ACORDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
MEDIDA DA PENA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário

I - De acordo com a jurisprudência obrigatória constante do AFJ 8/99 «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».
II - Se a discordância deriva de causa que afectou o interesse do assistente e em razão de tal se possa considerar vencido [CPP – arts. 401.º, n.ºs 1, al. b), e 2, e 69.º, n.ºs 1 e 2, al. c)], tem este interesse em agir, pelo que pode recorrer. Este interesse em agir tem de ser concreto e do próprio, pelo que é insuficiente se o assistente não demonstrar um real e verdadeiro interesse, oriundo duma posição equidistante que visa a salvaguarda de valores jurídicos, mas pretende fazer valer uma ideia de vindicta privada.
III -No vertente caso, os assistentes recorrentes não invocam qualquer interesse próprio, e concreto, em agir na alteração da medida concreta da pena, para além das necessidades de prevenção a nível geral, mas a defesa destas é tarefa do MP, que, ao não interpor recurso, entendeu a pena como ajustada, tendo mesmo manifestado essa opinião na resposta ao recurso da recorrente. Não sendo invocado qualquer interesse específico ou vantagem na aplicação de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não pode este tribunal dizer que a decisão foi proferida contra o assistente e se existe interesse em agir relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso nesta parte.
IV - Consequentemente, por falta de legitimidade do assistente, rejeita-se o recurso interposto, nos termos dos arts. 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, ambos do CPP.


Texto Integral

                                         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA e mulher BB, assistentes nos presentes autos vieram interpor o presente recurso por si e na qualidade de legais representantes do seu neto menor de idade, CC vieram interpor recurso da decisão condenatória proferida nos presentes autos que condenou o arguido DD pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.s 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. j), do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; condenou a arguida EE pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.s 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al.s b) e j), do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

1. Versa o presente recurso unicamente sobre matéria de direito.

2. Com efeito, não podem os Recorrentes concordar com as penas em concreto aplicadas aos arguidos, entendendo não se adequarem as mesmas à gravidade do crime praticado.

3. Andou bem o tribunal a quo, ao reconhecer estarem verificadas no caso dos autos as circunstâncias qualificativas da alínea j) do n.° 2 do art.° 132.° do Código Penal em relação a ambos os arguidos.

4. Mais se revelou correto considerar verificada a circunstância qualificativa da alínea b) do n.° 2 do art.° 132.° do CP, em relação à Arguida EE;

5. Aceitam os recorrentes/assistentes o que no douto acórdão vem esgrimido acerca da não verificação da circunstância qualificativa prevista na alínea h) do n.° 2 do art.° 132.° do CP;

6. Contudo, andou mal o douto tribunal a quo, no que concerne à medida da pena aplicada a cada um dos arguidos;

7. Como resulta da matéria de facto dada como provada, rareiam na nossa jurisprudência processos-crime em que a especial perversidade, gratuitidade da actuação, falta de motivo e censurabilidade das condutas tenha sido tão chocante e ostensiva.

 8. 0 Tribunal a quo não conseguiu, apesar das confissões de ambos os arguidos, inteligir o verdadeiro motivo que esteve na origem da decisão conjunta de perpetrar o crime hediondo que os arguidos cometeram.

9. Mesmo os motivos hipotizados, quer pela acusação, quer pelos próprios assistentes, quer ainda pela versão trazida aos autos por cada um dos arguidos, não resultaram provados de forma alguma;

10. 0 que alimenta ainda mais o sentimento de injustiça que assombra quer os assistentes, quer a população em geral;

11. Ventilou-se que a Arguida EE poderia ter como motivo as alegadas dificuldades na convivência com o menor CC filho desta e da vítima FF, tese esta desmentida pela própria arguida, que foi peremptória em afirmar que não tinha qualquer obstáculo por parte da vítima Jorge ou dos pais do mesmo em estar com o filho.

12. Quanto ao Arguido DD, adiantou-se a hipótese de ter sido motivado por sentimento de ciúme em relação à vítima FF, o que o arguido negou taxativamente, confessando que não nutria qualquer aversão em relação à vítima.

13. A decisão de matar o FF perdurou por quase um mês, o que permitiria aos Arguidos ponderar devidamente o crime que estavam a fim de cometer, prepararem-no de forma detalhada, delineando, inclusive, um plano de dissimulação, com a simulação de um assalto e a ocultação de vestígios - aquisição das luvas de látex vários dias antes, entre outros.

14. 0 arguido DD resumiu, a certo momento do seu depoimento, e sintetizando o que havia para saber sobre o motivo do crime, da seguinte forma: "...O FF tinha que morrer... estava decidido..." mais nada.

15. Andou mal o Tribunal a quo no que concerne à determinação da medida da pena, desde logo na apreciação do dolo dos arguidos, ao valorar como abonatória a juventude dos mesmos.

 16. Os recorrentes não concordam com tal entendimento, uma vez que a alegada juventude não diminui, de modo algum o discernimento e compreensão dos arguidos, antes os torna mais esclarecidos e conscientes;

17. E de tal modo são e foram esclarecidos que, por um lado tiveram plena consciência da ilicitude da sua actuação, e por outro tinham conhecimentos para prever a forma de minimizar as possibilidades de virem a ser "apanhados", com a evicção e eliminação de vestígios, que premeditaram...

18. Milita a favor de uma especial censurabilidade na conduta da arguida EE a forma maquiavélica como conseguiu "engendrar" dois planos criminosos, um dentro do outro, uma vez que arquitectou o plano homicida em conjunto com o Arguido DD, e concretizou-o na totalidade, e manteve um segundo plano, subsequente: o de entregar arguido DD às autoridades, imputando ao mesmo a autoria exclusiva do homicídio da vitima FF.

19. A Arguida EE, de forma fria e escorreita, explicou ao Tribunal que, chegada à casa onde residia com o co-arguido DD, contactou a mãe via SMS, e lhe pediu para a levar ao posto da Guarda Nacional Republicana.

20. A Arguida descreveu este segundo momento com uma naturalidade assustadora.

21. A falta de consideração destes factos na fundamentação da decisão quer quanto à ilicitude, quer quanto à culpa, quer quanto às necessidades de prevenção - geral e especial - conduziram a uma errada determinação da medida da pena.

22. Entendem ainda os recorrentes/assistentes que a fundamentação no que concerne às necessidades de prevenção geral que no caso ocorrem, é absolutamente insuficiente.

23. Nos últimos anos tem-se assistido no país ao surgimento de casos de homicídios hediondos praticados em contextos e com particularidades cada vez mais desconformes à normalidade da vida em sociedade.

24. Desde crimes praticados no âmbito de relações de vizinhança, de inquilinato, passionais, entre outros, os contornos e a gravidade dos modos de praticar o crime de homicídio, têm conhecido no nosso país uma evolução assustadora.

25. Assim, o alarme social causado por crimes desta natureza e com tais especificidades, reclama, necessariamente, uma actuação jurisprudencial de maior rigor, com penas mais pesadas e assertivas.

26. O levantamento popular ocorrido na sessão de leitura do acórdão ora em crise, que motivou mesmo a intervenção de força policial, foi o espelho do descontentamento da população quanto à medida das penas aplicadas aos arguidos - (pena não constar da prova gravada...);

27. A forma gratuita e sem motivo como o crime dos autos foi praticado pelos arguidos, deixa uma incerteza quanto à segurança da vida em sociedade e um descrédito na eficácia das normas violadas, que só poderá ser colmatada com a aplicação de penas exemplarmente pesadas.

28. Os próprios arguidos ficaram surpreendidos pelo facto das penas que lhes viram ser aplicadas serem de duração tão baixa.

29. A questão que paira entre a população e que se pode dizer extensível a todos quantos de uma forma ou de outra tomaram contacto com o caso dos autos, é a seguinte: "O que era preciso os arguidos fazerem mais, para sofrerem uma pena mais próxima do limite máximo da moldura penal?"

30. Não podem os Recorrentes concordar com a pena em concreto aplicada aos arguidos, entendendo não se adequar a mesma à gravidade do crime praticado.

31. Entendendo os Recorrentes que tais penas não se adequam às finalidades que às mesmas se devem atribuir e que estão previstas no artigo 40.° do Código Penal.

32. 0 artigo 40.°, do Código Penal, refere, nos n.° 1 e 2, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

33. No que se refere à pena principal, bem como à sanção acessória, impõe-se que tenhamos presente o disposto no artigo 71.°, do Código Penal.

34.0 artigo 71.° estabelece as circunstâncias a que se deve atender na determinação da medida da pena;

 35.No caso em apreço, e considerando a moldura penal aplicável, entendem os Recorrentes que a pena em concreto fixada para o crime de homicídio qualificado praticado pelos arguidos não é adequada a garantir quaisquer das finalidades referidas, nem é adequada à culpa pelos arguidos revelada.

 36. Os arguidos não demonstraram sequer qualquer arrependimento sério em audiência de discussão e julgamento;

 37. As necessidades de prevenção geral em crimes de homicídio são já por si bastante elevadas, atendendo ao bem jurídico em causa, e o actual cenário de proliferação de tal tipo de crime.

38. Pelo que nunca as penas a aplicar aos arguidos se poderiam situar, como aconteceu, tão afastadas do limite máximo da moldura legal e tão próximas do respectivo limite mínimo.

39. Considerando as necessidades de prevenção geral e especial, a culpa dos arguido e demais circunstâncias que depõem contra os mesmos, bem como a moldura penal de 12 anos a 25 anos, sempre a pena a aplicar em concreto se deveria fixar mais próximo do limite máximo da moldura penal.

40. Deverá o douto acórdão recorrido ser alterado, sendo em concreto aumentadas as penas aplicadas aos arguidos pela prática do crime de Homicídio qualificado, situando-se mais próximas do limite máximo da moldura penal, sem prejuízo de se manter, entre os arguidos a distinção, para menos, a favor do Arguido DD, relevando os argumentos esgrimidos no douto acórdão recorrido quanto a tal distinção.

41.Assim, e ao decidir da forma que o fez, foram pelo tribunal a quo violados os artigos 40.° e 71.° ambos do Código Penal.

            Foi produzida resposta pela arguida na qual se refere que:

1.Os recorrentes carecem de legitimidade para recorrer exclusivamente da medida das penas aplicadas aos arguidos.

2. Os assistentes peticionaram a condenação dos arguidos e estes foram efectivamente condenados, inclusive nos pedidos de indemnização cível.

"I - A decisão é proferida contra o assistente e nessa medida afecta-o, para efeitos de legitimar o seu direito de recorrer, quando der como improcedente a acusação e absolver o arguido; se este for condenado em pena mais ou menos pesada e eventualmente suspensa na sua execução, não é o assistente vencido; a decisão não foi contra ele proferida, nem o afectou juridicamente, porque nenhuma pretensão por ele formulada foi rejeitada pelo tribunal. Neste caso, o assistente pediu e obteve a condenação do arguido.

II - O assistente só poderá recorrer livremente da sentença condenatória na parte referente à medida da pena imposta se houver acusado e se tratar de procedimento dependente de acusação particular.

III - No caso de se tratar de procedimento que não dependa de sua acusação, e porque aí só poderá acusar se o Mº P° o fizer, também só poderá recorrer da medida da pena se o Mº P° o fizer também.", in Acórdão de 15 de Janeiro de 1997, Relator: Ribeiro Coelho CJ Ac. STJ-Ano V-1997-Tomo I-P. 188.

3. Ora, sucede que o distinto Procurador da Ministério Público não recorreu da medida da pena, pelo que também os assistente não o poderiam fazer  per si.

4. É vasta a jurisprudência neste sentido, a título de exemplo:

- "O assistente não tem legitimidade para recorrer de sentenças penais que condenem o arguido pelo objecto da acusação, ainda que a pena tenha ficado suspensa na sua execução, pois a decisão, sendo condenatória, não é contra si proferida ( art.° 401.°, n.° 1, al. b), do CPP.

O assistente não é titular de um direito à pena justa, nem tem interesse directo na pretensão punitiva, ocupando no processo a posição de colaborador do M.° P.°, a cuja actividade subordina a sua intervenção ( art° 69.°, n.° 1, do CPP) ( Ac. Rel. do Porto de 02.03.04, Proc.º n° 377/91." ( sublinhado nosso).

-" Não afecta a posição processual do assistente e, por isso, não é proferida contra si a decisão que aplicou ao arguido uma pena inferior à que tinha pedido.

Por isso, não tem ele legitimidade para recorrer dessa parte da sentença ( Ac. do STJ de 95.12.14, Proc.° n.º 48182).

 5. Desta feita, e salvo devido respeito por posição oposta, não restam dúvidas de que in-casu os assistentes não têm legitimidade recorrer exclusivamente sobre a medida da pena,

6. Pelo que o presente recurso não deverá sequer ser apreciado, o que desde já se requer.

§Sem prescindir, e por mero dever de patrocínio, sempre se diga:

7. Além do mais, o recurso apresentado sustenta-se sobretudo em lugares comuns, factos não constantes dos autos e "passagens" ocorridas em sede de audiência de julgamento, sem que indique em concreto em que dia os mesmos ocorreram e onde se encontram documentadas,

8. Isto porque, apesar de apresentar recurso apenas de direito, baseia o mesmo em alegados factos,

9. Factos esses que só poderão ser considerados pelo douto tribunal ad quem, pelo menos, se se especificar em que ponto concreto da prova gravada se encontra, e com referência à acta.

10. Quod non est in actis, non est in mundo, e assim sendo alvitrar teorias imagéticas sobre a motivação do homicídio sem referências a passagens concretas da prova gravada e sem suporte no douto acórdão recorrido não tem qualquer relevância jurídica,

11. Quanto ao alegado alarme social e o levantamento popular ocorrido na sala de julgamento se diga e se abone em prol de quem defende a gravação de imagem na sala de julgamento, porquanto estas poderiam reflectir que o descontentamento popular se manifestaria independentemente da pena pois, todos quantos se levantaram, oportunamente quando proferida a medida da pena, trajavam vestuário com a fotografia do decesso, que só foi relevado nesse momento, num esquema previamente engendrado!

12. Por término, o recurso a que ora se responde é um malogrado manifesto sem fundamentação séria capaz de abalar o douto acórdão recorrido,

 13. Ignorando, sem pejo, o princípio da imediação que assiste ao julgador, antes o subvertendo por caminho por si trilhados.

14. Não alegam os recorrentes fundamentos de facto nem de direito capazes de abalar o douto acórdão recorrido.

15. Ao contrário do que dizem os recorrentes, o tribunal a quo sopesou todas as circunstâncias atenuantes e agravantes que resultaram provadas, determinando a medida da pena de acordo com a sua livre convicção.

Termina com o pedido de manutenção integral do conteúdo do acórdão recorrido.

Igualmente o Ministério Publico respondeu, referindo que:

1. -0 douto acórdão recorrido fez uma correcta apreciação da matéria de facto, sua subsunção jurídica e aplicação do direito.

2. - Por outro Lado, também a medida das penas se nos afigura correcta, adequada e equilibrada;

3. - Termos em que deverá, por conseguinte, negar-se provimento ao recurso.

Nesta instância o Exº Mº Sr.Procurador Geral Adjunto emitiu proficiente parecer nos termos constantes de fls.           

                                   Os autos tiveram os vistos legais

                                                            *

                                                 Cumpre decidir.

Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:
1. A arguida, EE, e FF mantiveram entre si uma relação análoga à dos cônjuges, entre o ano de 2005 e o dia 06 de abril de 2012, tendo ambos um filho em comum, de nome CC, nascido a ....
2. Durante essa convivência, FF era geralmente atencioso para com a arguida EE, nomeadamente confecionando as refeições para ambos, não obstante ele trabalhar na construção civil e ela permanecer em casa, sem se manter ocupada.
3. A referida separação foi motivada pelo facto de FF, na mencionada data, ao acordar de madrugada, ter encontrado na sala da residência do casal, a arguida EE e o arguido DD, em atos de intimidade, o que gerou um desentendimento e a imediata saída dela de casa.
4. Logo após essa separação, a arguida EE e o arguido DD iniciaram entre si um relacionamento análogo dos cônjuges, tendo vivido inicialmente numa casa pertencente a uma tia dela e posteriormente numa casa arrendada por ambos em 28 de Junho de 2012, situada na Rua ....
5. Os arguidos mantiveram esse relacionamento, com coabitação, até ao dia 09 de Outubro de 2012, com uma interrupção de cerca de três semanas, durante a segunda quinzena de agosto e a primeira semana de setembro de 2012, tendo, naqueles quinze dias a arguida EE voltado a viver com FF.
6. O fim desta última coabitação ficou a dever-se ao facto de os pais de FF terem regressado de férias do Algarve e de o mesmo não se conseguir impor à vontade dos progenitores, que se opunham ao relacionamento do filho com a arguida EE, facto que desagradava a esta.
7. Após a referida separação da arguida EE e de FF ocorrida em abril de 2012, o filho destes ficou a residir com os avós paternos, com o acordo de ambos os progenitores do menor.
8. Depois dessa separação, a arguida EE e FF mantiveram entre si, esporadicamente e para além do referido período em que viveram juntos em agosto de 2012, contactos de natureza íntima, facto este de que o arguido Fábio desconfiava e que originava discussões entre os arguidos, por causa dos ciúmes daquele.
9. Em data não concretamente apurada, mas situada sensivelmente na segunda semana de setembro de 2012, os arguidos EE e DD acordaram em matar FF.
10. Para tanto, designadamente por ser intenção deles evitar deixar vestígios que pudessem levar à identificação dos autores dos factos, decidiram adquirir uma caixa de luvas em látex, o que o arguido DD fez em data não concretamente apurada, mas situada aproximadamente na terceira semana de setembro de 2012.
11. Em execução do referido desígnio, no dia 08 de outubro de 2012, cerca das 22 horas e 40 minutos, os arguidos encontraram-se na sua residência acima indicada, onde pelo menos a arguida EE vestiu roupas de cor escura, e colocaram no saco a tiracolo, de cor azul, da arguida, designadamente, a caixa de luvas em látex, uma faca de cozinha, com lâmina de 17 cm de comprimento, e um frasco de álcool.
12. Após, os arguidos dirigiram-se nas suas bicicletas até à residência de FF, situada na Rua ....
13. Aí chegados, a hora não concretamente apurada, mas por volta das 23 ou 24 horas, encostaram as suas bicicletas a um muro, nas imediações da referida residência.
14. Depois de, pelo menos a arguida EE, ter calçado luvas de látex, os arguidos abriram o portão de acesso à residência e, após verem as luzes acesas no seu interior e se certificarem que FF estava sozinho, a arguida EE chamou por ele, enquanto o arguido DD se escondia próximo da porta de entrada.
15. Como FF se recusou a abrir a porta, a arguida EE insistiu, invocando necessitar falar com ele sobre um assunto relativo ao filho de ambos.
16. Em face de tal insistência e dessa alegação, FF abriu a porta de entrada, acedendo ao chamamento da arguida EE.
17. De imediato, o arguido DD aproximou-se e agarrou FF com a sua mão esquerda por um dos braços e, com a sua mão direita, agarrou o pescoço do mesmo, tentando sufocá-lo.
18. De seguida, os arguidos empurram-no para o interior da habitação, em direção à cozinha, onde o arguido DD o atirou para o chão, ficando em posição de decúbito dorsal, e o imobilizou, colocando-se em cima dele e segurando-lhe os braços.
19. Perante isso, FF procurou reagir, esbracejando, para tentar libertar-se.
20. Em consequência da força física empregue pelos arguidos para imobilizar FF e da resistência oferecida por ele, o mesmo sofreu:

- escoriação transversal na metade direita da região frontal da cabeça, com 30 mm de comprimento, a qual assentava sobre equimose violácea com 30 mm de eixo maior por 4 mm de eixo menor;

- escoriação puntiforme na columela nasal com 2 mm de diâmetro;

- equimose violácea na metade esquerda da região frontal da cabeça, com seis cm de eixo maior por 2 cm de eixo menor;

- equimose violácea no terço superior da região nasal, com 2 cm de eixo maior por 1 cm de eixo menor;

- equimose violácea na região infraorbitária direita, com 4 mm de eixo maior por 3 mm de eixo menor;

- equimose violácea na região bucal esquerda com 30 mm de eixo maior por 15 mm de eixo menor;

- equimose violácea na linha média da face mucosa do lábio superior, com 10 mm de eixo maior por 6 mm de eixo menor;

- equimose avermelhada na região mentoniana da cabeça, com 2 cm de eixo maior por 1 cm de eixo menor;

- escoriação curvilínea da concavidade ínfero-medial do pescoço, no terço médio da metade direita da região cervical anterior, com 10 mm de comprimento por 2 mm de largura;

- área equimótica violácea, com zona sensivelmente discoide, no terço médio da região cervical lateral direita do pescoço, medindo 25 mm de eixo maior por 17 mm de eixo menor;

- equimose violácea no terço médio da metade esquerda da região cervical anterior do pescoço, medindo 15 mm de eixo maior por 3 mm de eixo menor;

- área equimótica violácea no terço médio da região cervical lateral esquerda, com 23 mm de eixo maior por 15 mm de eixo menor;

- equimose violácea, sensivelmente discoide, no terço inferior da região cervical lateral esquerda do pescoço com 4 mm de eixo maior por 2 mm de eixo menor;

- escoriação linear, oblíqua para baixo e para a direita, no quadrante ínfero-lateral da região peitoral direita do tórax, com 13 mm de comprimento;

- escoriação oblíqua para baixo e para a esquerda no quadrante súpero-lateral da região peitoral esquerda do tórax, com 15 mm de comprimento;

- escoriação apergaminhada no terço inferior da face anterior do hemitórax esquerdo, com 12 mm de eixo maior por 7 mm de eixo menor;

- escoriação apergaminhada na região escapular direita, com 1 cm de diâmetro;

- equimose violácea no terço inferior da face lateral do hemitórax esquerdo, com 4 cm de eixo maior por 1 cm de eixo menor;

- duas escoriações na metade lateral do cotovelo direito, a maior com 10 mm de eixo maior por 5 mm de eixo menor e a menor com 7 mm de eixo maior por 5 mm de eixo menor;

- escoriação apergaminhada na metade medial do cotovelo direito, com 18 mm de eixo maior por 10 mm de eixo menor, a qual assenta sobre base de pontuado equimótico violáceo com 6 cm de eixo maior por 3 cm de eixo menor;

- equimose arroxeada no terço distal da face medial do braço direito, com 35 mm de eixo maior por 20 mm de eixo menor;

- equimose violácea no terço distal da face posterior do braço direito, com 3 cm de eixo maior por 2 cm de eixo menor;

- equimose violácea no terço distal da face anterior do antebraço direito, com 25 mm de eixo maior por 15 mm de eixo menor;

- escoriação no cotovelo esquerdo, com 11 mm de comprimento, que assenta sobre área de pontuado equimótico violáceo com 9 cm de eixo maior por 6 cm de eixo menor;

- escoriação no dorso da mão esquerda, na superfície em correspondência com o segundo metacárpico, com 3 mm de comprimento;

- escoriação no dorso do quinto dedo, na zona em correspondência com a articulação interfalângica distal, com 3 mm de diâmetro;

- e equimose violácea no terço distal da face anterior do antebraço, com 15 mm de diâmetro.
21. Ato contínuo, após imobilizarem FF, a arguida EE retirou do seu mencionado saco a referida faca de cozinha e entregou-a ao arguido Fábio, que continuou a segurar o braço direito daquele com a sua mão esquerda.
22. Então, o arguido DD, já com a arguida EE a agarrar o braço esquerdo de FF, desferiu vários golpes com a referida faca, na direção do tórax deste, procurando atingir o coração e pulmões do mesmo, o qual reagiu, nomeadamente apondo as suas mãos na trajetória da faca.
23. Após ter atingido o tórax de FF com dois desses golpes, o arguido Fábio entregou a faca à arguida EE, a qual desferiu mais dois golpes que igualmente o atingiram no tórax.
24. Em virtude dos golpes assim desferidos, FF sofreu as seguintes lesões externas:

                        A – ferida inciso perfurante de extremidades angulosas e bordos regulares, eritematosos, na metade medial da região subclavicular esquerda, disposta obliquamente para baixo e para a esquerda, medindo 23 mm de comprimento e com 11 mm de máximo afastamento dos bordos, continuando-se na sua extremidade inferior por uma “cauda de saída” com 2 mm de comprimento, sendo que a extremidade superior distava 3 cm da incisura jugular e a extremidade inferior 14 cm do mamilo esquerdo;

                        B – ferida perfurante de bordos regulares, eritematosos, no quadrante súpero-medial da região peitoral esquerda, disposta obliquamente para baixo e para a direita, medindo 20 mm de comprimento e com 9 mm de afastamento máximo dos bordos, sendo a extremidade superior arredondada, distando 9 cm do mamilo esquerdo e a extremidade inferior angulosa e distando 5 cm da linha média da região esternal;

                        C – ferida perfurante de bordos regulares, eritematosos, no quadrante súpero-medial da região peitoral esquerda, abaixo e medialmente disposta em relação à ferida B, de orientação oblíqua para baixo e para a direita, medindo 25 mm de comprimento e com 10 mm de máximo afastamento dos bordos, distando a extremidade superior 9 cm do mamilo esquerdo e a extremidade inferior 2 cm da linha média da região esternal;

                        D – ferida perfurante de bordos regulares, escoriados, no terço inferior da região esternal, discretamente oblíqua para baixo e para a esquerda, medindo 20 mm de comprimento e com 8 mm de máximo afastamento dos bordos, sendo a extremidade medial arredondada e localizada ao nível da linha média da região esternal e a extremidade lateral angulosa e localizada a 8,5 cm do mamilo esquerdo.

                        E - ferida incisa na face palmar do polegar direito, em zona de correspondência com a falange proximal, com 2 cm de comprimento, ferida incisa na face palmar do segundo dedo da mão direita, em zona de correspondência com a articulação interfalângica distal, com 1 cm de comprimento, ferida incisa na face palmar da região tenar da mão esquerda, medindo 28 mm de comprimento e com 3 mm de afastamento máximo dos bordos, duas feridas incisas na face palmar do segundo dedo da mão esquerda, em zona de correspondência com a falange proximal, a maior com 23 mm de comprimento e a menor com 13 mm de comprimento, duas feridas incisas na face palmar do terceiro dedo da mão esquerda, em zona de correspondência com as falanges proximal e média, medindo uma 20 mm e a outra 8 mm de comprimento, ferida incisa na face dorsal da região tenar da mão esquerda, medindo 13 mm de comprimento e com 3 mm de afastamento máximo dos bordos, ferida incisa no dorso da mão esquerda, em zona de correspondência com o primeiro metacárpico, com 23 mm de comprimento, ferida incisa no dorso do polegar esquerdo, em zona de correspondência com a falange proximal, com 12 mm de comprimento, ferida incisa no dorso do polegar esquerdo, em zona de correspondência com a falange distal, com 13 mm de comprimento e ferida incisa na face dorsal do quarto dedo da mão esquerda, em zona de correspondência com as falanges média e distal, com 15 mm de comprimento.
25. Com a perfuração obtida pelos golpes acima descritos e desferidos no tórax de FF, este sofreu as seguintes lesões internas:

                        A – a ferida inciso perfurante descrevia um trajeto orientado da frente para trás, de cima para baixo e da direita para a esquerda, com 165 mm de comprimento de perfuração, ocasionando a secção do músculo grande peitoral esquerdo, da articulação esternoclavicular esquerda, da primeira cartilagem costal esquerda, dos músculos intercostais do primeiro espaço esquerdo (arcos anteriores), do pulmão esquerdo e dos músculos intercostais internos do sétimo espaço, onde culminava;

                        B – a ferida perfurante descrevia um trajeto orientado da frente para trás e de cima para baixo, ocasionando a secção do músculo grande peitoral esquerdo, da terceira cartilagem costal esquerda, da terceira costela esquerda e do pulmão esquerdo, onde culminava;

                        C – a ferida perfurante descrevia um trajeto orientado da frente para trás e de cima para baixo, ocasionando a secção do músculo grande peitoral esquerdo, dos músculos intercostais do terceiro espaço esquerdo (arcos anteriores) e do pulmão esquerdo, onde culminava; e

                        D – a ferida perfurante descrevia um trajeto orientado da frente para trás e da direita para a esquerda, ocasionando a secção da sexta cartilagem costal esquerda, do saco pericárdico e do coração.
26. FF morreu em consequência das lesões traumáticas torácicas descritas nas alíneas A) a D) dos pontos 24 e 25º.
27. Logo após a imobilização de FF, que sangrava em resultado dos referidos golpes, os arguidos limparam os salpicos de sangue e procederam à remoção e quebra de mobiliário, remexeram em gavetas e partiram a televisão e o computador, tendo ainda a arguida EE retirado um disco externo de computador, que colocou no seu saco de cor azul e levou consigo.
28. Pretendiam, assim, os arguidos criar a impressão de que FF havia sido morto em consequência de um roubo perpetrado na sua residência.
29. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e com o propósito de matar FF.
30. Sabiam que a sua conduta era prevista e punida pela lei penal.
31. Imediatamente após os factos, os arguidos regressaram a casa tendo, pelo caminho, enterrado, nomeadamente, a faca, as luvas, o frasco de álcool e as peças de roupa que usavam aquando dos mesmos, e abandonado na mata as calças que o arguido Fábio vestia.
32. Uma vez em casa, a arguida EE, através de mensagens escritas de telemóvel, contactou com a sua mãe, pedindo-lhe que a conduzisse à GNR, o que ela fez, e onde veio a denunciar que, momentos antes, o arguido DD tinha morto o seu ex-companheiro.
33. Ao proceder dessa forma, a arguida EE fê-lo sem o conhecimento do arguido DD, dizendo-lhe que tinha de se ausentar de casa, por o seu filho estar doente.
34. Ainda na mesma noite em que os factos ocorreram, o arguido Fábio indicou ao órgão de polícia criminal o local onde ele e a arguida EE haviam enterrado os referidos objetos.
35. Durante o período de tempo em que viveu com o arguido DD, a arguida EE chegou a trabalhar em bares de alterne, como forma de conseguir dinheiro para fazer face às despesas de ambos, designadamente com o consumo de estupefacientes.
36. À data dos factos, a arguida EE encontrava-se grávida, tendo dado à luz, em 22 de maio de 2013, a menor GG, que não é filha nem do arguido DD nem de FF.
37. FF era filho dos lesados AA e BB, tendo falecido no estado de solteiro, sem deixar legado, testamento ou outra disposição de última vontade, deixando ainda a suceder-lhe o seu referido único filho.
38. Durante a convivência que a arguida EE manteve com FF em agosto de 2012, houve situações de conflito e de tensão.
39. A descrita forma como os arguidos provocaram a morte de FF causou neste grande sofrimento nos momentos que a antecederam, tendo sentido pânico e tentado reagir, defendendo-se dos golpes que lhe foram infligidos, procurando evitar que a faca lhe perfurasse o tórax, daí resultando as referidas leões nos dedos, palmas e dorso das mãos.
40. FF nasceu no dia 28 de abril de 1986.
41. Era respeitado e estimado pelas pessoas com quem convivia, bem como respeitador e digno.
42. Era tímido, filho de uma família humilde e trabalhador, tendo começado ainda de tenra idade a trabalhar com o pai na construção civil, atividade que este desenvolvia de forma profissional.
43. Nos anos que antecederam a convivência com a arguida EE, FF, fruto do seu trabalho na construção civil, juntou algum dinheiro que lhe permitiu o início da vida em comum com aquela, designadamente a aquisição de mobílias para a casa onde ambos viveram.
44. Os lesados sentiram uma enorme dor com a morte do seu filho, que era o seu descendente mais velho e único rapaz, o qual mantinha uma estreita ligação afetiva com os pais.
45. O facto de ter começado desde cedo a ajudar o pai na construção civil, aproximou-o dos progenitores.
46. Mais tarde, ainda adolescente, decidiu abandonar os estudos e passar a trabalhar juntamente com o pai na construção civil, mantendo assim uma convivência diária quase total com ele, num espírito de camaradagem e entreajuda.
47. Mais tarde, quando FF passou a viver com a arguida EE, foram os lesados que providenciaram pela construção da casa onde ele viveu até ao seu último dia de vida, tendo a mesma sido erigida em terreno deles e edificada pelo pai e pelo próprio FF.
48. O nascimento do menor CC também contribuiu para aumentar a proximidade afetiva entre FF e os pais, já que estes passaram a auxiliar o filho na educação e nos cuidados a prestar ao menor, face à inconstância da arguida EE.
49. E quando a arguida EE e FF se separaram, em abril de 2012, os lesados assumiram inteiramente os cuidados com a educação e o sustento do neto, que passou a viver em casa dos avós.
50. Em consequência, a convivência diária e a relação de dependência entre pais e filho intensificou-se, fortalecendo-se os laços afetivos entre eles.
51. Por força disso, as circunstâncias que rodearam a morte de FF tornaram maior o sofrimento sentido pelos seus pais.
52. Frequentemente estes pensam na morte do filho.
53. Nos momentos que antecederam a sua morte, FF sentiu agonia e sofrimento, ao antever que ia morrer, encontrando-se impossibilitado de se defender, nomeadamente dada a superioridade numérica dos arguidos, apesar de ainda o ter tentando fazer, ficando ferido nas mãos.
54. O lesado CC mantinha uma ligação afetiva forte com o pai, sendo que a mãe – a arguida EE – mesmo durante o período em que coabitou com aquele, se alheava das suas obrigações maternais, descurando os cuidados básicos e os horários do menor.
55. O lesado CC sente a falta do pai, perguntando insistentemente por ele, por estranhar a sua falta em casa, já que estava diariamente com o mesmo.
56. O facto de não ter o pai para acompanhar e ajudar o seu crescimento, irá refletir-se na vida e na personalidade do lesado CC.
57. À data dos factos, FF estava desempregado há cerca de dois anos, por falta de trabalho na área da construção civil à qual o seu pai se dedicava.
58. Com base no falecimento de FF, foram requeridos no Instituto da Segurança Social, I.P., pelo seu filho CC, as respetivas prestações por morte, as quais foram deferidas.
59. Em consequência, aquele Instituto pagou-lhe, a título de subsídio por morte, o montante de € 2.515,32.
60. Bem como lhe pagou pensões de sobrevivência, no valor total de € 861,20, relativas ao período de novembro de 2012 a maio de 2013, atualizado para o valor de € 1.520,32 reportado ao período de novembro de 2012 a outubro de 2013, sendo o valor mensal atual da pensão de € 102,72.
61. Esses valores foram pagos ao assistente AA, como representante legal do menor CC.
62. O arguido DD nasceu a ....
63. Apresenta uma personalidade esquizoatipica, antissocial e um coeficiente de inteligência borderline (abaixo da média).
64. Sentia, há alguns meses, receio em relação a comportamentos e atitudes da arguida EE e de pessoas amigas desta, o que lhe causava alguma perturbação psicológica.
65. No estabelecimento prisional, após ter sido colocado em prisão preventiva, o arguido DD manifestou pânico, terror e comportamentos que levaram a que fosse imediatamente internado na ala psiquiátrica, onde permaneceu alguns meses.
66. Até poucos meses antes dos factos, o arguido DD tinha um comportamento social irrepreensível e uma vida pacata e normal, sendo uma pessoa calma, bom cidadão, amigo de todos e que aspirava profissionalmente vir a ser elemento de autoridade.
67. Após ter passado a conviver, durante alguns meses, com a arguida EE, o arguido DD alterou radicalmente esse tipo de comportamentos.
68. A arguida EE chamava-lhe nomes como “filho da puta” e “conas”, batia-lhe, ameaçava-o, uma vez com uma faca, para que ele fizesse as suas vontades.
69. O arguido DD é originário de um meio familiar de condição socioeconómica satisfatória, tendo-se os progenitores separado durante a sua infância, decorrendo o seu desenvolvimento e formação da personalidade na companhia da avó materna, já que a mãe constituiu novo agregado familiar, tendo mais dois filhos, e o pai emigrou para França, onde permanece.
70. O arguido DD frequentou a escolaridade até ao 12º ano, obtendo na fase complementar um curso de secretariado, iniciando-se, aos 18 anos, como aprendiz de serralheiro.
71. Desde sempre revelou dificuldades em se relacionar com elementos estranhos à família e em fazer novos amigos dentro da sua faixa etária, privilegiando o convívio com pessoas mais velhas, amigas da avó e da mãe, que acompanhava frequentemente em práticas religiosas católicas, sendo acólito e praticante desses preceitos.
72. Ultimamente mantinha alguns amigos da sua idade, com quem partilhou a aspiração de ingressar nos paraquedistas, tendo chumbado nas provas de acesso.
73. No último ano antes dos factos, encontrava-se desempregado, sobrevivendo com o subsídio de desemprego e o apoio da mãe e da avó.
74. Envolveu-se no consumo de estupefacientes, numa escalada, desde o haxixe até a substâncias mais pesadas como cocaína, benzodiazepinas, anfetaminas, extasy, LSD e outros alucinogénios.
75. Essa situação de dependência agravou-se quando iniciou a sua relação afetiva com a arguida EE, que também era consumidora dessas substâncias.
76. No relacionamento com outras pessoas, o arguido DD apresentava-se como inseguro e tímido.
77. O relacionamento afetivo com a arguida EE alterou a sua postura pessoal e social, revelando, ultimamente, intranquilidade e agitação permanentes.
78. Logo após a sua entrada no estabelecimento prisional, em outubro de 2012, foi tratado de um surto psicótico, mantendo ainda medicação regular e maior estabilidade de saúde.
79. Beneficia de visitas familiares e dispõe de vínculos afetivos com a avó, pais, irmãos e demais familiares e alguns elementos da vizinhança, que o apoiam e servirão de retaguarda familiar no futuro.
80. Conta igualmente com o apoio de anteriores empregadores.
81. No meio social em que se insere não há sinais de rejeição e estigmatização do arguido DD, estando as pessoas da vizinhança disponíveis a aceitá-lo e facilitar a sua reintegração.
82. A arguida EE nasceu a 30 de julho de 1989, tendo o seu processo social de desenvolvimento da personalidade decorrido no agregado de origem, em ambiente de coesão afetiva e de investimento parental na educação, com satisfação das necessidades básicas de saúde e escolarização.
83. O seu trajeto académico terminou aos 16 anos de idade, com a conclusão do 7º ano de escolaridade, marcado por dificuldades de realização e por três retenções.
84. Cerca dos 13 anos de idade, deu-se a separação dos seus progenitores.
85. Tendo a mãe da arguida EE contraído novo casamento, esta opôs-se à figura do padrasto, determinando um conflito entre ambos por não lhe reconhecer o direito de supervisão da sua vida, sendo que a intervenção educativa paterna era praticamente nula.
86. A arguida EE tentou obter formação complementar num curso profissional, que acabou por abandonar.
87. Durante a frequência desse curso conheceu FF, com quem estabeleceu uma relação amorosa.
88. O nascimento do filho de ambos levou-os a organizar uma vivência em união de facto ainda que inicialmente integrado no agregado familiar dos progenitores de FF.
89. A arguida EE procurou desenvolver atividade laboral em cabeleireiros e numa empresa de tratamento de pescado para consumo humano, experiências que se revelaram infrutíferas e pouco duradouras.
90. Em meados de fevereiro de 2012 o casal, dependente do benefício da prestação pecuniária atribuída no âmbito do rendimento social de inserção, autonomizou-se, mudando a residência para os referidos anexos de uma habitação dos progenitores de FF, coincidente com o modo de vida do casal de manutenção de rotinas e horários noturnos, com o advento da toxicomania e a inatividade laboral de ambos.
91. As pressões familiares conseguiram conduzir a arguida EE a uma intervenção especializada em consulta de acolhimento no CRI de Aveiro, ocorrida em 16-04-2012.
92. Só com o esforço da progenitora é que ela compareceu em novas consultas ocorridas nos dias 18-05 e 11-06-2012, tendo faltado às intermédias, uma vez que era consumidora compulsiva de diversas substâncias nomeadamente, cocaína, benzodiazepinas, anfetaminas, ecstasy, alucinogénios entre outras, toxicomania iniciada aos 14 anos de idade.
93. A ligação dos arguidos era caracterizada pela condição toxicómana de ambos, num quotidiano gerido de conjugação de esforços de satisfação daquela compulsão.
94. A arguida EE continua a beneficiar do suporte familiar da progenitora, da avó materna e do padrasto, agregado que subsiste com razoável conforto financeiro.
95. A sua conduta em meio prisional tem sido reativa ao disciplinado exigido, pelo que já foi alvo de duas sanções disciplinares de repreensão escrita pelo incumprimento de regras e por envolvimento em altercação com companheira, deixando transparecer ainda algumas dificuldades em controlar a impulsividade e a adequabilidade às exigências de contenção.
96. O contexto de reclusão tem-lhe possibilitado manter um estado abstémio, estar afastada tanto dos contextos de consumo como das influências marginais como ainda, poder exercer a maternidade assistida.
97. A arguida EE apresenta um percurso de vida perturbado pela precoce necessidade de autonomização, alguma rebeldia, pela instabilidade pessoal e profissional, desprovida de qualificação profissional e de hábitos de trabalho, e a instalação de um quadro de dependência compulsiva de estupefacientes, que não só a impediram de assegurar a prestação dos cuidados básicos ao filho como a autodeterminação de modo independente.
98. Apresenta um reduzido número de estratégias de resolução dos seus problemas.
99. Do certificado de registo criminal do arguido DD nada consta.
100.A arguida EE já sofreu uma condenação, por sentença de 10-05-2012, transitada em julgado em 14-06-2012, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática, em 30-03-2011, de um crime de ameaça e de um crime de ofensa à integridade física simples.

                        B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

            Para além dos que já resultam excluídos pela factualidade provada, não se provaram os seguintes factos:

- Os avós paternos do menor CC limitavam as visitas da arguida EE ao filho, existindo situação de litígio sobre a custódia do menor.

- A arguida EE encarava FF como o obstáculo que existia entre si e a guarda do seu filho menor.

- Os arguidos ocultaram as suas bicicletas.

- Os arguidos desferiram vários murros e pontapés o FF, na cozinha e na sala da referida residência, a fim de o imobilizar.

- Quando a arguida EE entregou a faca ao arguido Fábio, este ainda segurava com uma das mãos o pescoço de FF.

- Após abandonar a habitação que partilhava com FF, em abril de 2012, a arguida EE abandonou a localidade da ... por diversos meses, tendo cortado os contactos com o seu filho menor, que havia ficado à guarda do pai.

- Durante alguns meses, quer FF quer os lesados, desconheceram o paradeiro da arguida EE, a qual só voltou a aparecer pela localidade da ... já durante o verão de 2012.

- Por diversas vezes, a arguida EE ameaçou FF de morte, como via para obter a guarda do filho menor de ambos.

- FF era sociável, bem disposto, alegre, maduro e responsável.

- O dinheiro que o mesmo juntou permitiu-lhe igualmente a aquisição de veículo automóvel.

- Era uma pessoa muito querida.

- Os lesados mantêm ambos sonhos horríveis, um constante sobressalto e insónias, tendo entrado em profunda depressão.

- A lesada BB passou mesmo a ser seguida e medicada para a depressão em que mergulhou.

- Os lesados pagaram as despesas com o funeral deste, no valor de € 1.660, com a compra do lote de sepultura que adquiriram no cemitério, no montante de € 900, e com o jazigo, no valor de € 1.000.

- Por diversas vezes, o menor CC se agarra a estranhos de sexo masculino e jovens, chamando-os de pai, por não ter gravado as feições de FF, dada a tenra idade que tinha quando o viu pela última vez.

- Era FF quem providenciava pelo sustento do menor CC e jamais deixaria de pugnar pela guarda do seu filho por toda a menoridade deste.

- E, previsivelmente, iria estar à guarda e cuidados do pai até à idade de 22 anos, altura em que poderia terminar o seu percurso académico, frequentando um curso superior, o que FF desejava para o filho.

- O sustento do menor importava e continuaria a representar um valor médio de € 400 mensais, com o qual FF contribuiria, até aquele completar o ensino secundário.

- Nos quatro anos seguintes, face ao acréscimo de despesas no ensino superior, o encargo com o CC seria de € 750 mensais.

- Foi a arguida EE quem, unilateralmente, planeou, estruturou e congeminou o plano para matar FF, sendo ela exclusivamente quem queria a consecução desse ato.

- Os factos foram cometidos sob o efeito de estupefacientes, estando há meses o arguido DD a ser vítima de uma cruel chantagem emocional e a uma enorme pressão psicológica por parte da arguida EE, que gerou a prática dos mesmos.

- O arguido DD só tomou consciência da gravidade do ato na prisão.

- O arguido DD praticou os factos em estado de inconsciência, de perturbação e sob a influência de estupefacientes.

- A arguida EE convenceu o arguido DD que a única forma de reaver o filho dela, que se encontrava sob o poder parental dos pais de FF, seria matar este seu ex-companheiro.

- O arguido DD colaborou na execução dos factos desenvolvidos num episódio maníaco-depressivo, num grave distúrbio emocional, em estado psicótico.

- Durante o mês de dezembro de 2012, quando foi visitado no estabelecimento prisional, o arguido DD continuou a falar que era perseguido e coagido pela arguida EE, bem como a falar em pessoas agressivas da confiança dela, da região norte do país, que os visitavam com frequência, pressionando-o a agir conforme a vontade deles.

- O arguido DD era pressionado para a curto prazo ir trabalhar na vida noturna, para a região do Porto, na companhia da arguida EE e desses conhecidos dela.

- O estado neurótico levou-o a um estado de grave perturbação e de distúrbios, de pânico em remissão total, um tipo de “ansiedade aguda”.

            A demais matéria alegada é meramente conclusiva, de direito ou simplesmente irrelevante para a decisão da causa.

I

            Na análise do presente recurso importa que, previamente, se aprecie sobre a legitimidade dos assistentes para interpor recurso da decisão proferida. Na verdade, a pretensão deduzida pelos recorrentes no sentido da alteração da medida da pena em função das necessidades de prevenção a nível geral tem de ser conjugada com a jurisprudência obrigatória constante do Assento 8/99 o qual dispõe que «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.»

Efectivamente, e conforme nos dá noticia o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 30-4-2008 a legitimidade do assistente para interpor recurso em caso de sentença condenatória, desacompanhado do Mº Pº, nomeadamente, estando em causa a medida da pena, foi objecto de controvérsia, suscitando três posições distintas-Uma primeira, negando essa possibilidade, considerando que a decisão não o afectava, ou por não ter interesse em agir, de que são exemplos os acórdãos de 22-11-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, 240, de 09-10-1997, BMJ 470, 364, de 18-12-1997, CJSTJ 1997, tomo 3, 216;Uma segunda, reconhecendo legitimidade ao assistente – como nos casos dos acórdãos de 03-07-1991, BMJ 409, 355, de 22-05-1996, processo 243/96, de 09-04-2007, CJSTJ 1997, tomo 2, 172 e BMJ 466, 366.  A posição que obteve respaldo em sede de fixação de jurisprudência orientou-se no sentido de que a solução para decidir da legitimidade ou ilegitimidade para o recurso deve ser encontrada, apreciando, caso a caso, se a sua posição é afectada pela natureza da condenação ou pela espécie da medida da pena aplicada ao arguido. Efectivamente, de acordo com o assento de 30 de Outubro de 1997 : «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».[1]

Justificando a posição adoptada ali se refere que a decisão final, em processo penal, pode, afectar o interesse do assistente, máxime em sede de atribuição (e eventual repartição) e graduação (e sua intensidade) da culpa, sendo que a medida da culpa é o limite máximo da medida da pena e interessa à determinação da espécie da pena.

Se a discordância deriva de causa que afectou o interesse do assistente e em razão de tal se possa considerar vencido [CPP — 401, 1 b) e 2, e 69,1 e 2 c)], tem este interesse em agir, pelo que pode recorrer. Este interesse em agir tem de ser concreto e do próprio, pelo que é insuficiente se o assistente não demonstrar um real e verdadeiro interesse, oriundo duma posição equidistante que visa a salvaguarda de valores jurídicos, mas pretende fazer valer uma ideia de vindicta privada. Como se refere no Ac. STJ de18.01.2012 “O interesse em agir do assistente, como pressuposto de recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção da decisão.

A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que o assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo”

E, continua, “O interesse em agir, que consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la; o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo: trata-se de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada “a posteriori”.

Como se afirmou as finalidades da punição, que justificam a espécie e a medida da pena, não visam dar sequência a uma pretensão do ofendido assistente dum determinado castigo, pois que a lei não lhe confere o direito à punição como forma de reparação, ou de satisfação moral, e não lhe permite exigir determinada medida a pena para satisfação do seu interesse moral.

A punição do arguido está subordinada ao interesse público de administração da justiça conjugando a sua actividade com a tarefa de prossecução da acção penal tal como esta é definida pelo Ministério Publico. Não compete ao assistente ser o gestor do interesse colectivo ou da comunidade, assumindo-se como corporizando um “jus puniendi” que não tutela.

No vertente caso, os assistentes recorrentes não invocam qualquer interesse próprio, e concreto, em agir na alteração da medida concreta da pena, para além das necessidades de prevenção a nível geral, mas a defesa estas é, como se referiu, tarefa do Ministério Público, que, ao não interpor recurso, entendeu a pena como ajustada, tendo mesmo manifestado essa opinião na resposta ao recurso da recorrente. Não sendo invocado qualquer interesse específico ou vantagem na aplicação de uma pena mais elevada, distinto das finalidades públicas da aplicação da pena, não pode este tribunal dizer que a decisão foi proferida contra o assistente (encadeando-se aqui a questão com a decidida no ponto anterior), e se existe interesse em agir relevante que possa integrar o pressuposto de admissibilidade do recurso nesta parte.

Repete-se que a medida concreta da pena do arguido de um crime satisfaz um interesse colectivo que compete ao Mº Pº prosseguir. Não existe um direito pessoal público do assistente a um certa e concreta punição, como forma de reparação moral, de tal modo que fosse permitido ao assistente exigir determinada medida da pena para a satisfação desse interesse. A punição do arguido está dominada por um interesse público, não podendo competir ao assistente ser o intérprete do interesse colectivo, designadamente se se afastar da posição assumida a esse respeito pelo Mº Pº; relativamente ao núcleo do jus puniendi do Estado, o assistente não pode, pois, deixar de estar subordinado à posição do Mº Pº sobre a discussão da medida concreta da pena (cf, v. g. ac. STJ de 7 de Maio de 2009, proc. 579/09). [2]

Consequentemente, rejeita-se o recurso interposto, nos termos dos artigos 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, ambos do CPP.

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Santos Cabral (relator)
Maia Costa


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[1] Arguida nulidade do assento, sobre a mesma recaiu o acórdão de 12-03-1998, e formulado posteriormente pedido de aclaração, sobre o mesmo veio a recair o acórdão de 02-07-1998.
Foi ainda interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que não conheceu do respectivo objecto, sendo publicado o assento no DR - Iª Série, de 10-08-1999 (e BMJ 470, 39).

[2] Assim, por falta de interesse em agir, não é admissível o recurso dos assistentes nessa parte (art. 401.º, n.º 2 do CPP). Cf. neste sentido, os acórdãos do STJ de 23/1/2002, Proc. n.º 3027/01, 3.ª Secção e de 24/10/2002, Proc. n.º 3183/02, 5.ª Secção, publicados nos Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual de 2002, respectivamente páginas 11 e 329, sendo o último deles particularmente elucidativo, uma vez que a situação nele retratada é ainda mais incisiva do que a dos autos: «Tratando-se de um crime público (homicídio voluntário) – em que, por isso, o assistente, tem a posição de colaborador do MP «a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo» (art. 69.º, n.º 1 do CPP) -, não se poderá dizer que uma decisão (da Relação) que (sem oposição do MP) reduz a pena de 14 para 12 anos de prisão a pena aplicada na 1.ª instância «afecta o assistente» (art. 69.º, n.º 2 c) e, por isso, lhe atribua a competência de, isoladamente, «interpor recurso». Num sentido idêntico, aliás, veja-se o acórdão de 29/6/05, Proc. n.º 2041/05, da 3.ª Secção, Sumários dos Acórdãos, Junho de 2005, p. 100/101.