O prazo da usucapião pode interromper-se, tal como a prescrição, por via de um “meio judicial” (para alem da citação ou da notificação), pelo qual se dê conhecimento da oposição àquele contra quem o direito possa ser exercido.
Não sendo bastante a interpelação ou qualquer outra forma de comunicação extrajudicial ao obrigado da cessação da inércia do respectivo titular no exercício do direito.
Sendo, pois, necessária a prática de acto judicial que, directa ou indirectamente, dê a conhecer a intenção do titular de exercer a sua pretensão
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB e mulher CC, pedindo para ser declarado dono de vários prédios, que melhor identifica, com a condenação dos réus a reconhecerem tal direito de propriedade e a absterem-se de qualquer acto violador do mesmo, bem como a desocupá-los e a pagarem-lhe indemnização a liquidar ulteriormente.
Alegando, para tanto, e em suma, que, sendo dono dos mencionados prédios, os réus ocupam dois deles, o que lhe causa prejuízos.
Citados os réus, vieram contestar, impugnando os factos pelo autor alegados, excepcionando a caducidade do direito de restituição de posse, a prescrição da invocada usucapião e do direito indemnizatório, mais alegando a aquisição do seu direito de propriedade, por usucapião, cujos requisitos melhor descrevem, sobre as parcelas que ocupam, que integram o lote …, com a área de 690 m2, dele fazendo parte uma área que está descrita no registo predial como fazendo parte do lote .., e que ocupam desde 1981. Assim pugnando pela improcedência da acção. E, por via da alegação dos factos tendentes à aquisição originária das ditas parcelas de terreno que ocupam, deduziram reconvenção onde peticionaram a constituição do seu direito de propriedade sobre os prédios em causa e o cancelamento dos respectivos registos prediais.
O autor replicou.
Foi proferido o despacho saneador, com fixação dos factos tidos por assentes e com organização da base instrutória.
Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 633 a 635 consta.
Foi proferida a sentença que, julgando improcedentes a acção e a reconvenção, absolveu as partes dos respectivos pedidos.
Inconformados, interpuseram, autor e réus, sem êxito[1], recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Ainda irresignados, vieram os réus pedir revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, que, como tal, e por via da contradição de julgados, foi admitida.
Tendo formulado, no que ora importa[2], na sua alegação, as seguintes conclusões:
1ª – O presente recurso de revista incide apenas sobre matéria de direito, procurando colocar ao sábio julgamento do Supremo Tribunal de Justiça estritamente uma questão de direito: pode uma actuação extrajudicial de uma parte (oposição feita pelo autor ao réu através de interpelações, ou, no limite, início de pagamento de encargos fiscais pelo primeiro) interromper a contagem do prazo da usucapião, obstando à aplicação do nº 2 do art. 1252.º do CC, de acordo com o qual a existência do corpus faz presumir o animus?
2ª – O acórdão recorrido valorou como factos susceptíveis da interrupção da usucapião factos ocorridos num plano extrajudicial em 2002, o que colide com o acórdão do STJ de 19 de Novembro de 2009, pois neste se pode ler que “a prescrição só se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, atenta a regra constante do nº 1 do artigo 323.º do CC. Esta é aplicável à usucapião, por força do disposto no art. 1292.º do mesmo diploma legal”.
3ª - O fundamento da presente revista é a violação de lei substantiva, nos termos do artigo 722.º, nº 1, alínea a) do CPC, mais concretamente, a decisão recorrida consubstancia, desde logo, uma violação de lei substantiva por erro de interpretação e de aplicação do disposto nos artigos 323.º, nº1 e 1292.º, ambos do CC;
4ª - O acórdão recorrido padece de uma errada interpretação e aplicação dos citados preceitos legais, pois, não tendo sido feita prova nos autos da existência de uma qualquer citação ou notificação judiciais pelo Autor aos Recorrentes, deve considerar-se que a - suposta - oposição daquele a partir de 2002, por via das interpelações feitas por intermédio da testemunha DD, não teve o condão de interromper o prazo da usucapião;
5ª - Mais: nem as interpelações feitas pelo Autor, nem o pagamento por si dos encargos fiscais a partir de 2003 tiveram qualquer efeito no sentido de interromper o prazo da usucapião de que beneficiam os aqui Recorrentes, uma vez que se trata de actuações extrajudiciais que não revelam qualquer tipo de oposição por parte daquele, susceptível de interromper o cômputo do prazo de usucapião nos termos do artigo 323.º, nº 1, para o qual remete o artigo 1292.º, ambos do CC;
6ª - Na verdade, foi a errada interpretação das normas constantes dos artigos 323.º, nº 1 e 1292.º do CC, que inquinou toda a decisão recorrida, inviabilizando a aplicação da presunção do artigo 1252.º, nº 2, do mesmo Código e a obtenção do efeito jurídico de aquisição originária da propriedade por usucapião, ao abrigo do artigo 1296.° do referido diploma legal;
7ª - A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida demonstrou amplamente tudo o que fora alegado pelos Recorrentes e que permite considerar preenchidos os requisitos enunciados no artigo 1263.º, alínea a), do Código Civil, a saber:
a) Os Recorrentes ocupam, no sentido de prática reiterada de actos materiais, os terrenos objecto do dissenso judicial em causa;
b) A posse dos Recorrentes é pública, sendo conhecida quer por todos os vizinhos, quer pelo Autor;
c) Os Recorrentes praticam vários actos materiais correspondentes ao exercício do direito, em especial procedem à limpeza e conservação dos terrenos e à sua exploração agrícola, neles construíram um poço e realizaram a sua vedação face às áreas confinantes;
8ª - Isto significa que os Recorrentes mantêm a posse sobre os terrenos, de forma pública e pacífica, sem oposição de quem quer que seja e sem quebra de continuidade por um período que se estendeu desde 1984 até 2010, o que permitiu a aquisição do direito de propriedade;
9ª - Constitui um erro de aplicação da lei substantiva afirmar-se, como resulta da sentença recorrida, que em virtude de em 2002 apenas terem decorrido 18 anos sobre o início da posse não está verificado "o preenchimento cumulativo de todos os pressupostos necessários à aquisição, por usucapião, das parcelas de terreno em questão", devendo, pelo contrário, concluir-se que, tendo os Recorrentes agido directamente sobre as coisas com animus possendi - e também com animus domini -, isso faculta-lhes a aquisição do direito de propriedade pelo instituto da usucapião ex vi artigo 1287.º do Código Civil;
10ª- Os Recorrentes tornaram-se entretanto os efectivos proprietários dos prédios reivindicados, pelo que daí decorre que fica ilidida a presunção do registo de aquisição a favor do Autor consagrada no artigo 7.ºdo Código do Registo Predial, por prova dos requisitos legais conducentes à usucapião e aquele registo deve ser cancelado.
O recorrido não contra-alegou.
Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
1. Por escritura pública de compra e venda lavrada em 3 de Março de 1969, na Secretaria Notarial de Guimarães, o Autor declarou comprar a EE, e este declarou vender, ao Autor, o prédio urbano, constituído por um terreno destinado a construção, que correspondia, na época, ao “...”, situado no Lugar … ou …, da freguesia de …, do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número quarenta e oito mil cento e oitenta e oito e inscrito, à época, na respectiva matriz sob o artigo setenta e oito rústico – cfr. certidão de fls.11 e seg. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea A. dos Factos Assentes (F.A.).
2. Encontra-se registado a favor do Autor, desde 6 de Maio de 1969, pela Ap. 2 da descrição predial n.º … (descrição em livro n.º ...) da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, o prédio descrito sob o nº. ..., do livro nº. 4 da seguinte forma: “terreno destinado a construção que corresponde a todo o actual ... – Norte, casa de FF e terras que foram da Quinta ... e hoje pertença da Câmara Municipal; Poente, terras da Quinta ...; sul, estrada; Nascente, terreno da Quinta .... – cfr. certidão de fls.16 e 17, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea B. dos F.A..
3. Do aludido prédio foram posteriormente desanexados três prédios, pelo que os elementos relativos à descrição do prédio constantes do aludido documento deixaram de estar actualizados – alínea C. dos F.A..
4. Por escritura pública de compra e venda lavrada a 17 de Maio de 1977, na Secretaria Notarial de Guimarães, o Autor declarou vender aos Réus, e estes declararam compraram àquele, um terreno para construção, com a área de quinhentos e quatro metros quadrados, situado, à época, no lugar da Quinta … ou ..., da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, a confrontar, à época, do norte com a nova rua, do sul com o vendedor, do nascente com a Rua … e do poente com Dr. GG, terreno esse que constitui o lote número quarenta do loteamento urbano denominado “Zona do …”, situado nas freguesias de ...e da Costa, no concelho de Guimarães. – cfr. certidão de fls.20 e seg., cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea D. dos F.A..
5. O prédio referido em 4. é um dos prédios que foram desanexados do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número quarenta e oito mil cento e oitenta e oito e desmembrado do inscrito na matriz rústica da freguesia de ...sob o artigo ….º e referido em 1., estando actualmente inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …º - alínea E. dos F.A..
6. O Autor suporta, pelo menos desde 2003, os respectivos encargos de natureza fiscal do prédio referido em 1., com ânimo de verdadeiro dono – respostas aos artºs. 2º e 3º da B.I..
7. O prédio referido em 1. corresponde actualmente aos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, sob os artigos ….º e ….º - resposta ao artº. 8º da B.I..
8. O identificado prédio dos réus corresponde actualmente ao prédio urbano descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º - resposta ao artº. 9º da B.I..
9. O prédio dos réus confronta a sul com o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, sob o artigo ….º - resposta ao artº. 10º da B.I..
10. Que, por sua vez, confronta a sul com o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, sob o artigo ….º - resposta ao artº. 11º da B.I..
11. Os réus têm vindo a ocupar estes dois prédios e, apesar de várias vezes interpelados, recusam-se a restitui-los ao Autor – respostas aos artºs. 12º e 13º da B.I..
12. O que causa prejuízos ao Autor – respostas ao artº. 14º da B.I..
13. O lote número quarenta referido em 4. corresponde ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ….º - resposta ao artº. 15º da B.I..
14. Pelo menos desde 1984 que os Réus ocupam o lote quarenta, área de 504 (quinhentos e quatro) m2 – respostas aos artºs. 16º e 17º da B.I..
15. Também ocupam uma área de 352,10 (trezentos e cinquenta e dois vírgula dez) m2, a sul do lote quarenta, a qual corresponde ao lote quarenta e um – respostas aos artºs. 18º e 19º da B.I..
16. E ocupam também uma área de 188 m2, a qual está inscrita na matriz predial urbana sob o nº. … – respostas aos arts 21º e 22º da B.I.
17. Tudo à vista e com conhecimento de todos os vizinhos e do Autor desde 1984 – resposta ao artigo 23º da B.I..
18. Procedendo à sua limpeza e conservação, e à sua exploração agrícola, tendo construído um poço e vedado os referidos tractos de terrenos – respostas aos arts 24º a 27º da B.I..
19. Sem oposição de ninguém até 2002 – resposta ao artº. 30º da B.I.[3].
20[4]. De modo ininterrupto e durante, pelo menos, vinte e seis anos – resposta ao artigo 32º da B.I..
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelos recorrentes nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.
As quais se podem resumir à de saber – aliás, tal como os recorrentes a identificam na sua alegação – se a actuação extrajudicial do autor (oposição feita pelo autor ao réu através de interpelações, ou, no limite, através de o mesmo iniciar o pagamento de encargos fiscais) pode interromper a contagem do prazo da usucapião, obstando à aplicação da presunção do nº 2 do art. 1252.º do CC[5], de acordo com o qual a existência do corpus faz presumir o animus?
O senhor Juiz de 1ª instância – e vamos, agora, cingirmo-nos à pretensão reivindicatória dos réus, já que a do autor foi julgada improcedente, por decisão transitada em julgado – concluindo não ter decorrido o prazo para a usucapião, por banda daqueles, já que, até à referida data de 2002 (em que se verificou oposição) apenas haviam decorrido 18 anos de posse ininterrupta e sem oposição de outrem, não tendo, ainda, resultado provado a vontade de agirem como verdadeiros proprietários, julgou pela não verificação do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos necessários à aquisição, por usucapião, das questionadas parcela por banda dos réus.
A Relação, no seu ora recorrido acórdão, mantendo a decisão dada à matéria de facto pela 1ª instância, não tendo dúvidas que os réus exercem poderes de facto sobre a parcela, fazendo-o, sem oposição, até 2002 – está em causa o reconhecimento do direito de propriedade, por banda dos réus, sobre umas parcelas de terreno com a área de cerca de 500 m2 que se encontra inserida dentro dos limites físicos da sua moradia – já não tem como seguro que os mesmos tenham a intenção de agir como titulares de um direito de propriedade.
E, continuam os senhores Desembargadores, se falta o animus estamos perante uma mera detenção ou posse precária.
Contudo, dizem, ainda, contrariamente ao decidido na 1ª instância, não tendo o autor provado que os réus não são possuidores, ter-se-á de presumir a posse dos mesmos, que sobre a parcela vêm exercendo poderes de facto (art. 1252.º, nº 2).
Sem que, no entanto, se tenha consumado a usucapião.
Pois, presumindo-se de má fé tal posse, não decorreu ainda, porquanto os actos materiais foram pelos réus exercitados desde 1984 até 2002, o prazo para a usucapião.
Pelo que, assim, sendo, improcede a pretensão dos réus.
Sustentam estes, aplaudindo, embora, o acórdão da Relação na parte em que entendeu beneficiarem os réus da presunção da posse por via do seu exercício do poder de facto (art. 1252.º, nº 2), e alem do mais, que a interrupção do cômputo do prazo da usucapião apenas pode ter lugar, por força do estatuído nos arts 323.º e 1292.º, havendo, assim, que ter lugar mediante uma citação ou notificação judicial, o que apenas sucedeu em 2010 (na sequência da instauração desta acção).
Tendo, pois, decorrido o prazo – ainda que se trate de posse de má fé – necessário à aquisição da propriedade por usucapião.
Assim tendo sido ilidida a presunção de propriedade a favor do autor, por via do art. 7.º do Código do Registo Predial.
Vejamos[6]:
Podendo dar-se como assente, tal como decidido vem – e bem – pela Relação, que os réus, em relação à parcela reivindicada, se presumem possuidores (não sendo apenas meros detentores), por via da presunção prevista no citado art. 1252.º, nº 2.
Que, a propósito, assim reza:
“Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 1257.º[7]”.
Podendo, assim, adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida – como aqui não foi – os que exercem os poderes de facto sobre uma coisa[8].
Sendo certo, por outro lado, desde já se dirá, que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse – art. 1268.º, nº 1[9].
Só podendo ser tal posse aquela que, revestindo-se dos requisitos inerentes ao seu conceito[10], ainda lhe falta capacidade aquisitiva por carência do decurso de tempo necessário[11].
Sucedendo in casu que, não obstante o prédio aludido em A) dos factos assentes estar registado a favor dos autores desde 1969, iniciando-se a posse dos réus desde, pelo menos 1984, tem sido comummente entendido, ao que se crê, que a presunção resultante da inscrição do direito não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos no registo. Pois, o registo predial não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio[12].
E, assim, não contendendo a presunção do registo predial vigente a favor dos autores, com a posse dos réus, gozando estes da presunção da titularidade do respectivo direito de propriedade, dúvidas não restarão que o podem adquirir por usucapião.
Estando-se, agora, no âmbito da aquisição originária do direito de propriedade sobre a questionada parcela.
Por via da pretendida usucapião.
A qual está na base de toda a nossa ordem imobiliária, valendo por si, em nada sendo prejudicada pelas vicissitudes registais[13]/[14].
Nada podendo fazer o titular inscrito no registo contra a usucapião.
Estando aqui em causa apenas saber se decorreu o lapso de tempo necessário para tal aquisição, o qual, não havendo justo título de aquisição e registo do mesmo, nem registo de mera posse e não sendo esta de boa fé, é de 20 anos - art. 1296.º, in fine.
Entendeu a Relação que o dito prazo não ocorreu, já que os actos materiais pelos réus praticados apenas se verificaram no período ocorrido entre 1984 e 2002.
Considerando interrompido o prazo da usucapião em 2002, pelo facto de as instâncias terem dado como provado que a oposição aos actos de posse dos réus resultou dos depoimentos das testemunhas DD e HH.
Mas, sustentam os recorrentes, a interrupção do prazo da usucapião só pode ter lugar, nos termos do art. 323.º, nº 1 ex vi art. 1292.º, mediante citação ou notificação judicial nesse sentido.
Estamos, como já dito, perante o decurso do tempo e a sua relevância para o êxito da usucapião.
Sendo o tempo um facto jurídico não negocial, susceptível de influir, em muitos domínios do direito civil, em relações jurídicas do mais diverso tipo.
Aplicando-se a esta (à dita interrupção), neste contexto, com as necessárias adaptações as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição – art. 1292.º, primeira parte, quanto ao que aqui pode relevar.
Não estando aqui em causa o reconhecimento do direito por banda do obrigado – art. 325.º.
Interrompendo-se, assim, a prescrição, no aqui importa, pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito – art. 323.º, nº 1.
Dando-se a interrupção, em princípio, pela cessação da inércia do titular do direito no seu exercício.
Resultando a mesma, nos termos da lei, do uso de “um meio judicial” (para alem da citação ou da notificação), “pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido” – citado art. 323.º, nº 4.
Não sendo bastante a interpelação ou outra forma de comunicação extrajudicial ao obrigado da cessação da inércia do respectivo titular no exercício do direito.
Tendo o meio usado de ser judicial.
Sendo, pois, necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer a intenção do titular exercer a sua pretensão[15].
Ora, este Supremo Tribunal de Justiça aplica, em princípio, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo Tribunal – art. 729.º, nº 1 do CPC.
Não podendo a decisão por este proferida quanto à matéria de facto ser alterada pelo STJ, salvo se houver ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - nº 2 deste mesmo preceito legal, ao remeter para o art. 722.º, nº 2.
Com efeito, não havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o erro na apreciação das provas não pode ser objecto de recurso de revista[16].
Assim, e com as devidas adaptações, não podendo as instâncias dar como verificada a interrupção do prazo da usucapião por efeito de qualquer interpelação verbal ou até negociações com vista à aquisição derivada da porção de terreno em apreço, não pode assumir qualquer relevo o facto de se ter considerado haver oposição à prática de actos possessórios por banda dos réus a partir de 2002, assim se interrompendo, desde aí, o prazo da usucapião.
Não se podendo, pois, dar como assente que os réus ocuparam a parcela sem oposição até 2002.
Tendo que se admitir, sem outros elementos a respeito – e já vimos ser necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer a intenção do titular exercer a sua pretensão – que a oposição relevante se verificará em 2010, data em que esta acção foi proposta e em que os réus terão sido para ela citados.
E, assim, dando de barato, como vem da Relação recorrida, que os réus praticaram os actos possessórios atrás falados, conducentes à aquisição da propriedade respectiva por usucapião, desde 1984, temos como também comprovado o decurso do período temporal a tal forma de aquisição originária necessário, seja, o de 20 anos.
Havendo, em consequência, por força da usucapião, e desde o início da respectiva posse, que se ter como adquirido, por banda dos réus, o questionado direito de propriedade – arts 1316.º e 1317.º, al. c).
Não impedindo esta conclusão a resposta de não provado dada ao quesito 29.º, no qual se perguntava se os actos de posse pelos réus antes aludidos tiveram lugar como se eles fossem os donos da questionada parcela.
Pois que a resposta de “não provado” não significa ter ficado provado o contrário, seja, que os réus praticaram aqueles actos possessórios convencidos que não eram os respectivos donos.
Ficando, aliás, tal questão já resolvida com a presunção de posse do detentor da coisa, que não foi ilidida – art. 1252.º, nº 2.
Assim tendo ficado provado o “corpus”, traduzido no exercício dos poderes de detenção e o “animus”, este através daquela mencionada presunção.
Mais não sendo necessário, provado que ficou também o decurso do prazo devido, para a aquisição do direito questionado por via da usucapião.
Fazendo a posse adquirir o direito desde que se mantenha durante certo período de tempo.
De nada valendo o registo, repete-se, contra a aquisição originária do direito de propriedade.
Procede, por tudo isto, o pedido reconvencional dos réus.
Oportunamente, após trânsito, e na 1ª instância, serão tomadas as necessárias providências para o cumprimento oficioso do averbamento de alteração do registo efectuado a favor do autor, impugnado, com êxito, nesta acção.
Custas pelo autor/recorrido.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014
Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Fernando Bento
___________________________
[1] Houve um primeiro recurso de apelação, também de ambas as partes, tendo sido, pela Relação, anulado o julgamento da 1ª instância sobre a matéria de facto.
[2] As atinentes à admissibilidade da revista excepcional já foram tidas em conta no acórdão que a admitiu.
[3] Os arts 29.º e 30.º da BI tem, respectivamente as seguintes redacções: “Como se donos fossem” e “Sem oposição de ninguém”. Ao art. 29.º foi dada a resposta de “Não provado”. A resposta a tal factualidade foi assim fundamentada na 1ª instância: “Nas respostas aos artigos 29.º e 30.º da base instrutória levou-se em consideração diversas circunstâncias que não permitiram firmar a segura e inequívoca convicção de que as ocupações é feita pelos Réus sem oposição de ninguém, na convicção de serem donos. A oposição à ocupação resulta desde logo dos depoimentos das testemunhas DD e HH quanto (…?) e (à) inscrição na matriz que claramente configura um acto contrário ao poder material exercido pelos Réus (o que remonta ao ano de 2003), a que acresce algumas conversas tidas pelo réu DD com o Réu, onde, de modo evidente, aquele invocou perante este a qualidade de proprietário do autor (isto ainda em 2002), chegando até, segundo disse e sem contradita de qualquer outro meio de prova, a ser alcançado com o réu um acordo com vista à aquisição da parcela de 188 m2 por banda dos réus, chegando mesmo a projectar-se a outorga da respectiva escritura …”
[4] Embora elencado sob o nº 21, trata-se, sequencialmente, do nº 20.
[5] Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem outra menção.
[6] E, como já dito, iremos tratar apenas do pedido de reivindicação dos réus, atinente à parcela de terreno com a área de cerca de 500 m2, que se encontra inserida dentro dos limites físicos da sua moradia e que, segundo também alegam, vai para alem da área descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 34 e inscrita na matriz sob o artigo 1151.º, abrangendo, ainda os prédios inscritos sob o art. 1517.º e parte do urbano inscrito sob o artigo 1518.º. Estando em causa a ocupação dos réus dos prédios inscritos sob os aludidos artigos 1517.º (área de 188 m2) e 1518.º. Por isso se fala, umas vezes, em parcelas de terreno e outras em parcela com a área global de cerca de 500 m2.
[7] O qual, por seu turno, prescreve que se presume que a posse continua em nome de quem a começou.
[8] Ac. uniformizador de jurisprudência de 14/5/96, DR II S. de 24/6/96.
[9] A posse é protegida apenas porque se presume que por detrás dela existe na titularidade do possuidor o direito real correspondente – Ac. do STJ de 8/5/2001, CJ S. Ano IX, T. 2, p. 57.
[10] Titulada, pacífica, pública, contínua e exercida em nome próprio.
[11] Ac. uniformizador de jurisprudência de 18/5/1999, Bol. 487, p. 32.
[12] Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, p. 352 e Acs do STJ de 27/11/93 (Joaquim de Carvalho), CJ S., T. I, p. 100, de 5/7/2001 (Silva Paixão), Pº 01A2097 e de 4/5/2004 (Pinto Monteiro), Pº 04A570, in www.dgsi.pt. Cfr., no entanto, José Alberto Gonzalez, A Realidade Registal Predial para Terceiros, p. 204 e segs.
[13] Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 367.
[14] A aquisição por via da usucapião, porque é originária, faz ceder o registo anterior ao início da respectiva posse, ainda que o mesmo exista – cit. Ac. do STJ de 18/5/1999.
[15] P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 290 e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, p. 765/766. Cfr., ainda, Ac. do STJ de 19/11/2009 (Urbano Dias), Pº 471/2001.C1.S1.
[16] Ac. do STJ de 19/9/2012 (Azevedo Ramos), Pº 973/09.8TBVIS.C1.S1