, em regime nocturno, na DD;
9) Da conjugação da matéria deste quesito com o facto dado como provado no artigo 21.º do questionário, resultou provado que a AA viria a auferir € 1160 por mês, matéria esta, que a Relação de Lisboa alterou, considerando que a Autora apenas podia auferir € 900 mensais;
10) Ao alterar a matéria de facto dada como provada sem que as partes tenham suscitado esta alteração à matéria de facto dada como provada, o Tribunal Recorrido violou o disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, pelo que o douto acórdão é nulo, o que se invoca para os legais efeitos.
11) Será justo e equitativo, face à Lei Espanhola, que a Autora receba € 798.000 (1160xI4x50) a título de danos patrimoniais futuros;
12) No que concerne aos danos não patrimoniais, e considerando a aplicabilidade da Lei Portuguesa, é certo que, na sentença proferida pela Primeira Instância, foi tida em linha de conta que a situação da Autora " ... configura quer no passado, quer no presente, uma situação de grande sofrimento psicológico. Para além de todo o sofrimento físico (dores, queimaduras, operações várias), que como se viu foram qualificadas no grau máximo de sofrimento físico que um ser humano pode suportar, acresce o sofrimento psicológico interior, de ver todos os seus sonhos e projectos de vida destruídos num ápice, e substituídos por um pesadelo que aos olhos da Autora certamente parecerá não ter fim."
13) Quanto aos danos morais, o quantum indemnizatório deverá fixar-se, assim, pelo menos, nos €400.000,00, ao invés dos €180.000,00 arbitrados pela Primeira Instância.”
I.B. – Questões Objecto do Recurso.
Em vista do quadro conclusivo supra extractado, prefiguram-se pertinentes, para cabal cognoscibilidade dos recursos interpostos, as seguintes questões:
A) – Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia – alínea e) do n.º 1 do Artigo 668.º do Código Processo Civil; e alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º, - fundamentos em oposição com a decisão; falta de fundamentação da decisão quando não explicita os fundamentos de aplicação dos critérios adrede da legislação espanhola – cfr. al. b) do n.º 1 do mesmo livro de leis.
B) Aplicação das regras de indemnização decorrentes do ordenamento jurídico espanhol ou português;
C) - Quantum da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros.
II. – Fundamentação.
II.A. – De Facto.
“1 - No dia de 27 de Outubro 2005, os autores eram transportados no veículo, ligeiro passageiros de marca Audi, com a matrícula inglesa -HGF conduzido por CC, na região de Salamanca, em Espanha, direcção a Inglaterra, altura em que foram vítimas de um acidente;
2. A autora, nascida a …/…/19…, era transportada no banco traseiro e o autor no banco dianteiro esquerdo
3. Ao circular na carretera N-630, em direcção a Gijón, o veículo GHF despistou-se, começou a em zig-zig, fez diversos piões, embateu nos rails e, de seguida, invadiu a faixa de rodagem contrária colidindo frontalmente com um veículo pesado de mercadorias de matrícula ...CWW, marca Mercedes Benz, conduzido por EE, que seguia na direcção a Sevilha.
4. A via encontrava-se em bom estado, chovia abundantemente e a visibilidade era reduzida.
5. O condutor do veículo HGF circulava pelo menos a 100 Km/h em local que estava assinalado com velocidade máxima de 80 Km/h em situação de chuva, como era o caso.
6. Após o embate, o veículo ligeiro de passageiros de marca Audi, com a matrícula inglesa -HGF incendiou-se e explodiu.
7. Como consequência do acidente resultou a morte do seu condutor e como feridos graves os autores.
8. A autora foi de imediato transportada para o Hospital Universitário de Salamanca.
9. Após lhe terem sido ministrados cuidados de saúde intensivos para a manterem viva, foi transportada para a unidade de queimados do Hospital Universitário de GESTAFE, sendo que teve de ser reanimada.
10. Quando a autora chegou ao Hospital Universitário da GESTAFE, foi-lhe induzido o coma porque o sofrimento em que se encontrava era insuportável para um ser humano, e a imobilização corporal era vital para evitar outro tipo de sequelas como por exemplo ficar paralisada.
11. Neste Hospital foi realizado o seguinte diagnóstico:
"Diagnóstico principal: politraumatismo após acidente de viação.
Queimaduras de 3º grau em 40% da superfície corporal total, afectando as costas, glúteos, membro superior esquerdo, perna e pé direito, assim como a face posterior da perna e coxa esquerda -situação que se mantém.
Diagnóstico secundário: 1. traumatismo craniano com scalp frontal; 2. fractura de C6; 3. contusão pulmonar; 4. traumatismo abdominal com líquido livre; 5. shock séptico por SAMS; 6. sepsis por pseudomonas; 7. perda dos enxertos cutâneos; 8. necrose isquémica dos dedos do pé direito; 9. anemia multifactorial.
Durante o internamento na UGQ (Unidade de Grandes Queimados) apresentou as seguintes complicações: 1. Sepsis por SAMS, com dados de shock séptico, sendo necessária perfusão de noradrenalina e tratamento inicial com ceftacidirna e arnicacina e posteriormente com cefepirne (14.11.2005); 2. Sepsis por pseudomonas, obtendo-se cultivos da mesma em BAAS, urina cateter e queimaduras: antibioterapia com tobramicina + cefepirne; 3. Derrame pleural direito, que precisa de toracocentese, com dados bioquímicos de transudado; 4. Do ponto de vista das queimaduras submeteu-se a várias intervenções cirúrgicas (ver outros procedimentos) com evolução muito irregular das mesmas, com perda facial dos enxertos, devido ao quantum de shock séptico por SAMS, assim como infecção por pseudomonas, sendo necessárias novas intervenções cirúrgicas. Devido às queimaduras e à infusão de noradrenalina, a doente sofre de necrose dos dedos do pé direito, sendo necessário proceder à amputação dos mesmos em uma das cirurgias. É também submetida a nutrição enteral, bem tolerada pela paciente, assim como transfusão de concentrados hemáticos, por anemia multifactorial".
12. Realizou ainda neste Hospital seis intervenções cirúrgicas para cobertura com excertos livres de pele.
13. Em 13 de Janeiro de 2006 foi transferida para o Hospital de Santa Maria em Lisboa, onde esteve internada até 24 de Fevereiro de 2006, e onde continuou a fazer excertos de pele, com diversas cirurgias.
14. Até à data do acidente a autora trabalhou na loja DD, no F..., para a empresa DD, Lda, Comércio de Vestuário, Unipessoal, Lda., onde auferia cerca de € 340,00 mensais.
15. Paralelamente frequentava a Escola Europeia de Estética, denominação do estabelecimento da firma FF, Lda., onde estava a concluir o curso de estética, encontrando-se o exame final de curso marcado para Março de 2006.
16. Na referida Escola a AA obtinha classificações muito elevadas, manifestando vontade e gosto na aprendizagem.
17. Era uma aluna muito interessada e empenhada, pois era aquela profissão que pretendia vir a desenvolver num futuro próximo, e, uma vez obtido o respectivo e adequado diploma, seria susceptível de auferir, com o produto do seu trabalho, a quantia mensal de € 800,00.
18. Teria realizado e concluído o respectivo curso, não fora o acidente em causa.
19. Depois do acidente a autora não obteve qualquer subsídio de baixa por doença e não tem outros rendimentos.
20. Até 23.10.2009 o Fundo de Garantia Automóvel já lhe pagou as seguintes quantias: - € 343,80 em 23.2.2007; - € 1.000,00 em 5.3.2007; - € 2.391,98 em 9.4.2007; - € 10.686,00 em 19.5.2007; - € 2.500,00 em Junho de 2007; - € 599,68 em Agosto de 2007; - € 10.000,00 em 28.8.2007; - € 5.500,00, como indemnização pelo valor despendido no curso de estética.
21. Nestas quantias inclui-se a indemnização de € 1.000,00 pela roupa deteriorada no acidente.
22. O autor encontra-se ressarcido, pela Segurança Social (parte) e pela ré (o restante) dos vencimentos que deixou de auferir, da sua entidade patronal, por causa do acidente, desde o momento do mesmo até ao dia 17.7.2008.
23. BB nasceu a … de .. de 19… e é filho de GG e de HH (cf. certidão do assento de nascimento junta aos autos a fls. 131 e 132).
24. Imediatamente após a colisão a autora ficou inconsciente e apenas saiu do veículo com a ajuda do autor BB.
25. A autora continua a ser assistida em regime de consulta externa.
26. Ainda tem áreas por epitelizar, para as quais necessita de intervenções cirúrgicas.
27. A autora tem vindo a ser assistida na Psicologia e na Psiquiatria do Hospital de Santa Maria.
28. Não tendo a respectiva Psiquiatra dado o seu aval à realização da cirurgia agendada para Setembro de 2007 face ao agravar da depressão de que sofre.
29. A autora já não consegue fazer cirurgias pois sofre de fobia hospitalar, ficando em grande sofrimento sempre que ali tem de se deslocar para uma simples consulta de rotina.
30. Em 1 de Março de 2006 o Hospital de Santa Maria deu por findo o internamento e passou a acompanhar a AA na consulta externa, uma vez que a mesma sofria de depressão e ansiedade.
31. A autora ficou incapacitada não só para o exercício da sua profissão, como também para o exercício de qualquer outra actividade profissional, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade permanente geral de 20 pontos (Nb0901), 18 pontos (Pa0103), 10 pontos (Mc0509), 5 pontos (Mc0637), 12 pontos (Md0904), e 13 pontos (Ma0204); o quantum doloris foi fixado em 7, numa escala até 7; o dano estético foi fixado no grau 6, numa escala até 7; o prejuízo de afirmação pessoal foi fixado no grau 3 numa escala até 5, situação que se mantém inalterável e que se vai manter.
32. Atentos os conhecimentos já adquiridos durante o curso, a requerente praticava em casa, com pessoas suas conhecidas, fazendo unhas de gel, por exemplo, chegando a receber, em média, 40 euros por dia de semana e 90 euros aos fins de semana.
33. A AA já tinha diversas ofertas de emprego, e pretendia conciliar o seu emprego nocturno na DD com a sua nova profissão de esteticista, à semelhança daquilo que vinha fazendo com o curso de estética que fazia em regime diurno.
34. A autora tem vivido da caridade da família e dos amigos.
35. A autora tem dificuldade em permanecer de pé, não pode estar muito tempo sentada na mesma posição, não tem suporte muscular suficiente.
36. As queimaduras ao nível da pele e da massa muscular provocaram-lhe retenções ao nível dos membros inferiores e superiores que lhe dificultam os movimentos.
37. Ficou com rigidez articular ao nível do 5º dedo, com interfalângica proximal em flexão, na mão direita.
38. A autora sente, de forma muito intensa, revolta, consternação, profunda depressão e afectação psíquica, motivados pela circunstância em que ocorreu o acidente, sentimentos que jamais serão apagados.
39. A autora sente ausência de felicidade.
40. A autora sente necessidade de ser acompanhada por médica especializada, atendendo às dificuldades emocionais relacionadas com a situação traumática vivida.
41. E também com o sofrimento vivido com as consequentes intervenções cirúrgicas a que foi sujeita e consequentes recuperações.
42. A observação psiquiátrica e os resultados dos testes psicológicos efectuados apontam no sentido de estado depressivo de características reactivas adequado à situação.
43. A AA está dependente de fármacos que a ajudam a suportar o desgosto com que encara o seu doloroso dia-a-dia, e tem graves dificuldades em encarar o seu corpo.
44. A AA sabe que jamais vai poder ir a uma praia ou a uma piscina pois não consegue encarar os danos corporais sofridos.
45. A AA não consegue usar saias para não expor as graves sequelas ao nível dos membros inferiores.
46. Também não concebe o uso de manga curta mesmo no verão, pois inclusive até em casa anda sempre tapada com receio de acidentalmente se ver ao espelho.
47. A necrose isquémica dos dedos do pé direito obrigou-o a fazer fisioterapia para reeducação da marcha, e impedem-na de voltar a usar qualquer outro tipo de calçado que não sejam botas ou sapatos rasos desportivos.
48. Da vida da AA estão excluídas para sempre as sandálias, os chinelos de enfiar no dedo ou uns simples sapatos de senhora de salto alto.
49. Sempre que a AA compra umas calças, tem que lhe adaptar um chumaço de forma a que não se perceba a ausência da parte muscular em falta.
50. A AA nunca mais teve uma relação amorosa.
51. Não tem condições físicas e psíquicas que lhe permitam voltar a ter um relacionamento íntimo.
52. A AA sente que tem o corpo de um monstro.
53. No período de internamento a autora viu-se privada do normal convívio com a família e com os amigos.
54. E viu-se entre a vida e a morte, e perdeu para sempre a alegria de viver
55. Vive fechada em casa, não consegue conviver socialmente.
56. Imediatamente após a colisão o autor BB conseguiu abrir o seu cinto de segurança, sair do carro e libertar a AA, mas não conseguiu retirar do veículo em chamas o condutor do mesmo, o qual viu morrer carbonizado.
57. Logo após o acidente, o autor foi evacuado em ambulância para o Hospital Virgen Del Castanar, de Béjar (Espanha) e posteriormente para o Hospital Virgen De La Veja, em Salamanca.
58. No dia seguinte foi, a seu pedido, transferido para o Hospital de Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, onde permaneceu internado durante um dia, sendo subsequentemente acompanhado no mesmo para fazer tratamentos, nomeadamente dermatológicos.
59. Do acidente resultou para o autor o seguinte quadro clínico: traumatismo torácico, com fractura de três arcos costais; queimaduras das mãos e dos pés, traumatismo crâneo-encefálico, com perda de conhecimento, traumatismo do ombro direito, traumatismo da coxa direita.
60. Aquando do exame médico que deu origem ao relatório clínico supra referido, o autor apresentava o seguinte estado: queixas de rigidez dolorosa do ombro direito, não conseguindo elevar o braço além dos 90%; dores torácicas; dores ao nível da clavícula direita; sintomas compatíveis com síndrome pós-traumático; extensas cicatrizes de queimaduras, em ambas as mãos, particularmente na esquerda; mobilidade dolorosa do ombro direito, com rigidez significativa; massa ao nível da coxa direita com cerca de 2 cm de diâmetro, móvel sobre os planos profundos, identificável através da palpação.
61. O Dr. II, em relatório médico de 14.8.2007 considerou que "os elementos disponíveis permitem admitir o nexo da causalidade entre o traumatismo e o dano".
62. E consignou que examinou Rx da grelha costal direita, da clavícula direita e do ombro direito, datado de 13.12.2005.
63. O relatório de tal Rx de 13.12.2005, elaborado por médico do serviço de imagiologia geral do Hospital de Santa Maria (Lisboa) consigna o seguinte: fractura de pelo menos dois arcos costais superiores à direita; irregularidade do contorno da vertente inferior da cavidade glenoideia; alteração de tradução radiológica: 1/3 externo da clavícula, de difícil valorização; diástase com aspectos sugestivos de sub-luxação da articulação acrómio-clavicular; dados os aspectos acima descritos, sugere-se estudo de tomografia computorizada dirigida para melhor caracterização.
64. Actualmente, o autor mantém o quadro clínico referido supra, com os seguintes acrescentos: ao nível do ombro direito decorrente da fractura em locais diferentes, com deformação do osso, não consegue levantar o braço na totalidade, nem rodá-lo; ao nível da coxa direita, ficou com um desnivelamento de 1,5 cm pelo que claudica ao andar.
65. O autor sofreu profundíssimo choque emocional, ao ver morrer o seu melhor amigo carbonizado no incêndio, subsequente ao acidente, sem que nada pudesse fazer, e ao retirar a namorada do veículo, num estado de gravidade extrema.
66. Tal choque foi causa de profunda doença psiquiátrica, a qual motiva acompanhamento por médica psiquiatra do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e consultas de psicologia, no mesmo hospital, desde Dezembro de 2005 até hoje, o que ainda se mantém, com uma periodicidade semanal ou quinzenal, de acordo com as necessidades do paciente.
67. No dia 21 de Abril de 2009, a médica psiquiatra Dra. II, a qual acompanha o autor, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, desde Dezembro de 2005 até agora, elaborou relatório psiquiátrico, com o seguinte teor: "no momento o doente apresenta uma incapacidade do ponto de vista psiquiátrico -grau IV- por existirem sinais e sintomas que são compatíveis com o diagnóstico de perturbação depressiva grave, envolvendo uma regressão da personalidade com profunda modificação dos padrões do comportamento.
Assim: BB, de … anos de idade, natural de Lisboa e residente na ..., encontra-se em situação de baixa recorrente desde Outubro de 2005; sem antecedentes psiquiátricos até Outubro de 2005, altura em que, na sequência de acidente de viação grave, do qual resultaram perdas afectivas irreparáveis com a morte do melhor amigo, e lesões físicas irreversíveis, designadamente queimaduras dos membros superiores com particular incidência na região dorsal de ambas as mãos, desenvolve perturbação de stress pós-traumático com sintomatologia depressiva e ansiosa, marcadas; desde essa data refere tristeza, períodos de choro com sensação de perda do controlo, astenia, adinamia, perda de interesse para as actividades da vida diária; acompanhado de irritabilidade marcada, diminuição da capacidade de concentração e alteração do padrão de sono com predomínio de insónia intermédia; em acompanhamento, desde Dezembro de 2005, efectuou múltiplas consultas de psiquiatria e psicologia; como sintomatologia acompanhante, o doente apresentava períodos de fobia social, com isolamento no domicílio, que lhe foram conferindo progressivamente uma maior incapacidade para o desempenho da sua actividade profissional e das actividades da vida diária; foi referenciado para a consulta de psiquiatria do Hospital de Santa Maria em 6.12.2005; à data da primeira avaliação psiquiátrica apresentava humor depressivo, tristeza, culpabilidade, labilidade emocional, astenia, anorexia, anedonia, isolamento social, dificuldade de concentração e de memória, perda da auto-estima, sentimentos de desvalorização pessoal e desesperança; desde esta altura o doente foi medicado com ansiolíticos, antidepressivos e hipnóticos; apresentou ligeira melhoria do estado do humor e sobretudo do padrão de sono, mantendo no entanto sintomatologia depressiva grave. Todo este quadro lhe confere um aumento dos níveis de ansiedade com consequente dificuldade no controlo dos impulsos; neste momento o doente apresenta importante impacto psicológico da sua situação pós traumática, que lhe confere claramente não só uma perda importante da sua integridade física mas igualmente restrições sociais e profissionais vivenciadas como perdas significativas e devastadoras com as quais não é capaz de lidar; apresenta uma desadequação e deterioração do seu funcionamento psicológico e social. Com um discurso predominante de desvalorização, frustração e deseperança que tem interferido com a sua conduta social e familiar; existem alterações da capacidade de comunicação e relacionamento inter-pessoal, e das competências na vida pessoal e social. A capacidade de projectar o futuro está marcadamente diminuída; contribui certamente para modelar de forma negativa a evolução do quadro as características próprias da sua personalidade prémorbida, com baixa capacidade de tolerância à frustração e dificuldade de adaptação a situações imprevistas; dada a existência doença psiquiátrica com persistência da sintomatologia depressiva e ansiosa que tem modulado de forma negativa a evolução clínica não nos parece que o doente reúna no momento as condições para se manter no exercício da sua actividade profissional; a evolução crónica, as características da sua personalidade prévia não adaptativa que afectam de forma adversa a evolução clínica da doença, e o tempo de duração da sintomatologia psiquiátrica referida, fazem prever um prognóstico muito reservado, não se prevendo que haja recuperação total das suas capacidades mas sim uma limitação continuada que irá acompanhar a evolução do seu quadro clínico".
68. Decorrente do acidente, o autor ficou com pouca apetência para o sexo.
69. Ao contrário do que sucedia anteriormente ao acidente.
70. O autor BB ficou afectado de incapacidade permanente geral de 18 pontos, sendo 2 pontos (Mf 1202) e 16 pontos (Nb 1002).
71. À data do acidente o autor era saudável, com grande alegria de viver, sem propensão para depressões ou angústias existenciais.
72. Ao tempo do acidente o autor trabalhava para a empresa KK - …, Lda., com sede na Avenida …, …, Loja …, … -…LISBOA.
73. O autor tem contrato de trabalho sem termo com a empresa supra identificada, nela exercendo funções desde 12 de Agosto de 2004, com a categoria profissional de caixeiro de 3ª, auferindo a remuneração líquida mensal de € 547,00, acrescida da importância de € 53,80 a título de média das comissões, sendo a referida remuneração devida 14 meses por ano.
74. Para além dos montantes supra referidos, o autor auferia mensalmente abono para falhas, no valor de € 24,24, subsídio de turno, no valor de € 86,39, gratificações eventuais, no valor de € 100,00, subsídio de alimentação no valor de € 106,28, no mês de Julho de 2005 o autor recebeu da sua entidade patronal a título de vencimento, € 782,00 líquidos; no mês de Agosto de 2005 o autor recebeu da mesma entidade patronal, também a título de vencimento, € 804,66 líquidos; no mês de Setembro de 2005 o autor recebeu da sua entidade patronal ainda a título de vencimento, € 632,37 líquidos; no mês de Outubro de 2005 o autor recebeu da sua entidade patronal, a título de vencimento, € 760,84 líquidos.
75. Desde o momento do acidente até agora o autor esteve praticamente sempre de baixa clínica, decorrente da patologia psiquiátrica que o afecta, causada pelo mesmo acidente, mas as sequelas de que o autor ficou a padecer são, em termos de rebate profissional, compatíveis com a actividade profissional, mas exigindo esforço suplementar.
76. Desde 17 de Julho de 2008 que o autor, estando de baixa, não recebe o vencimento que auferiria, caso estivesse a trabalhar.
77. A doença do autor foi dolorosa, no grau 4, numa escala de 1 a 7.
78. O autor vê-se diminuído e limitado na sua evolução humana, o que inclui, também, naturalmente, a vertente profissional, sendo que o dano estético foi fixado no grau 3, numa escala até 7, de gravidade crescente.
79. O autor encara com muito cepticismo a sua vida futura, o que o angustia e deprime ainda mais, e o prejuízo de afirmação pessoal do autor foi fixado no grau 3, numa escala de 5 graus.
80. O Demandante “Instituto de Segurança Social, IP – Centro Distrital de Setúbal” pagou a BB, seu beneficiário, no período de 27 de Outubro de 2005 a 17 de Maio de 2006, e de 28 de Maio de 2006 a 26 de Agosto de 2006, a título de subsídio de doença, a quantia de € 4.098,08.
81. Realizou tal dispêndio por causa da doença provocada ao autor BB pelo acidente de viação descrito nos autos.
82. O veículo automóvel Audi com a matrícula -HGF não beneficiava à data do acidente de seguro válido e eficaz.
II.B. – De Direito.
II.B.1. – Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia – alínea e) do n.º 1 do Artigo 668.º do Código Processo Civil; alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º, do mesmo livro de leis - oposição dos fundamentos com a decisão; e alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º - falta de especificação dos fundamentos.
II.B.1.a) – Excesso de pronúncia – cfr. alínea e) do n.º 1 do Artigo 668.º do Código Processo Civil.
Das três nulidades com que acoima a decisão revidenda, o Fundo de Garantia Automóvel, incoa com excesso de pronúncia, por, segundo alega (sic), “[Conformados] os AA. com a decisão da 1.ª instância relativamente, por um lado (AA) à inexistência de condenação em juros, e por outro (BB) ao início da contagem de juros desde a data da sentença, estava vedado ao Tribunal da Relação, porque se não trata de questão de conhecimento oficioso, a condenação do FGA em juros de mora relativamente à AA e na alteração do dies a quo relativamente ao A. BB.”
No acórdão em que se pretendeu responder/justificar a inexistência de nulidades, ponderou-se que: “[Quanto] ao autor BB, manifestamente não tem razão, porque este logo nas conclusões de recurso pediu "lhe sejam atribuídos € 133.333,33 com juros à taxa supletiva legal, desde a notificação ao réu do pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento" - fls. 465 dos autos. A 1.ª instância havia condenado o FGA em juros e, se o autor não recorreu nesta parte, conformou-se com tal condenação, que a Relação apenas manteve.
Quanto à autora AA, embora esta não peça expressamente juros sobre as indemnizações que a 1.ª instância lhe fixou, considera-as insuficientes e pede uma indemnização de "pelo menos" € 1.000.000,00, acrescida de "pelo menos" € 400.000,00. Neste "pelo menos", devem entender-se contidos os juros que esta Relação fixou. Sabendo-se que os juros legais destinam-se apenas a repor o montante da indemnização em face da inflação, devem considerar-se como fazendo parte do pedido. Assim esta condenação em juros não vai além do pedido. Pelo que não houve aqui a referida nulidade de excesso de pronúncia.”
No voto de vencido lavrado, também neste acórdão, o relator originário, estimou que considerava que procedia a nulidade de excesso de pronúncia: “(na modalidade de excesso de condenação), porque o autor não pediu juros a partir da citação e a autora AA não pediu sequer a condenação do réu a pagar juros de mora, nem, aliás, a indemnização de, pelo menos, € 400.000,00 poder ser referenciada a um pedido de juros, porque expressamente pedida a título de danos não patrimoniais em conclusão da sua alegação de recurso, e, consequentemente, daria provimento à nulidade.”
Prévio á decisão do caso concreto, importará debuxar as linhas de orientação em que se movimenta a estruturação de uma decisão judicial.
Os actos judiciais cumprem no processo uma função pré-estabelecida e estão pré-ordenados à consecução de um determinado resultado, a saber a emissão de uma pronúncia, por parte de um órgão jurisdicional, de uma decisão que se possa impor na ordem jurídica com a força e autoridade a todos os que estejam envolvidos no dissídio de direito levado a tribunal para solução. Porém, a decisão que num procedimento judicial venha a ser proferida deve conter-se dentro dos limites do direito rogado e em congruência com os factos alegados e as provas aportadas pelas partes. [[2]]
A congruência de uma decisão – princípio adoptado de forma expressa no ordenamento jurídico processual espanhol (cfr. artigo 218.º da Lei de Enjuiciamento Civil) – enquanto princípio referente ao desenvolvimento do processo, expressa os limites do juízo jurisdicional, isto é, o âmbito que se deve alcançar e que a sentença não deve ultrapassar, fundamentalmente no aspecto do pronunciamento do veredicto, mas também no intelectual e lógico (fundamentos da decisão). O mencionado principio, que no ordenamento jurídico processual indígena colhe assento nos artigos 264.º e 661.º do Código Processo Civil, desdobra-se em três vertentes ou assume-se como polarizador de três proposições paradigmáticas, a saber: adequação da sentença às pretensões das partes, de maneira que aquela dê arrimada resposta a todas estas; correlação entre as petições de tutela e os pronunciamentos da decisão; harmonia entre o solicitado e o decidido.
A congruência de uma sentença atina com uma qualidade que se refere, não à relação entre si das distintas partes e elementos da sentença, mas sim à relação da sentença com a pretensão dos litigantes. Uma sentença é congruente na medida em que decide na coerência interna do processo e é incongruente, ainda que revelando coerência na sua argumentação lógico-racional, se se afasta da estrutura performativa que resulta ou decorre da composição de interesses postos em tela de juízo na causa.
Podem ocorrer incongruências quando na sentença deixam de se fazer declarações que as pretensões exigem ou omitem declarações ou decisões sobre pontos litigiosos. A doutrina alemã e austríaca falam, neste caso, no chamado “instituto do procedimento da integração”. Neste caso, se ocorre omissão de pronúncia não existe violação do princípio da congruência ou seja que a sentença não deve taxar-se de incongruente. Do que se trata é de uma sentença incompleta e o que haverá é que completá-la, mediante petição da parte. Segundo uma corrente chamar-se-ia a este vício “incongruência omissiva”, em violação do que se chama princípio da exaustividade.
A regra ou princípio da incongruência ou incoerência, que, itera-se, deve cumprir-se entre as alegações de facto, não se aplica relativamente às alegações de direito da acção ou da contestação, já que pode ocorrer divergência e desconformidade entre estas alegações e a decisão, por o tribunal não estar sujeito e vinculado às alegações jurídicas ou indicações normativas que as partes forneçam. Na verdade o tribunal está vinculado ao fundamento, não pela fundamentação, e a fundamentação inclui não só a forma de apresentar os argumentos, mas também os concretos elementos jurídicos aduzidos: os preceitos legais e os princípios jurídicos citados e o entendimento que deles as partes fazem. Consubstancia-se neste procedimento a regra “iura novit curia” – o tribunal conhece do direito e isto porque o direito não tem que ser provado; o tribunal pode e deve aplicar o direito que conhece como estime mais acertado, desde que se atenha á causa de pedir, que dizer, ao genuíno fundamento – não à fundamentação – da pretensão. O pressuposto da correcta aplicação da regra “iura novit curia” é dupla: 1.º que o tribunal respeite, na sua essência a causa petendi da pretensão do litigante; 2.º que os demais litigantes tenham podido, do mesmo passo que o tribunal, conhecer e afrontar esse genuíno fundamento da pretensão, o que equivale à observância dos princípios da igualdade das partes e da audiência ou do contraditório.
A lei delineia e modela a estrutura da sentença – cfr. artigo 659.º do Código Processo Civil - pontuando as partes em que se estrutura e as questões que deve apreciar e decidir. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de ervar o acto de nulidade.
Concretamente apela a recorrente para os vícios contidos na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código Processo Civil que, preceitua é nula a decisão: “d) quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art. 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito [[3]]. O dever imposto no art. 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado [[4]]. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito [[5]]. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos [[6]] – embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes [[7]] –, de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.”
Como se alcança do razoado, as decisões devem conter-se dentro dos limites do direito rogado ou pedido e conhecer de todas as questões (substantivas e/ou Adjectivas) que as partes entenderam suscitar ao tribunal para reconhecimento do direito para que pedem/rogam tutela jurídica.
Esta regra de cognoscibilidade percute-se e configura-se em todas as decisões que hajam de ser prolatadas ao longo do procedimento, pois o juiz está confinado ou lindado pelas questões alegadas pelas partes, a menos que, para cabal exercício da função jurisdicional, tal como a lei lhe impõe, haja de tomar conhecimento de questões adjectivas e funcionais que entornem e devam condicionar a cognoscibilidade da questão axial.
Assim é que nos recursos, a lei comanda que a cognoscibilidade do tribunal se linde às questões que o recorrente e/ou o recorrido, no caso de ampliação do âmbito do recurso – cfr. artigo 636.º do Código Processo Civil -, lhe coloque.
No caso em apreço, nem o recorrente, BB, nem a recorrente; AA, desfeitearam, por via do recursos com que pretenderam impugnar o julgado de primeira (1.ª) instância, o primeiro o momento temporal a partir do qual os juros que peticionou, e a segunda, a não condenação em juros.
A condenação em juros não pode ser, ao contrário do que é tildado na resposta à arguição de nulidade, extrair-se do contexto performativo em que a recorrente pretendeu enformar, adindo, o montante que julga dever ser o justo para indemnização das lesões e sofrimento que teve e terá de suportar em causa do sinistro que a vitimou. A extrapolação desenhada pelo acórdão é abusiva e excedente, colocando-o na linha de mira da nulidade com que é acoimado.
Do mesmo passo é esdruxula a interpretação ensaiada para justificar a alteração do momento a dies a partir do qual os juros devem ser contados, no caso do recorrente, BB. Nas respectivas alegações o recorrente limita-se a pedir a condenação em quantia superior à que lhe havia sido atribuída na decisão da primeira (1.ª) instância, sem, contudo, impugnar ou questionar o momento a partir do qual os juros deveriam ser contabilizados.
Também neste particular a decisão ora posta em crise se desquiciou do peticionado no conspecto recursivo, pelo que a sua sorte será a nulidade.
Porém, nos termos do artigo 684.º do Código Processo Civil, ocorrendo alguma das nulidades contidas nas alíneas c) e e) segunda parte da alínea d) do n.º 1, o Supremo Tribunal de Justiça deverá suprir a nulidade, operando a revista como factor de purgativo, ou de expunção, da decisão írrita.
A seu tempo se procederá á recomposição/reposição da validade do julgamento.
II.B.1.b) – Oposição/Contradição entre a fundamentação e a decisão – cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código Processo Civil.
O recorrente, BB, faz derivar a alegada nulidade do aresto da existência de uma pretensa antinomia entre a verificação da nacionalidade, dos lesados e do agente, portuguesa, do facto donde a emerge a responsabilidade extracontratual e decorrente obrigação de indemnizar bem como da ocasionalidade da estadia (de todos os intervenientes) em território do Reino de Espanha e a aplicação, feita no acórdão, da legislação para atribuição da indemnização (espanhola). A regularidade lógica do razoamento imporia que tendo-se verificado a nacionalidade (portuguesa) do agente e dos lesados e a sua ocasionalidade em território do reino de Espanha, a conclusão, lidima e acertada, deveria ter sido, na aplicação dos critérios e regras de atribuição da indemnização, o uso da legislação portuguesa.
No acórdão de pronúncia sobre esta morbidade processual, estimou-se que não ocorria a maleita apontada ao aresto, porque (sic): “[A] regra geral é esta: a lei aplicável é a do Estado onde ocorreu a principal actividade causadora do prejuízo (art. 45.1, CC). Mas há uma excepção com duas alternativas: (1) ou que o agente e o lesado tenham a mesma nacionalidade e se encontrem ocas1onalmente no estrangeiro; (2) ou, não tendo a mesma nacionalidade, que o agente e o lesado tenham a mesma residência habitual e se encontrem ocasionalmente no estrangeiro.
Em ambos os casos, para ser aplicável a lei portuguesa, para funcionar a excepção, era preciso que o agente e o lesado se encontrassem ocasionalmente no estrangeiro. Ora, nada se apurou a este respeito. Assim, não funciona a excepção.”
Em voto de vencido, o relator originário, ponderou, no entanto, discordar (sic): “(…) da fundamentação da decisão no argumento de que não se apurou que o agente e o lesado se encontrassem ocasionalmente no estrangeiro porque os autos revelam inequivocamente que os ocupantes do automóvel estavam de passagem por Espanha e, logo, essa ocasional idade que, aliás, nunca foi discutida pelas partes certamente conformes com a menção constante a fls. 11 do apenso do procedimento cautelar.”
A sentença não se constitui como um silogismo, [[8]] no sentido de uma operação de logicidade subjectivo-formal, mas antes como uma operação de coerência racional intrínseca na argumentação que desenvolve, no sentido de configurar um resultado em que o conteúdo de sentido se prefigure compatível com os termos da enunciação dos problemas a resolver. A sentença constitui um momento de solução de um caso, em que para além das soluções fácticas já encontradas importa encontrar o sentido normativo para a factologia sedimentada. [[9]]
Daí que para além dos pressupostos de facto em que a decisão tem que assentar, a sentença deva apresentar uma coerência ou uma compatibilidade, não só semântica ou formal, mas, principalmente, material entre o que ficou adquirido, no plano fáctico, com aquilo que o tribunal deve argumentar, num plano discursivo, para constituir uma peça em que o conjunto do teor argumentativo se mostre compatível e inteligível com a realidade (fáctica) descrita e conseguida apurar no conspecto endoprocessual. [[10]] Os argumentos devem apresentar-se organizados e configurados segundo critérios de coerência racional e lógica, como forma de se figurarem válidos e prestáveis para a conclusão que pretendem impor.
Para que ocorra uma contradição entre um enunciado ou pressuposto de facto e uma conclusão (decisória) avulta como decisivo que o razoamento ou o raciocínio dedutivo se revele antinómico ou adverso na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material. Vale por dizer que numa operação de argumentação lógica os pressupostos de facto (supostamente válidos) contradizem ou conformam um sentido de razão oposto ao que se inferiu no epítome conclusivo. Existe, assim, uma inconciliabilidade ou incongruência intrínseca e lógico-material entre o que foi enunciado como pressuposto (fáctico) da decisão e a desinência normativa obtida.
A antinomia de razoamento que se conclui numa divergência lógico-narrativa da decisão surpreende-se na contraposição das premissas enformadoras do composto formador da estrutura funcional da decisão quando de uma afirmação de sentido positivo se extrai uma conclusão de sentido performativo oposto ou pelo menos não concordante na sua inferência lógico-racional.
Para a situação em tela de juízo, o que ocorre não será uma contradição lógico-racional e de divergente formulação dos termos do razoamento operado, mas sim uma enviesada e não ajustada inferência interpretativa do suposto de norma aplicável. Na verdade, no contexto da decisão, o julgador dessumiu que não operava a excepção do n.º 3 do artigo 45.º do Código Civil, por deceder a ocasionalidade da estadia em território do reino de Espanha.
Com se explicita na decisão que intentou responder às alanceadas nulidades, o tribunal recorrido estimou que não se tinha provado que o agente e os lesados estivessem em trânsito por território do reino espanhol, pelo que soçobrava um dos precedentes normativos que o ordenamento jurídico português faz depender a aplicação da legislação portuguesa aos casos de responsabilidade extracontratual por evento ou factos danosos ocorridos em território não pátrio.
A divergente interpretação não se configura como uma nulidade, no sentido de incongruência de sentido lógico-argumentativo, mas sim como uma inferência lógico-interpretativa de uma factologia que serviu de base ao raciocínio formativo da decisão.
II.B.1.c) – Falta de Fundamentação – cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º, ex vi dos artigos 666.º e 679.º, do Código Processo Civil.
Acoima, o recorrente, Fundo de Garantia Automóvel, de nulo o aresto revidendo, por (sic): “[Estando] o julgador obrigado a aplicar a tabela decorrente do Baremo, já que em Espanha essa aplicação é obrigatória e o juiz português, julgando sob a lei espanhola, tem de a respeitar, ocorre nulidade por falta de fundamentação, nos termos do art. 668.º do C.P.C, e enriquecimento (art. _) a atribuição à lesada de uma quantia extra de 472.500,00 a título de danos patrimoniais.”
Na resposta – cfr. fls. 883 a 885 – ponderou-se que: “[o] acórdão fundamenta detalhadamente a decisão, e o que sucede é que o recorrente não concorda. Pode manifestar a sua discordância, mas não dizer que ela não está fundamentada.”
A necessidade da motivação da decisão de facto ou de direito ancora no ajuizamento racional da actividade probatória e na obrigação de o juiz ter de expor os motivos ou razões por que considerou demonstrado um determinado enunciado fáctico, ou no dizer do autor que temos vindo a seguir “[o] juiz está obrigado a racionalizar o fundamento da decisão articulando os argumentos (as «boas razões») em função das quais aquela pode resultar justificada: a motivação é, então, um discurso justificativo constituído por argumentos racionais.” [[11]]
A motivação é informado ou perpassada por um princípio basilar, qual seja o da completude. Finca-se este princípio na necessidade de uma justificação cabal de todas as razões que determinaram a valoração (lógico-racional), tanto de facto como de direito, em que o Juiz se escorou para conferir determinada opção ou eleição decisória.
No ensino de Michele Taruffo o princípio da completude comporta duas implicações. “[A] primeira implicação é que a motivação completa deve incluir tanto a chamada justificação interna, que atende à conexão lógica entre premissas de Direito e premissa de facto (a chamada subsunção do facto à norma) que sustenta a decisão final, como a justificação externa, quer dizer, a justificação das eleições das premissas das quais deriva a decisão final. A justificação externa da premissa de facto da decisão concerne às razões pelas quais o juiz reconstruiu e determinou de uma dada maneira os factos da causa: estas razões referem-se, essencialmente, às provas das quais o juiz se serviu para decidir acerca da verdade ou falsidade dos factos.” [[12]]
No entanto, como adverte este autor, torna-se necessário eliminar um equívoco, consistente em considerar que a motivação é uma espécie de registo do razoamento que o juiz desenvolveu para chegar à decisão. “[Pelo] que respeita à motivação do juízo de facto, a motivação seria então uma espécie de narrativa (recuento) do que o juiz havia pensado ao praticar as provas, ao valorá-las e ao derivar delas a decisão final. Trata-se de uma concepção errada: há que distinguir entre o razoamento com que o juiz chegou a uma decisão e o razoamento com que o juiz a justifica. O primeiro razoamento tem um carácter heurístico, procede por hipóteses verificadas e falseadas, inclui inferências abdutivas e articula-se numa sequência de eleições até à eleição final sobre a verdade ou falsidade dos factos. A motivação da decisão consiste num razoamento justificado que - por assim dizer - pressupõe a decisão e está dirigida a mostrar que há «boas razões» e argumentos logicamente correctos, para a considerar válida e aceitável. Naturalmente, pode suceder que haja pontos de contacto entre as duas fases do razoamento do Juiz: o juiz que sabe que deve motivar estará induzido a razoar correctamente ainda quando está valorando as provas e formulando a decisão. O mesmo juiz ao redactar a motivação, poderá completar argumentos e inferências que formulou ao valorar as provas e ao configurar a decisão final. Isto não demonstra, sem embargo, que as duas fases de razoamento do juiz tenham a mesma estrutura e a mesma função, nem muito menos que uma possa considerar-se como uma espécie de reprodução da outra,” [[13]/[14]]
O tribunal quando procede à reapreciação da decisão de facto deve motivar a sua decisão, dado que esta exigência constitucional realiza uma das funções determinantes da acção jurisdicional na legitimação interna e externa do processo. [[15]]
Entre os aspectos determinantes da função extraprocessual da motivação, Michele Taruffo assinala a instrumentalidade que caracteriza a obrigação constitucional da motivação “[c]om respeito às garantias fundamentais relativas à administração da Justiça: é mediante a motivação, com efeito, que se torna possível controlar se em cada caso se cumpriram efectivamente princípios como o da legalidade ou os atinentes ao “devido processo”. “Outro aspecto relevante de la función de la motivación, que está en el fundamento de su obligatoriedad, es que induce al juez a demostrar, justificando su decisión, que hay razones válidas para considerar la decisión misma como coherente con el sistema jurídico en el que se inserta. En este sentido, la motivación desarrolla una función de legitimación de la decisión, em cuanto muestra que responde a critérios que guían el ordenamiento y gobieman la muestra la actividad del juez”. [[16]]
Discorrendo sobre a natureza da motivação este autor assevera que não será correcta a ideia que parece querer impor-se de que o juiz deveria reproduzir o percurso lógico e psicológico da decisão que tomou “[a] a decisão estaria motivada sobre a base de uma espécie de explicação, quer dizer sobre a base de momentos e passagens mediante os quais a decisão se foi formando na mente do juiz”. “Este modo de entender la motivación como un discurso que desenhe la formación de la decisión está bastante difundido pero es impropio y está sustancialmente equivocado por varias razones que se pueden indicar sinteticamente.” [[17]] A primeira é que a psicologia da decisão e a estrutura da sentença não são coisas qualitativamente diferentes e deve ser evitada a confusão entre elas. Por outro lado parece obvio a impossibilidade de para o juiz de redactar uma espécie de registo ou reconto das suas próprrias passagens mentais para explicar como chegou á decisão: “[e]l procedimiento mental deI juez se desarrolla em vários momentos en el curso del proceso, y sóIo aI flnal lleva a cabo la decisión final.” “Em otros términos lo que se exige al juez cuando se Ie impone la obligación de motivación, es suministrar una justificación racional de su decisión és decir, desarrollar un conjunto de argumentaciones que hagan que su decisión resulte justificada sobre la base de critérios y estándares intersubjetivos de razonamiento. Si se acoge, como parece necesario, la concepción «legalracional» de la justicia, em los términos que han sido establecidos claramente por ejemplo, por Jerzy WROBLEWSKI con referencia a ordenamientos que – como el nuestro – están marcados por el principio de la legalidad, resulta evidente que la motivación de la sentencia consiste precisamente em um discurso justificativo en el que el juez enuncia y desarrolla las «buenas razones» que fundamentan la legitimidad e la racionalidad de la decisón”. [[18]]
Arrancando destes ensinamentos, o juiz que reaprecia a prova, em via de recurso, deve “[S]iempre y cuando eI juez haya motivado su razonamiento probatório, el juez ad quem podrá revisar las declaraciones prestadas por los sujetos del proceso, y comprobar que efectivamente eran coherentes, estaban corroboradas, contextualizadas y no contenían detalles oportunistas, siempre que cada uno de esos aspectos sea relevante en el caso concreto, […] El juez de apelación, finalmente, puede hacer algo más que descubrir los errores en el razonamiento probatório de la forma indicada. También puede, a raiz del descubrimiento de dichos errores, valorar conjuntamente toda la prueba practicada y extraer una versión diferente a la afirmada por el juez a quo.” [[19]/[20]]
Na posse destes instrumentos justificadores da necessidade de motivação das decisões judiciais, tanto no plano da motivação da decisão de facto, como da de direito, afigura-se-nos que a motivação de direito, atabalhoada, enxertada e encavalitada na motivação da decisão da primeira (1.ª) instância, e quiçá na que havia sido formulada no acórdão do primevo relator, exsurge como um exercício pífio de incorrecta estruturação de uma decisão. No entanto, não transparece uma ausência (total, completa ou absoluta) de fundamentação – essa sim ilaqueadora de uma decisão válida –, mas uma fundamentação deficiente, acrática e errática que podendo ser crismada de inadequada não poderá ser taxada de ausente.
Só a total falta de fundamentação induz a nulidade por falta de fundamentação.
No caso em tela de juízo, a fundamentação é presente, a coerência e concordância com um razoamento ajustado é deficiente.
Porque assim, não se patenteia a esgrimida nulidade, pelo que se desatende.
II.B.2. - Aplicação das regras de indemnização decorrentes do ordenamento jurídico espanhol ou português.
Mantêm, os recorrentes, neste recurso, a problemática/dissidência quanto à aferição/apuramento da legislação aplicável ao caso.
Para os recorrentes/lesados a legislação aplicável deveria ser a portuguesa, dado que, tanto o agente como os lesados possuem nacionalidade portuguesa, e estavam ocasionalmente em território do reino espanhol. Já o recorrente, Fundo garantia Automóvel, estima que a legislação aplicável deve ser a espanhola, como decidiu o aresto revidendo.
Para compreensão dos contornos da questão importa recensear a matéria de facto adrede.
O acidente que ocasionou a lesão do direito à integridade física dos lesados ocorreu em território do Reino de Espanha – algures entre as cidades de Salamanca e Gijón.
Os lesados são de nacionalidade portuguesa – veio a comprovar-se que o condutor do veículo, embora exibindo este matrícula de registo inglês – possuía, igualmente, nacionalidade portuguesa.
O acidente ocorreu quando os lesados se encontravam em trânsito pelo território do Reino espanhol, sendo a sua estadia neste reino, tão só, pelo estrito tempo de travessia do território – o que se depreende, lógico-naturalmente, da afirmação de facto exarada no ponto 1. da decisão de facto.
A questão, tal como equacionada pelos recorrentes, discrepa entre a aplicabilidade da legislação espanhola para indemnização de vítimas/lesados em acidente de viação ou, ao invés, pela legislação indígena.
No enquadramento jurídico da questão, permitimo-nos, data vénia, lançar mão de um recente aresto, desta secção, relatado pelo Conselheiro Martins de Sousa, e em que o aqui relator interveio com 1.º adjunto. [[21]]
Escreveu-se no mencionado aresto, com a subscrição que ora se reitera, que (sic):”[está] assente que a norma de conflitos aplicável à responsabilidade extracontratual emergente do acidente de viação ocorrido em Espanha, porque põe em confronto diversas ordens jurídicas, é a que consta do art. 45.º do CC.
Este dispositivo legal, inserido no Capítulo III – “Direito dos estrangeiros e conflitos de leis” –, Secção II – “Normas de conflitos” –, do Código Civil, titulado “Responsabilidade extracontratual”, dispõe:
“1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo; em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido.
2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.
3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas”.
Antes de mais, importa efectuar a indispensável exegese dos normativos legais vertidos neste preceito.
A interpretação do conceito de responsabilidade civil extracontratual deve situar-se, em primeiro lugar, no círculo do art. 483.º e seguintes do CC, quer se funde num acto ilícito – acção ou omissão –, quer se apoie no risco, quer decorra de uma conduta lícita.
Feita essa interpretação e correspectiva subsunção jurídica, o n.º 1 do art. 45.º do CC estabelece a regra geral que manda submeter a responsabilidade extracontratual – repete-se, fundada quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita – à lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo ou, no caso de omissão, onde ela devia ter sido exercida – lex loci.
No n.º 2 deste preceito, todavia, logo se consagra a primeira excepção àquela regra, fixando como lei competente a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo – lugar da lesão –, para aquelas hipóteses em que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos:
a) a lei do lugar onde se produziu o efeito lesivo considera o agente responsável, ao passo que a lei do lugar da conduta o não considera tal;
b) o agente devia prever a produção de um dano naquele primeiro lugar, como consequência do seu acto ou omissão.
Para efeitos do art. 45.º, n.º 2, do CC, serão o lugar e o momento da lesão – do interesse ou bem jurídico tutelado – que estabelecem o direito aplicável e não o lugar do dano, posto que o efeito lesivo pode registar-se num Estado diverso daquele em que decorreu a actividade causadora do efeito.
Acompanhando Luís de Lima Pinheiro: “A norma de conflitos contida nos n.ºs 1 e 2 do art. 45.º representa uma conjugação do critério do lugar do delito, que é a tradicional nesta matéria, com o critério do lugar dos efeitos. Esta conjugação é feita segundo a ideia de alternatividade, de aplicação da lei mais favorável ao lesado. Mas não é uma pura conexão alternativa. Em princípio aplica-se a lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo. Só se esta não considerar o agente responsável é que caberá examinar se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo dá solução diferente. O lugar onde se produz o efeito lesivo é aquele em é lesado o bem jurídico protegido e não aquele em que se produz o dano”.
O n.º 3 do art. 45.º do CC, por último, consagra a segunda excepção à regra geral, quando o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta de nacionalidade comum, a mesma residência habitual, e se encontrarem ambos ocasionalmente em país estrangeiro. Nessas circunstâncias a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum – lex communis –, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas.
Revertendo ao caso concreto em avaliação, temos que, tendo o acidente rodoviário acontecido em território espanhol, a não ser que se suscite alguma das excepções contempladas nos n.ºs 2 ou 3 do indicado art. 45.º do CC, é aplicável a lei espanhola – lex loci –, porquanto, como se explicou, em sede de responsabilidade extracontratual a regra é o elemento de conexão internacionalmente relevante determinar-se em função do facto jurídico que dá causa aos danos, sendo aplicável o ordenamento jurídico do Estado onde se desenvolveu a principal actividade causadora do prejuízo.”
E mais adiante escreveu-se: ”[Alcança-se], desde logo, que a situação equacionada não está salvaguardada no âmbito da primeira das excepções, prevista no n.º 2 do art. 45.º do CC, já que, como acertadamente se referiu na sentença em recurso, a lei vigente em Espanha – quer a lei civil, consagrada no art. 1902.º do Código Civil Espanhol (CCE) [“El que por acción u omisión causa daño a otro, interviniendo culpa o negligencia, está obligado a reparar el daño causado”], quer a lei penal (v.g., arts. 147.º e 152.º do Código Penal Espanhol) –, tal como acontece com a legislação vigente em Portugal, consideram o agente como responsável pelos danos causados.
Portanto, a referida excepção só ocorreria acaso a lei vigorante em Espanha não considerasse responsáveis os agentes, circunstância que não se regista.
(…) Para que se verifique a excepção prevista neste normativo – n.º 3 do artigo 45.º do Código Civil) -, (…) terão de estar concomitantemente reunidos os seguintes pressupostos:
a) o agente e o lesado terem a mesma nacionalidade, ou na falta dela, a mesma residência habitual;
b) encontrarem-se ambos ocasionalmente em país estrangeiro.
Nesse circunstancialismo, reitera-se, a lei aplicável será a lex communis.
Louvando-nos nas palavras de Nuno Reis: “Em primeiro lugar, esta opção do legislador assenta na consideração de que o lugar do facto tem aqui uma relação acidental com a situação em causa e que a lei com conexão mais estreita e que melhor corresponderia às expectativas das partes será a lei da nacionalidade ou residência comum. Por outro lado, esta é a solução mais conforme à função essencialmente ressarcitória da responsabilidade civil, ao fazer relevar a lei do país em que o lesado tem o seu «centro de vida»”.
Baptista Machado, refere-se ao conceito de presença ocasional em país estrangeiro, salientando que se trata das situações em que o agente e o lesado se encontram ambos “ocasionalmente, isto é, de passagem ou transitoriamente, no país onde a conduta lesiva teve lugar” e acrescenta “pressupõe-se que, nestes casos, tudo se passando entre membros da mesma comunidade estrangeira que só de passagem se encontram no país da conduta, estará mais indicado e será mais justo sujeitá-los à lei pessoal comum” (excepção feita, como antes se disse, às regras técnicas e de segurança do Estado local).
A hipótese versada neste segmento normativo é ilustrada pelo mencionado autor com os seguintes exemplos concretos: “A disposição do art. 45.º, n.º 3, quadra particularmente bem às hipóteses de excursões e viagens de negócios feitas em comum a um país estrangeiro, ou aos casos de transporte amigável oferecido a um conterrâneo para um passeio ou umas férias em país estrangeiro. Mas aplica-se também às hipóteses em que o encontro em país estrangeiro é puramente casual: por ex., à colisão entre veículos de dois franceses, verificada no nosso país. Assim, também (…) à responsabilidade por acidentes de viação verificados no estrangeiro, sendo, o lesante e o lesado, portugueses em gozo de férias ou em viagem em país estrangeiro; etc., aplica-se a lei portuguesa”.
A matéria de facto apurada, em nosso juízo, inculca a ideia de que os lesados se encontravam ocasionalmente em território do reino de Espanha – iam em direcção a Inglaterra – e que, os mesmos detinham nacionalidade portuguesa. Com este quadro factual, e retirando a lição do acórdão citado, funciona no caso a excepção do n.º 3 do artigo 45.º do Código Civil, pelo que a legislação aplicável, para efeitos de atribuição/quantificação da indemnização, é a nacional.
Estando comprovada a falta de contrato de seguro que permitisse a cobertura dos danos ocorridos pela circulação do veículo com a matrícula -HGF, foi chamado à responsabilidade pelo pagamento da indemnização pelos danos corporais sofridos no acidente por banda dos autores, o demandado, Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do artigo 53.º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro. [[22]]
Ainda que sendo aplicável o direito nacional para efeitos de indemnização, não estando o veiculo em que os demandantes seguiam coberto por contrato de seguro válido, o que avaliza a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel, os valores/quantitativos da “indemnização será paga nos termos e limites em que tenha ocorrido a transposição do artigo 1.º da Directiva n.º 84/5/CEE, do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, pelo Estado membro onde ocorreu o sinistro.” – artigo 53.º, n.º 3do citado diploma legal.
A dissidência patenteada no acórdão que fez vencimento e o voto de vencido centra-se em que para os subscritores do acórdão a legislação aplicável deverá ser a Ley de Responsabilidad Civil y Seguro en la Circulación de Vehícuos a Motor – Ley n.º 8/2004, publicada no BOE n.º 267, de 5 de Noviembre de 2004 (LRCSCVM) [[23]] – enquanto que para o primevo relator – vencido e com voto anexo ao acórdão – a legislação aplicável deveria ser a Ley 30/1995, de 8 de Noviembre (disposición adicional octava), que se destinou a regular os seguros privados – derrogatória da Ley de Responsabilidad Civil y Seguros en la Circulación de Vehículos a Motor aprovada pelo Decreto 632/19968, de 21 de Marzo, que por sua vez havia substituído a Ley 122/162, de 24 de Deciembre – que viria a ser regulamentada pelo Reglamento sobre la Responsabildad Civil y Seguros en la Circulación de Vehículos a Motor (Real Decreto n.º 7/2001, publicado no BOE n.º 12, de 13 enero de 2001.
A Lei n.º 8/2004, de 5 de Novembro – entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação no boletim oficial – na sua norma derrogatória não revoga expressamente o Regulamento n.º 7/2001, de 12 de Janeiro. (Este regulamento viria a ser modificado pelo Real Decreto n.º 299/2004, de 24 de Fevereiro (BOE n.º 47, de 24 febrero de 2004) e derrogado pelo Real Decreto n.º 1507/2008, de 13 de Setembro de 2008 (BOE n.º 222, de 12 septiembre) – Reglamento del seguro obligatorio de respnsabilidad civil en la circuclación de vehículos a motor).
A lei quadro que regulava a responsabilidade civil por danos causados ou ocasionados pela circulação de veículos a motor no momento em que ocorreu o sinistro gerador da responsabilidade de indemnizar a cargo do responsável pela causação do acidente de viação, era a Ley n.º 8/2004, de 5 de Novembro, que, por seu turno, havia derrogado os Decretos n.º 632/1968, de 21 de Março – Ley sobre Responsabilidad civil y Seguro en la circulación de Vehículos a Motor - e a disposição adicional oitava da Ley 30/1995, de 8 de Novembro, de ordenação e supervisão dos seguros privados.
O regulamento 7/2001, de 12 de Janeiro encontrava-se em vigor para estabelecimento e fixação dos limites máximos do seguro obrigatório, sem, no entanto, interferir nos critérios e regras na disposição adicional oitava da Ley 30/1995, de 8 de Novembro – Ley de Responsabilidad civil y seguro en. La circulación de Vehículos a Motor (LRCSCVM). [[24]]
Extrai-se do que fica dito que as regras para indemnização pelos “[daños y perjuicios causados a las personas comprensivos del valor de la pérdida sufrida y de la ganancia que hayan dejado de obtener, previstos, previsibles ou que conocidamente se deriven del hacho generador, incluendo los daños morales se quantificarán en todo caso com arreglo a los critérios e dentro de los limites indemnizatórios jijados en el anexo de esta ley.” – cfr. n.º 2 do artigo 1.º do Real Decreto Legislativo n.º 8/2004, de 29 de Outubro.
O artigo 4.º da citada Ley n.º 8/2004, de 29 de Outubro, que impõe os limites e estabelece o âmbito territorial da não afasta as regras de indemnização, antes, prescreve, na segunda parte do n.º 2 do artigo 4.º que “[para] fixar a quantia da indemnização com referência ao seguro de subscrição obrigatória pelos danos causados às pessoas, o seu valor (importe) determinar-se-á com arrimo ao disposto no apartado 2 do artigo 1. Se a quantia assim fixada resultar superior ao valor (importe) máximo da cobertura do asseguramento (seguro) obrigatório, se satisfará com referência ao citado seguro obrigatório, o dito valor (importe) máximo, e o resto até ao montante total da indemnização quedará a cargo do seguro voluntário ou do responsável do sinistro, segundo proceda.” (tradução nossa).
Como se alcança do inciso transcrito, a referência aos limites da cobertura do seguro não afasta a regra geral de indemnização fixada no apartado 2 do artigo1., antes a reafirma pondo a tónica na satisfação da reparação pelos limites da cobertura do seguro obrigatório, mas sem derrogar as regras imperativas contidas no apartado 2 do artigo 1..
Isto mesmo se tem de depreender da decisão do Tribunal Constitucional espanhol que coloca como inafastável e irremível a dimensão da tutela efectiva e suficiente dos bens da vida e da integridade física, bens como dos bens patrimoniais que hajam sido objecto de lesão num sinistro automóvel.
Nem, parece-nos, poderia ser de outra forma. Não faria sentido que um lesado num acidente de viação fosse prejudicado na quantificação da indemnização, apurada segundo a concreta valoração e prova do caso, por danos na esfera dos direitos à vida, da integridade física e psicofísica e moral, ocorrendo o caso de o causador do acidente não ter seguro obrigatório, posto em confronto com um outro cuja indemnização tivesse que ser suportada por um lesante com seguro obrigatório.
Em ambos casos – tanto no caso de o lesante ser detentor de seguro obrigatório como de estar carente desse mecanismo de asseguramento de indemnização – as regras de indemnização são aferidas pelas regras estabelecidas na lei que rege para a responsabilidade civil de circulação de veículos a motor. A entidade ou entidades que devem suportar a indemnização que ao caso concreto couber assegurarão a indemnização até ao limite do seguro obrigatório, devendo o restante ser suportado pelo seguro voluntário ou pelo responsável directo e causante do sinistro.
A questão poder-se-á colocar para os casos em que a entidade que tem de suportar a indemnização não é uma seguradora mas o organismo subsidiário, ou seja aquele que só intervém nos casos em que não seja possível apurar o responsável pelo sinistro ou em que o responsável não possua seguro que assegure a indemnização.
Neste caso, pensamos, o lesado não pode ser mermado no seu direito a uma indemnização justa e adequada, ou seja conforme aos critérios e regras contidas nos dispositivos adrede (no caso de acordo com as tabelas anexas a lei n.º 8/2004, de 29 de Outubro). Esta asserção não pode ser afastada ou infirmada pelo facto de se tratar de um organismo de garantia que actua segundo regras e limites estabelecidos legalmente.
Perguntar-se-á, legitimamente, se o organismo de garantia (Fundo de Garantia Automóvel) for obrigado a pagar para além do limite do seguro, então estará a ser vulnerada uma regra de igualdade ou de paragonagem relativamente às seguradoras, que só respondem até ao limite do seguro, devendo o valor sobrante da indemnização, ou seja aquele que exceder a cobertura do seguro obrigatório, ser assegurado perlo seguro voluntário ou pelo próprio responsável pelo acidente. Ao obrigar o organismo de garantia a assegurar toda a indemnização estar-se-ia a discriminar e penalizar este organismo relativamente a idêntica situação com as seguradoras. Para situações iguais adoptar-se-iam critérios e modos de tratamento diversos o que vulneraria um princípio basilar de igualdade.
Estar-se-ia perante um conflito de interesses. Por um lado o direito dos lesados a uma indemnização justa, adequada e suficiente e por outro uma diversidade de tratamento das entidades que, eventualmente, sejam chamadas a satisfazer a indemnização, com uma entidade, de natureza público-social, a poder ser penalizada, se for condenado a prestar/pagar uma indemnização de valor superior ao de uma entidade privada, pelo singelo facto de esta estar vinculada a um contrato e aquela ter o dever de pagar a indemnização pelo facto de estar, social e publicamente, vinculada a fazê-lo.
Explicitemos. No caso concreto uma seguradora – portanto contratualmente vinculada ao pagamento até ao montante da cobertura fixada na apólice – só seria condenada a pagar até ao montante de quatrocentos e cinquenta mil euros, por ser este o valor do seguro obrigatório vigente à data em que ocorreu o sinistro – cfr. artigo 12.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Regulamento sobre responsabilidade civil e seguro na circulação de veículos a motor (Real Decreto n.º 7/2001, de 12 de Janeiro – BOE n.º 12, 13 de Janeiro) – enquanto que p organismo de garantia, porque não está contratualmente vinculado seria cominado a pagar um montante, em tese, ilimitado.
Tildado a discrepância e a diversidade de tratamento que poderia ter que assumir uma opção que enveredasse pela solução que vingou no acórdão recorrido e a que ocorreria se o dever de indemnizar estivesse a cargo de uma seguradora e por outro o direito dos lesados em assegurarem uma tutela efectiva, adequada e suficiente dos direitos fundamentais vulnerados, vejamos qual o direito que deverá prevalecer e sobrepor-se, neste caso concreto.
Os organismos de garantia foram criados tendo como objectivo garantir as vítimas de um acidente de viação e uma efectiva satisfação dos danos causados, “naqueles casos em que não possa ser feito por uma entidade seguradora, seja porque o veículo causante do acidente não haja sido identificado, seja porque carecera de seguro obrigatório.” [[25]/[26]]
Centrado neste objectivo, o organismo de garantia não pode, do nosso ponto de vista estar sujeito aos limites do seguro obrigatório, antes, primacial e prevalentemente, no dever de garantir ao lesado/vítima o ressarcimento suficiente, adequado e justo da indemnização que lhe for devida, segundo a prova efectuada no caso concreto, pela vulneração/violação de direitos fundamentais que a Constituição tutela e protege – cfr. artigo 25.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa.
Devendo ser esse o objectivo axial de um organismo de garantia – satisfação da justa, adequada e suficiente indemnização de uma vítima de acidente de viação cujo causante não seja conhecido ou esteja carente de seguro obrigatório – e estando em causa a vulneração de direitos fundamentais cuja tutela se coloca ao nível dos direitos fundamentais, afigura-se-nos que o eventual conflito de direitos deve ser dirimido a favor da vítima/lesado. Na verdade, o rango de interesses a tutelar coloca-se, em nosso aviso, num patamar e num plano bastante superior ao que poderia resultar de uma limitação estrita a um montante do seguro obrigatório.
Estimamos, pois, que ainda que no caso concreto, o Fundo de Garantia Automóvel, estivesse obrigado a indemnizar ate ao montante de quatrocentos e cinquenta mil euros (€ 450.000,00) – cfr. apartado 2 do artigo 1.º da Directiva 84/5/CEE e artigo 12.º do Real Decreto n.º 7/2001, de 12 de Janeiro – o direito a uma indemnização justa, adequada e suficiente dos lesados impõe, num eventual conflito de direitos, que este organismo de garantia assegure o direito a uma justa indemnização, em detrimento dos limites contidos no seguro obrigatório.
II.B.3. - Quantum da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros.
Sobra a questão do quantum indemnizatur a atribuir aos lesados.
Para o efeito, e como decorre do expendido supra, aplicar-se-ão as regras e critérios de indemnização contidos no apartado 2 do artigo 1.º do Real Decreto Legislativo n.º 8/2004, de 29 de Outubro, por dever ser a norma aplicável ao ressarcimento da indemnização de vítimas ocasionadas em acidente de viação, na perspectiva apontada.
E devendo ser esta a norma aplicável, afigura-se-nos que as operações explicitadas no acórdão recorrido para alcançar os valores indemnizatórios, tanto da demandante, AA, como do demandante, BB, não se afastam de regras de ponderação e previsibilidade que devem nortear os critérios de uma indemnização justa, adequada e suficiente.
Com a devida vénia, sufragamos os quantitativos alcançados no acórdão recorrido, por se mostrarem ajustados e conformes aos parâmetros da tabela anexa adrede.
Os critérios e valores utilizados na justificação para cada uma das indemnizações mostram-se equilibrados e devem ser adoptados, sem iteração, no presente aresto.
Na verdade trata-se de operações referenciais a tabelas predefinidas e para que remete o mencionado Decreto Legislativo, pelo que a afectação de valores de referência, como seja a estimativa do ordenado que poderia vir a ser vencido pela demandante AA não se nos afigura desajustado, em face da previsível evolução dos salários, durante o previsível tempo de actividade laboral a activa da demandante. Prefigura-se, portanto, ajustado o valor, sendo que este valor há-de sempre reflectir e inculcar níveis de previsibilidade que, numa ponderação conscienciosa e arrimada à evolução da vida, do mercado e do mundo laboral, se prefigura como razoável. É assente neste plano de razoabilidade que achamos que o valor de novecentos euros encontrado pelo acórdão não repugna ou fere a experiência comum.
Do mesmo passo a aplicação da tabela no caso do demandante, BB Jorge, se nos afigura correcto, pelo que o coonestamos.
Em suma, sufragam-se os valores encontrados no acórdão para fixação do quantum indemnizatur aos demandantes.
III. – Decisão.
Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção cível, do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Negar as revistas, mantendo, em consequência, o acórdão recorrido, embora com fundamentos diversos relativamente à aplicação normativa ao caso;
- Condenar os recorrentes, nas custas, na proporção do decaimento.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2013
Gabriel Catarino (Relator)
Maria Clara Sottomayor
Sebastião Póvoas
__________________________
[1] No voto de vencido do originário relator – cfr. fls. 674 a 694 – propugnava-se pela sequente decisão (sic): “- Condena-se o réu a pagar à autora AA unicamente a quantia de € 450.000,00 deduzida de € 33.021,46 e do montante, que vier a ser liquidado, correspondente às quantias pagas pelo réu à autora a título de reparação provisória do dano arbitrada no identificado procedimento cautelar, e absolve-se o réu do demais peticionado pela autora;
-·Condena-se o réu a pagar ao autor BB a quantia de € 37.000,00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da data da notificação do articulado de fls. 56 ao réu até pagamento;
- Na acção custas na proporção correspondente a € 450.000,00 pelo réu na proporção correspondente a € 103.094,81 pelo autor e na proporção restante pela autora.
Custas no recurso interposto pelo autor na proporção de € 107.000,00 a cargo do réu, na proporção restante pelo autor, no recurso interposto pela autora, custas pela autora, no recurso interposto pelo réu custas na proporção de 1/3 por cada parte: artigo 446.º, n.º 1, do Código do Processo Civil.”
[2] Cfr. para maiores desenvolvimentos, de la Oliva Santos, Andrés e Diez-Picazo Giménez, Ignacio, in “Derecho Procesal Civil - El proceso de declaración”, Editorial Universitária Ramón Areces, 3.ª edición. 2008, págs. 445-466
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 142-143 nota 5 e 53 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 247 nota 5 e 228 nota 2.
[4] J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.
[5] Vd. Ac. do STJ de 09-07-1982: B.M.J. 319 pág. 199.
[6] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 49 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.; J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anot, Vol. 2, Coimbra Editora – 2001, págs. 645-646 nota 2. No sentido de que os motivos, argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos não figuram entre as questões a apreciar no art. 660.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, como jurisprudência unânime, pode ver-se, de entre muitos exemplos, p. ex., RT 61º-134, 68º-190, 77º-147, 78º-172, 89º-456, 90º-219 citados apud Abílio Neto Cód. Proc. Civil Anot. 8.ª Ed. (1987), págs. 514-515 nota 5, em anotação ao art.º 668º. Vd. ainda, v. g., Ac. do STJ de 01-06-1973: B.M.J. 228 pág. 136; Ac. do STJ de 06-01-1977: B.M.J. 263 pág. 187.
[7] Vd. . Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.
[8] Cfr. Tarufo, Michelle, in “La Motivazione della sentenza civile”, Padova, 1975, pp. 149-169 considera que a doutrina do silogismo lógico [è peraltro errónea si se presenta come una teoria del giudizio, in quanto non è possible dimostrare che il ragionamento decisorio ha strutura silogística, mentre è possible dimostrare che ha una strutura diversa; è invece incompleta se si presenta come teoria della motivazione, poichè la strutura dedutiva è solo una componente della motivazione, mentre vi sono ragioni decisive per respingerla se si presenta como una teoria di ciò che la motivazione dovrebbe essere; infine, la stessa dottrina è priva di significato se si presenta contemporaneamente come teoria sia del giudizio che la motivazione”. Citado por Aliste Santos, Tomás-Javier, in “La Motivazione de las Resoluciones Judiciales”, Marcial Pons, “Proceso y Derecho”, Madrid, 2011, pág. 253
[9] Para uma abordagem mais aprofundada veja-se Martinez Zorrilla, David, “Metodologia Jurídica y Argumentación”, Marcial Pons, Madrid, 2010.
[10] “Sólo podemos explicar lo que es un hecho con la ayuda de la verdad de un enunciado sobre los hechos; e lo que es real sólo podemos explicarlo en términos de lo que es verdadero” – Habermas, Jürgen, “Verdad y Justificación”, Editorial Trotta, Madrid, 2007, pág. 237. “[…] Uno de los aspectos esenciales de la justificación de un argumento es la llamada justificación interna, esto es, de la corrección lógica del razonamiento. Si no existe un vinculo logicamente correcto entre las premissas y la conclusión, el argumetno es rechazado. (…) Un argumento válido es todo argumento que satisface los requisitos de la lógica; esto es, un argumento logicamente correcto.” - apud Martinez Zorrilla, Davis, op. loc. cit. pág. 207.
[11] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 535.
[12] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 536.
[13] Taruffo; Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 537.
[14] Cfr. no mesmo sentido Nieva Fenoll, Jordi, in “La valoración de la Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2010, pág. 196 a 199 ou ainda Taruffo, Michele, in “Simplemente la Verdad. El Juez y la construción de los hachos”, Marcial Pons, Madrid, 2010, 232 a 274, em especial de págs. 266 a 274.
[15] Cfr. Taruffo, Michele, in “Paginas sobre Justicia Civil”, Processo e Direito, Marcial Pons, Madrid, 2009, pág. 516 e 517. Para este autor a motivação desdobra-se numa dupla função, uma de cariz ou índole endoprocessual e outra de feição extraprocessual. “La función endoprocesaI es aquella gue desarrolla la motivación de la sentencia, entendida como requisito técnico del pronunciamiento jurisdiccionaI, em ell interior deI proceso. Esta función está conectada directamente com la impugnación de la sentencia y se articula em dos aspectos principales: a) la motivación es útil para las partes gue pretenden impugnar la sentencia,dado que el conocimiento de los motivos de la decisión facilita Ia identificación de los errores cometidos por eI juez y em cualquier caso de los aspectos criticables de la decisión misma, y, por tanto, hace más fácil la identificación de los motivos de impugnación. (…), La motivación de la sentencia és también útil para eI juez de Ia impugnación, dado que facilita la tarea de reexaminar la decisión impugnada, tomando em consideración las justificaciones aducidas por el juez inferior”. “La función extraprocesal de la motivación se conecta directamente com la dimensión constitucional y la naturaleza garantista de la correspondiente obIigación, y al mismo tiempo se explica y justifica em la absoluta generalidad y la consecuente imposibilidad de entenderla como derogable ad libitum por ellegislador ordinário (y mucho menos como derogable ad libitum por el juez o las partes). Tal función no se plantea, obviamente, como altemativa a Ia función endoprocesal recién descrita, sino que se añade a ella, ubicandose por lo demás en un riivel diverso y de mayor relevância político-institucional. Consiste funndamentalmente en el hecho de que la motivación se encuentra destinada a hacer posible un control externo (es decir, no limitado al contexto del proceso concreto en nl que se pronuncia la sentencia, y no limitado a Ias partes y al juez de Ia impugnación) sobre las razones que sustentan la decisión judicial. Em este sentido, Ia obligación de motivación se entiende como una expresión importante (obviamente no la única) de la concepción democrática dei poder, y em particular del poder judicial, con base en la cual una condición esencial para el correcto y legítimo ejercicio del poder consiste precisamente em Ia necesidad de que los órganos que lo ejercen se sometan a um controI externo, eI cujo sóIo puede llevarse a cabo suministrando las razones por Ias cuales aqueI poder se ha eiercido de esse modo.”
[16] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 518.
[17] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 519.
[18] Cfr. Michele Taruffo, op. loc. Cit, pág. 520.
[19] Cfr. Nieva Fenoll, Jordi, in “La valoración de la Prueba – La impugnación de la valoración de la Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2010, págs. 346 a 356. “El tribunal de apelación está en perfectas condiciones de reinterpretar toda la resultancia probatoria, com lo que podrá resolver el litigio, desde luego de manera más justa, practicando incluso pruebas complementarias en los casos em que el ordenamiento le autorice para ello.”
[20] Cfr. neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-033-2009 que doutrinou: “1. Após a entrada em vigor do Dec-lei 183/00, de 10 de Agosto, tendo ocorrido, em julgamento, gravação dos depoimentos prestados, e sendo impugnada, nos termos do art. 690º-A do CPC, a decisão de facto com base neles proferida, a reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão, a efectuar pela Relação, nos termos do n.º 2 do art. 712º do mesmo Código, implica, além do mais, que esta ouça ou visualize os depoimentos indicados pelas partes, como o impõe o n.º 5 daquele art. 690º-A. 2. Nesse caso, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que, no tocante aos pontos de facto visados, assentou a decisão impugnada. 3. Essa reapreciação tem, quanto aos pontos sobre que incide, a amplitude de um novo julgamento em matéria de facto, podendo a Relação, no uso da sua liberdade de convicção probatória, aderir ou não aos fundamentos e à decisão da 1ª instância: a liberdade de julgamento a que alude o n.º 1 do art. 655º vale também nesta reapreciação. 4. Só assim se assegura um duplo grau de jurisdição em matéria de facto e se vai além de um mero controlo formal da motivação da decisão da 1ª instância, dando-se concretização a uma das garantias judiciárias fundamentais das partes. 5. Se, não obstante a gravação da prova, a Relação não cumpre o poder-dever de a reapreciar nos moldes supra referidos, não procedendo à sua audição e não fazendo o exame crítico, concreto e pontual dos meios de prova invocados pelo recorrente e pelo recorrido, deve o Supremo anular o acórdão recorrido e fazer baixar o processo à Relação para que aí, se possível pelos mesmos juízes, se proceda à reapreciação em termos devidos, e se profira nova decisão.” Mais recentemente o Acórdão deste supremo Tribunal 24-05-2011 (Conselheiro Garcia Calejo), disponível em www.stj.pt “II – Com vista à concretização do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto impõe-se a gravação e registo da prova, abrindo-se assim o recurso amplo sobre a matéria de facto, tendo o legislador, para a prossecução desse desiderato, aditado ao CPC um conjunto de normas relativas ao registo dos depoimentos, designadamente os arts. 512.º, n.º 1, 522.º-A, 522.º-B, 522.º-C, 3 690.º-A; III – O legislador ao afirmar que a Relação “reaprecia as provas”, acrescentando que na reapreciação se poderá atender a “quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão” (cf. art. 712.º, n.º 2, do CPC), pretendeu que o tribunal de 2.ª instância faça novo julgamento da matéria de facto, vá à procura da sua própria convicção e, assim, se assegure o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto. IV – Quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, a Relação reapreciará e reponderará a prova produzida sobre que assentou a decisão impugnada, atendendo aos elementos indicados, de modo a formar a sua própria convicção; V - Não é compatível com a exigência da lei, em termos de reapreciação da matéria de facto, o exercício (apenas formal) por parte da Relação de um poder que se fique por afirmações genéricas de não modificação da matéria de facto, por não se evidenciarem erros de julgamento, ou se contenha numa simples adesão aos fundamentos da decisão, ou numa pura aceitação acrítica das provas, abstendo-se de tomar parte activa na avaliação dos elementos probatórios indicados pelas partes ou adquiridos oficiosamente pelo tribunal; VI – Não tendo o tribunal a quo procedido a uma correcta reavaliação da matéria de facto, procurando a sua própria convicção, não cumpriu o disposto no art. 712.º, n.º 2, do CPC, não tendo assegurado o duplo grau de jurisdição, em termos de matéria de facto, pelo que tem de ser anulado o acórdão recorrido, determinando-se a baixa do processo à Relação para que se proceda à devida reapreciação da prova.
[21] Cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Abril de 2013, in www.dgsi.pt, para onde se remete.
[22] Queda transcrito o preceito em apreço.
“1- Relativamente a sinistros ocorridos noutros Estados membros, os lesados residentes em Portugal podem também apresentar um pedido de indemnização ao Fundo de Garantia Automóvel quando não for possível identificar o veículo cuja utilização causou o sinistro ou se no prazo de dois meses após o sinistro não for possível identificar a empresa de seguros daquele.
2 – O presente artigo é também aplicável aos sinistros causados por veículos de um país terceiro aderente ao sistema da carta verde.
3 – A indemnização será paga nos termos e limites em que tenha ocorrido a transposição do artigo 1.º da Directiva n.º 84/5/CEE, do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, pelo Estado membro onde ocorreu o sinistro.”
[23] Esta Lei viria a ser refundida/reformada pela Ley n.º 21/2007, de 11 Julio, publicada no BOE n.º 166, de 11 de Julio, que viria a transpor/adoptar a quinta directiva (Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, relativa ao Seguro de Responsabilidade Civil derivada da Circulação de Veículos Automóveis - cfr. para uma análise desta directiva e da referida Lei Fernando Reglero Campos, “La Ley 21/2007, de 11 de julio, de reforma de la Ley de Responabilidad Civil y Seguro en la Circulación de Vehículos a Motor: transposición de la Quinta Directiva CE”, in “InDret – Revista para el Analisis del Derecho”, Barcelona, Octubre de 2007.
[24] O Tribunal Constitucional espanhol teve oportunidade de se pronunciar quanto a estatuições contidas na disposição adicional oitava da Ley n.º 30/1995, de 8 de Novembro, na Sentença n.º 181/2000, de 29 de Junho, publicada no Suplemento do BOE n.º 180, de 28 de Julho. “El ella o Tribunal Constitucional declara de forma solemne y, como digo, por sua vez primera en el ordenamento español que el art. 15 da CE (Constitución Española), en quanto consagra el derecho a la vida y a la integridad física y moral, exige una tutela civil de tales derechos mediante un sistema adecuado y suficiente de reparación de los daños causados a los mismos (daños corporales e morales/daños psicofísicos. Pero no solo esto, sino que, además, esa protección constityucional de la vida y de la integridad personal (física e moral) no se reduce al mero reconocimiento del derecho subjectivo para reclamar la reparación de los daños causados a dichos biens, sino que contiene también un mandato dirigido al legislador al objecto que articule una protección suficiente aquellos biens, cosa que debe presidir e informa r toda su actuación, incluído el régimen legal del resarcimiento por los daños que a los mismos se hubiessen ocasionado.” – cfr. Fernando Reglero Campos, in “Accidentes de Circulación: Responsabilidad Civil y Seguro”, Thomson/Aranzadi, Navarra, 2004, pág. 291.
Para este autor a sentença supra citada inculca os seguintes princípios:
“1. A reparação civil dos danos psicofísicos imputáveis a terceiros tem uma dimensão constitucional na medida em que o dano implica uma lesão aos direitos protegidos pelo art. 15.º da CE. Por isso seria inconstitucional uma norma que proibisse ou limitasse de forma geral e injustificada esse direito à reparação do dano;
2. Deve considerar-se inconstitucional uma norma que prevendo a indemnização destes danos, a limitasse a quantias irrisórias ou manifestamente insuficientes, atentatórias contra a dignidade da pessoa;
3. A Constituição tutela a reparação civil tanto dos danos psicofísicos como os patrimoniais quando essa imputação deva ser feita por “culpa relevante”. Quer dizer, não assume dimensão constitucional a reparação por imputação meramente objectiva. Em consequência, a Constituição não ampara a existência de sistemas objectivos de responsabilidade, ainda que tão pouco os proíba. Corolário do anteriormente dito é que são constitucionalmente admissíveis as limitações quantitativas de responsabilidade nas leis que instituem sistemas objectivos;
4. (…)
5. (…)
6. Por último, da STC 181/2000 não cabe extrair uma regra enquanto à constitucionalidade de um sistema de valoração de danos corporais e patrimoniais consequentes de alcance geral, pois justifica a existência de tal sistema e o seu carácter vinculante no âmbito da circulação de veículos a motor por considerações de ordem particular.”
[25] cfr. Fernando Reglero Campos, in op. loc. cit. pág. 74.
[26] cfr. Exposição/Justificação da Directiva 84/5/CEE (consagrada como segunda directiva em matéria de seguros e indemnização por acidentes de viação). “Considerando que é necessário prever a existência de um organismo que garanta que a vítima não ficará sem indemnização, no caso do veículo causador do sinistro não estar seguro ou não ser identificado; que, sem prejuízo das disposições aplicadas pelos Estados-membros relativamente à natureza, subsidiária ou não, da intervenção deste organismo, bem como às normas aplicáveis em matéria de subrogação, é importante prever que a vítima de um sinistro ocorrido naquelas circunstâncias se possa dirigir directa e prioritariamente a esse organismo; que é, todavia, conveniente, dar aos Estados-membros a possibilidade de aplicarem certas exclusões limitativas no que respeita à intervenção deste organismo e de prever, no caso de danos materiais causados por um veículo não identificado, devido aos riscos de fraude, que a indemnização por tais danos possa ser limitada ou excluída.”