I - O regime jurídico de que a lei faz depender a providência de habeas corpus em virtude de detenção ilegal está previsto no art. 220.º do CPP. A reserva de competência do JIC para apreciação da detenção ilegal é-lhe normalmente deferida porque inexiste, ainda, processo de inquérito ou em fase de instrução.
II -Mas estando já validada judicialmente a detenção na zona equiparada a Centro de instalação temporária, a coberto de autoridade judiciária, será caso de aplicação do art. 221.º do CPP.
III -O que a requerente se propõe é impugnar um despacho judicial de validação da sua detenção e permanência na zona adequada aeroportuária, até resolução da questão, tendo presente que o TCAL ordenou a suspensão do reembarque, dispondo a requerente para o efeito de meio ordinário de impugnação, de recurso da validação judicial no tribunal comum, do qual devia lançar mão e não da providência excepcional de habeas corpus.
Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :
AA, que se diz cidadã francesa, portadora de passaporte francês com o nº ..., residente na ..., França, actualmente detida nas instalações dos Serviços e Fronteiras de Lisboa, na zona internacional do Aeroporto de Lisboa vem requerer “Habeas Corpus “ em virtude de prisão ilegal, ao abrigo do disposto do artigo 222°, n° 2 c) do C. P.P., alegando que :
A requerente é cidadã francesa, residente com a sua mãe naquele país, tendo-se deslocado ao Mali e pretendendo regressar a França, optou, por razões económicas, por adquirir bilhete de avião num voo com origem Mali-Portugal, após o que teria de apanhar outro voo com destino a Paris.
No dia 24/03/2014, ao passar pela zona internacional, no Aeroporto da Portela, foi fiscalizada pelos Srs. inspectores do SEF, que decidiram sem quaisquer outras diligências probatórias, nomeadamente aferição junto do Consulado francês, que a Requerente fazia uso de passaporte alheio, apreendendo-o .
Tendo determinado o seu regresso ao Mali, no mais curto espaço possível, agendando voo de regresso a Bamako, o qual que sairia de Portugal às 20h 20m, do dia 26/03/2014.
Pelo que a requerente, face à eminência de ser determinado o seu regresso ao Mali, se viu obrigada a intentar providência cautelar de a suspensão de acto administrativo, peticionando, atendendo á situação de especial urgência, e porque entendia estar em causa a lesão de direitos e interesses da requerente, que a mesma fosse provisoriamente decretada.
Tal providência veio a ser ordenada conforme decisão proferida no dia 27 de Março de 2014;
E notificada de imediato, nesse mesmo dia, por via electrónica, ao Director Nacional do SEF, conforme documentos que se juntam sob os nºs 1 e 2 e retirados através do sistema SITAF, do referido processo.
Foram os mandatários da Requerente, notificados de tal decisão por via postal, no dia de ontem (31-03-2014), conforme se anexa como Doc. 3;
Contactada a família da requerente de modo a providenciar a sua recolha no local onde se encontra actualmente detida, a mesma foi impedida de contactar a Requerente;
Da mesma forma que os cartões telefónicos que foram entregues nos serviços no dia 31 de Março de 2014, não lhe foram entregues e;
Só às 20h 15m do dia de hoje (01-04-2014) tiveram, os mandatários da Requerente, a possibilidade de contactar a detida e os serviços na pessoa do seu Inspector adjunto- ...;
O qual de forma lacónica, após alegado contacto com o Director de Fronteira, Inspetor ..., lhes comunicou que efetivamente haviam sido notificados do decretamento da providência cautelar que determinou a suspensão da execução da decisão de recusa de entrada da requerente em território nacional;
Mas que não pretendiam cumprir a decisão do Tribunal Administrativo (sic).
Tanto mais que ainda tinham um prazo de 5 dias para responder à decisão que tinha suspendido e decretado a proibição de recusa da entrada da requerente em território nacional,
Tal recusa de cumprimento da ordem judicial foi objecto de reclamação, inclusive, para efeitos de prova do presente “Habeas Corpus “ , conforme documento que se junta como Doc.4.
Mais informou o Senhor Inspector que ainda que a decisão do Tribunal Administrativo se mantivesse, tinha instruções para não cumprir com tal decisão, sendo que o único local para onde ela seria remetida seria para o Mali.
Sendo manifesto que pelos fundamentos supra expostos na providência Cautelar, a retenção nos serviços do SEF configura uma detenção manifestamente ilegal;
Porquanto, foi tomado conhecimento nesta data, que foi cumprido o disposto no artigo 38º, da lei 23/2007 de 04 de Julho, que validou a sua detenção nos serviços do SEF, por parte do Meritíssimo Juiz, nos autos à margem identificados.
Acontece porém que, a partir do momento em que a decisão do Sr. Director do SEF é suspensa e mais do isso, é decretada a providência, o fundamento legal para manter a detenção da Requerente, bem como a respectiva validação da parte do Juiz de Instrução Criminal deixa de existir.
Ou seja, a decisão de proibição de entrada em território português e de expulsão do mesmo está revogada, ainda que provisoriamente.
Não podendo por isso, a Requerente, permanecer retida/detida nas instalações do SEF, porque isso representa uma manifesta restrição à sua liberdade.
Mais, nos termos do disposto no artº 38 n° 4 da Lei 23/2007 de 4 de Julho.:" Sempre que não seja possível efectuar o reembarque do cidadão estrangeiro dentro de 48 horas após a decisão de recusa de entrada, do facto é dado conhecimento ao juiz( ... )" "( ... ) a fim de ser determinada a manutenção daquele em centro de instalação temporária ou espaço equiparado( ... )
O pedido de validação da detenção da requerente foi efectuado no dia 27/03/2014, tendo sido dado conhecimento ao Meritíssimo Juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal de que havia sido intentada providência cautelar de acto administrativo que recusou a entrada da requerente em território nacional (doc 5)
Tendo sido proferida decisão judicial no processo identificado á margem, que decidiu pela manutenção da requerente nas instalações do Aeroporto de Lisboa, até ser possível o seu reembarque para o país de origem.
Ou seja, a Meritíssima juiz, tendo conhecimento que a requerente estava representada por advogado, e que havia reagido à decisão do SEF, intentando providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, decide ainda assim determinar a permanência desta nas instalações do aeroporto, sem sequer ter existido interrogatório ou apresentação da requerente a juízo,
Não lhe tendo sido dada a possibilidade de se defender, por si ou mediante advogado constituído, sendo certo que a requerente não fala uma palavra de português e não conhece a decisão que determinou a sua permanência e confinamento ás instalações do aeroporto;
Tendo-lhe sido vedado a possibilidade de contactar com familiares e inclusive com o advogado constituído;
Mandatário que só após deslocação aos serviços do aeroporto e mediante insistência pode contactar telefonicamente com a sua constituinte,
Tudo numa cIara violação do disposto no e 32, n° 3 e art,º 30.º, da CRP.
A providência cautelar foi decretada provisoriamente, nos termos do disposto no artº 131 do CPTA, no dia 28/03/2014, porque entendeu o Meritíssimo juiz que só o decretamento provisório poderia garantir os direitos liberdades e garantias da requerente;
Tal decisão judicial foi comunicada ao SEF no próprio dia 28/03/2014 pelas 14hOO; escassas 3 horas após a validação da permanência da requerente pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal no Centro de instalação temporária do aeroporto do SEF;
É que, ainda que a decisão judicial de manutenção/validação da requerente nas referidas instalações quando já havia prova da requerente ter intentado providência cautelar de suspensão de acto administrativo, se encontrava representada por advogado, sem ter sido ouvida, sem lhe ter sido nomeado intérprete e sem lhe ter sido comunicada, possa considerar-se legal, o que só por mera hipótese académica se equaciona,
Sempre o decretamento provisório da providência cautelar que determinou a suspensão da decisão de recusa de entrada da requerente em território nacional determinaria a revogação da referida decisão.
Devendo a requerente ser imediatamente libertada, sendo-Ihe permitida a circulação em território nacional, ao abrigo do disposto no artº 3, n° 2, do Tratado da União Europeia,
Uma vez que, até prova em contrário, a requerente é cidadã francesa, não lhe tendo sido dada a possibilidade de se identificar com autorização de residência francesa, que igualmente lhe foi apreendida juntamente com o passaporte;
Dispõe o art.º 40 da lei 37/2006 que Regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril que:
"I. Aos cidadãos da União é admitida a entrada no território nacional mediante a simples apresentação de um bilhete de identidade ou de passaporte válidos e sem qualquer visto de entrada ou formalidade equivalente.
2. Os familiares de cidadãos da União que não possuam a nacionalidade de um Estado membro são admitidos no território nacional mediante a apresentação de um passaporte válido, só estando sujeitos à obrigação de visto de entrada nos termos das normas em vigor na União Europeia,
Sendo que, por via do artº 8 da CRP, a situação da requerente, enquanto cidadã francesa é, para todos os efeitos equiparada à recusa de entrada de cidadão nacional,
O que eventualmente, se tivesse sido dada possibilidade da requerente ser presente a juízo, poderia ter sido apreendido.
Pelo que se entende que a detenção da requerente, em virtude da decisão judicial que manteve a sua retenção/permanência nas instalações do SEF no Aeroporto, por tempo indeterminado (atendendo a que está em curso a decisão de uma providência cautelar, provisoriamente decretada, que embora urgente está sujeita ás demoras normais dos processos judiciais)
Configura uma situação de prisão ilegal, porque efectivada ao abrigo de uma decisão judicial, que igualmente e pelas razões que supra se invocou, se entende igualmente ilegal, porque adoptada em violação das garantias constitucionais e processuais da requerente.
A permanência da requerente nas instalações do Aeroporto de Lisboa viola a decisão judicial proferida no âmbito do processo que corre termos sob o n° 736/14.9BELSB; os direitos constitucionalmente consagrados nos art.º 8º, 32º, e 30º da CRP e o princípio da livre circulação de pessoas e bens estabelecido no Tratado da União Europeia.
Termos em que, se requer a imediata restituição da liberdade da requerente circular em território nacional
Colhidos os legais vistos , convocada a Secção , designado dia para julgamento, notificados o M.º P.º e defensor, cumpre decidir em audiência :
Preliminarmente , cumpre ter presente a informação da M.ª Juiz , abaixo reproduzida :
A cidadã AA, identificou-se apresentando passaporte francês que era emitido pela autoridade oficial sem alterações mas de que não era a verdadeira titular, era documento alheio francês, chegou ao Aeroporto de Lisboa, na cidade e comarca de Lisboa, proveniente de BAMAKO no voo TP258 em 24 de Março de 2014, pelas 7 horas e 15 minutos, apresentando no controlo de fronteira documento alheio.
Sendo a portadora do passaporte naquele momento pessoa diferente daquela a quem ele foi emitido e desconhecendo-se a identidade e a nacionalidade da pessoa que entregue o passaporte alheio e porque a mesma recusou fazer registo dactiloscópico foi-lhe recusada a entrada em Portugal por não ser portadora de documento de viagem válido nos termos do artigo 34º da Lei nº23/2007, de 04.07 , por despacho do Inspector do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SEF – , datado de 24 de Março de 2014.
Foi notificada a companhia transportadora TAP AIR PORTUGAL que informou ser o regresso para BAMAKO – local de origem da cidadã estrangeira - no voo ... apenas no dia 26 de Março de 2014, pelas 20 horas e 35 minutos.
Foi interposta providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo de recusa de entrada - processo nº736/14.9 BELSB do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa 3ªUO - pelos mandatários da cidadã estrangeira detida, ficando suspenso o embarque até decisão a proferir por aquele Tribunal.
Não podendo ser feito o embarque da cidadã estrangeira detida antes de expirado o prazo de 48 horas seguintes à decisão de recusa de entrada para ser reenviada para o local de origem e sendo as instalações existentes no Aeroporto de Lisboa equiparadas a Centros de Instalação Temporária de passageiros chegados por via área foi autorizada a sua permanência no Aeroporto Internacional de Lisboa (equiparado para esse efeito a centro de instalação temporária) até ser possível o seu reembarque para o país de origem – onde a cidadã se encontra presentemente detida conforme informação do SEF datada de 03.04.2014 que se anexa ”
O Sr. Director do SEF esclareceu o Tribunal de onde emergiu o presente” habeas corpus “ , nos termos abaixo transcritos, deles relevando que;
Através do Relatório de Análise Documental n° 98/2014, verificou-se que o passaporte que a passageira exibiu no controle de fronteira era um "documento genuíno, emitido pela autoridade oficial, sem alterações, no entanto o PORTADOR, não é o verdadeiro titular."
Do confronto entre a foto do documento e a cidadã que o exibia constataram-se"dissemelhanças no formato geral do rosto, do nariz e das narinas, dos lábios e do fíltrum, do recorte das orelhas",
Em rigor, sendo a portadora daquele documento pessoa diferente daquela a quem ele foi emitido, desconhece-se quer a sua identidade, quer a sua nacionalidade, sendo de referir que a mesma se recusou que lhe fosse recolhido o registo dactíloscópico.
Nesta conformidade, foi-lhe recusada a entrada em Portugal por não ser portadora de documento de viagem válido (uso de documento alheio), nos termos do art° 34 da lei 23/2007 {lei de estrangeiros)
E tendo requerido a peticionante do “ habeas “ providência cautelar de suspensão do reembarque na jurisdição administrativa , que foi deferida, sustado o retorno , permanecendo a requerente na zona de instalação anexa ao Aeroporto de Lisboa, e solicitada pelo Sr. Director de Fronteira a validação à M.ª Juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, da permanência por tempo superior a 48 horas, nos termos do art.º 41 .º , da Lei n.º 23/2007 , alterada pela Lei n.º 29/2012, sendo a detenção e permanência autorizada por despacho de 28.3.2014,até ser possível o seu regresso ao Mali .
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A lei n.º 23/2007 , de 4/7 , alterada pela Lei n.º 29/12 , de 9/8 , regula o regime jurídico da entrada , permanência , saída e afastamento dos estrangeiros, condicionando o art.º 9.º , a sua entrada , salvas as excepções nelas previstas à apresentação de documento reconhecidamente válido, no seu n.º 1, facultando-se a entrada aos cidadãos dos países com que Portugal mantenha Convenções Internacionais mediante exibição de BI ou documento equivalente-n.º2 .
E quando a recusa se funda na apresentação de documento alheio o mesmo é apreendido e remetido à autoridade nacional ou estrangeira competente –art.º 39.º .
A recusa de entrada em território nacional pelo SEF ,mais concretamento no Aeroporto Internacional de Lisboa , no dia 24/3/2014 , pelas 7h15 , vinda de Bamako( Mali ) em trânsito para a França , teve por fundamento o facto de a requerente se achar munida de um passaporte, sem viciação visível, curiosamente emitido na Mauritânia, em 27.11.16 (?), anotando-se que figura na procuração forense outorgada aos seus mandatários como residente , se bem lemos , em Istambul , contra o que afirma ser em França , com sua mãe.
A pessoa que figura como titular do passaporte distingue-se da requerente pela diferença de fisionomia entre ambas pelo cotejo da fotografia naquele aposta .
E , diversamente do que intenta fazer crer , essa dissemelhança entre o “formato geral do rosto, do nariz e das narinas, dos lábios e do fíltrum, do recorte das orelhas" no seu confronto com o da foto inscrita na passaporte , não foi objecto de uma constatação perfunctória , mas alvo de perícia na UIPD, do SEF, apresentando fortes indícios de respeitar a outra pessoa , de ser alheio , não sendo reputado documento válido de viagem, o que funciona como razão de recusa –art.º 34 º n.º 1 a) , da supracitada lei
Sem olvidar que a requerente se recusou à recolha de impressões dactilográficas .
A transportadora que proceda ao transporte em condições ilegais está obrigada a proceder , a expensas suas , ao reembarque no mais curto espaço de tempo possível , para o ponto de onde inicialmente partiu o viajante ,ao pagamento da taxa de entrada e no centro de instalação temporária –art.º 41.º n.º 1 , da Lei em referência .
E se não for viável o reembarque para o país de origem dentro de 48 horas –e não foi –é, nos termos do art.º 38.º n.º 4 , da Lei dos Estrangeiros, comunicado o facto ao Juiz da Pequena Instância Criminal a fim de determinar a manutenção do estrangeiro em centro de instalação temporário ou equiparado , funcionando, como tal , as instalações apropriadas junto do Aeroporto internacional de Lisboa, validando aquela a sua detenção , constando que aí esta alojada desde 3/4/2014
A decisão de recusa de entrada é comunicada à pessoa cuja entrada foi recusada que a pode impugnar ante a entidade administrativa, recurso com efeito meramente devolutivo .
A requerente intentou em 27/3/2014, junto do TACL a Providência Cautelar n.º 736/14 .9BELSB -3.ª Unidade Orgânica, nos termos do art.º 112.º n.º 2 , do CPTA , com vista a suspensão da eficácia da decisão da autoridade administrativa, que entendeu recusar a entrada , por não ser a requerente a pessoa a que o passaporte respeitava e por se desconhecer a sua verdadeira identidade e nacionalidade, porque se recusou a deixar proceder ao seu registo dactilográfico .
O M.º JUIZ do TACL, em 28/4/2014 , deferiu –art.º 131.º n.º 3 , do CPTA- , à procedência cautelar intentada onde se demandava que fosse ordenada a suspensão da eficácia de proibição do acto de entrada e regresso no voo das 20horasde 23.4.2014 ao Mali , a devolução do passaporte e intimado o SEF a impedir de imediato a execução da decisão consequente à entrada supostamente ilegal da requerente ou seja ao reembarque para Bamako na transportadora, in casu a TAP –Air Portugal, ordenando que aquela entidade fosse intimada a abster-se de praticar actos de execução da decisão de reembarque .
Os centros de instalação temporária –só existia até há pouco tempo um , no Porto –foram criados por razões de segurança e humanitárias particularmente para acolhimento de estrangeiros entrados irregularmente em Portugal, até à sua expulsão e a eles são equiparadas as instalações para esse efeito nos Aeroportos Internacionais –cfr. art.ºs 3 .º e 4.º , da Lei n. 34/94 , de 14/9 .
O “habeas corpus” é uma providência cautelar, com tutela constitucional no art.º 31.º , da CRP, que se propõe reagir urgentemente contra uma privação ilegal decretada pelo juiz mas também contra uma detenção ilegal , levada a cabo por qualquer entidade, privação essa ostensiva , visível sem esforço de análise , grosseira , comunitariamente intolerável , porque a comunidade não aceita de bom grado limitações indevidas , ilegais , à liberdade individual dos seus cidadãos .
Este STJ tem repetidamente afirmado não poder substituir-se , em princípio , ao juíz que ordenou a prisão em termos de sindicar os seus motivos , com o que estaria a criar um novo grau de jurisdição ( cfr. Ac. deste STJ , de 10/10/90, P. º n.º 29/90 -3.ª Sec.) ; igualmente lhe está vedado apreciar irregularidades processuais a montante ou a jusante da prisão, com impugnação assegurada pelos meios próprios, que se quedam fora , pois , do horizonte contextual pertinente.
Este STJ não funciona como mais uma instituição de recurso , erigido em supertribunal , acolhendo a petição de “ habeas corpus “ como o recurso dos recursos ou contra os recursos , mas apenas uma providência excepcional , funcionando em “ numerus clausus “ , cujos pressupostos , para contenção do seu uso, são os restritamente enunciados na lei
A petição de “ habeas corpus “ não é mais um recurso , um remédio jurídico a alinhar ao lado dos demais na expectativa de melhor álea decisória , tão pouco um recurso contra soluções ditadas pelos tribunais
O STJ não decide sobre a regularidade dos actos processuais com dimensão e alcance processual quando lhe é presente a providência , tão pouco lhe cabe revogar ou modificar decisões das instâncias ( Cfr. Os Acs de 2.12.2010 , P.º n.º 672 /10.8TPLSB-A.S1 e de 27.10.2010 , P.º n.º 149/10.YFLSB.S1 ) , mas , apenas , detectar , para a declarar, uma privação ilegal , a que haja que urgentemente que põr termo , por a privação de liberdade ser de todo intolerável .
E mais evidente se torna esse campo de intervenção quando o requerente dispõe de meios processuais normais à sua disposição para reagir contra a decisão que julga colidir com o seu direito fundamental à liberdade, cuja sindicância redundaria em usurpação de poderes a ser apreciada por este STJ, o que é inadmissível num sistema judiciário em que reserva de competência de cada tribunal assenta numa definição estratificada na lei .
A requerente intenta a providência de “ habeas corpus “, contra o facto de a Meritíssima Juiz, sabendo que aquela intentou providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, junto da autoridade administrativa, em vista da sustação da ordem de regresso ao país onde embarcara e que lhe foi deferida, decide ainda assim determinar a permanência daquela nas instalações do Aeroporto, sem sequer ter existido interrogatório ou apresentação da requerente a juízo, ou seja contra um despacho judicial validando a detenção, em condições havidas por ilegais .
O regime jurídico de que a lei faz depender a providência de “ habeas corpus “ em virtude de detenção ilegal , antes , pois , da validação pela autoridade judiciária , está previsto no art.º 220.º , do CPP, enunciando que :
“
“1.Os detidos à ordem de qualquer autoridade podem requerer ao juiz de instrução da área onde se encontrarem que ordene a sua imediata apresentação judicial, com alguns dos seguintes fundamentos :
a) Estar excedido o prazo de entrega ao poder judicial :
b) Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos ;
c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente ;
d) Ser a detenção motivada por facto que a lei não permite .
2(…)
3 (…) “
A reserva de competência do JIC para apreciação da detenção ilegal é-lhe normalmente deferida porque inexiste, ainda , processo de inquérito ou em fase de instrução .
Mas estando já validada judicialmente a detenção na zona equiparada a Centro de instalação temporária , a coberto de autoridade judiciária , será caso de aplicação do art.º 221.º. prevendo “ habeas corpus “
Basicamente o que a requerente se propõe é impugnar um despacho judicial de validação da sua detenção e permanência na zona adequada aeroportuária, até resolução da questão, tendo presente que o TCAL ordenou a suspensão do reembarque, dispondo a requerente para o efeito de meio ordinário de impugnação , de recurso da validação judicial no tribunal comum , do qual devia lançar mão e não da providência excepcional de “ habeas corpus “ .
Transformou, deste modo, a providência de “ habeas corpus “ num vulgar recurso em atropelo às regras de competência material e funcional fixadas na lei processual e organização judiciária, cometidas ao STJ - art.º 10.º e 11.º, 432.º e 434.º , do CPP.
De consignar que não resulta do art.º 38.º n.º 4 , da Lei n.º 29/12 que a requerente tivesse que ser ouvida em tribunal, valendo a comunicação pela autoridade administrativa da sua situação pessoal , pormenorizada , de resto .
Por outro lado , sendo , embora , ordenada a suspensão do regresso da requerente ao Mali, não resulta, com clareza ou sem o ser , que ela houvesse que ser restituída à liberdade , o que , a ser caso disso , não deixaria o M.º Juiz , do TACL , de fazer a merecida e indispensável alusão , além de que nem sequer é ponto assente qual a nacionalidade da requerente, de molde a poder beneficiar do regime de livre circulação dos cidadãos da União Europeia ao abrigo do art.º 40 da lei 37/2006, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril , dispondo que :
"1 . Aos cidadãos da União é admitida a entrada no território nacional mediante a simples apresentação de um bilhete de identidade ou de passaporte válidos e sem qualquer visto de entrada ou formalidade equivalente.
2 .(…) “
A requerente, que, no pedido de apoio judiciário, pendente de decisão administrativa , se diz residente na Rua Fernão Lopes , Póvoa de Santa Iria, Portugal, nem sequer anuiu à recolha das suas impressões dactiloscópicas , podendo acrescentar-se que não deriva dos autos que a sua detenção seja grosseiramente ilegal e intolerável .
Termos em que se indefere , não se autorizando a requerida petição de “ habeas corpus “ .
Taxa de justiça : 3 Uc.
Comunique , também , ao SEF .
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
Pereira Madeira