I A livre concorrência pode ser definida como a competição de mercado em que existe a igualdade de oportunidades para todos os produtores e a irrestrita possibilidade de opção para todos os consumidores. II Esta definição é válida, quer face ao direito europeu, quer face ao direito interno. III Consequentemente, constituem práticas violadoras das regras de mercado aquelas de que resulte a diminuição das oportunidades de um ou mais produtores, ou das possibilidades de escolha dos consumidores. IV A cláusula do contrato de concessão que determina que o concessionário apenas pode comercializar o produto numa determinada área territorial não viola os princípios de livre concorrência, por não integrar uma partilha de mercado.
“1. Julga-se juridicamente irrelevante a alegação da apelante constante de fls. 1208 a 1210, desde a expressão "Com profundo espanto fica a recorrente" até "vender fora do território concedido a cada um deles";
2. Julga-se inadmissível a apresentação do requerimento de fls. 1229 a 1231, ordenando-se o desentranhamento do mesmo e a entrega à apelante, após trânsito.
3. Indefere-se a pretensão de reenvio.
4. Julga-se improcedente a apelação, mantendo -se a sentença recorrida.
5.Condena-se a apelante no pagamento das custas da apelação, bem como nas custas relativas ao incidente a que se reportam os n°s 1 e 2, fixando-se a taxa de justiça em 3UC, nos termos do art. 7o, n°4 do Regulamento das Custas Processuais e de acordo com a tabela II anexa ao diploma, percentagem que se afigura correcta ponderando que a autora reincidiu nesta sua actuação, não se mostrando sensível a condenação anterior, por motivos similares - cfr. o despacho de fls. 308 e 309 dos autos.
6. Notifique.”
Recorre novamente a autora, a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões:
1 O efeito cumulativo de todos os contratos de concessão celebrados pela ré com os seus concessionários espalhados por todo o território português implica a repartição geográfica do mercado, prática restritiva esta proibida pela alínea d) do nº 1 do art.º 4º da LdC e pela alínea c) do nº 1 do art.º 81º do Tratado.
2 O ónus da prova de uma violação do nº 1 do art.º 81º do Tratado incumbe ao alegante de tal violação, incumbindo à empresa que invoca o benefício do disposto no nº 3 do mesmo art.º 81º o ónus de provar o preenchimento das condições nele previstas.
3 Bastava, portanto a ré ter alegado factos dos quais se pudesse inferir que o seu sistema de vendas contribuía para fomentar a concorrência.
4 Os contratos em causa, não beneficiam da isenção por categoria para acordos tipo de distribuição comercial nos sectores do comércio e indústria – Regulamento 2790/1999 de 22.12., sendo certo que a ré também não alega nem demonstra que tais contratos beneficiavam de uma isenção individual.
5 Consequentemente, a cláusula ao abrigo da qual a ré resolveu o contrato era proibida, portanto nula, donde que essa resolução tenha sido ilícita.
6 Se a autora e a ré tivessem previsto que a dita cláusula era proibida pela Lei da concorrência, teriam querido o mesmo contrato, dela expurgado, o que tudo aponta para a redução do contrato, pelo prazo máximo que fosse admitido, ou seja, por cinco anos.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Vêm dados por assentes os seguintes factos:
1-A autora é uma sociedade comercial por quotas constituída por escritura pública outorgada no dia 6.1.1998, no então Cartório Notarial de Caminha, que se dedicava à comercialização de produtos alimentares e de bebidas e à distribuição, comercialização e assistência técnica de DD gás no concelho de Caminha.
2-A ré é uma sociedade comercial que se dedica, essencialmente, à pesquisa e exploração de petróleo bruto e gás natural, à refinação de petróleo bruto e seus derivados e ao transporte, distribuição e comercialização de petróleo bruto e seus derivados e gás natural.
3-A ré produz e comercializa os combustíveis e o gás que ostentam as marcas DD e DD Gás.
4-Em ordem a organizar a distribuição e comercialização do DD Gás, por forma a executar a sua política comercial, libertando-se dos riscos da comercialização, a ré possui uma estrutura de intermediação - "Rede de Revenda" - apta a fazer a colocação de DD Gás no mercado de consumo.
5-Esta rede de revenda caracteriza-se pela celebração de um conjunto de contratos, associando a ré a uma pluralidade de revendedores, cada um dos quais responsável pela distribuição e assistência técnica do DD Gás numa área geograficamente delimitada.
6-Assim a distribuição de DD Gás no território nacional é levada a cabo por empresas independentes e estranhas a ela, especializadas em razão da sua aptidão técnica e comercial e vulgarmente designadas por "revendedores", dotados com serviços de encomendas de gás, serviço de entregas e distribuição ao domicílio e serviço de instalação de gás em garrafa.
7-A ré tinha sete revendedores no distrito de Viana do Castelo, a cada um dos quais conferiu a distribuição do DD Gás numa área determinada, por regra correspondente a um concelho, por ela designado por "concelho de influência" do revendedor.
8-Esses revendedores eram os seguintes:
a) A Distribuidora EE, Lda, cujo "concelho de influência" era o de Arcos de Valdevez;
b) A autora, cujo "concelho de influência" era o de Caminha;
c) FF, Filho & C.a, Lda, cujo "concelho de influência" era o de Ponte da Barca;
d) GG & Filhos, Lda, cujo "concelho de influência" era o de Ponte de Lima;
e)HH & Filhos, Lda, cujos "concelhos de influência" eram os de Valença,
Melgaço, Monção, Paredes de Coura e V. N. de Cerveira;
f) II - JJ, Lda, cujo "concelho de influência" era o de V. do Castelo;
g) LL & F°, Lda, cujo "concelho de influência" era o de V. do Castelo.
9-A autora foi revendedora da ré, inicialmente de MM e posteriormente de DD Gás, tendo procedido à venda destes produtos desde 16 de Junho de 1966 até 2 de Abril de 2008.
10-Em 16 de Junho de 1966 o Sr. CC e a então MM subscreveram um documento escrito, mediante o qual a MM, concedia ao depositário CC, o direito de vender na área do concelho de Caminha, gás liquefeito denominado MM.
11- O contrato entrou em vigor na data da sua assinatura, e vigorava pelo prazo de 3 anos (cl. XVI).
12-Por via deste contrato, o depositário CC, ficou adstrito a:
a) vender exclusivamente no concelho de Caminha MM (cláusula II);
b) envidar todos os seus esforços no sentido de aumentar as vendas de MM;
c) não vender, directa ou indirectamente, gás liquefeito que não lhe tivesse sido fornecido pela MM (cláusula III);
d) usar todo o zelo e diligência em tudo quanto respeite à manipulação e armazenamento das garrafas de MM (cláusula IV);
e) distribuir por sua conta e risco as garrafas de gás aos consumidores e o retorno das garrafas vazias (cláusula V);
f) prestar aos consumidores toda a assistência técnica de que estes carecessem (cláusula VI);
g) ficar fiel depositário de todo o material de distribuição (garrafas, válvulas, reguladores, etc) (cláusula VII);
h) aceitar as condições de venda, de distribuição e de facturação de MM (cláusula XII);
i) constituir stock e de pagar a pronto o preço do MM que lhe fosse fornecido pela então MM, devolvendo, nessa altura, um número de garrafas vazias igual ao número de garrafas cheias recebidas (cláusula XII);
j) seguir as instruções da MM em tudo quanto respeitar aos preços de venda bem como à concessão de créditos e de descontos (cláusula XIII);
1) prestar inteira colaboração ao pessoal MM, seguindo as instruções que por ele lhe forem transmitidas, e a de participar nos programas de publicidade e das campanhas de promoção de vendas organizadas pela MM (cláusula XV);
13-A MM reservou-se o direito de conceder a terceiros o direito de venda de MM dentro do concelho de Caminha se assim julgasse conveniente para o desenvolvimento da respectiva actividade (cláusula I, § único).
14-Após a revolução de 25 de Abril de 1974 a MM e a NN foram nacionalizadas e incorporadas numa única empresa que passou a denominar-se BB, S.A., ora ré.
15-Passando o gás a ser comercializado sob a marca DD GÁS.
16-A firma CC continuou a exercer a sua actividade até 21.07.2005.
17-Data a partir da qual a autora substituiu, com o acordo da ré, a actividade de distribuição e assistência técnica do DD GÁS no concelho de Caminha.
18-A autora comprava regularmente à ré o DD GÁS em garrafas tradicionais e "Plumas", que a mesma produz e comercializa e vendia-o, por sua conta e risco, na referida área de influência.
19-Os clientes da autora eram consequentemente os retalhistas e os estabelecimentos de restauração e hotelaria bem como os consumidores finais do concelho de Caminha.
20-As características do relacionamento comercial estabelecido entre a autora e a ré, a partir dessa data, bem como a natureza das respectivas obrigações recíprocas, foram sendo progressivamente propostas pela ré, verbalmente ou por escrito e aceites pela autora.
21-Assim, a autora adquiria o conteúdo líquido do DD gás da ré ao preço por esta estabelecido, pagando-o a pronto.
22-A autora beneficiava de uma margem de comercialização, correspondente à diferença entre o preço que revendia o DD gás aos seus clientes e o preço pelo qual o adquiria à ré.
23-O gás DD era posteriormente revendido pela autora a cervejarias, restaurantes, snacks, cafés, pastelarias, tabernas, casas de pasto, cantinas de empresas, bares de hospitais, bares de quartéis militares, bares de parques de campismo, bares de praia, bares nocturnos, boites, pub's, discotecas, supermercados, cooperativas, cantinas, mercearias, postos de abastecimento de combustíveis, bem assim como a outros estabelecimentos hoteleiros e de retalho, bem como a consumidores particulares.
24-A ré entregava DD GÁS à autora no armazém desta.
25-Após, a autora distribuía os DD gás no concelho pelo qual era responsável, alienando-o aos diversos tipos de clientes.
26-A ré não vendia directamente os seus produtos aos clientes das áreas do concelho confiado à autora.
27-A autora teve de manipular e armazenar as garrafas DD gás de acordo com a regulamentação legal em vigor, sobretudo no que respeitava às normas de segurança, sendo da sua exclusiva responsabilidade e risco as consequências daquelas operações.
28-Por carta datada de 13 de Fevereiro de 2008, ré comunicou à autora que:
"Exmºs. Senhores,
Como é do vosso conhecimento, a revenda do DDGÁS no concelho de Caminha foi atribuído ao Sr. CC, por contrato celebrado em 16 de Junho de 1966, com a Sociedade Nacional de Petróleos, S.A.R.L. - MM, sociedade esta integrada na BB após o 25 de Abril.
Após o falecimento do Sr. CC, ocorrido em Novembro de 1995, o negócio de revenda do DDGÁS continuou a ser desenvolvido, sempre à luz e no âmbito do aludido contrato, pelos seus herdeiros, a viúva, Sr3 Da OO, e os filhos de ambos, os V/ dois únicos sócios e gerentes, Srs. PP e QQ Posteriormente, em Junho de 2001, faleceu a Sr3. Da OO, tendo desde então o negócio de revenda do DDGÁS continuado a ser explorado, sempre à luz e no âmbito do mesmo contrato, pelos dois herdeiros e filhos, os V/ referidos sócios e gerentes. Finalmente, a partir de 2005, de acordo com a solicitação que nos foi feita, o negócio da revenda do DDGÁS no concelho de Caminha passou a ser exercido directamente por V. Exas. e, como até então, sempre com referência aos termos e condições do aludido contrato de 16 de Junho de 1966. Como é do conhecimento de V. Exas., a área geográfica atribuída à V/ sociedade para a revenda do DDGÁS circunscreve-se ao concelho de Caminha, de acordo com o que se acha estipulado no mencionado contrato e com a prática assumida e seguida sempre.
Repetidamente temos instado V. Exas. a respeitarem a área que lhes está atribuída e a absterem-se de invadir áreas de outros revendedores da BB e, sobretudo, de fornecerem clientes pertencentes a esses outros revendedores. Foram feitas várias reuniões com V. Ex.ªs para os sensibilizarmos para a necessidade de respeitarem esta V/obrigação contratual, para actuarem de forma mais agressiva no concelho de Caminha, desde há uns anos dominada pela BP, e parar, de uma vez por todas, de fornecer clientes de áreas geográficas afectas a outros revendedores.
Em total desrespeito para com as nossas chamadas de atenção, avisos e insistências sistemáticas e mais grave ainda, com uma absoluta indiferença pelos direitos e interesses dos revendedores de DDGÁS, V. Exas. persistem deliberadamente em fornecer clientes de outras áreas geográficas, com isso suscitando inúmeras reclamações dos nossos revendedores e um profundo mal estar na rede de revenda das áreas em causa.
Em face do exposto, e porque não estamos mais dispostos a tolerar o comportamento infractor de V. Exas., manifestamente violador das obrigações consignadas nas cláusulas I, II e III do mencionado contrato, vimos, pela presente, declarar a resolução, com efeitos imediatos, do contrato celebrado em 16 de Junho de 1966, pondo desse modo termo à relação comercial que temos mantido com a V/sociedade."
29-A aludida carta foi remetida em 19/02/08 para o local da sede da autora.
30-Tentada a sua entrega em 20/02/08, esta frustrou-se, tendo sido tentada nova entrega em 21/02/08 e 22/02/08, tendo sido nesta data deixado o respectivo aviso na sede da autora para proceder ao seu levantamento na estação dos CTT.
31-Esta carta foi recebida pela autora em 02/04/08.
32-A esta carta a autora respondeu por carta datada de 02 de Abril de 2008 com o seguinte teor:
"Acusamos a recepção da vossa carta datada de 13 de Fevereiro de 2008 e recepcionada em 02 de Abril de 2001, cujo conteúdo nos mereceu a melhor atenção, senão até alguma surpresa. Em tempo efectuou-se nas nossas instalações uma reunião com os vossos comerciais, onde se deliberou, que se iria promover uma nova reunião para nos serem entregues os clientes do nosso concelho (Caminha), que estão a ser fornecidos por Viana do Castelo. Posteriormente enviou-se um e-mail dando conta dos clientes em questão, mantendo-se na mesma agendada a referida reunião para se concretizar a passagem desses clientes para a nossa carteira e consequentemente os futuros fornecimentos.
Os clientes que V. Exas. apontam que foram fornecidos por nós, tal já não acontece, pois fizemos questão de cumprir com o que ficou acordado na reunião, embora a segunda reunião, como atrás dissemos não se tivesse ainda efectuado, fazemos questão em usar de toda a lisura e transparência neste assunto.
Foram efectuados esforços por via telefónica, não só para marcar a data para a segunda reunião, mas também para informai- que o parque de armazenamento de garrafas se encontrava legalizado, dando assim cumprimento às actuais exigências que nos foram comunicadas. Na área da distribuição do Concelho de Caminha, foi aumentada e dinamizada a nossa prestação de serviços, pois os aumentos que verificamos foram sempre em detrimento da concorrência (B.P.), pois a nossa proposta era clara, dinamizar e aumentar vendas no concelho de Caminha, pondo termo a todos e quaisquer mal entendidos que possam existir, Esperamos da vossa parte a melhor compreensão para que um relacionamento comercial com décadas de anos, não seja interrompido por questões que apenas o diálogo e a celeridade na resolução de pequenos casos o não permitiu, acreditando que V. Exas. estarão disponíveis para fazer prevalecer o bom relacionamento e enquanto parceiros comerciais acreditarem nas nossas intenções e actos. Assim: vimos por esta via solicitar a marcação de uma reunião com carácter de urgência nas vossas ou nossas instalações, para que de uma forma sensata se discutam com exaustão os problemas que todos nós conhecemos. Ficamos a aguardar a disponibilidade que nos for dispensada". 3 3-A ré cortou o fornecimento de gás à autora a partir de 02/04/08.
34-O revendedor da ré, II, Lda, com sede em V. do Castelo, revendia gás DD no concelho de Caminha.
35-A II, Lda e o HH & Filhos, Lda tinham celebrado com a ré contratos semelhantes ao que então vigorava entre a autora e a ré com a diferença de que enquanto à autora estava confiada a distribuição no concelho de Caminha, à II, Lda, estava confiada a distribuição no concelho de V. do Castelo e à HH & Filhos, Lda a distribuição nos concelhos de Valença, Monção, Melgaço, Paredes de Coura e V. N. de Cerveira.
36-Alguns meses antes do envio da carta referida em AA), realizou-se nas instalações da autora, uma reunião entre os responsáveis comerciais da ré, e o representante legal da autora, destinada a resolver a questão das vendas realizadas por todos os revendedores da ré do distrito de Viana de Castelo fora das respectivas áreas de responsabilidade e de cada um deles.
37-A autora revendia DD gás a um cliente sedeado em Monção e a dois outros clientes sedeados em V. N. de Cerveira.
38- O concelho de Caminha tem dois desses postos: o centro de Caminha e o duplo do camarido.
39-Aquando do lançamento das garrafas "Plumas" a ré enviou à autora apenas uma grade especial para essas garrafas para ser colocada no posto do centro de Caminha.
40-E a grade especial para o posto duplo de Camarido foi colocada, pela II, Lda.
41-Durante os anos da vigência das relações comerciais entre a autora e a ré para o concelho de Caminha, a ré durante esse lapso de tempo não nomeou outro revendedor para esse concelho.
42-Em 14.3.2008, foi emitida pela Câmara Municipal de V. N. de Cerveira, a licença de exploração n.° 18/08, destinada à instalação de reservatório de parque de garrafas de gás, com a capacidade de 22.000 litros, pelo prazo de 20 anos.
43-A ré através de fax enviado em 27.09.2007 declarou à autora que "(...) verificamos com apreço o facto de estarem a desenvolver esforços, no sentido da obtenção dos requisitos legais necessários e imprescindíveis ao exercício da actividade de armazenagem de taras de GPL.
Informa-nos o Sr. José que terá o processo de licenciamento concluído e posse do respectivo alvará de exploração (do qual nos fornecerá cópia), na próxima semana.
Neste contexto, informamos V. Exas. de que caso tal não se verifique nos veremos obrigados a suspender os abastecimentos, ao vosso actual parque de armazenagem, a partir do próximo dia 08 de Outubro de 2007. Poderão em alternativa, de acordo com o anteriormente solicitado, informar-nos de um local de descarga, sempre de caracter provisório, devidamente licenciado (com alvará emitido) e apto a receber taras de GPL da DD em boas condições de operacionalidade e segurança, até que o vosso processo esteja devidamente concluído".
44-A ré, por carta datada de 13/02/06, comunicou à autora que: "Lamentavelmente, continuamos a ser confrontados com reclamações constantes dos nossos revendedores de Gás dos concelhos limítrofes de Caminha, designadamente de Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira, entre outros, pelo facto de V. Exas. persistirem com acções de aliciamento dos seus revendedores de 2ª linha, através da oferta do fornecimento do gás por preços especialmente reduzidos, factos esses que pudemos constatar através do simples contacto com alguns desses pontos de venda.”
45-Pela então MM era apresentado uma minuta de contrato aos seus propostos revendedores, com clausulas semelhantes para todos (resposta aos quesitos 2° e 3o).
46-O volume global de negócios realizado com os produtos da ré, equivalia no ano de 2006 a 30,31%, no ano de 2007 a 39,58% e no ano de 2008 a 33,19% do volume global de negócios da autora (resposta aos quesitos 4o e 43°).
47-Pelos clientes finais da autora era caucionado o valor do vasilhame de gás entregue (resposta ao quesito 5o).
48-A autora, de acordo com um programa da ré de incentivos denominado "Pricing", se atingisse os objectivos ai fixados, beneficiaria de descontos concedidos pela ré (resposta ao quesito 6o).
49-A autora conhecia bem o concelho de Caminha e a clientela aqui sediada (resposta ao quesito 9o).
50-Sendo, por seu turno, conhecida na região (resposta ao quesito 10°).
51-A autora usava esse conhecimento para prospeccionar o mercado, angariar novos clientes, aumentar as compras por parte dos clientes regulares, detectar necessidades de abastecimento e assegurar a presença de DD gás na área que lhe fora confiada (resposta ao quesito 1 Io).
52-A autora executava ainda, por sua conta ou por conta da ré, as iniciativas promocionais de descontos, bónus e reclames que lhe eram indicados pelos responsáveis comerciais da mesma, verbalmente ou por escrito (resposta ao quesito 12°).
53-A autora realizava também, por sua conta, publicidade em revistas, jornais e rádios, bem assim como em feiras e exposições locais (resposta ao quesito 13°).
54-Inicialmente e até sensivelmente à data em que a distribuição da DD Gás foi levada a cabo pela firma antecessora da autora, CC, nenhum outro revendedor da ré revendia o DD Gás nas áreas do concelho de Caminha (resposta ao quesito 19°).
55-Em virtude da comercialização do gás, a autora teve de dispor de uma área descoberta para o armazenamento deste gás e manutenção de um stock necessário e adequado à cobertura do mercado (resposta ao quesito 21°).
56-A autora utilizava um empilhador e tinha posto de abastecimento próprio (resposta ao quesito 22°).
57-A autora utilizava duas viaturas de transporte de gás, ostentanto as inscrições publicitárias com cores e marcas segundo indicação e modelo dado pela autora (resposta ao quesito 23°).
58-A autora admitiu um vendedor para comercializar o DDgás (resposta ao quesito 24°).
59-Teve de dispor de papel timbrado e facturas devidamente identificadas com a marca DD gás. (resposta ao quesito 25°).
60-Foi em resultado da actividade de promoção e distribuição desenvolvida pela autora e pela firma CC que lhe antecedeu, que foram implementadas as vendas do gás da ré na área geográfica confiada à autora (resposta ao quesito 28°).
61-A marca MM surgiu no mercado em 1966 (resposta ao quesito 29°).
62-Foi a CC que iniciou a comercialização e distribuição do gás da ré no concelho de Caminha (resposta ao quesito 30°).
63-A autora até 02/04/08, angariou cerca de 700 clientes particulares que consumiam habitual ou regularmente DD gás (resposta ao quesito 3 Io).
64-Até 02/04/08, a autora efectuava vendas a cerca de 37 estabelecimentos retalhistas (resposta ao quesito 32°).
65-Em 2003, a ré facturou à autora 235.796,586 em produtos abrangidos pelo contrato (resposta ao quesito 33°).
66-Em 2004 a ré facturou à autora 230.177,586 em produtos abrangidos pelo contrato (resposta ao quesito 34°).
67-Em 2005 a ré facturou à autora 235.248,606 em produtos abrangidos pelo contrato (resposta ao quesito 35°).
68-Em 2006, a ré facturou à autora 281.193,16 em produtos abrangidos pelo contrato (resposta ao quesito 36°).
69-Em 2007 a ré facturou à autora 284.661,576 em produtos abrangidos pelo contrato (resposta ao quesito 37°).
70-No ano de 2003 a margem bruta de comercialização dos produtos abrangidos pelo contrato e correspondente à diferença entre o preço pago à ré pela autora e o preço facturado por esta aos seus clientes foi de 53.864,15€ (resposta ao quesito 38°).
71-A referida margem bruta foi de 47.782,861 em 2004 (resposta ao quesito 39°).
72-De 40.511,05€ em 2005 (resposta ao quesito 40°).
73-De 42.972,11€ em 2006 (resposta ao quesito 41°).
74-De 49.954,016 em 2007 (resposta ao quesito 42°).
75-A autora realizava negócios de compra e venda de produtos alimentares e bebidas que no triénio 2006, 2008 representaram entre 60 a 70% do seu volume de negócios (resposta ao quesito 44°).
76-A autora manteve o stock adequado às necessidades de mercado que lhe havia sido confiado (resposta ao quesito 46°).
77-A autora com o licenciamento na Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, da instalação de armazenamento de gás, despendeu 6773,50 (resposta ao quesito 53°).
78-Em consequência da resolução contratual operada pela carta referida em AB), a autora cessou completamente a sua actividade (resposta ao quesito 62°).
79- O que não aconteceria se tivesse disposto de tempo suficiente para reconverter a sua actividade ou obter novas concessões o que implicaria contactos e negociações morosas, que a autora não conseguiu sequer iniciar (resposta ao quesito 63°)
80-Após a cessação da distribuição de DD gás pela autora, os novos revendedores nomeados para a área pela ré, ficaram com os clientes angariados pela autora ao longo dos anos (resposta ao quesito 64°).
81-A autora não beneficia dos negócios que, após a cessação do contrato vierem a ser celebrados entre os novos revendedores da ré para a zona e a clientela angariada pela autora, relativamente ao DD Gás (resposta ao quesito 65°).
82-Após a resolução contratual a autora deixou de obter a diferença entre o custo de aquisição dos produtos da ré e o preço de venda dos mesmos que, em 2007, ascendeu a 49.954,016 (resposta ao quesito 67°).
83-Em 21/02/05, foi dado conhecimento à ré do falecimento de CC
-abertura ao público da loja de Caminha;
-credenciação da empresa como instaladora de gás, de forma a poder prestar serviços de assistência técnica e montagem de aparelhos;
-efectivação de seguro de responsabilidade civil inerente ao exercício da actividade;
-cumprimento de todos os requisitos contratuais, nomeadamente no que respeitava aos objectivos de vendas e deveres de informação;
-respeito pelas áreas concelhias atribuídas a outros revendedores (resposta ao quesito 77°).
85- Já nessa ocasião, a ré confrontou os representantes da autora, com o facto de a mesma estar a fornecer clientes situados nas áreas atribuídas a outros revendedores (resposta ao quesito 78°).
86-Tendo ainda referido que repudiava tal actuação, que até poderia dar origem a resolução contratual (resposta ao quesito 79°).
87- Os representantes da autora nessa reunião aceitaram todas estas indicações e afirmaram que iriam proceder da firma sugerida, (resposta ao quesito 80°).
88- A ré apenas permitiu que a firma II Lda. contactasse os clientes do Concelho de Caminha, que eram anteriormente clientes de uma sociedade sua revendedora, a Sociedade Vienense de Petróleos Lda., com a qual cessara relações comerciais (resposta ao quesito 81°).
89-E apenas porque a autora não contactou esses clientes no sentido de lhes fornecer gás engarrafado (resposta ao quesito 82°).
90- Pelo que tais clientes estavam a ser contactados por sociedades revendedoras de marcas concorrentes (resposta ao quesito 83°).
91- A autora mesmo após a reunião de 22/03/05, continuou a fornecer e a angariar clientes das áreas de outros revendedores, mediante a prática de preços de venda abaixo dos praticados pelos outros revendedores (resposta ao quesito 84°).
92- Mas sem que tal redução se reflectisse posteriormente no preço de venda ao público (resposta ao quesito 85°).
93-Mesmo após o envio da carta referida na alínea AT), datada de 13/02/06, a autora persistiu na sua conduta e ainda angariou novos clientes sitos nas áreas de outros revendedores (resposta ao quesito 86°).
94-A II Lda. em 2005, queixou-se junto da ré de que a autora se encontrava a fornecer ex-clientes seus, constantes da área geográfica que lhes estava atribuída, como sejam RR e SS (resposta ao quesito 87°).
95-A ré face a estes factos promoveu nova reunião no Verão de 2007, com a autora e II Lda, tendo nessa reunião a autora assumido o compromisso de abandonar os fornecimentos aos clientes constantes das áreas geográficas de outros revendedores (resposta ao quesito 89°).
96-E a II Lda. assumiu o compromisso de abandonar o fornecimento aos clientes da área da autora, assim que esta deixasse de fornecer os clientes da área que lhe tinha sido atribuída (resposta ao quesito 90°).
97-No entanto, mesmo após esta reunião a autora continuou a abastecer clientes das áreas de outros revendedores (resposta ao quesito 91°).
98-A área de armazenamento destinada ao gás é uma área descoberta, situada ao fundo do armazém coberto e de dimensões reduzidas (resposta ao quesito 94°).
99-A autora tem neste momento na sua posse os seguintes bens, que são propriedade da ré:
- 61 (sessenta e uma) garrafas de gás de 11 Kg, no valor unitário de 14,96€ (catorze euros e noventa e seis cêntimos);
- 9 (nove) garrafas de gás de 11 Kg FL, no valor unitário de 14,96€ (catorze euros e noventa e seis cêntimos);
- 70 (setenta) garrafas de gás 12 Kg (Pluma), no valor unitário de 20,00€ (vinte euros);
- 525 (quinhentas e vinte cinco) garrafas de gás de 13 Kg, no valor unitário de €14,96 (catorze euros e noventa e seis cêntimos);
- 24 (vinte e quatro) garrafas de gás de 45 Kg, no valor unitário de 39,90€ (trinta e nove euros e noventa cêntimos);
- 10 (dez) paletes de transporte G26, no valor unitário de 251,60€ (duzentos e cinquenta e um euros e sessenta cêntimos);
- 2 (duas) paletes de transporte Gl10, no valor unitário de 299,00€ (duzentos e noventa e nove euros).
100-Todo este material foi deixado nos clientes, pela autora (resposta ao quesito 99°).
III
Apreciando
No essencial, alega a recorrente que a cláusula do contrato de concessão que celebrou com a ré e que limita a área onde poderá vender o produto em questão, viola as regras da concorrência porque estabelece uma partilha de mercado, o que era proibido pelo art.º 4º nº 1 alínea d) da Lei 18/2003 de 12.06, vigente à data da resolução do contrato. Tal proibição também decorre do art.º 81º nº 1 alínea c) do TCE.
A este respeito importa, pois, saber :
A - O que se entende por concorrência;
B - O que se entende por violação das suas regras;
C - Como é que a partilha de mercado integra uma forma de tal violação;
D – Se no caso dos autos a limitação da concessão a uma determinada área territorial constitui uma partilha de mercado.
A – Decorrente do princípio ideológico do séc. XVIII do “laissez faire, laisser passer” formou-se a ideia de que o mercado só atinge todas as suas virtualidades quando funciona com um mínimo de restrições e sem práticas que cerceiem a plena liberdade dos que nele actuam. Ou seja, quando funciona em competição. Este tipo de funcionamento é o que se chama a concorrência. Pode, por isso a concorrência ser definida como:
A competição de mercado em que existe a igualdade de oportunidades para todos os produtores e a irrestrita possibilidade de opção para todos os consumidores.
O objectivo é, pois, que a concorrência seja livre, sendo proibidas as actuações que a visem limitar ou condicionar.
Estes princípios são hoje comummente aceites na ordem internacional, reflectindo-se não só nos tratados, mas também nas ordens jurídicas internas.
O Tratado da União estabelece o princípio da livre concorrência nos seus art,ºs 2º - um dos fins da União é estabelecer um elevado grau de competitividade das economias - , 3º nº 1 alínea g) – a necessidade de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno - e art.º 4º defesa de uma política económica conduzida de acordo com o princípio do mercado aberto e de livre concorrência.
Na ordem interna portuguesa vigorava, à data da resolução do contrato, a lei nº 18/2003 de 11.06 – revogada pela lei nº 19/2012, de 08.05 – a qual estabelece o funcionamento da concorrência em termos análogos aos do Tratado.
Note-se que o Tratado não dá uma definição teórica do que seja a livre concorrência, sendo, no entanto, possível extrair o conceito de diversos dos seus preceitos, nomeadamente daqueles que foram atrás referidos e do seu art.º 81º que prevê as infracções ao principio da livre concorrência. De forma que é válida, face ao direito português e face ao direito europeu a definição atrás proposta para a livre concorrência.
B – As normas nacionais e europeias que previnem as práticas proibidas por violarem a livre concorrência não são taxativas, mas apenas indicativas das práticas mais relevantes. É o que decorre do factos das normas que as prevêem usarem as expressões “designadamente” e “nomeadamente”.
Assim, são práticas proibidas não só aquelas previstas nesses normativos, mas quaisquer outras que ponham em causa a liberdade da concorrência, entendida esta pelo modo definido em A.
Logo, constituem práticas violadoras das regras de mercado aquelas de que resulte a diminuição das oportunidades de um ou mais produtores, ou das possibilidades de escolha dos consumidores.
C- De qualquer modo, a prática em apreço nestes autos está expressamente nos preceitos atrás citados – art.º 4º nº 1 alínea d) da lei 18/2003 e art.º 81º nº 1 alínea c) do TCE, ou seja, a partilha de mercado.
A partilha de mercado surge quando os produtores se conluiam por forma a separar as respectivas ofertas, de modo que, num determinado momento, os consumidores só encontram o produto de um daqueles, eliminando-se, portanto, a sua possibilidade de escolha e, consequentemente, a competição entre os produtores. Exclui-se, por este meio, a concorrência e a formação natural do preço. O que, por tudo o que vimos dizendo, constitui uma prática ilícita.
D – Cabe finalmente ver se um contrato de concessão de venda, limitando-se a sua área de actuação a um determinado território integra uma partilha de mercado.
Do ponto de vista económico, que não jurídico, esta concessão significa apenas o estabelecimento de um “balcão de venda”. O concessionário actua como um agente do verdadeiro produtor, aquele que lhe deu a concessão. É um intermediário da oferta, não um produtor autónomo. Em conjunto formam, para efeitos de concorrência, uma única empresa, tal como entende o art.º 2º nº 2 do da lei 18/2003 e o artº 3º nº 2 da lei 19/2012: “Consideram-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica”.
O que significa que a ré e cada um dos seus concessionários formam uma única oferta no mercado, não sendo possível, nem tendo sentido, a competição consigo próprio. E isso aconteceria se se pudesse conceber a competição entre diversos concessionários do mesmo produtor.
Aliás, entendimento contrário levaria ao absurdo de ter-se de considerar que para um dado mercado só pudesse haver um único concessionário, ou concessionários integralmente sobrepostos. Em qualquer dos casos estaríamos sempre fora da competição de mercado e antes na concorrência interna.
No caso vertente, onde deve existir a livre concorrência é entre o concessionário de uma marca e o de outra, que o mesmo é dizer concorrência entre uma marca e outra. É esta a competição que permite a opção dos consumidores (não a escolha entre os concessionários da mesma marca) e é também ela que interessa aos produtores.
Falece, assim, a alegação básica da causa de pedir e da revista que é a de que a cláusula que limita a área da concessão é ilícita por integrar uma partilha de mercado, ficando, por isso, prejudicadas as restantes questões levantadas.
Termos em que improcede o recurso.
Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 3 de Abril de 2014
Bettencourt de Faria (Relator)
Pereira da Silva
João Bernardo