1. Á “FF “, a mentora e dirigente do festejo, incumbia investigar que tivessem sido dados todos os passos tendentes a garantir que a preparação e lançamento do fogo se processassem de forma a assegurar a sua boa execução, disso fazendo as atinentes exigências ao queimador do fogo e à “DD, L.da”, a sua fornecedora;
2. Não evidenciando que cumpriu esta sua natural incumbência, a esta pessoa moral se podem, igualmente, pedir responsabilidades pelos prejuízos que a queima de fogo-de-artifício provocou. A descrição posta no n.º 2 do art.º 493.º do C. Civil impõe que tenhamos de fazer este juízo.
AA e mulher BB, na qualidade de pais e legais representantes de sua filha menor CC, intentaram a presente acção, com processo comum e forma ordinária, contra a DD L.da, EE, a FF e Companhia de Seguros GG S.A.
Pedem a condenação destes a pagarem-lhes a indemnização já liquidada de 122.500,00 €, acrescida dos juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento e a indemnização a liquidar em momento ulterior quanto aos danos futuros referidos na petição.
Alegam que, do programa das festividades em honra da Nossa Senhora da ..., organizada pela Ré FF, fazia parte a queima de fogo-de-artifício, a efetuar na noite do dia 04/08/2007 para o dia 05/08/2008.
Foi contratada a firma DD, Ldª, para fornecer o fogo-de-artifício e a respetiva queima. O 2º Réu EE era um queimador certificado e/ou credenciado pela firma DD, Ldª.
Pelas 00h10m do dia 05/08/2007, no decorrer de tais festividades, o Réu EE procedeu à queima do fogo-de-artifício, no adro da capela.
Entre o fogo-de-artifício queimado encontravam-se dez dúzias de balonas compostas sequenciadas. As caixas devem ser estabilizadas, enterrando-se as mesmas 20 cm ou apoiando 4 sacos de areia à volta da caixa, de forma a evitar que se movimentem e/ou desloquem, e sempre que se dispare mais que uma caixa de balonas sequenciadas, deverá ser guardada uma distância de dois metros entre elas.
O R. EE não enterrou as caixas sequenciadas, não as estabilizou e não guardou a distância de dois metros entre as caixas.
Iniciada a queima, passados poucos minutos, aquando da deflagração de uma das últimas caixas sequenciadas de balonas, uma destas caixas tombou e projetou as respetivas balonas horizontalmente e em direção às pessoas que se encontravam a assistir. Tal balona veio a explodir aquando do embate numa varanda de um quartel, situado a cerca de 15/20 metros do local onde a queima estava a ser feita.
Em tal varanda, encontrava-se sentada a criança CC, que foi atingida com os estilhaços provocados pela explosão nas pernas, na mão esquerda e na face.
O acidente dos autos ficou a dever-se a culpa do Réu EE, atuando no interesse e segundo as instruções dadas pela firma.
A Ré FF, enquanto entidade ou instituição que organizou a festa celebrou com a Ré Companhia de Seguros GG, S.A. um contrato de seguro, através da qual esta Ré assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com o fogo-de-artifício queimado naquela festa, até ao limite de capital de 25.000,00 €.
Alegam, ainda, os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
A R. Companhia de Seguros GG S.A. contestou dizendo que o seguro visou garantir a responsabilidade civil imputável ao segurado (a Co-Ré FF), por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros no decurso do lançamento de foguetes e fogo-de-artifício aéreo ou preso", no local do risco identificado na apólice.
Refere que o acidente é estranho ao ato de lançamento de foguetes, não se enquadrando nas garantias conferidas pelo invocado contrato de seguro no art.º 1º da condição especial, nem se alegam factos de que decorra a responsabilidade da segurada.
A DD veio contestar dizendo que o R. EE nunca foi seu trabalhador, nem nunca exerceu funções por conta, no interesse e segundo instruções desta.
A R. DD celebrou com a R. FF um contrato de fornecimento de fogo-de-artifício, mas não contratou com esta a queima do respectivo fogo. Para proceder à queima do fogo a R. FF contratou o R. EE.
A R. requereu a intervenção da “Companhia de Seguros HH S.A.” na medida em que, a ser condenada, tem direito a reclamar tal montante à seguradora para quem tinha transferido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela exploração da atividade de DD.
Por despacho de fls. 122 foi admitida a intervenção da Companhia de Seguros HH S.A. ao abrigo do disposto no art. 330º do CPC.
EE veio contestar dizendo que quanto ao fornecimento do fogo, aquele que foi encomendado à R DD é o constante do documento que junta, escrito pelo legal representante desta R e do qual consta, ainda, o preço a pagar pelo mesmo, no valor de € 800.
Feita que foi a encomenda discriminada no referido documento, forneceu a R DD o fogo identificado na petição inicial, sendo certo que o material entregue não coincidiu com a encomenda feita.
Para além de fornecer o fogo a R DD também se obrigou, conforme uso e costume em situações semelhantes, a disponibilizar o material necessário para a queima do mesmo.
Nesta conformidade, cerca de cinco dias antes das festividades de Nossa Senhora da ..., a R DD entregou o fogo constante do nº 5º da douta petição inicial, e disponibilizou o material que entendeu necessário para proceder à queima do dito fogo.
Dentre este material constavam estabilizadores com estrutura em ferro para proceder à dita queima, sobretudo das balonas.
As balonas encomendadas eram para ser queimadas nos ditos estabilizadores.
Sucedeu, contudo, que a R DD forneceu, pela primeira vez em festividades nas quais o fogo iria ser queimado pelo R EE, balonas com outras caraterísticas, incorporadas em caixas próprias e cujo lançamento deveria ser feito dentro das próprias caixas em que vinham acondicionadas.
Não forneceu o material que, posteriormente, se veio a mostrar necessário para proceder à queima das balonas incorporadas nas caixas, nem alertou da necessidade de tomar novos cuidados com a queima do mesmo.
O R EE, quando se apercebeu de algumas caixas de balonas que eram diferentes, foi-se informar junto do legal representante da R DD do modo como deviam ser queimadas as novas balonas. E foi por este informado que se tratava de um novo material que devia ser queimado não como anteriormente era feito com este tipo de fogo, retirando-o do local onde vinha acondicionado e colocando-o nos estabilizadores de estrutura em ferro, mas sim usando as próprias caixas, já equipadas para que a queima se fizesse usando as mesmas para esse efeito, devendo segurar as ditas caixas aos estabilizadores de ferro com um arame.
Foi seguindo estas instruções da R DD, por conta e sob as ordens de quem o R EE atuava e ao lançar o fogo ora em causa, que se verificou o incidente relatado.
A Chamada Companhia de Seguros HH, S.A. veio contestar dizendo que assumiu a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas pelos danos causados a terceiros pela exploração da atividade industrial de DD da sociedade DD, Lda., até ao capital de €1.000.000,00, com uma franquia de 10% em danos materiais, com um mínimo de €1000,00.
Diz a Chamada concordar com a contestação apresentada pela DD.
Mesmo que o Réu EE tivesse agido sob as ordens, direção, por conta e no interesse na DD, o que não corresponde à verdade, sempre a responsabilidade da chamada estaria excluída pelo incumprimento do lançador das normas regulamentares nos termos da alínea c) do artigo n.º 3 das condições particulares e alínea b) do artigo n.º 2 das condições especiais.
Realizado o julgamento, foi apreciada a matéria de facto controvertida e foi proferida sentença nos seguintes termos:
a) - Absolver os RR. FF e Companhia de Seguros GG S.A. dos pedidos contra si formulados.
b) - Condenar os RR. DD, Ldª e EE a pagarem, solidariamente, à A. a quantia de € 60.000,00 correspondente a danos patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a citação até integral pagamento à taxa de 4% -portaria 291/2003 de 08.04.
c) - Condenar os RR. DD, Ldª e EE a pagarem, solidariamente, à A. a quantia de € 50.000,00 correspondente a danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a presente data até integral pagamento à taxa de 4% -portaria 291/2003 de 08.04.
d) Condenar os RR. DD, Ldª e EE a pagarem, solidariamente, à A., indemnização, a liquidar ulteriormente, relativa a tratamentos médicos e operação plástica para correção da perna esquerda, pé esquerdo e da parte lateral do joelho esquerdo.
Inconformados, a ré DD, Ldª e a autora apelaram para a Relação de Guimarães que, por acórdão de 11.07.2013 (cfr. fls. 466 a 478), julgando improcedente a apelação da ré e procedente a apelação da autora, condenou igualmente e solidariamente as rés FF e a seguradora GG, S.A., nos termos constantes da decisão de primeira instância, sendo que a responsabilidade da ré GG está limitada a 25.000 € mais respectivos juros.
Irresignada, interpôs recurso para este Supremo Tribunal a ré “Companhia de Seguros GG S.A.”, apresentando as seguintes conclusões:
1. Dos factos apurados resulta, de forma inequívoca, que o acidente em causa nos presentes autos se ficou a dever à queda da uma das caixas de balonas sequenciadas que não se encontravam devidamente estabilizadas e que as projectou horizontalmente;
2. A responsabilidade pela preparação e lançamento das peças de fogo-de-artifício eram da responsabilidade exclusiva do lançador credenciado pela empresa que forneceu o fogo-de-artifício e que ficou igualmente encarregue da sua queima;
3. Assim, o acidente só se verificou por violação, pelo lançador do fogo, das regras de segurança para tal actividade;
4. Como tal, a entidade organizadora das festas não pode ser responsabilizada pelos decorrentes dessa actuação culposa nos termos previstos no artigo 500.º, n.º l do Código Civil;
5. As operações técnicas de preparação e lançamento de fogo-de-artifício escapam totalmente ao controle e domínio da entidade organizadora das festas e que não tem conhecimentos técnicos para tanto, nem a isso está obrigada.
6. Como foi apurado, o acidente não se deu pela proximidade do lançamento das pessoas que ao mesmo assistiam, mas tão-somente na sequência de uma violação grave das regras de segurança por parte do técnico credenciado para o efeito pela empresa contratada e encarregue do fogo-de-artifício;
7. Foi igualmente provado que a FF tudo fez ao seu alcance para que a actividade de lançamento de fogo-de-artifício corresse normalmente e sem causar quaisquer danos;
8. Deste modo, não pode a Recorrente ser responsabilizada pelo pagamento dos danos reclamados nos autos, ainda que limitada ao capital subscrito no contrato de seguro, por ausência de responsabilidade civil da sua segurada;
9. Ao decidir nos termos vertidos no douto Acórdão de 11/07/2013, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães violou o disposto nos artigos 483.º, n.º1, 500.º, n.º l e 493.º, n.° 2, todos do Código Civil.
Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e proferido outro em que se absolva a recorrente do pedido.
Contra-alegaram a recorrida/autora e a recorrida/ré “DD L.da” pedindo a manutenção do julgado.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
As instâncias consideraram provados os factos seguintes:
1. Entre os dias 01/08/2007 e 06/08/2007, na freguesia de ..., concelho de ..., realizou-se a festa em honra da Nossa Senhora da ..., organizada pela Ré FF, fazendo parte do programa das referidas festividades a queima de fogo-de-artifício a efetuar na noite do dia 04/08/2007 para o dia 05/08/2007 – cfr. al. A dos Factos Assentes.
2. A Ré FF e os membros que compunham a Comissão de Festas em Honra de Nossa Senhora da ..., designados pela referida ré, contrataram com a ré DD, Lda., o fornecimento do fogo-de-artifício para a referida festa – cfr. al. B dos Factos Assentes.
3. A Comissão de Festas acordou com a ré DD, Lda., que a queima do fogo-de-artifício identificado em B) ficaria a cargo desta última ré – cfr. resposta ao quesito 1º.
4. A ré DD, Lda., forneceu para as festividades identificadas em A), seis dúzias de balonas compostas diurnas, quatro dúzias de balonas compostas noturnas, vinte e quatro tiros titânio, oito balonas girassol 75 mm, cinco balonas girassol 100 mm, cem disparos em candelas romanas e trezentos disparos em caixa mecanizadas – cfr. al. C dos Factos Assentes.
5. A ré DD, L.da forneceu para as festividades identificadas em A), trezentos e cinquenta tiros titânico – cfr. resposta ao quesito 2.
6. Pela primeira vez em festividades nas quais o fogo iria ser queimado pelo réu EE, a ré DD, Lda., forneceu balonas com outras caraterísticas, incorporadas em caixas próprias e cujo lançamento deveria ser feito dentro das próprias caixas em que vinham acondicionadas – cfr. resposta ao quesito 57.
7. O réu EE era um queimador credenciado pela ré DD, Lda., para manusear e efetuar a queima de fogo de artifício desta firma, possuindo para o efeito a credencial n.º 569 – cfr. al. D dos Factos Assentes.
8. No dia 05/08/2007, pelas 00h10m, no decorrer das festividades referidas em A), o réu EE procedeu à queima do fogo de artifício fornecido pela ré DD, Lda. – cfr. al. E dos Factos Assentes.
9. A queima do fogo referida em E) foi efectuada no adro da capela da Nossa Senhora da ..., sita no Lugar da ..., ..., ..., a cerca de 15 / 20 metros da capela – cfr. resposta ao quesito 4.
10. Entre o fogo a queimar pelo réu EE encontravam-se dez dúzias de balonas compostas sequenciadas, correspondentes a seis dúzias de balonas compostas diurnas e quatro dúzias de balonas compostas noturnas – cfr. resposta ao quesito 5.
11. De acordo com as regras de segurança relativas à queima de balonas em caixas sequenciadas, as caixas devem ser estabilizadas, enterrando-se as mesmas 20 cm ou apoiando 4 sacos de areia à volta da caixa, de forma a evitar que se movimentem e/ou desloquem – cfr. resposta ao quesito 6º.
12. As caixas de balonas deveriam estar estabilizadas, de modo a que, ao ser efectuada a sua queima, com a consequente explosão, as mesmas não tombassem e não fossem projetadas horizontalmente, por ser previsível que pudessem atingir alguma das pessoas que se encontrassem na respetiva trajectória – cfr. resposta ao quesito 15º
13. O réu EE não enterrou as caixas sequenciadas de balonas, não as estabilizou com sacos de areia e não guardou a distância de dois metros entre as caixas – cfr. resposta ao quesito 8º.
14. O R. EE para proceder à queima das balonas e como não tinha suportes em ferro suficientes, atou o último tubo de uma balona aos restantes tubos, que se encontravam nos suportes, com um arame e ladeou com pedras – cfr. resposta ao quesito 9 e 10.
15. Quando queimou o fogo de artifício o R. EE atuou no exercício das suas funções de queimador certificado e/ou credenciado pela R. DD Ldª, no interesse daquela, a troco de uma comissão, de montante variável a atribuir no final daquela festa ou no final do ano – cfr. resposta ao quesito 48º.
16. Uma vez entregue o fogo de artifício contratado, os funcionários da R. DD, Ldª que tinham assegurado o seu transporte, regressaram às instalações daquela, tendo sido um desses funcionários que assegurou o lançamento de fogo nas “práticas” – rebentamentos que antecedem o dia da festa propriamente dito – cfr. resposta ao quesito 52º.
17. O réu EE nunca foi trabalhador da ré DD, Lda. – cfr. resposta ao quesito 49.
18. A credencial referida em D) foi emitida em 1/03/1994, após o réu EE ter tido uma formação na sede ré DD, Lda., que o habilitava ao lançamento de fogo – cfr. resposta ao quesito 51.
19. O réu EE iniciou a queima do fogo de artifício por volta das 00h10m e, passados poucos minutos, aquando da deflagração de uma das últimas caixas sequenciadas de balonas, uma destas caixas tombou e projetou as respetivas balonas horizontalmente e em direção às pessoas que se encontravam a assistir à queima do fogo de artifício – cfr. resposta ao quesito 11º.
20. (…) tal balona veio a explodir aquando do embate numa varanda de um quartel, situado a cerca de 15 / 20 metros do local onde a queima estava a ser feita – cfr. resposta ao quesito 12.
21. (…) onde se encontrava sentada a menor CC, a qual foi atingida com os estilhaços provocados pela explosão nas pernas, na mão esquerda e na face – cfr. resposta ao quesito 13.
22. No local onde a balona foi embater encontravam-se ainda muitas outras pessoas a assistir à queima do referido fogo de artifício – cfr. resposta ao quesito 14.
23. O réu EE desenvolve a atividade de queima de fogo de artifício há mais de 20 anos – cfr. resposta ao quesito 63.
24. Mediante a apólice de seguro n.º ..., a ré FF transferiu para a ré Companhia de Seguros GG, S.A., a responsabilidade civil decorrente do lançamento de foguetes e fogo de artifício, entre 04/08/2007 e 06/08/2007, no lugar de Mosteiro, ..., até ao capital seguro de € 25.000,00 e com uma franquia de € 125,00 em danos materiais – cfr. al. G dos Factos Assentes.
25. A apólice de seguro referida em G) encontrava-se sujeita às seguintes condições gerais e especiais, com relevo para a boa decisão da causa: “(…) Condições Gerais (…) A Companhia de Seguros GG, S.A. e o Tomador de Seguro (…), estabelecem entre si o presente contrato de seguro de responsabilidade civil foguetes, que se regula por estas condições gerais, pelas condições especiais aplicáveis e pelas condições particulares desta apólice, de acordo com as declarações constantes da proposta e demais informações complementares que lhe serviram de base e que dela fazer parte integrante (…) Condição Especial, Foguetes e Fogo de Artifício: Artigo 1.º Objecto do Contrato e Âmbito da Cobertura, \ De harmonia com o art. 2.º das Condições Gerais desta Apólice, a presente Condição Especial (…) garante a responsabilidade civil imputável ao segurado, por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a Terceiros, no decurso do emprego, uso ou lançamento de foguetes e fogos de artifício, aéreos ou presos, com fins exclusivamente lúdicos, no local ou locais, expressamente indicados nas Condições Particulares da Apólice. – cfr. al. H dos Factos Assentes.
26. De acordo com a apólice de seguro referida em G), o lançamento dos foguetes ficaria a cargo do réu EE – cfr. al. I dos Factos Assentes.
27. Mediante a apólice de seguro n.º …, a ré DD, Lda., transferiu para a chamada Companhia de Seguros HH, S.A., a responsabilidade civil resultante da exploração da atividade industrial de DD, até ao capital seguro de € 1.000.000,00 e com uma franquia de 10,00 % em danos materiais, com um mínimo de € 1.000,00 – cfr. al. J dos Factos Assentes.
28. O procedimento criminal relativamente ao réu EE, mostra-se extinto, em virtude da prolação de despacho homologatório da desistência de queixa manifestada pelos autores no processo que correu termos neste Tribunal sob o n.º 186/07.3GAPTB – cfr. al. K dos Factos Assentes.
29. Em consequência do referido em 13.º, a menor CC sofreu dores físicas e feridas corto contusas várias e extensas na perna esquerda, uma das quais com cerca de 10/5 cm, com perda de substância, várias escoriações na perna direita, escoriações na mão esquerda com esfacelo do quarto dedo e ainda escoriações dispersas na face e no pescoço – cfr. resposta ao quesito 17.
30. (…) foi socorrida de urgência no Centro de Saúde de Arcos de Valdevez – cfr. resposta ao quesito 18º.
31. (…) em 05/08/2007 foi transferida para o Hospital de Santa Luzia em Viana do Castelo, onde foi operada e se procedeu à sutura das lesões, tendo ficado internada neste Hospital até ao dia 22/08/2007 – cfr. resposta ao quesito 19.
32. Entre os dias 05/08/2007 e 22/08/2007, a menor CC efectuou tratamentos e curativos às lesões sofridas, todos os dias – cfr. resposta ao quesito 20.
33. (…) regressada ao seu domicílio, a menor CC continuou sob vigilância médica e a fazer curativos no Centro de Saúde de Ponde da Barca onde recorreu, até ao dia 01/09/2007, todos os dias, e a partir desta data até ao dia 15/10/2007, em dias alternados – cfr. resposta ao quesito 21.
34. (…) como ainda apresentava saída de estilhaços, a menor CC manteve-se sob vigilância médica do Hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, onde recorreu a várias consultas e efectuou vários tratamentos, nos dias 29/08/2007, 13/09/2007, 24/10/2007, 28/11/2007, 14/12/2007, 20/02/2008, 26/03/2008, 28/05/2008, 22/10/2008 e 06/05/2009 - cfr. resposta ao quesito 22.
35. (…) a menor CC ainda continua em tratamentos e sob observação médica e clínica, e, dada a sua idade e o facto de se encontrar em crescimento, os tratamentos irão persistir durante vários anos - cfr. resposta ao quesito 23.
36. É aconselhável e/ou recomendável que a menor CC seja operada para coreção plástica, nomeadamente da perna esquerda, do pé esquerdo e da parte lateral do joelho esquerdo, em virtude da menor ter ficado com cicatrizes múltiplas – cfr. resposta ao quesito 24.
37. Existe saída esporádica e espontânea de pequenos estilhaços, nomeadamente da perna esquerda da menor CC – cfr. resposta ao quesito 25.
38. As operações cirúrgicas a que a menor CC deve ser submetida só são aconselháveis a partir dos 16 anos – cfr. resposta ao quesito 26.
39. Em virtude das lesões sofridas e dos tratamentos a que foi sujeita a menor CC ficou com a perna, com o pé e com o joelho esquerdo deformados, com cicatrizes múltiplas, queloides e melânicas, com cor acastanhada, sendo que a de maiores dimensões tem 11 x 2 cm e as restantes de dimensões variáveis ao longo da perna esquerda, do pé esquerdo e da parte lateral do joelho esquerdo – cfr. resposta ao quesito 27.
40. (…) ficou com quatro cicatrizes de 1 x 1 cm na face interna da perna direita, ao nível do joelho e com quatro cicatrizes na mão direita – cfr. resposta ao quesito 28.
41. As lesões referidas em 17.º, 27.º e 28.º causam à menor CC trauma, desgosto, frustração, complexos e sentimento de revolta – cfr. resposta ao quesito 29º.
42. (…) a menor tem CC vergonha de mostrar as pernas, com receio que os amigos, colegas e demais pessoas reparem e façam comentários sobre as lesões que apresenta ao nível das pernas – cfr. resposta ao quesito 30º.
43. (…) e nunca mais quis vestir peças de roupa em que as pernas ficassem visíveis, tais como saias, vestidos ou calções – cfr. resposta ao quesito 31.
44. (…) o que se agravará com a crescimento da menor CC, nomeadamente na idade da adolescência e da juventude – cfr. Resposta ao quesito 32.
45. Nas zonas afetadas, a menor CC ficou com a pele mais sensível, pelo que, não pode apanhar sol nesses locais da pele e tem de ter cuidados especiais ao nível da pele nas zonas afetadas, necessitando de aplicar diariamente cremes e pomadas – cfr. resposta ao quesito 33.
46. Por via das lesões de que ficou portadora, a menor CC sente fortes dores na perna esquerda quando faz movimentos e esforços, nomeadamente quando corre, o que a impede de fazer os movimentos e esforços que antes fazia e de executar muitas atividades que antes executava, como correr, andar de bicicleta e andar muito tempo consecutivo a pé – cfr. resposta ao quesito 34.
47. (…) sente fortes e intensas dores com as mudanças de temperatura – cfr. resposta ao quesito 35.
48. (…) deixou de poder dançar no Rancho Folclórico de ..., que frequentava – cfr. resposta ao quesito 36.
49. À data do acidente a menor tinha educação física e frequentava a piscina no âmbito das atividades escolares – cfr. resposta ao quesito 37.
50. Por via das sequelas de que ficou portadora, a menor CC deixou de poder frequentar a piscina, por causa dos produtos químicos e tratamentos a que água é sujeita, que lhe provocava, como provoca, irritação da pele nas zonas afetadas – cfr. resposta ao quesito 38.
51. À data do acidente, a menor CC era uma criança saudável, alegre, enérgica e sem qualquer mazela, defeito ou limitação física ou corporal, designadamente, não tinha qualquer mazela ao nível da mão direita e das pernas – cfr. resposta ao quesito 39.
52. A menor CC sofreu e sofre de pesadelos e lembra-se constantemente do acidente, entrando, repentinamente, em pânico e desespero – cfr. resposta ao quesito 40º.
53. (…) ficou a sofrer e sofre de alterações do ritmo do sono, acordando muitas vezes durante a noite sobressaltada e assustada – cfr. resposta ao quesito 41.
54. (…) anda sempre com medo e quando ouve qualquer barulho mais forte ou algum estrondo entra em pânico – cfr. resposta ao quesito 42.
55. Para ir às consultas e efetuar os tratamentos, a menor CC teve de faltar por várias vezes à escola, o que lhe causou atraso no processo de aprendizagem escolar e a obrigou fazer esforços suplementares e a estudar ainda mais para conseguir acompanhar a matéria que era lecionada quando faltava às aulas – cfr. resposta ao quesito 43.
56. Por via das sequelas de que ficou portadora a menor ficou afetada de uma I.P.P. de 10 pontos – cfr. resposta ao quesito 44.
57. Para tratar, cuidar e dar assistência à menor CC, para levá-la às consultas e efetuar os tratamentos bem como para levá-la e ir buscá-la à escola, uma vez que a menor não podia caminhar pelos seus próprios meios, os autores tiveram perdas de tempo que no total ultrapassaram mais de 90 dias – cfr. resposta ao quesito 46.
58. Em medicamentos, consultas médicas e transportes para tratamentos às lesões sofridas, os autores gastaram, com a menor mil euros – cfr. resposta ao quesito 47.
59. CC nasceu em …/0../19… e é filha dos autores – cfr. al. F dos Factos Assentes.
I. Incluída na festa em honra da Nossa Senhora da ..., organizada pela ré “FF”, no dia 05/08/2007, pelas 00h10m, no adro da capela da Nossa Senhora da ..., freguesia de ..., concelho de ..., o réu EE procedeu à queima do fogo-de-artifício fornecido pela ré “DD, L.da”.
Este EE iniciou a queima por volta das 00h10m e, passados poucos minutos, aquando da deflagração de uma das últimas caixas sequenciadas de balonas, uma destas caixas tombou e projetou as respetivas balonas horizontalmente e em direção às pessoas que se encontravam a assistir à queima do fogo-de-artifício. Tal balona veio a explodir aquando do embate numa varanda de um quartel, situado a cerca de 15/20 metros do local onde a queima estava a ser feita e onde se encontrava sentada a menor CC, que foi atingida com os estilhaços provocados pela explosão nas pernas, na mão esquerda e na face.
A 1.ª instância, pronunciando-se embora pela responsabilidade civil dos demandados “DD, L.da” e EE, absolveu a ré “FF” e “Companhia de Seguros GG S.A.” dos pedidos contra estas rés formulados.
Todavia, a Relação de Guimarães, seguindo outro entendimento jurisprudencial, condenou, igual e solidariamente, as demandadas “FF” e a seguradora “GG, S.A.”
É contra esta condenação que se insurge a recorrente “Companhia de Seguros GG S.A.”
II. Os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos - responsabilidade extracontratual, ou seja, a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, são causa de prejuízos de outrem - estão enumerados no artigo 483.º, do C.Civil, neles se incluindo, entre outros, a culpa do agente e exigindo-se também para esse efeito que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Exige a lei (art. 483.º, do C.Civil), para que haja responsabilidade civil, que o autor aja com culpa (dolo ou mera culpa).
E agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, ou seja, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação se conclui que ele podia e devia ter agido doutro modo.[1]
É ao lesado, enquanto titular do direito de indemnização ao qual se arroga em juízo, que - regra geral - cabe o ónus da prova dos elementos constitutivos da responsabilidade civil (art.º 342.º, n.º 1, do C.Civil); e este ónus traduz-se "para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto". [2]
Convenhamos, porém, que o lançamento de foguetes, simples ou de artifício, é inquestionavelmente uma actividade perigosa pela sua própria natureza, sendo-lhe aplicável o disposto no art.º. 493.º, n.º 2, do C. Civil (Ac. S.T.J. de 7-7-94, Col. Ac. S.T.J., II, 3.º, pág. 49), neste enquadramento legal estando a entidade lesante obrigada a reparar os danos que causar a outrem no contexto desta actividade, salvo se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Nos termos daquele dispositivo legal (art.º. 493.º, n.º 2, do C. Civil), quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Abre-se mais uma excepção à regra do n.º l do artigo 487.º; mas não se altera o princípio do artigo 483.º de que a responsabilidade depende da culpa; trata-se, portanto, de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva… (Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado; I, pág. 495/496).
III. Porque o fogo-de-artifício foi queimado pelo réu EE, que atuou no exercício das suas funções de queimador credenciado e no interesse da ré “DD L.da”, serão estes demandados, em princípio, quem, por serem os autores materiais do dano, terão a seu cargo a obrigação de satisfazer a indemnização que ao caso couber; e esta imputação indemnizatória está já definitivamente assente e consolidada na ação.
E é à “FF” que se há-de pedir também a indemnização pelos danos sofridos pela lesada?
- Porque se encontra inserida na descrita envolvente compleição organizativa das festas - a festa em honra da Nossa Senhora da ... foi organizada pela Ré FF - este encargo impende também, genérica e necessariamente, sobre a ré “Fábrica de Igreja”.
O seu comprometimento compensatório só poderá excluir-se no caso de, não obstante a verificação dos danos provocados à menor CC, pudermos reconhecer que a organizadora desta festividade - a FF - elidiu a presunção de culpa constituída pelo art.º 493.º, n.º2, do C. Civil.
IV. Os males advindos à menor CC (foi atingida com os estilhaços provocados pela explosão de uma balona nas pernas, na mão esquerda e na face) tiveram a sua proveniência na circunstância de uma das caixas sequenciadas de balonas ter tombado e, em consequência, as respetivas balonas terem sido projetadas horizontalmente e em direção às pessoas que se encontravam a assistir, vindo uma delas a explodir aquando do embate numa varanda de um quartel, situado a cerca de 15/20 metros do local onde a queima estava a ser feita e onde se encontrava a CC.
A causa deste acidente vamos nós encontrá-la no especificado descuido do réu EE,”, que não enterrou as caixas sequenciadas, não as estabilizou e não guardou a distância de dois metros entre as caixas.
Esta clara imprudência levada a cabo pelo queimador credenciado pela ré “DD, L.da” não havia, porém, passar despercebida à entidade que superintendia à organização destas solenidades.
A queima do fogo é, como nos ensinam as regras da experiência comum, a mais complexa tarefa incluída em qualquer organização festiva, dela se corporizando frequentes e clamorosas sequelas danosas para a saúde e vida dos seus circunstantes, factualidade de que a sua entidade organizadora se não devia alhear e, antes pelo contrário, havia de cuidar, para que se não desrespeitem as elementares regras de precaução necessárias a caucionar a segurança de todos aqueles que acorrem ao seu desempenho.
Queremos com isto dizer que à “FF “, a mentora e dirigente do festejo, incumbia investigar que tivessem sido dados todos os passos tendentes a garantir que a preparação e lançamento do fogo se processassem de forma a assegurar a sua boa execução, disso fazendo as atinentes exigências ao queimador do fogo e à “DD, L.da”, a sua fornecedora; e não evidenciando que cumpriu esta sua natural incumbência, a esta pessoa moral, reconhecida pelo Estado para gerir os bens do benefício paroquial, se podem, igualmente, pedir responsabilidades pelos prejuízos que a queima de fogo-de-artifício provocou - a atuação que conduziu ao sinistro tem de ser vista como um todo, pela própria natureza dos factos que lhe subjazem; para ocorrer o que ocorreu tiveram que concorrer, quer as atuações da Comissão e seus membros, quer a do pirotécnico - Ac. STJ de 5.7.2012; www.dgsi.pt (Ex.mo Conselheiro Dr. João Bernardo).
A descrição posta no n.º 2 do art.º 493.º do C Civil impõe que tenhamos de fazer este juízo.
Concluindo:
1. Á “FF “, a mentora e dirigente do festejo, incumbia investigar que tivessem sido dados todos os passos tendentes a garantir que a preparação e lançamento do fogo se processassem de forma a assegurar a sua boa execução, disso fazendo as atinentes exigências ao queimador do fogo e à “DD, L.da”, a sua fornecedora;
2. Não evidenciando que cumpriu esta sua natural incumbência, a esta pessoa moral se podem, igualmente, pedir responsabilidades pelos prejuízos que a queima de fogo-de-artifício provocou. A descrição posta no n.º 2 do art.º 493.º do C. Civil impõe que tenhamos de fazer este juízo.
Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Fevereiro de 2014.
Pires da Rosa
Maria dos Prazeres Beleza
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[1] Prof. A. Varela; Obrigações; Vol. I; pág. 531.
[2] Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil; pág. 184.