HOMICÍDIO QUALIFICADO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
CULPA
ILICITUDE
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
IDADE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
Sumário

I -A atenuação especial regulada no CP funda-se no pressuposto material da diminuição da culpa (na qual se reflete também a da ilicitude) ou das exigências da prevenção. Já, porém, no caso dos jovens delinquentes, os requisitos de aplicabilidade da atenuação especial constante do art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, são diferentes: desde logo, a idade, que funciona como pressuposto formal, que é condição necessária, mas não suficiente; depois, um requisito de ordem material: haver “razões sérias” para o tribunal acreditar que a atenuação especial favorecerá a “reinserção social” do condenado.
II - Não se exige, portanto, nem diminuição da culpa/ilicitude, nem da necessidade da pena, o que demonstra a autonomia deste tipo de atenuação especial, a sua especificidade, relativamente à idêntica figura regulada no CP.
III - Daqui se retira que a atenuação especial não pode ser recusada com fundamento exclusivo em razões preventivas ou de culpa. A culpa pode ser intensa, ou as exigências de prevenção geral muito fortes e, ainda assim, ser possível formular um juízo favorável sobre as vantagens da atenuação da pena para a reinserção do condenado, em que o legislador aposta fortemente pelas razões já apontadas. Tudo dependerá da ponderação global das circunstâncias do caso.
IV - Analisados os factos dos autos, constata-se que o percurso pessoal do arguido (que à data dos factos tinha 18 anos de idade), quer no aspeto familiar, quer no aspeto social, não apresenta traços de marginalidade ou desviância. Ele foi uma criança/adolescente normal, não sendo conhecidos comportamentos desviantes ou tendência para a marginalidade. Até à prática dos factos dos autos, nada de negativo se pode apontar à conduta social do arguido. Os factos dos autos apresentam-se, pois, como uma conduta excepcional face ao comportamento anterior do arguido.
V - Contudo, essa singularidade não favorece a aplicação do regime penal para jovens. A atitude do arguido não foi determinada nem influenciada por problemas de inserção social ou de formação da personalidade, pelo que não tem sentido aplicar um regime que procura incentivar a “reinserção social” ou “reeducação” do delinquente.
VI -No que respeita à determinação da medida concreta da pena neste crime de homicídio qualificado, ressalta de imediato o enorme grau da ilicitude do crime, manifestado sobretudo no modo da sua execução. Na verdade, o recorrente começou por utilizar um ardil para atrair a vítima ao local do crime; depois, agindo inicialmente de surpresa, agrediu sucessivamente, sempre em conjunto com outra pessoa, por diversas formas e meios, a vítima, num crescendo de agressividade, esfaqueando-a depois com 13 golpes em zonas vitais, e, por fim, atingindo-a na cabeça com um bloco de cimento de grandes dimensões, rematando as agressões sucessivas com o atear de fogo às pernas da vítima quando esta ainda se encontrava viva, embora em fase agónica.
VII - Trata-se inegavelmente de um comportamento brutal, bárbaro mesmo, que excede largamente o padrão que o crime qualificado de homicídio pressupõe como “típico”. As exigências da prevenção geral são também particularmente fortes, impondo-se a defesa da vida humana, valor jurídico máximo, como missão central do direito penal, valor esse que, no caso, foi rudemente violado.
VIII - Perante as razões expendidas, considera-se que a pena fixada (19 anos de prisão), numa moldura de 12 a 25 anos de prisão, contempla, embora porventura pelo limiar mínimo, as exigências da prevenção, não excedendo de forma alguma a medida da culpa.



Texto Integral

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. Relatório

AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 3.7.2013 da 1ª Vara Mista de Loures, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, e) e j), do Código Penal (CP), na pena de 19 anos de prisão.

            Desse acórdão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 19.11.2013, negou provimento ao recurso.

            Novamente inconformado, recorre agora o arguido para este Supremo Tribunal, alegando em conclusão:

                1 - Vem o presente recurso interposto do acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferido pela 3.ª Secção, em recurso de decisão da 1.ª Vara Mista do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures, firmado no processo n.º 368/12.6PFLRS, sendo que a decisão recorrida manteve o acórdão da primeira instância, extirpando os vícios que lhe haviam sido apontados, e, por isso, apesar do muito e devido respeito, não pode merecer a concordância do Arguido e daí o presente recurso, que, mantém a impugnação da matéria de facto dada como assente, arguindo a Nulidade do acórdão e ilegalidade da medida da pena, requerendo uma melhor aplicação do direito, nos termos das Motivações e conclusões que infra seguem.

NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA

2 - O Recorrente apresentou recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, onde sindicou o Acórdão condenatório da 1.ª Vara Mista de Loures, firmado no processo supra identificado, invocando os vários defeitos que, no seu entender, o Douto Acórdão padecia.

3 - Os defeitos invocados foram:

Foi dado como assente que o arguido cometeu o crime de homicídio qualificado, com fundamento na premeditação de matar a vítima, contrariando o parecer médico psiquiátrico e outros dados de factos, o que resulta de errada apreciação da prova;

Foi dado como assente que o arguido não demonstrou arrependimento, novamente contrariando o parecer médico psiquiátrico;

Não se aplicou o regime especial para jovens menores de 21 anos, constante do Dec. Lei 401/82, sendo certo que o arguido na data dos factos tinha 18 anos, com fundamentação que não encontra suporte nos factos dados como assentes e bem assim, em contrário ao parecer médico psiquiátrico;

Existe contradição insanável entre a motivação de facto e a fundamentação, consubstanciada em que se deu como assente que o arguido revela elevada imaturidade, para depois se retirar como factual que o arguido tenha agido friamente e planeado matar, mais uma vez ao arrepio da perícia médico-legal, que refere o contrário.

O princípio da livre apreciação da prova (art.° 127.º do CPP) encontra limite nos JUIZOS técnicos decorrentes da prova pericial e o Tribunal a quo firmou a sua convicção em sentido contrário do juízo técnico decorrente da perícia médica.

Existiu violação do princípio "in dubio pro reo", quando o Tribunal, na dúvida sobre quem tinha a navalha, desfez a dúvida contra o arguido, quando a CRP e a lei manda fazer o inverso, sendo o Acórdão nulo nesta parte, dado que nenhum indício, facto, documento ou qualquer prova se produziu que infirmasse o que foi alegado pelo arguido, sendo que este disse que a vitima (que usava diariamente a navalha) foi quem puxou a navalha e que a tinha tirado, o que confere com os ferimentos na mão da vítima que apresentam cortes e o facto da mesma não ter aparecido pode ser devida a múltiplos factores que, na dúvida, não podem ser utilizados para prejudicar o arguido, como foram, esquecendo que o arguido nunca antes nem depois havia delinquido, sendo os acontecimentos algo de imprevisto e nunca imaginável.

Foram dados como assentes factos sobre os quais nenhuma prova, directa ou indirecta, se fez, nomeadamente, ninguém declarou em audiência, nem consta de qualquer outra prova material, que o arguido tenha dito a quem quer que fosse que o encontro tivesse sido marcado para o arguido "fazer a folha à vítima";

Não se retirou qualquer valor pelo facto do arguido estar afectado pelas denúncias da namorada de então que lhe dissera ter sido atacada e que a tentaram violar, além de lhe terem furtado o telemóvel, sendo que, em ocasião que o arguido estava com a namorada, recebeu uma mensagem do telemóvel daquela (que estava nas mãos dos assaltantes), para o seu telemóvel com o teor que consta nos autos. Pelo contrário, referiu-se que este foi um motivo fútil, próprio de garanhão, quando nada disso resultou da demais prova.

Foi dado valor excessivo ao relatório sobre a personalidade, elaborado por uma técnica do IRS, que entrevistou o arguido durante uma hora e esqueceu-se o que dele disseram professores que com o arguido conviveram anos, e que ficaram perplexos com o ocorrido, que assim o declararam em audiência, mais acrescentando que o arguido era um jovem normal, pacifico e que nunca causara o menor problema, provas que contrariam totalmente o relatório sobre a personalidade, que não pode ter mais valor do que o depoimento de professores.

A pena aplicada é demasiado elevada, atento que o arguido tinha 18 anos no momento da prática dos factos; nunca antes tinha delinquido, era um jovem enquadrado e socialmente considerado, educado, não se metendo em confusões e tudo ponderado resultou claramente demonstrado que a aplicação da legislação penal para jovens delinquentes tem, neste caso, particular razão de ser aplicada, visto que é manifestamente claro que as razões de ressocialização do jovem condenado assim o determinam e deveria, por isso, em razão da idade (e até da imaturidade como da sentença se retira, não esquecendo que o outro interveniente, fruto da jovem idade - 15 anos - foi punido com três anos de internamento) e das expectativas sérias de que se tratou de um caso irrepetível e por isso, são sérias as expectativas que a atenuação especial da pena, em razão da idade e das imposições da recuperação dos condenados, deveria e deve ser aplicada, com a pena a ser fixada em medida nunca superior a dez anos de prisão. Que é a média das penas aplicáveis para casos semelhantes e que se retira da jurisprudência.

O Tribunal a quo apresentou um quadro factual e psicológico do arguido, que não encontra eco no relatório médico-legal, o que redunda em contradição insanável, pois não se pode dar como assente que o arguido premeditou matar, quando o relatório pericial diz o seu contrario e, ao mesmo tempo, considerar como válido o mesmo relatório pericial, que, aliás, foi integralmente esclarecido e suportado pelo depoimento de um dos seus autores, o qual, em audiência, esclareceu claramente que o arguido demonstrava arrependimento sincero e não tinha havido premeditação, tendo os factos acontecido em crescendo.

O Tribunal a quo, ao decidir nos termos que constam no acórdão ora posto em crise, contém assim uma contradição insanável que resulta de ter dado credibilidade total ao relatório médico-legal, cujas conclusões se subtraem à livre apreciação do Tribunal e fazem prova plena do que neles consta.

 4 - O Douto acórdão da Relação, de que se recorre, e ao qual se reconhece, e louva, ter-se efectivamente debruçado sobre todos os apontados defeitos, contudo, pecou por manter, integralmente uma posição colada à da 1.ª Instância, passando por cima de elementos de facto, existentes nos autos que levam a conclusão oposta, bem como omitiu parte da prova, referindo apenas uma das versões que a mesma prova faz concluir.

5 - E, por isso, ou o acórdão recorrido procedia a renovação integral da prova, para que se retirassem as dúvidas e razões concretas levantadas pelo recorrente, ou teria de explanar a totalidade da mesma, e não somente excertos para demonstrar a razoabilidade da decisão condenatória.

6 - Porque, a prova gravada, tem excertos, vários e longos, a demonstrar o contrário do que consta no acórdão ora posto em crise, assim procedendo, cometeu, inapelavelmente, a nosso ver e salvo o devido respeito, uma nulidade insuprível, por omissão e pronúncia, ao, não operando a renovação da prova, como o arguido a admitiu no recurso interposto, quando nesse sentido recorreu, não atentou a toda a prova já gravada, mas apenas a excertos retirados apenas para suportar a tese da decisão condenatória e nos termos da mesma, esquecendo os dados de facto e provas existentes, que indicavam o contrário.

7 - Manteve-se no acórdão recorrido, a subalternização do teor do relatório pericial - isto é uma prova de conteúdo científico, subtraído à livre apreciação de prova - retirando-lhe a validade de prova pericial, porque determinante de uma visão do arguido e dos factos bastante diferente, em contraponto com outra prova pericial, que foi a perícia sobre a personalidade, feita em moldes semelhantes aos da perícia médico-legal. Isto é uma valeu e a outra não. Não pode haver dois pesos e duas medidas para provas de valor igual, ou sendo de valor diferente, a prova pericial é de valor superior e, em qualquer dos casos, subtrai-se à livre apreciação do julgador, por se tratar de juízo científico.

8 - Juízo científico este que determinou claramente estar o arguido arrependido e tal arrependimento ser sincero.

9 - Nesta medida, o arguido invoca a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, no segmento de que o Tribunal a quo, deveria ou ter procedido à renovação da prova, ou, não o fazendo, ter em conta toda a prova produzida e não somente excertos da mesma, sendo que, por exemplo, opina-se que o arguido não demonstrou arrependimento e apenas se preocupou com o seu futuro, quando o arguido, em várias sessões, e estão gravadas, disse, por exemplo isto:

10 - "lembro-me muitas vezes do que fiz" "até a ver-me ao espelho me custa olhar para mim" "custa-me a dormir á noite, muitas vezes vejo e revejo o que aconteceu" "pergunto-me como fui capaz" "vejo a cara do CC, que era meu amigo e que perdeu a vida e a culpa é minha", expressões, que se transcrevem de memória e dos apontamentos tirados em audiência, mas constam nas várias declarações que o arguido prestou em audiência. Se isto não é manifestar arrependimento e não é ter consciência do mal feito, pergunta-se o que se entende por arrependimento.

11 - O arguido estava no fim dos 18 anos. Imaturo, como se disse e tudo sucedeu num descontrolo e num pânico próprio da juventude e imaturidade, como o Sr. Perito médico-legal o referiu e consta no relatório médico.

12 - Posto que o Douto Acórdão da Relação e do qual se recorre, pecou por, para se colar a uma versão, se esquecer da totalidade da prova, não renovando a mesma, ou não a cotejando como deveria ter, a nosso ver e, mais uma vez, salvo o muito e devido respeito, cometeu assim uma nulidade, por omissão e pronúncia, dado que não teve em conta tudo o que foi invocado pelo Recorrente.

13 - Por isso o arguido mantém as razões pelas quais recorre, bem sabendo a gravidade da sua conduta, que merecia e merece a tutela penal.

14 - Mas, não aceita que tenha sido dado como provado tudo o que foi; que tenha sido violado o princípio constitucional de que a dúvida favorece o arguido, no que tange à apreciação a prova; que não lhe tenha sido aplicado o regime especial para jovens e, finalizando, a pena aplicada não tenha sido outra, para menos, atento que é um jovem; não premeditou os factos, tendo agido na fase inicial motivado pela suspeita que a vítima tivesse encomendado a violação e roubo da sua namorada, apenas visando este esclarecimento, perdendo o controlo da situação, e que num crescendo, com o a perícia médico legal o disse, veio a dar na morte da vítima, facto que nunca quis e do qual muito se arrepende e com isso sofre, como o disse e ficou claramente demonstrado no relatório pericial, médico-legal, que faz prova plena e, além do mais foi claramente esclarecido pelo seu autor em audiência.

15 - Assim, o Tribunal a quo errou ao não alterar a decisão sobre a matéria de facto, e, nesta sede, deverão V.ª Ex.ª, oficiosamente nos termos legais, fazer tal alteração, pois essa é seguramente a decisão conforme ao direito.

b - Recurso sobre matéria de direito

A não aplicação do regime especial para jovens constante do Decreto Lei n.º 401/82:

16 - O Tribunal a quo, manteve a decisão de se não aplicar o regime especial para jovens.

17 - Desvalorizando que se provou que o arguido é primário, é jovem, na data dos factos ainda não tinha completado 19 anos (que fez uma semana depois dos factos); era e é bom filho; bom vizinho; aluno com bom comportamento; um jovem simpático e afável; educado e sobre o qual nada existia nem existe (além dos factos dos autos) em seu desabono, sendo o ocorrido uma perfeita perplexidade para quem o conhecia e que não acreditaram (alguns ainda não acreditam) que o AA pudesse ter feito o que fez.

18 - Não deu relevância a que toda a prova recolhida aponta no sentido da sua reintegração na sociedade em face da inexistência de qualquer outro indício sério que diga o contrário. Veja-se o que dele disseram os professores em audiência (as testemunhas ... e ..., cujos depoimentos estão gravados referente à acta do dia 21-02-2013).

19 - Nessa media, atendendo à idade e aos antecedentes e ao enquadramento familiar e social, e ao que o arguido disse em audiência, no que tange ao seu futuro, que quer cumprir a pena e sair, para voltar ao sonho de ser mecânico como o pai; constituir família e abrir a sua oficina se para isso, ainda for a tempo, tudo isto, resulta que o regime especial para jovens lhe deveria ter sido aplicado e a pena deveria ser de medida alguns anos inferior.

20 - Erradamente a nosso ver, e sempre salvo o muito e devido respeito, decidiu o Tribunal manter a decisão de não proceder à atenuação especial da pena, recusando aplicar ao Arguido o regime penal especial para jovens instituído pelo Dec.-Lei n.º 401/82, mantendo a condenando o mesmo na pena de 19 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado.

21 - Entende o Arguido, na esteira do já anteriormente afirmado que o Tribunal de recurso, ao manter a recusa da aplicação do regime penal especial para jovens, violou a Lei, nomeadamente o art.° 4° do Dec-Lei 401/82 e, ao fixar-lhe a pena concreta de 19 anos de prisão, violou os art.°s 73° e 74° do C.P.

22 - Posto que a decisão de manter a não aplicação o regime especial com o fundamento, crucial, a nosso ver de que, in casu, os factos praticados pelo arguido "são extraordinariamente graves", bem como se estriba no relatório sobre a personalidade e social, para afirmar que a atitude do arguido, designadamente em audiência, "não permitem concluir que o mesmo interiorizou, sequer minimamente, o desvalor social da acção e o acto feroz que cometeu".

23 - Manteve-se assim o Acórdão recorrido e mantém-se a utilização de adjectivos relativos ao modo de execução do crime para justificar a inaplicabilidade do regime, quando o critério aferidor do juízo de aplicabilidade ou inaplicabilidade radica somente no juízo de prognose favorável, ou não, da existência de razões sérias para crer que da atenuação especial derivada do regime especial para jovens resultam vantagens para a reinserção do jovem condenado.

24 - É este, e somente este último, o sentido do artigo 4.º do citado regime (aprovado pelo Dec. Lei 401/82). Este regime vincula a ideia que presidiu à sua criação. Trata-se acima de tudo de optar por medidas reeducadores e não sancionatórias, pretendendo-se evitar acima de tudo e para jovens em formação, os efeitos estigmatizantes das penas e, por se tratar de jovens, se está em presença de personalidades ainda em formação. Os factos praticados, a sua gravidade, o juízo que deles se tem e a intensidade com que os factos foram cometidos não releva como critério fundamental de afastamento da aplicação da medida.

25 - O Tribunal a quo interpretou mal, a nosso ver, a norma do art. 4° do Dec.-Lei 401/82 no sentido de ter firmado a posição que esta norma tem de ceder perante os factos praticados pelo arguido, senão "frustrar-se-ia a defesa do ordenamento jurídico" (sic).

26 - Isto é, como se diz na decisão recorrida a atenuação especial justifica-se "quando, no juízo global sobre os factos, se puder concluir que é vantajosa para o jovem, sem constituir desvantagem para o ordenamento jurídico". Ora nada disto diz o artigo 4.° do Regime Penal Especial para Jovens, de que se vem falando. Pelo que a decisão recorrida violou este preceito legal e, por tabela, o artigo 71.° e 72.° do Código Penal, além do disposto no artigo 29.° da CRP.

27 - O regime da atenuação especial é de aplicação obrigatória e impõe-se ao julgador, quando existem razões sérias de que ela terá efeitos socializantes positivos e facilitará a inserção social do jovem condenado, sendo perfeitamente entendível que, tratando-se de um caso extremo e isolado, num jovem que nunca antes tinha delinquido e com um comportamento aceitável por todos, tido como "jovem simpático e cordial, com relações estabelecidas com professores e colegas" (cfr ponto 48.° da motivação de facto), é mister ter de concluir que existem sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reintegração do jovem na sociedade.

28 - O art. 4° do Dec.-Lei 401/82 impõe ao juiz o dever de atenuar especialmente a pena de prisão e o preâmbulo da lei explica que esta visa "exigir" que a pena seja sempre especialmente atenuada quando o crime é cometido por um jovem delinquente.

29 - O único limite legal deste dever de atenuação especial é a inexistência de sérias razões para o julgador crer que da mesma resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

 30 - Isto é, ao contrário da tese fixada no acórdão ora posto em crise, a decisão de atenuação especial não depende da culpa do agente nem das exigências de prevenção geral, mas apenas e exclusivamente a verificação de sérias razões para crer que daquela resultem vantagens para a reinserção social do jovem.

31 - Em síntese, nunca será a forma ou o modo como os actos decorreram, nem a "gravidade do acto feroz" como ficou retratado no acórdão, nem quaisquer razões de "defesa do ordenamento jurídico" que podem legitimamente levar o tribunal a decidir pela não aplicação da atenuação especial.

32 - Os autos têm elementos probatórios mais do que suficientes, certos e seguros, para que o tribunal ficasse plenamente convencido de que sérias razões existem para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado e se verificam, nomeadamente as expressamente referidas sob factos provados 43 a 56.

33 - Além disso, não se diga que o arguido não demonstra arrependimento. Disse-o vezes sem conta em audiência, onde esclareceu, nomeadamente que acorda de noite a ver o sucedido e, por vezes, tem vergonha de se olhar no espelho. Tudo isto está gravado. Bem como consta do relatório pericial que o arrependimento do arguido é genuíno e que não houve premeditação. Conclusão reforçada pelo depoimento do Sr. Dr. ....

34 - Factos relevantes, além dos dados por provados sobre quem é o arguido social e familiarmente, expressamente referidos no Douto Acórdão, os quais por si só são reveladores de que o Arguido é um jovem, que há data dos factos tinha 18 anos de idade, que está totalmente integrado no seu meio familiar e social, que sempre foi um bom filho, um estudante calmo tranquilo e com comportamento adequado, simpático, educado e afável com todos, com perspectivas de futuro profissional concretas, vocacionadas para a área mecânica, segundo as pisadas do pai; era um cidadão cumpridor e que nunca antes havia delinquido ou tido problemas com a justiça.

35 - É manifestamente claro que os factos apontam, de forma segura, que o crime foi um episódio totalmente inesperado e trágico da vida do Arguido surgido em condições resultantes de estar motivado por um roubo e tentativa de violação na pessoa da namorada, factos que esta lhe comunicou, sendo o crime praticado em nada condizente com a vida que até então seguia o seu curso normal, com todo o seu percurso pessoal e social até então e que são suficientes para configurar as tais "sérias razões" necessárias para o tribunal acreditar que da atenuação especial da pena só podem resultar vantagens para a reinserção social do Arguido.

36 - O Douto Acórdão manteve uma decisão que contém uma fixação repetidamente apelativa aos factos e forma de cometimento dos mesmos, deixando firmada a ideia que o arguido tem uma personalidade desajustada, que não revelou piedade e que fez tudo orquestrado e planeado, quando nada disso resulta do relatório pericial, mas, acima de tudo, do acórdão perpassa a ideia que em face dos factos o tribunal tinha de agir com "mão pesada", apesar da juventude do arguido, como forma de dissuasão e de prevenção geral.

37 - E a decisão do Tribunal a quo, ao manter integral a condenação da 1ª Instância, caiu no mesmo erro, apesar de concordar, a final, que a medida da pena é "musculada" (sic).

38 - O relatório pericial médico-legal e os factos provados relativos à personalidade e ao seu meio familiar e pessoal, demonstram, de forma segura, que o crime foi um episódio trágico, totalmente atípico e inesperado na vida do arguido e que, sendo-lhe aplicada uma pena justa, especialmente atenuada, este ficará plenamente apto a regressar à convivência social e a retomar a sua vida de forma ordeira e cumpridora, tal como sempre fez.

39 - A pena aplicada de dezanove anos de prisão ao Arguido, que é um jovem que tinha 18 anos de idade à data dos factos, em nada poderá contribuir para a sua reinserção social, dada a sua medida excessiva, fortemente estigmatizante pelo seu peso e longa duração, que só poderá resultar em desvantagens e inconvenientes para a sua reeducação.

40 - Atendendo assim a que existem sérias razões para crer que da atenuação da pena resultarão vantagens seguras para a reinserção social do Arguido, deve esta, em cumprimento do disposto no art. 4° do Dec.-Lei 401/82, ser atenuada especialmente nos termos dos artigos 73° e 74° do Código Penal e, atendendo aos factos praticados e sua gravidade (morte de uma pessoa), como tal, fixada em medida sempre inferior a dez anos de prisão, com possibilidade de liberdade condicional a meio da pena.

41 - O acórdão recorrido, igualmente violou o princípio in dubio pro reo, e, nessa medida, violou os artigos 18.°; 25.°, n° 1; 26.°; 32.°, n.º 8; 34.°, n.º 3; e o artigo 204.° da Constituição da República, posto que, a decisão sobre a matéria de facto da primeira instância, incorrera neste defeito e o acórdão de que se recorre, não o extirpou.

42 - Por isso, o arguido pediu a repetição do julgamento, com a fundamentação de que a Douta decisão da 1.ª Instância, apresentava ainda uma clara contradição insanável na fundamentação, que é determinante e tem de ser solucionada, o que apenas se consegue com a repetição do julgamento.

43 - Trata-se do que se firmou no que tange à personalidade do arguido, à luz da qual, entre outras razões se optou, mal, a nosso ver, por não se aplicar o regime especial para jovens.

44 - A contradição existe quando se diz uma coisa e depois o seu contrário. Ou quando se afirma um facto e se fundamenta com argumentos que apontam em sentido diverso. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, tal como prevenido na alínea "b" do n.º 2 do artigo 410.°, do CPP, respeita a uma "incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou entre a fundamentação probatória e a decisão".

45 - Conforme o descrevem Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, «há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente» - in "Recursos Penais", Rei dos Livros, 8.ª edição, Lisboa, 2011, pág. 77.

46 - Ora, nos autos aqui em apreço, por um lado a Douta decisão recorrida, dá como assente que o arguido foi uma criança/adolescente sereno/tranquilo, responsável e respeitador dos limites impostos pelas figuras de referência, não tendo sido assinaladas quaisquer anomalias no seu percurso de socialização.

47 - Acrescentando ainda o arguido revela dificuldades de aprendizagem, mas, apesar de parco esforço e ausência de hábitos de trabalho, não revelava absentismo, nem problemas de foro comportamental (verbal e/ou físico) e/ou situações de conflito/animosidade, tendo estabelecido relacionamentos cordiais com professores e colegas, sendo percepcionado, pela generalidade, como sendo um jovem simpático e cordial, com relações adequadas estabelecidas com colegas e com professores.

48 - Mais acrescenta o interesse em seguir as pisadas do pai no ofício de mecânico, para onde orientou a sua escolaridade, pela via profissional, pretendendo concluir o 12.º ano pela via do curso de formação profissional em mecatrónica. Revelando interesse e gosto e alguma capacidade pela mecânica, acompanhava o pai, quer aos fins de semana, quer em férias, coadjuvando-o na mesma actividade profissional que queria seguir. Praticou futebol e outros desportos que, como muitos outros jovens, foi deixando de praticar e manteve relacionamentos com outros jovens, como qualquer jovem normal e sadio que sempre foi.

49 - Estes dados de facto dados como assentes, entram em flagrante contradição com o que se deu igualmente por provado no ponto 53 da mesma fundamentação de facto.

50 - Na verdade no ponto 53 refere-se que o arguido revela dificuldade em estabelecer relações de proximidade/intimidade e se sintonizar emocionalmente com o outro. Estas conclusões revelam uma pessoa isolada; fechada; que não se relaciona facilmente; que controla as emoções, etc.

41 - Ora tais conclusões, e as demais do ponto 53 da matéria assente, são flagrantemente contraditórias do que se diz nos pontos anteriores, quando se dá igualmente por assente que o arguido é um jovem que estabelece relacionamentos cordiais com colegas e professores; que nunca teve problemas de foro comportamental (verbal e/ou físico) nem situações de conflito/animosidade com quem quer que fosse, sendo tido por jovem simpático e cordial, com relações adequadas estabelecidas com colegas e professores.

42 - O facto de ter tido relacionamentos amorosos que foram terminando, nos tempos que correm, entre os 14 e os 18 anos, é algo de perfeitamente normal e revela um jovem propenso a relacionamentos e não que tenha dificuldade em se relacionar.

43 - Ora, por um lado o retrato do arguido que surge espelhado dos pontos 44 a 52 é o de um jovem perfeitamente normal, adequando e de comportamento sem o menor problema, para depois, no ponto 53 se dar como assente que afinal o arguido já é o oposto, dizendo-se que não consegue estabelecer relações de proximidade e de sintonizar emocionalmente com o outro.

44 - E a decisão ora posta em crise, apesar de a ela se referir, não resolveu tal contradição, a qual se mantém e deve ser decidida neste mais Alto Tribunal.

45 - O apontado vício, considerando o preceituado nos art°s 410° n° 2, 426° e 426°-A CPP, determina o reenvio do processo para novo julgamento, com vista à averiguação da referida questão, que radica em saber qual a tese que deve prevalecer:

c) Da Medida da Pena

46 - Se é certo que foi dado como provado a actuação decorreu em resultado de estar o arguido motivado por suspeitas de suspeitada encomenda de violação à namorada, este motivo não pode ser considerado como fútil, de todo.

47 - Como já se disse e salvo o muito e devido respeito por opinião contrária, se entende que, claramente o que resulta dos autos, deveria ter levado a optar pela aplicação no caso dos autos do Regime dos Jovens Delinquentes e não a sua negação, como sucedeu.

48 - Em qualquer dos casos e ainda que assim se não considere, sempre se diga que a pena aplicada é excessiva, pois sendo certo que o crime é de homicídio e os actos de execução foram de molde a considerar como bárbara a actuação do arguido e seu companheiro de desdita, sempre se dirá que o arguido tinha e tem atenuantes.

49 - Desde logo a idade que tinha e tem. Tinha dezoito anos e tem agora vinte anos. Nunca teve qualquer problema com a justiça e sempre foi um jovem pacato, simpático e normal, respeitador das regras e do seu semelhante.

50 - O caso triste, de responsabilidade do arguido, pelo qual outro jovem, de quem era amigo, a quem tirou a vida e o arguido e o co-autor estão presos, foi caso único, um de alguns que pontualmente atravessa a vida de pessoas decentes, que, por motivos de natureza vária, por vezes vão ocorrendo. São coisas de pessoas. São acontecimentos que somente o Homem é capaz.

51 - A pergunta que se impõe é se, nestes casos, a justiça ataca somente o acto em si e condena enquanto expiação de culpa, de castigo e de forma a reforçar a ideia de prevenção geral e especial, com penas máximas, sem ideia de concatenar a culpa com a especial dignidade da pessoa humana (que cometeu um crime), ou, também, atenta a noção de humanidade das penas e dos seus efeitos, bem como a ideia de recuperação de pessoa que cometeu um crime, de forma a reintegrá-la na sociedade, se aplicam as penas com esta última ideia como escopo essencial.

52 - Entende-se - na esteira de Ilustres pensadores e cultores do Humanismo - que, seja qual for a gravidade do crime praticado, quando se está em presença de delinquente primário e jovem, a quem nunca antes se conhecera atitude delinquente, sempre a Justiça, podendo e devendo estabelecer uma punição, esta não deverá ser de tal modo violenta que, possa, por si só, impedir que tal jovem, que errou, matando, se consiga recuperar enquanto pessoa e volte a fazer parte da sociedade onde sempre esteve inserido.

53 - Na verdade, nunca se pode ter de vista o que impõe o artigo 40.º do Código Penal, quando se impõe, ao aplicar-se uma pena, que está subjacente a ideia de prevenção (a protecção de bens jurídicos), mas, em igual medida a ideia de reintegração do agente na sociedade (que ao fim e ao cabo também ela tem imanente a ideia de prevenção).

 54 - Nessa medida, a pena aplicada nos autos, independentemente dos vícios acima apontados, entende-se como muito elevada, e, mesmo que se entenda não ser de aplicar o regime especial para jovens, o que se refere sem conceder, sempre se diga que a pena nestes autos deve ser sempre inferior a doze anos de prisão.

55 - Neste passo, reproduz-se, com a devida vénia, o que em caso quase similar se decidiu no Supremo Tribunal de Justiça:

Ora, este STJ tem vindo entender a aplicação do regime penal relativo a jovens é um «regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos» (Ac. do STJ de 11-06-2003, recurso 1657/03-3). «A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que lhe pertinem resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (...) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão "deve" com significado literal de injunção» (ibidem): «Se for aplicável pena de prisão [ao «agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos»: art. 1.1 do DL 401/82], deve o juiz atenuar especialmente a pena (...) quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» (art. 4.°).

«A atenuação especial da pena prevista no art. 4.º do DL 401/82 não se funda nem exige "uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente" nem, contra ela, poderá invocar-se "a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade ", Pois que, por um lado, a lei não exige - para que possa operar - a «demonstração de» (mas a simples «crença em») «sérias razões» de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social» (cfr. STJ 27-02-2003, recurso 149/03-5). E já que, por outro, «a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um "bom prognóstico ", mas, simplesmente, um "sério" prognóstico de que dela possam resultar "vantagens" para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado» (ibidem).

Tanto mais que, «tratando-se de jovens delinquentes, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena à finalidade ressocializadora das penas em geral». Efectivamente, se, quanto a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da protecção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que "sérias razões" levem a crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado" - impor, independentemente da sua (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena» (STJ 29-01-2004, recurso 3767/03-5): «o que o art. 9.° do CP trouxe de novo aos chamados jovens adultos foi, além do mais, a imperativa atenuação especial ("deve o juiz atenuar"), mesmo que o princípio da culpa o não exija, quando "haja razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado" (art. 4.º do DL 401/82) (ibidem). «A atenuação especial dos art.°s 72.° e 73.° do CP, uma das principais manifestações do princípio da culpa (ou seja, o de que a pena, ainda que fique aquém do limite mínimo da moldura de prevenção, "em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa" - art. 40.°, n.º 2), beneficia, evidentemente, tanto adultos como jovens adultos. Mas, relativamente aos jovens adultos (art. 2.° do DL 401/82) - e, aí, a diferença -, essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial recorrerá aos art.°s 72.° e 73.° do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade)» (ibidem). Nem poderá invocar-se, contra a atenuação especial da pena, o perigo de reincidência (a menos, claro, que esse perigo só possa concretamente debelar-se mediante um dissuasor reforço da pena de prisão).

Como se afirma no Ac. deste STJ de 21-09-2006, proc. 3062-06 (relator Cons. Carmona da Mota), de onde respigámos esta jurisprudência, «Relativamente a jovens adultos, em suma, a atenuação especial da pena de prisão - quando (concretamente) aplicável - apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para se crer que, dela, possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado».

Ora, no caso dos autos, o arguido vivia com os pais e a irmã, encontrava-se em período de férias após a conclusão do 12° ano e ponderava se iria dar início a actividade profissional ou se continuaria a estudar, sendo esta última a vontade dos progenitores. Passava o dia a jogar jogos de computador ou a ver televisão, pelo que não fazia uma vida de marginalidade. Não tinha antecedentes criminais. Hoje a família tem-no apoiado e faz-lhe companhia diária e permanente. Está sujeito a medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, a decorrer de forma positiva. Em julgamento, o arguido "confessou de forma mitigada os factos" (fundamentação do acórdão recorrido), pois admitiu ter dado as facadas, embora para se defender de agressões que estava a sofrer da vítima (agressões que, todavia, não se provaram).

Assim, é possível fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de que o arguido, após o cumprimento de pena, terá uma rápida reintegração social. Daí que se entenda que a atenuação especial da pena poderá ser muito positiva para se alcançar esse objectivo.

A atenuação especial da pena não implica a aplicação de uma pena meramente simbólica ou sequer aligeirada, antes o reconhecimento de que a imaturidade, própria de quem tem a personalidade ainda em desenvolvimento, merece da sociedade, em regra, uma menor severidade do que aconteceria se os mesmos crimes fossem cometidos por um adulto. Ao menos aos jovens deve ser reconhecida uma oportunidade de refazer a vida. Deve recordar-se que no domínio do C. Penal de 1886, impregnado de valores que não são os democráticos de hoje, não era permitida, em caso algum, uma pena superior a 8 anos de prisão aos menores de 18 anos e superior a 16 anos de prisão aos menores de 21 anos. É certo que a criminalidade de hoje é muito diferente do que era no passado, que os fenómenos juvenis são agora diversos e que há um maior acesso ao conhecimento por parte dos mais novos; mas a maturidade só se adquire com a experiência de vida.

Daí que se conceda provimento ao pedido do arguido recorrente no sentido de lhe ser aplicado o disposto no art.° 4.° do Dec.-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.

MEDIDA DA PENA

 “…A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto ... alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada ... " (Anabela Miranda Rodrigues, "A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade ", Coimbra Editora, pág. 570).

"É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena.

Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica (mesma obra, pág. seguinte).

A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.

"Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas ... " (ainda a mesma obra, pág. 575). "Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado" (pág. 558).

Estas orientações doutrinais estão espelhadas na lei, pois o art.° 40.° do CP indica, no n.º 1, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, no n.º 2, que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Por sua vez, o art.° 71.° do CP dispõe que «l. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2. Na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».

Ora, no caso em apreço, o crime é punível, em abstracto, com prisão de 8 a 16 anos. Mas, com a atenuação especial de que goza o arguido face à sua idade, tais limites abstractos hão-de fixar-se entre um mínimo de 1 ano, 7 meses e 6 dias e um máximo de 10 anos e 8 meses de prisão (art.°s 72.° e 73, n.ºs 1-a, b, do CP).

Nesta moldura, há agora que enfatizar a forte exigência de prevenção geral do crime de homicídio, o alarme social causado, o dolo directo com que agiu o arguido e a insistência em concretizar o objectivo de matar a vítima, na fronteira entre um homicídio simples e um homicídio qualificado.

A seu favor tem a confissão parcial e o ter agido num estado emocional despertado por uma contenda entre vários jovens numa discoteca. Mas não está provado o arrependimento pelo seu acto nem a reparação, ainda que parcial, dos enormes danos materiais e morais que causou.

Por isso, há que fixar a pena, no quadro da moldura já muito favorável que lhe é aplicada, muito perto do seu limite máximo. Nesse sentido, a pena de 9 (nove) anos de prisão apresenta-se como a mais ajustada.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso do Ministério Público e em conceder provimento parcial ao recurso do arguido, pelo que, mantendo a qualificação jurídica no crime de homicídio simples, p. e p. no art.° 131.º do C. Penal, mas com a atenuação especial decorrente do art.° 4.° do Dec.-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, fixam a pena ao arguido A em 9 (nove) anos.

Fixa-se em 6 UC a taxa de justiça e em um terço a procuradoria a cargo do arguido, pelo decaimento parcial (art.°s 513.º,n.º 1, do CPP e 87.°, n.º I-a e 95.° do CCJ04).

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Outubro de 2008

56 - Assim decidiu o STJ. Numa situação com contornos muito idênticos aos destes autos e assim se espera ver aqui decidido, isto é, que, por um lado se corrijam os vícios invocados, se aplique o regime especial para jovens, aplicando-se uma pena bem longe dos dezanove anos aplicados, devendo, a nosso ver, a pena ficar sempre na ordem de doze anos, só assim se cumprindo a justiça penal.

57 - Foram violados as disposições legais supracitadas, para as quais se remete, bem como os artigos 40.°; 70.°; 71.° e 72.° do Código Penal.

 

Respondeu a sra. Procuradora-Geral Adjunta na Relação, concluindo:

- Atento o disposto no artigo 434.° do Código de Processo Penal, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça só pode visar o reexame de matéria de direito, ainda que sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do artigo 410.°, n.º 2.-

- O acórdão censurado conheceu e decidiu, negando-lhe provimento, todas as questões suscitadas pelo arguido, ou seja, no que respeita à não aplicação do regime previsto no DL n° 401/82, de 23 de setembro, não verificação de qualquer contradição entre os factos provados nos "itens" 44 a 52 da matéria provada e a provada no "item" 53 dessa mesma matéria de facto provada, bem como a não violação do princípio do "in dubio pro reo'' e manteve a medida da pena de 19 anos que lhe foi, concretamente, aplicada.-

- Analisando o teor do acórdão impugnado há, necessariamente, que concluir não se mostra o mesmo afectado por qualquer vício processual, irregularidade, invalidade ou nulidade.-

- Pelo contrário, todos os pontos controvertidos foram devida e detalhadamente examinados, sendo profusamente fundamentadas as conclusões a que nele se chegou.-

- O arguido repetiu quer as questões que já anteriormente suscitara e os argumentos que esgrimira contra o acórdão da 1ª Instância, argumentos que então não vingaram e que não têm, salvo o devido respeito, potencialidade para vingar nesse Supremo Tribunal.-

- Perante o tipo de crime cometido e as circunstâncias em que foi praticado, à luz dos critérios definidos nos artigos 40º e 71º do Código Penal, terá de ser considerada a pena alcançada em concreto - 19 anos de prisão - justa e adequada, devendo ser mantida, bem como o acórdão recorrido, com o que farão V. Excelências, aliás, como sempre, JUSTIÇA!

Neste Supremo Tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

2 - Do mérito do recurso:

Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer o seguinte:
2.1 – Quanto ao recurso em matéria de facto:
Liminarmente, há que evidenciar que, como é por demais sabido, o objecto do recurso de revista tem de circunscrever-se apenas a questões de direito. As questões de facto são decididas definitivamente pelos Tribunais da Relação.

Pelo que, e neste segmento, cremos que o recurso interposto, para além de legalmente inadmissível, não pode deixar de ter-se por manifestamente improcedente. Isto porque, como repetida e uniformemente vem sendo dito por este Supremo Tribunal, a discussão sobre este tipo de questões fica definitivamente encerrada com o recurso interposto para o Tribunal da Relação e a decisão que, aí, sobre elas recaiu. O STJ é um tribunal de revista e não mais uma instância a acrescentar às duas de que o recorrente já dispôs para discutir tais matérias.

É este, de resto, o sentido da jurisprudência contida, entre outros, no Acórdão do STJ de 19-05-2004, proferido no Recurso n.º 904/04/3.ª, cuja pronúncia pode sintetizar-se nos termos seguintes: «A recorrente apenas suscita questões relativamente à matéria de facto, discute depoimentos e o modo como a prova foi apreciada, designando como erro notório na apreciação da prova apenas a circunstância de a conclusão probatória do tribunal da Relação ser diversa daquela que, na sua apreciação, deveria ter sido a decisão sobre os factos.

Ora, nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do art. 410.º do CPP.

 Sendo tal apreciação, por oficiosa, apenas do critério do Supremo Tribunal, quando considere que há motivos para conhecer dos referidos vícios, a invocação destes não pode constituir fundamento de recurso. […]

Discutindo apenas matéria de facto, o recurso é, assim, manifestamente improcedente, e deve ser rejeitado, como determina o art. 420, n.º 1 do CPP».
Ademais, e “ex abundanti”, deve ainda sublinhar-se que, como também uniforme e reiteradamente vem sendo afirmado pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nem os vícios do art. 410.º do CPP podem constituir, por si só, fundamento autónomo de impugnação de decisões das Relações em recurso para este STJ. Assim se decidiu por exemplo, entre outros, no Acórdão de 4-12-08, publicado na CJ (STJ), 2008, Tomo III, pág. 239, em cujo sumário pode ler-se a este propósito que «após a reforma do CPP de 1998, que pôs termo ao recurso de “revista alargada” para o STJ, criando em sua substituição um recurso em matéria de facto para a Relação, os vícios indicados no n.º 2 do art. 410.º do CPP deverão ser impugnados junto da Relação, que decide nessa matéria em última instância, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos mesmos pelo STJ, quando detectados, nos termos do art. 434.º do CPP».

No mesmo sentido apontou, mais recentemente, o Acórdão deste STJ, de 7-04-2010, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se que, citamos, «I - Não incumbe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2 do CPP, como fundamento de recurso, invocados pelos recorrentes, uma vez que o conhecimento de tais vícios sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do tribunal da Relação. (artºs 427º e 428º nº 1 do CPP)

 II - Em recurso penal interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, há que conjugar a norma do artº 410º nº 1 do CPP [Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida] com o artº 434º do mesmo diploma: Sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

III - O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece dos vícios, previstos nas alíneas do nº 2 do art. 410º do CPP, oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artº 434º do CPP)

IV - O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, ou duplo grau de recurso, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária».
Pelo que, e também à luz da apontada jurisprudência, o recurso interposto, na parte em que com o mesmo o recorrente visa convocar o reexame da matéria de facto apurada pelas instâncias, e isto quer se entenda, como se nos afigura, que o faz em termos amplos, por erro de julgamento (erro na apreciação da prova), quer se pretenda, como está também implícito pelo menos em parte da argumentação do recorrente, que o faz no quadro dos vícios do art. 410.º do CPP, não poderá, cremos, deixar de ser liminarmente rejeitado, por inadmissibilidade legal, nos termos dos arts. 434.º e 420.º, n.º1/b) do CPP.
Tudo isto, bem entendido, sem prejuízo de este Supremo Tribunal poder verificar, oficiosamente, a existência de tais vícios. Questão que só poderia colocar-se se, por existência de qualquer deles, não pudesse chegar-se a uma correcta decisão de direito – [mormente se verificada qualquer das hipóteses ali previstas: (i) a matéria de facto provada e não provada não constituir base suficiente para aquela decisão de direito; (ii) haver contradição insanável entre a fundamentação, ou entre fundamentação e a decisão; e/ou (iii) existir erro notório na apreciação da prova] –, o que, convenhamos, não é de todo o caso dos autos: analisando, com efeito, o veredicto condenatório nesta parte proferido pelas instâncias, e conjugando o seu texto com as regras da experiência comum, não se detecta qualquer «lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito», vício que «não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida». Da mesma forma, também se não detecta, de todo, nem contradição entre a fundamentação e/ou a fundamentação e a decisão, nem qualquer «erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores», ou seja, qualquer erro do qual «o homem de formação média facilmente dele se dá conta». Devendo dizer-se apenas que não traduz qualquer dos apontados vícios da decisão, como é por demais sabido, o facto de o tribunal ter dado credibilidade a determinadas declarações e/ou meios de prova produzidos, em detrimento das prestadas ou oferecidas pelo arguido.

2.2 – Quanto à não aplicação do regime penal dos jovens delinquentes:

Reconhecendo alguma flutuação na jurisprudência sobre esta problemática, temos como melhor doutrina a que defende configurar a norma do art. 4.º do DL nº 401/82, um fundamento autónomo de atenuação especial fundado directamente na idade, e que tem como pressuposto o juízo que deve ser formulado sobre a existência de «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».

E, por outro lado, esse juízo reverte essencialmente às condições pessoais e de carácter do jovem condenado – condições de vida, familiares, educação, inserção, de prognose sobre o desempenho da personalidade, mais do que à gravidade das consequências do facto.

Nesse sentido apontava seguramente, cremos, o ACSTJ de 21.04.05 - Rec. n.º 658/05/5ª, quando afirmava que, citamos, A atenuação especial da pena para jovens delinquentes, prevista no art.º 4.º do Dec.-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, não se aplica apenas à criminalidade menor, antes se torna mais necessária para crimes de moldura penal mais elevada, quando a imagem global que se forma dos factos e da personalidade do agente nos aponta no sentido de uma futura ressocialização”.

Também é certo que essa não é uma posição única no panorama da aplicabilidade do Regime em questão, pois é conhecido outro posicionamento em que à gravidade do ilícito e às necessidades da prevenção geral é atribuído um papel mais preponderante.

De todo o modo, parece poder defender-se nesta matéria uma posição que, sem olvidar a gravidade do crime e suas consequências, coloque o acento tónico na necessidade e possibilidade de reinserção social do jovem condenado.

Como se dizia também no ACSTJ de 16.11.06 - Rec. n.º 3524/06/5ª, “pese embora a aplicação do regime em causa (DL n.º 401/82) não fique excluído liminarmente perante a relativa gravidade do crime ou crimes em causa, o certo é que na sua aplicação importa sempre uma avaliação complexa da situação do jovem, nomeadamente a ponderação prognóstica sobre as reais vantagens que para si resultem em termos de reinserção social da aplicação de tal regime favorável, mormente em termos de prevenção da reincidência”.

Partindo do princípio acima definido, pode então dizer-se que em cada caso concreto haverá que apreciar a personalidade do jovem arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes, radicando o juízo de prognose favorável à sua reinserção na valoração global positiva desse conjunto de circunstâncias.

In casu, o quadro definido pela matéria de facto provada dá-nos o retrato de um jovem que à data da prática dos factos estava à beira de completar os 19 anos de idade, tendo actualmente 20 anos, sem antecedentes criminais e que, aparentemente pelo menos, estava integrado social e familiarmente. Mas, e tal como decorre do Relatório Social a que foi sujeito, evidenciando uma personalidade com características de que se destaca: "dificuldade em sentir afectos profundos e estáveis"; "dificuldade na expressão de emoções/sentimentos e frustrações, bem como fraca capacidade de descentração e deficitária consonância emocional com o conteúdo verbalizado"; "as suas maiores fragilidades situam-se ao nível interno, afectivo, revelando o arguido dificuldade em estabelecer relações de proximidade/intimidade, de sintonizar emocionalmente com o Outro, parecendo evidenciar tendência para o controlo, principalmente, sobre os relacionamentos de cariz íntimo. Procura controlar os sentimentos/atitudes mais agressivas, evidenciando dificuldade em aceder à frustração e à zanga/raiva, procurando, assim, manter para si e para os outros uma imagem, ajustada". Para além disso, e como anotam avaliações psicológicas anteriores mencionadas na Perícia à sua personalidade, «(...) revela imaturidade, dependência do adulto, fraco investimento na relação com os outros, dificuldade na gestão da agressividade e sentimentos de solidão …, fraca afectividade, dificuldade ao nível da representação de si e no controlo da agressividade. Verifica-se ainda um nível de angústia elevado [Relatório Psicológico de 24/05/2004]; "(...) o seu estilo relacional é imaturo, mantém um funcionamento inter-pessoal a um nível básico. A organização emocional revela fragilidades, que causam ou pressionam frequentes estados de ruptura...que podem levar a impulsividade emocional ideativa com descontrolo emocional e com traços obsessivos [Relatório Psicológico de 04/02/2010]"».

Por outro lado, também a imagem que nos é transmitida pelos acontecimentos que levaram à sua condenação, atentos desde logo os aspectos de extrema violência e mesmo brutalidade protagonizados pelo recorrente, não pode deixar de ser, clara e inexoravelmente, muito negativa. Como salienta, com toda a pertinência, o acórdão recorrido, «[…]o recorrente actuou da seguinte forma:

- Quando se encontrava na cobertura do edifício e a vítima a subir naquela direcção, desferiu-lhe um pontapé na cabeça.

- Estando a vítima tombada no solo e o menor BB a imobilizá-lo, o arguido colocou-se em cima dela [de vítima], apertando-lhe o pescoço.

-Tendo a vítima conseguido libertar-se, tentou fugir do local, mas voltou a cair, sendo que então o arguido lhe desferiu pancadas com um pau em diversas partes do corpo, designadamente na cara e na cabeça.

- Conseguindo ainda assim a vítima encetar nova fuga, o arguido encostou-o a uma parede e desferiu-lhe, com a navalha que empunhava, diversos golpes no corpo, atingindo-o por treze vezes na zona abdominal, no tórax, no pescoço e na cabeça, deixando-o prostrado no chão.

- Estando então a vítima semi-inconsciente, o arguido foi buscar um recipiente contendo aguarrás, encharcou-lhe as calças e o calçado e ateou-lhe fogo às pernas.

- Após, porque o CC apresentava ainda sinais de vida, embora já em fase agónica, o arguido atingiu-o com pedras, tijolos e pedaços de parede e lançou-lhe um bloco de cimento de grandes dimensões na cabeça […]».

Esta sequência comportamental, como ali muito bem se conclui, «é reveladora de facetas fortemente desvaliosas da sua personalidade, entre as quais uma manifesta insensibilidade e até desprezo face ao sofrimento de uma pessoa humana, que não radicam naquela fase especialmente difícil que é o trânsito da fase juvenil para a fase adulta, mas no modo desestruturado daquela».

Neste quadro global, e tal como igualmente se diz, com inteiro acerto, no acórdão recorrido, se é certo por um lado que há aspectos positivos a ter em atenção, “como sejam a ausência de antecedentes criminais – ainda que de pouca relevância, considerando a sua idade – o apoio familiar no exterior, o comportamento normativo em reclusão e a ausência de problemas comportamentais anteriores”, não é menos certo por outro lado que outros aspectos se evidenciam como muito críticos em relação à sua capacidade de reinserção social pois que – [e, note-se, para além de não ter demonstrado interiorização suficiente do desvalor da sua conduta delituosa (desculpabilizando-se até com a versão de que quem empunhou primeiro a navalha foi a vítima, que a trazia consigo e que dela se conseguiu apoderar e só depois desferiu os golpes)] –, como provado se mostra, citamos, «apresenta fragilidades ao nível interno, afectivo, revelando dificuldade em estabelecer relações de proximidade/intimidade, de sintonizar emocionalmente com o Outro (tem lacunas ao nível da capacidade de se deslocar no lugar do Outro), parecendo evidenciar tendência para o controlo, principalmente sobre os relacionamentos de cariz íntimo. Procura controlar os sentimentos/atitudes mais agressivas, evidenciando dificuldade em aceder à frustração e à zanga/raiva, procurando, assim, manter para si e para os outros uma imagem ajustada».

Ou seja, não é sequer apenas pela via da gravidade dos ilícitos praticados que há que afastar a atenuação especial que resulta da aplicação do regime dos Jovens, mas sim, e sobretudo, pela constatação de que do conjunto dos factores já mencionados ressalta uma personalidade pouco juvenil ou pouco própria da imaturidade de um jovem, a revelar pelo contrário uma especial perigosidade e por isso, bem longe da criminalidade típica da delinquência juvenil.

Daí que, in casu, o juízo de prognose desfavorável é facilitado pela existência de factores que apontam para uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica, motivo pelo qual não pode deixar de acompanhar-se, também nesta matéria, a posição do acórdão recorrido.

2.3 – Quanto à medida concreta da pena:

2.3.1Liminarmente, e tendo em conta que, mesmo não sendo já objecto de controvérsia, pelo menos expressa, sempre a questão cabe, nesta sede, nos poderes, oficiosos, de cognição deste Tribunal, sublinhar que nos não merece reparos a qualificação jurídica dos factos operada pela 1.ª Instância e confirmada pela Relação, isto mesmo na parte em que convoca as circunstâncias qualificativas das alíneas e) e j) do n.º 2 do art. 132.º do CP, como susceptíveis de evidenciar uma densidade acrescida de culpa do arguido na prática do homicídio.

A primeira destas qualificativas, densificada na indicada alínea e), refere com efeito, entre outras circunstâncias que ora não importa equacionar, o facto de o agente ter actuado por motivo fútil.

Como é sabido, «fútil» quer dizer insignificante, sem relevo.

Para Maia Gonçalves, In “Código Penal Português”, pág. 515, é um motivo «que não tem qualquer relevo, que não chega a ser motivo, que não pode sequer razoavelmente explicar (e portanto muito menos de algum modo justificar) a conduta. Trata-se de um motivo notoriamente desproporcionado para ser sequer um começo de explicação da conduta».

Segundo Figueiredo Dias, In “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pág. 32/33, o motivo torpe ou fútil é um motivo da actuação «avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade [que] deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito […] de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pela vida humana».

Para se avaliar, pois, se um motivo é fútil não pode deixar de relacionar-se a gravidade do comportamento com o móbil do crime. E então, se nenhum motivo justifica causar a morte de outrem – daí a tutela penal que a lei lhe confere –, a grande desproporção entre o que se elege como motivo da acção e aquilo em que esta se analisa, transforma a conduta, não só em algo de todo intolerável, como também absurdo, sem explicação à luz das concepções éticas correntes da sociedade. A razão do cometimento do crime tem um valor irrisório para o normal dos cidadãos, comparado com o mal que com este se provoca.

A segunda das referidas qualificativas, densificada na indicada alínea j), refere por sua vez, também entre outras circunstâncias que ora não importa equacionar, o facto de o agente ter actuado “com frieza de ânimo”.

Como se diz no Acórdão do STJ de 30-09-1999, Proc. n.º 36/99 – 3.ª, SASTJ, n.º 33, pág. 94, e decorre também da fundamentação do aresto recorrido, «há frieza de ânimo quando se age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana (Leal Henriques e Simas Santos , Código Penal Anotado, 2.ª ed., pág. 73, em anotação ao art. 132.º). A frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime e é entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue-frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução».

A esta luz, e quanto às apontadas qualificativas, há então que enfatizar que nos revemos inteiramente no enunciado das circunstâncias da prática do homicídio a este propósito feito pelas instâncias, dele extraindo igualmente, aliás de acordo com a jurisprudência e doutrina acima citadas, mostrar-se verificada a censurabilidade acrescida que é pressuposto da convocação ao caso destas agravantes qualificativas. A ponderação das circunstâncias concretas da prática do homicídio serão portanto, também em nosso juízo, de molde a inculcar a ideia daquela diferença essencial de grau susceptível de, como diz Teresa Serra, preencher também o chamado Leitbild deste exemplos-padrão.

2.3.2 Esclarecido este ponto, e assim no quadro do homicídio qualificado pelas circunstâncias densificadas nas mencionadas alíneas e) e j) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal, anotou o aresto recorrido, para a fundamentação da medida da pena, designadamente que «[…]o grau de ilicitude nos factos manifestada é muito elevado, considerando:

- O modo de actuação, com inusitada persistência e exacerbamento da violência, […] que é merecedora de forte reprovação.

- Que agiu com a colaboração de outro indivíduo, o que diminuiu a capacidade de resistência da vítima aos seus intentos.

- Atraiu ardilosamente a vítima, sob falso pretexto (o de encontrarem um novo espaço para confraternização com amigos) a um local ermo (o que facilitava a acção e dificultava que a vítima fosse encontrada, tal como eventualmente impediria a sua descoberta como agente do crime) e, estando aquela confiante a subir para um local elevado, de surpresa logo lhe desferiu um pontapé na cabeça, o que constitui actuação de forma dissimulada, que retira praticamente toda a capacidade de reacção ao agredido, após o que veio a ocorrer uma sequência de actos agressivos que culminaram com a morte.

Actuou com a forma mais intensa de dolo, o directo e animado de forte energia criminosa manifestada na persistência na execução.

A motivação do arguido para o seu comportamento delituoso também não abona a seu favor, pois o convencimento de que era verdadeiro o relato que lhe fora feito por sua namorada de que tinha sido assaltada por indivíduos de raça negra, que a teriam também tentado violar e que esse acontecimento teria origem numa hipotética "encomenda" da vítima, não merece valoração positiva.

Não revela o recorrente interiorização do desvalor da sua conduta delituosa, tendo apresentado diversas versões factuais ao longo do processo. […]

As exigências de prevenção geral revestem a máxima intensidade, mormente no que tange aos crimes em que é utilizada a violência, maxime a causadora de morte. […]

As exigências de prevenção especial assumem também fortíssima relevância, considerando que provado se mostra que "o arguido apresenta fragilidades ao nível interno, afectivo, revelando dificuldade em estabelecer relações de proximidade/intimidade, de sintonizar emocionalmente com o Outro […]” o que conduz a que se conclua ser dotado de uma personalidade que dissimula perante terceiros a violência e agressividade que lhe está ínsita e que os factos cometidos evidenciam, por isso seriamente possibilitadora da reincidência, desde que criadas as condições para que essa baixa tolerância à frustração possa ser novamente colocada à prova.  […]».

Revemo-nos genericamente, como já dissemos, nestes considerandos. Não obstante a juventude do arguido e a ausência de antecedentes criminais, entendemos que não só razões de prevenção especial, mas também necessidades de prevenção geral positiva – [que se aferem tendo em conta, como ensina Figueiredo Dias, a forma concreta de execução do facto, a sua específica motivação e as consequências que dele resultaram, a situação da vítima e a conduta anterior do agente] – impõem uma censura penal com uma dimensão suficiente para reforçar na comunidade a ideia de efectiva vigência da norma violada e, do mesmo passo, pacificar os sentimentos de incompreensão, e até de revolta, que um comportamento como o do arguido, assumido dentro de um meio relativamente fechado, necessariamente suscita.

No apontado quadro, e mesmo sopesando, como atenuante de carácter geral, bem entendido, a idade do arguido – ao tempo do crime com 19 anos, e hoje com 20 –, e as demais circunstâncias que positivamente depõem a seu favor, dir-se-á, secundando, também neste ponto, o aresto impugnado, que não cremos que o caso concreto justifique qualquer intervenção correctiva nesta sede, sendo que, como o Supremo Tribunal vem dizendo – no acolhimento aliás dos ensinamentos de Figueiredo Dias [In Direito Penal Português, II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197] –, em recurso de revista não é de sindicar o quantum exacto das penas, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção manifesta da quantificação efectuada.

2.4 – TERMOS EM QUE, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, se emite parecer no sentido de que:

2.4.1 – É de rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal – nos termos dos arts. 434.º e 420.º, n.º1/b) do CPP –, nos segmento em que o recorrente convoca a reapreciação da matéria de facto fixada pelas instâncias;

2.4.2 – É de negar, quanto ao mais, provimento ao recurso, confirmando antes o veredicto condenatório proferido, quer quanto à não aplicação do regime penal dos jovens delinquentes, quer no que diz respeito à medida concreta da pena aplicada.

Dado cumprimento ao disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente nada disse.

II. Fundamentação

São as seguintes as questões colocadas pelo recorrente:
- decisão de facto proferida pela instâncias, cuja impugnação mantém, sob a alegação de errada valoração da prova, existência do vício do art. 410º, nº 2, b), do CPP, e violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo;
            - aplicação do Regime Penal dos Jovens Delinquentes, previsto no art. 4.º do DL n.º 401/82, de 23-9; 
            - medida concreta da pena, pedindo a sua redução para medida não superior a 12 anos de prisão.

            Matéria de facto: contradição insanável da fundamentação; princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo 

            Conforme dispõe o art. 434º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410º, nºs 2 e 3, do CPP.
            O conhecimento da impugnação da matéria de facto cabe às Relações, competindo-lhes igualmente a apreciação dos vícios previstos no citado nº 2 do art. 410º. Assim, são as Relações que fixam definitivamente a matéria de facto.
A ressalva exposta no art. 434º significa tão-só que o Supremo Tribunal de Justiça poderá sempre, em último caso, apreciar oficiosamente aqueles vícios, que, assim, nunca poderão constituir matéria de impugnação.

Falece, pois, a pretensão do recorrente em ver reexaminada a matéria de facto e nomeadamente o pretenso vício de contradição da fundamentação.

Relativamente à alegada violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, há que ter previamente em conta que a infração de qualquer desses princípios, constituindo embora matéria de direito, é necessário, para que o Supremo Tribunal a possa apreciar e conhecer, que ela resulte da própria decisão impugnada, e sua fundamentação, conjugada com as regras da experiência comum.

Ora, toda a argumentação do recorrente é no sentido de contestar a valoração das provas efetivada pelo tribunal de 1ª instância, contrapondo-lhe a sua própria, que agora repete no presente recurso, sem contestar a análise exaustiva a que a Relação procedeu dessa questão, que concluiu pela improcedência da impugnação da matéria de facto (fls. 38-58).

Considera-se, assim, a mesma definitivamente fixada.

Apreciemos então as demais questões suscitadas.

Regime especial para jovens delinquentes

O art. 4º do DL nº 401/82, de 23-9, estabelece que o juiz deve atenuar especialmente a pena de prisão, nos termos dos arts. 73º e 74º do CP (hoje arts. 72º e 73º do mesmo diploma) dos jovens entre 16 e 21 anos de idade, à data do crime, “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Mau grado a referência às disposições que regulam a atenuação especial da pena no CP, o texto daquela disposição não deixa dúvidas quanto à especificidade dos pressupostos da atenuação especial da pena dos jovens condenados.

Na verdade, a atenuação especial prevista no CP funda-se na existência de circunstâncias que “diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, sendo alternativos e não cumulativos esses fundamentos. Ou seja, haverá atenuação especial quando a ilicitude ou a culpa se apresentarem claramente abaixo do padrão “normal”, e ainda quando as exigências preventivas inerentes à aplicação da pena estiverem fortemente esbatidas.

A atenuação especial regulada no CP funda-se, pois, neste pressuposto material: a diminuição da culpa (na qual se reflete também a da ilicitude) ou das exigências da prevenção[1].

Já, porém, no caso dos jovens delinquentes, os requisitos de aplicabilidade são diferentes: desde logo, a idade, que funciona como pressuposto formal, que é condição necessária, mas não suficiente; depois, um requisito de ordem material: haver “razões sérias” para o tribunal acreditar que a atenuação especial favorecerá a “reinserção social” do condenado.

Não se exige, portanto, nem diminuição da culpa/ilicitude, nem da necessidade da pena, o que demonstra a autonomia deste tipo de atenuação especial, a sua especificidade, relativamente à idêntica figura regulada no CP. O que se compreende, porque a idade do agente torna, em princípio, a sua personalidade, ainda em formação, mais recetiva aos estímulos/ensinamentos que a condenação envolve, mais aberta e disponível para ser reencaminhada no sentido da ressocialização. É o que o legislador deixou explícito no preâmbulo do DL nº 401/82, ao falar da necessidade de um “tratamento penal especializado” para os jovens imputáveis, atendendo a que a capacidade de ressocialização destes é mais intensa, por se encontrarem ainda no limiar da maturidade.

Assim, as razões da ressocialização prevalecem sobre as dos demais fins das penas. Contudo, as circunstâncias ligadas à culpa e à prevenção não são irrelevantes para a ponderação da aplicação do regime especial para jovens. Mas elas apenas relevam enquanto possam contribuir para a formulação do juízo de prognose que o tribunal deve formular sobre as “vantagens para a reinserção social” do jovem condenado.

Daqui se retira que a atenuação especial não pode ser recusada com fundamento exclusivo em razões preventivas ou de culpa. A culpa pode ser intensa, ou as exigências de prevenção geral muito fortes e, ainda assim, ser possível formular um juízo favorável sobre as vantagens da atenuação da pena para a reinserção do condenado, em que o legislador aposta fortemente pelas razões já apontadas. Tudo dependerá da ponderação global das circunstâncias do caso.

Sem esquecer que o juízo de prognose a formular deve ser resolutamente afirmativo, não dubitativo, e fundamentado em “sérias razões” sobre as vantagens da atenuação especial para a reinserção do condenado.

Acrescente-se que essas “vantagens” não se podem limitar ao mero benefício que, em abstrato, qualquer encurtamento da pena de prisão possa envolver para o condenado, jovem ou adulto. A decisão que concede a atenuação especial ao jovem tem de fundamentar, em concreto, como a atenuação da pena pode positivamente favorecer a reinserção social do condenado.

Importa agora analisar o caso dos autos.

É a seguinte a matéria de facto:

a) Factos provados:

1 – CC, o arguido AA e BB, nascido a ...1996, também conhecido por “Vicias Viciado”, todos residentes em Odivelas, desenvolveram uma relação de amizade e de convivência diária.

2 – No Verão de 2011 combinaram entre si construir um espaço de convívio, que designaram por “spot”, no interior de um dos armazéns abandonados no Senhor Roubado, em Odivelas, que utilizavam para ali conviverem com amigos e namoradas.

3 – Em 07/02/2012 ocorreu um incêndio no local onde estava instalado o “spot”, sem que tivessem determinado quem tinha sido o autor desse incêndio que destruiu por completo o local.

4 – Em data próxima daquela, DD, namorada do arguido AA, relatou-lhe que tinha sido assaltada por indivíduos de raça negra, que a teriam também tentado violar, após ter saído do autocarro que a transportara da escola para sua casa, e relacionou esses acontecimentos com uma hipotética "encomenda" do CC.

5 – Disto convenceu o seu namorado, o arguido AA, que engendrou um plano para obter satisfações e «fazer a folha» a CC.
6 – O arguido AA deu conhecimento ao menor BB do que a namorada DD lhe contara e de que pretendia tirar satisfações ao CC, usando para tanto da força física, solicitando-lhe apoio.

7 – BB anuiu de imediato à solicitação do arguido AA.

8 – Em execução do plano que engendrara, a 24 de Fevereiro de 2012, o arguido AA telefonou ao CC do telemóvel do BB e com ele combinou encontrarem-se no EE seguinte, cerca das 17h, junto aos referidos armazéns abandonados no Senhor Roubado, dizendo-lhe que o encontro se destinava a procurarem um local para instalarem um novo "spot".

9 – Assim, em conjugação de esforços, o arguido AA e BB, no dia 26 de Fevereiro de 2012, pelas 17horas, atraíram CC à zona dos armazéns abandonados no Senhor Roubado, nesta comarca de Loures, onde os três se encontraram.

10 – Após a chegada de CC, pelas 17h10m, tendo-se os três reunido no interior de um armazém construído em alvenaria, por sugestão do arguido AA intentaram aceder à cobertura.

11 – Para tanto, encostaram à parede uma tábua e uma palete que ali se encontravam.

12 – O arguido subiu em primeiro lugar, seguido pelo CC.

13 – BB aguardou no solo.

14 – Quando o arguido AA já se encontrava na cobertura e o CC a subir naquela direcção, o AA desferiu um pontapé na cabeça do CC e este desceu, de imediato.

15 – Quando o CC chegou ao solo, o menor BB agrediu-o desferindo vários socos que atingiram a vítima na face e lhe provocaram a queda.

16 – Estando o CC caído no chão, o menor BB colocou-se por cima dele e imobilizou-o, impedindo que fugisse.

17 – Nesse momento, o arguido AA aproximou-se e colocou-se em cima do CC, apertando-lhe o pescoço.

18 – Ao mesmo tempo o arguido AA dizia ao CC que já sabia que tinha sido dele a ideia de assaltarem a DD, convidando-o a confessar, sendo que o CC negava.

19 – Entretanto o BB sentou-se em cima das pernas do CC para o impedir de continuar a espernear.

20 – Como a bolsa do CC caíra ao chão, BB abriu-a, inspeccionou-a e deixou-a ficar no local.

21 – O CC conseguiu libertar-se, levantou-se e correu, voltando a cair junto a umas paletes.

22 – Nesse momento, de novo alcançado pelo AA, este começou a bater-lhe com um pau em diversas partes do corpo, designadamente na cara e cabeça.

23 – Enquanto o arguido AA agredia o CC, o menor BB dirigiu-se para o exterior do armazém, subiu umas escadas exteriores ali existentes conseguindo posicionar-se num local mais alto e ali permaneceu vigiando a eventual aproximação de terceiros.

24 – Então o CC saiu do armazém fugindo, sendo de imediato perseguido pelo AA que o alcançou, e estando o CC já muito debilitado pelas agressões anteriores, não reagindo nem se defendendo, o AA encostou-o a uma parede e desferiu, com a navalha que trazia, diversos golpes no corpo do CC, atingindo-o, pelo menos treze vezes, na zona abdominal, no tórax, no pescoço e na cabeça, deixando-o prostrado no chão.

25 – Do cimo das escadas, onde então se encontrava, o menor BB, após recuperar do abalo sentido ao ver o esfaqueamento, lançou pedras em direcção à vítima, que se encontrava então prostrada no chão, atingindo-a em diversas partes do corpo.

26 – Estando então o CC semi-inconsciente, balbuciando apenas alguns sons e aparentando ter movimentos respiratórios, o menor BB, seguindo instruções do arguido AA, arrastou-o pelas pernas para um local que distava dali cerca de 50 metros.

27 – Enquanto o menor BB arrastou o CC o arguido AA deslocou-­se ao interior de um dos armazéns donde trouxe um recipiente plástico com um produto inflamável (aguarrás), que sabia ali existir, encharcou as calças e o calçado da vítima, e ateou fogo às pernas do CC.

28 – Continuando a ser visíveis sinais de vida no CC, que então se encontrava em fase agónica, o arguido AA atingiu-o com mais pedras, tijolos e pedaços de parede e jogou-lhe com um bloco de cimento de grandes dimensões em cima da cabeça, após o que, e quando as pernas de CC já ardiam francamente, o arguido e o menor BB abandonaram o local.

29 – De nada valeram as diversas tentativas da vítima para fugir, pois viu sempre barrado o caminho da fuga pelo arguido AA e pelo BB, os quais não lhe deram qualquer hipótese para fugir ou para se defender.

30 – Como consequência directa e necessária da actuação supra descrita, levada a cabo pelo AA e pelo menor BB, o CC sofreu as seguintes lesões:

31 – Equimoses roxo-avermelhadas:

na região frontal esquerda ocupando uma área de 5x4 cm

na região periorbitária à esquerda com hematoma da pálpebra superior

no lábio inferior à direita com cerca de 1 cm de diâmetro

na face posterior do antebraço direito ocupando uma área de 21x8 cm

na face externa do cotovelo direito ocupando uma área de 5x4 cm

na face dorsal do punho esquerdo ocupando uma área de 6,5x5 cm

na face dorsal da mão esquerda ocupando uma área de 4x5 cm

32 – Feridas incisas superficiais:

na face dorsal da mão esquerda, oblíqua para baixo e para fora com cerca de 7,5 cm de comprimento

na fossa ilíaca esquerda, horizontal com cerca de 14 cm de comprimento

seis feridas paralelas entre si na face latero-anterior direita do pescoço, tendo a maior 8 cm e a menor 2,5 cm de comprimento.

33 – Feridas contusas:

na região frontal direita, vertical com cerca de 2,5 cm de comprimento

na região temporo-frontal direita, sagital, com cerca de 3 cm de comprimento.

dois centímetros acima da anteriormente descrita, com a mesma orientação, na região frontal direita, que mede cerca de 6,5 cm de comprimento.

abaixo e atrás da descrita anteriormente em "V" com 0,5 e 1 cm cada ramo.

na região parieto-occipital direita em "Y" sagital, com 4 e 2,5 cm o ramo sagital

na região occipital direita, coronal, ao nível do bordo superior do pavilhão auricular direito, atrás do mesmo com cerca de 5 cm de comprimento.

na região occipital mediana, coronal que mede cerca de 2,8 cm de comprimento

na região parietal esquerda oblíqua para baixo e para diante com cerca de 5 cm de comprimento

na região parietal antero-superior esquerda, sagital, com cerca de 3 cm de comprimento

na região média do lábio superior com laceração do freio com cerca de 2 cm (face interna e externa) e equimose roxa perifocal a avulsão do dente 1.2

34 – Feridas corto-perfurantes:

no bordo superior do ombro esquerdo, ligeiramente posterior, horizontal, com cerca de 0,6 cm de comprimento

na região superior da nuca, mediana, na inserção do couro cabeludo, horizontal, com cerca de 3,5 cm de comprimento

na região posterior direita da nuca, 4 cm para a direita da linha média, ligeiramente oblíqua para baixo e para fora com cerca de 3,5 cm de comprimento

na região lateral esquerda do pescoço a cerca de 3,5 cm abaixo do pavilhão auricular esquerdo, horizontal, com cerca de 3 cm de comprimento.

a cerca de 3,5 cm abaixo da anteriormente descrita, horizontal com 2 cm de comprimento

sobre a região da cartilagem tiroideia à esquerda da linha média 1,8 cm, que mede cerca de 1,5 cm de comprimento

sobre a face antero-lateral direita do pescoço, a 5 cm desta da linha média e a 5,5 cm acima da articulação esterno-clavicular grosseiramente horizontal com cerca de 2,5 cm de comprimento

no bordo inferior do ombro direito, oblíqua para diante e para dentro que mede cerca de 3 cm de comprimento com exposição do tecido adiposo

na região torácica anterior direita, a 4 cm da linha média e a 5 cm acima da linha intermamilar, horizontal com 1,5 cm de comprimento

três feridas na base da face anterior do hemitórax direito, a 5 cm acima do rebordo costal de orientação para baixo e para fora com 1,8 cm a interior, com 3,5 cm a superior e com 2,5 cm a inferior

três feridas no hipocôndrio esquerdo e epigastro, paralelas entre si, de orientação para baixo e para dentro, com 1,8 cm a interna, com 2,5 cm a média e com 3,5 cm a externa, por onde emergem ansas do intestino delgado numa área de 6x3 cm de maior eixo horizontal

outra na linha média 3 cm acima do umbigo, vertical com 0,6 cm

e uma na região dorso-lombar, mediana, vertical com cerca de 1,5 cm de comprimento

35 – Feridas cortantes:

na face interna do polegar esquerdo oblíqua para baixo e para fora que mede cerca de 1,5 cm de comprimento

na face palmar da segunda falange do segundo dedo da mão esquerda, oblíqua para baixo e para fora que mede cerca de 1,8 cm de comprimento

36 – Ao nível interno:

Infiltração hemorrágica do couro cabeludo e aponeurose epicraneana na região frontal esquerda e tempero-parieto-occipital direita

Infiltração hemorrágica do músculo temporal direito.

Fractura da calote craneana fronto-temporal esquerda, sagital e temporal direita, horizontal.

Fractura da base do crânio nos andares anteriores e médio direito.

Focos de contusão no córtex temporal à direita

Hemorragia subdural frontal bilateral e temporo-parietal esquerda.

Infiltração hemorrágica dos músculos laterais do pescoço e tiroideios bilateralmente

Infiltração hemorrágica dos músculos posteriores do pescoço.

Infiltração hemorrágica dos músculos laterais direitos do pescoço

ferida corto-perfurante da carótida direita.

ferida corto-perfurante do 2° espaço intercostal anterior direito.

ferida corto-perfurante dos 5° e 6° espaços intercostais anteriores direitos

ferida corto-perfurante, transfixiva do lobo inferior do pulmão direito.

duas feridas corto perfurantes no lobo direito do fígado e duas no lobo esquerdo transfixivas

duas feridas corto perfurantes da cúpula diafragmática direita

infiltração hemorrágica do mesentério do intestino delgado

hemotoráx à direita de cerca de 300cc

hemoperitoneo de cerca de 400cc

hemorragias sub-endocárdicas do ventrículo esquerdo.

37 – Lesões que provocaram de modo directo e necessário a morte de CC.

38 – Efectivamente a morte de CC foi devida às graves lesões traumáticas crânio-encefálicas, torácicas, abdominais e do pescoço, descritas no relatório de autópsia de fls. 559 a 570, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

39 – Após abandonarem o local, o menor BB e o arguido AA dirigiram-se para casa deste para assistir a um jogo de futebol que estava a ser transmitido na televisão, tendo-se o BB retirado para casa ao fim de algum tempo e o arguido assistido ao jogo.

40 – No dia 06/03/2012 foram encontrados e apreendidos na residência do arguido, além do mais, um par de ténis de cor preta, marca “Nike Shoes”, com vestígios de sangue de CC e uma navalha de ponta e mola “Taurus”, com a parte superior da lâmina serrilhada.

41 – O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, na execução de um plano por si previamente estabelecido com o propósito firme de tirar a vida a CC, plano que foi desenvolvendo e adaptando à medida da ocorrência dos factos em conjugação de esforços com BB, tendo executado tal propósito em circunstâncias de manifesta insensibilidade perante o valor da vida humana que sabia dever respeitar.

42 – O arguido sabia que os meios utilizados, o facto de actuar em conjunto com outro individuo, a força e determinação das agressões e as zonas que quis atingir, como atingiu, eram adequadas a tirar a vida a CC, o que conseguiu.

43 – O arguido agiu de forma livre e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Quanto às condições pessoais e aos antecedentes criminais do arguido, resultou ainda provado que :

44 - AA é filho único e à data da prática dos factos vivia com os pais, desenvolvendo o pai a actividade de mecânico-auto e a mãe a de costureira.

45 - No seu percurso de desenvolvimento não são referidas anomalias. Nos primeiros anos de vida ficou entregue aos cuidados diários da mãe e da avó materna, que em conjunto desenvolviam actividade profissional de costureira no domicílio e desta forma puderam acompanhar de forma estreita o processo de crescimento do arguido; a mãe, concomitantemente, desenvolveu também a actividade de ama entre os 8 meses e os 3/4 anos do arguido, que assim cresceu na companhia de outras crianças, com as quais terá estabelecido relações positivas.

46 - A dinâmica familiar é caracterizada como coesa e gratificante, pautada pela proximidade afectiva entre os elementos, tendo o processo educativo do arguido sido realizado conjuntamente por ambos os pais e pautado por uma regular supervisão: o pai como uma figura mais rígida, firmando a imposição de limites mais estreitos, por oposição à figura materna, mais permissiva, transparecendo existir uma relação algo dependente entre o arguido e a progenitora.

47 - AA foi uma criança/adolescente sereno/tranquilo, responsável e respeitador dos limites impostos pelas figuras de referência, não tendo sido assinaladas quaisquer anomalias no seu percurso de socialização.

48 - Em termos escolares, com cerca de 5 anos de idade integrou equipamento de infância situado na zona de residência, iniciando aos 6 anos de idade o ensino primário. Quer o Ensino Preparatório quer o Secundário foram frequentados na área de residência, em Odivelas, registando 4 reprovações, duas delas no 9o ano de escolaridade, devidas a dificuldades de aprendizagem, ausência de hábitos de trabalho, a par de parco esforço e empenhamento na prossecução dos objectivos escolares; não revelava absentismo, nem problemas do foro comportamental (verbal e/ou físico) e/ou situações de conflito/animosidade, tendo estabelecido relacionamentos cordiais com professores e colegas, sendo percepcionado, pela generalidade, como sendo um jovem simpático e cordial, com relações adequadas estabelecidas com colegas e com professores.

49 - De modo a contornar o insucesso escolar mudou do ensino regular para o profissional por forma a poder alcançar o 9o ano de escolaridade, o que veio a ocorrer no ano lectivo de 2011/2012, aquando da sua integração no Curso de Educação e Formação (CEF) Nível III - Operador de Pré Impressão (OPI), pretendendo o arguido vir a concluir o 12° ano de escolaridade no âmbito do Curso de Formação Profissional de Mecatrónica.

50 - Face ao gosto, interesse e capacidade instrumental para a área da mecânica, durante os fins-de-semana e períodos de férias AA acompanhava com alguma regularidade o progenitor, coadjuvando-o na respectiva actividade profissional, aperfeiçoando assim o gosto e conhecimento pela mecânica de automóveis.

51 - Ao nível das actividades desportivas estruturadas foram efectuadas tentativas de integração num clube de futebol (Odivelas) e prática de karaté, as quais se revelaram pouco duradouras; à data da prática dos factos mantinha relacionamentos com outros jovens fora do contexto escolar, com os quais privilegiava actividades desportivas (andar de bicicleta, jogar futebol).

52 - O arguido estabeleceu a sua primeira relação de namoro cerca dos 14 anos de idade, registando, desde então, uma série de relacionamentos que foi terminando com relativa tranquilidade e sem grande culpabilidade.

53 - O arguido apresenta fragilidades ao nível interno, afectivo, revelando dificuldade em estabelecer relações de proximidade/intimidade, de sintonizar emocionalmente com o Outro (tem lacunas ao nível da capacidade de se colocar no lugar do Outro), parecendo evidenciar tendência para o controlo, principalmente sobre os relacionamentos de cariz íntimo. Procura controlar os sentimentos/atitudes mais agressivas, evidenciando dificuldade em aceder à frustração e à zanga/raiva, procurando, assim, manter para si e para os outros uma imagem ajustada.

54 - O arguido encontra-se preso preventivamente desde Março de 2012, denotando adaptação ao meio prisional, comportamento adequado e uma postura consentânea com as normas vigentes, não registando sanções disciplinares.

55 - Tem tido visitas regulares dos pais e da avó materna, que demonstram disponibilidade para o continuar a apoiar.

56 - O arguido não tem antecedentes criminais.

b) Factos Não Provados

Com relevância para a decisão da causa nada ficou por provar da matéria constante da acusação.

Deve, porém, consignar-se que não resultou provado:

- que o arguido tenha dado a conhecer ao BB, na sua plenitude, o plano que engendrara e, por isso, não resultou provado que o BB tenha previamente anuído à total execução do plano do AA;

- que tenha sido o BB a telefonar ao CC a marcar o encontro;

- que após o esfaqueamento pelo AA e o lançamento de pedras de BB sobre a vítima, esta ainda tenha feito nova tentativa de fuga, impedida pelo arguido e pelo BB;

- que após o arguido ter ateado fogo às pernas da vítima, o BB tenha juntamente com o arguido atingido a vítima com mais pedras, tijolos e pedaços de parede e jogado o bloco de cimento de grandes dimensões em cima da cabeça;

- que o plano do arguido tenha sido estabelecido com o BB.

O recorrente tinha 18 anos à data dos factos (26.2.2012), já que nasceu em 7.3.1993, estando pois a poucos dias de fazer 19 anos naquela data. Verifica-se, pois, a condição formal de aplicabilidade do regime penal para jovens.

Impõe-se, pois, indagar se também está preenchido o outro requisito, de ordem material: ser a atenuação especial da pena favorável à reinserção social do condenado.

Analisados os factos, constata-se que o percurso pessoal do arguido, quer no aspeto familiar, quer no aspeto social, não apresenta traços de marginalidade ou desviância. Ele foi uma criança/adolescente normal, não sendo conhecidos comportamentos desviantes ou tendência para a marginalidade. Até à prática dos factos dos autos, nada de negativo se pode apontar à conduta social do arguido. Ele foi um jovem como os outros (factos nºs 45-52).

Na análise psicológica detetaram-se, é certo, fragilidades ao nível afetivo e dificuldades no estabelecimento de relações de proximidade/afetividade, mas trata-se de características da personalidade que não traduzem nenhuma anomalia. E o arguido até revelou capacidade de autocontrolo dos sentimentos e atitudes mais agressivos (facto nº 53).

Os factos dos autos apresentam-se, pois, como uma conduta excecional, surpreendente mesmo, face ao comportamento anterior do arguido.

Contudo, essa singularidade não favorece a aplicação do regime penal para jovens. Na verdade, o crime não é imputável a alguma marginalidade social, ou a tendências desviantes, que fosse necessário corrigir ou combater, e em que a atenuação especial da pena pudesse assumir um sentido e efeito “reeducador”. Por isso, não se compreende em que medida a atenuação especial da pena poderia favorecer a “reinserção social” do arguido, pois esta nunca esteve em perigo. Em resumo, a atitude do arguido não foi determinada nem influenciada por problemas de inserção social ou de formação da personalidade, não tendo sentido aplicar um regime que procura incentivar a “reinserção social” ou “reeducação” do delinquente.

Obviamente que a redução da pena contribuiria eventualmente para atenuar os efeitos “dessocializadores” que o cumprimento de uma pena de prisão normalmente envolve. Mas, como já se disse, tal não basta: para haver lugar à aplicação do regime penal para jovens é preciso que se conclua que a atenuação especial da pena terá efeitos positivos na reinserção social do condenado, é preciso que a favoreça.

Por estas razões, exclui-se convictamente a aplicação, no caso, da atenuação especial da pena, prevista no art. 4º do DL nº 401/82.

Medida concreta da pena

Preambularmente, recorde-se que o recorrente não impugnou a qualificação jurídica dos factos. E, sendo embora essa qualificação matéria de direito, que este Supremo Tribunal poderia conhecer, certo é que nenhuma razão há para pôr em causa a qualificação operada pela 1ª instância e confirmada pela Relação, pois se ajusta à factualidade apurada.

Quanto à determinação da medida da pena, há que convocar os arts. 40º e 71º do CP, que atribuem à pena um fim essencialmente preventivo-geral, mas também preventivo-especial, não podendo, porém, a pena ultrapassar a medida da culpa. Na determinação concreta da pena, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que não fazem arte do tipo legal de crime, nomeadamente as referentes à ilicitude (modo de execução, gravidade das consequências) e à culpa, e ainda aos sentimentos manifestados pelo agente, e sua conduta anterior e posterior o crime.

Analisada a matéria de facto, ressalta de imediato o enorme grau da ilicitude do crime, manifestado sobretudo no modo da sua execução.

Na verdade, o recorrente começou por utilizar um ardil para atrair a vítima ao local do crime; depois, agindo inicialmente de surpresa, agrediu sucessivamente, sempre em conjunto com outra pessoa, por diversas formas e meios, a vítima, num crescendo de agressividade, esfaqueando-a depois com treze golpes em zonas vitais, e, por fim, atingindo-a na cabeça com um bloco de cimento de grandes dimensões, rematando as agressões sucessivas com o atear de fogo às pernas da vítima quando esta ainda se encontrava viva, embora em fase agónica.

Trata-se inegavelmente de um comportamento brutal, bárbaro mesmo, que excede largamente o padrão que o crime de qualificado de homicídio pressupõe como “típico”. A conduta encerra uma enorme perversidade, um desprezo profundo pela pessoa humana, revelados pela intensificação da agressão quando a vítima já se encontrava em estado de agonia, e sobretudo com o pegar fogo ao próprio corpo da vítima, o que situa a culpa num patamar invulgarmente elevado.

As exigências da prevenção geral são também particularmente fortes, impondo-se a defesa da vida humana, valor jurídico máximo, como missão central do direito penal, valor esse que, no caso, foi rudemente violado.

Perante as razões expendidas, considera-se que a pena fixada (19 anos de prisão), numa moldura de 12 a 25 anos de prisão, contempla, embora porventura pelo limiar mínimo, as exigências da prevenção, não excedendo de forma alguma a medida da culpa.

Improcede, pois, o recurso na sua totalidade.

III. Decisão

Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.

Vai o arguido condenado em 7 UC de taxa de justiça.

                                 Lisboa, 10 de abril de 2014

Maia Costa (relator) **
Pires da Graça

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[1] Sobre esta matéria, Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 304-307.