COMPRA E VENDA
SUBADQUIRENTE
HIPOTECA
INEFICÁCIA
REGISTO DA ACÇÃO
TERCEIRO
Sumário


1 – A procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente.

2 – Sempre que se verifiquem os pressupostos referidos na lei, o titular do direito de preferência poderá exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro (subadquirente) que sobre a mesma coisa venha adquirir, posteriormente, um direito conflituante.

3 – Os direitos dos subadquirentes são ineficazes em relação ao titular do direito de preferência.

4 – Sendo o direito de preferência um direito atribuído por lei, não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros.

5 – Muito embora o direito de preferência não esteja sujeito a registo, já o mesmo não acontece relativamente à acção através da qual seja exercido, que é a acção real de preferência.

6 – Faltando o registo da acção de preferência, o que deixa de produzir efeitos contra terceiros (subadquirentes) não é o direito real de preferência invocado, mas apenas o facto sujeito a registo: a própria acção, ou mais correctamente, a decisão nela obtida.

7 – Neste caso, o autor não fica impedido de fazer valer o seu direito contra terceiros para quem a coisa foi entretanto transmitida, mas para lograr obter o efeito a que se dirigia a primeira acção, necessita de os convencer em novo pleito.

8 – Sendo os actos dos subadquirentes ineficazes em relação à preferente, aqui autora, o caso não é de nulidade, nem de anulação do negócio, pressuposto de aplicação dos arts 291 do C.C. e 17, nº2, do Cód. Reg. Predial.

9 – Não é terceiro, para efeitos do registo, quem adquire ou deduz um direito de quem nunca foi titular de um direito registado e depois transmitido.

A.R.

Texto Integral

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

         Em 4-7-2002, AA instaurou a presente acção ordinária contra os réus:

-  BB

-Herança  ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC (representada pelos herdeiros BB, DD, EE, FF e marido GG, HH e marido II)

-JJ

-Banco KK, SA (incorporou o Banco LL, SA).

Alega a autora, em síntese, que, por sentença de 1-3-2001, transitada em julgado, foi-lhe reconhecido o direito de preferência na aquisição, pelo valor de 1.000.000$00, oportunamente depositado, de uma casa de habitação que identifica, sendo que nesse negócio de compra e venda, titulado pela escritura de 3-5-95, interveio como vendedora MM e como compradora JJ, e que, por força do reconhecimento do direito de preferência, foi decretada a substituição da ré JJ pela ora autora AA, ficando esta colocada na posição de compradora, naquela escritura de compra e venda.      

Entretanto, por escritura de 15 de Maio de 1996, a ré Aurora declarou vender o dito prédio à ré BB, e esta declarou comprar aquela, pelo preço de 7.000.000$00, contra uma hipoteca, para garantia de um empréstimo contraído junto do Banco réu.

Esta escritura é nula, pois está viciada de simulação absoluta, uma vez que não correspondeu à vontade real dos outorgantes, nem tão pouco envolveu o pagamento de qualquer valor.

Independentemente da natureza deste negócio, sempre o direito de preferência tem eficácia erga omnes, que prevalece sobre o direito de terceiro adquirente.

Por fim, invoca a aquisição do direito de propriedade, por via da usucapião, afirmando que está na posse do mesmo, por si e seus antecessores, há mais de 40 anos.

Concluindo pela procedência da acção, pede:

- se declare por sentença e se condenem os demandados ao reconhecimento do direito de propriedade único e exclusivo, por parte da autora, sobre o identificado prédio;

Se assim não for entendido:

- se declare nula ou de nenhum efeito a escritura pública de compra e venda com hipoteca celebrada em 16/5/1996, sendo a mesma ineficaz em relação à autora e, consequentemente, se declare esta como única proprietária do aludido prédio desde a efectivação do direito de preferência;

ou ainda, se assim não for entendido

-  se declare nula e de nenhum efeito, por simulação, a aludida escritura de 16/5/1996, com todas as consequências legais

- no procedimento de qualquer um destes pedidos, se proceda ao cancelamento de todas as inscrições do prédio, nomeadamente as G-1, G-2 e C-1. B.

Na contestação que apresentou, BB, por si e em representação da herança ilíquida e indivisa, confirma a existência da escritura pública outorgada em 16/5/1996.

Afirma, contudo, que a autora, à data da instauração da acção de preferência (1999) teve conhecimento deste negócio ou, pelo menos, estava em condições de o conhecer, uma vez que decorreram mais de 3 anos desde o registo da aquisição até à data da propositura daquela acção.

Acresce que a contestante é terceira, face ao negócio jurídico celebrado entre a vendedora MM e a compradora Aurora, por nele não ter tomado parte, estando de boa fé no momento em que celebrou o seu contrato com a Aurora, contrato este que reflecte a vontade das partes.

Deduziu pedido reconvencional para o caso da acção vir a ser julgada procedente, invocando a seu favor um direito de retenção, para o que alega que o valor do prédio é superior aos 1.000.000$00 depositados, vendo a autora enriquecido o seu património, sem causa, no montante equivalente à diferença de 6.000.000$00.

Para o caso de procedência da acção, conclui pela procedência da reconvenção, condenando-se a autora/reconvinte a pagar-lhe a quantia de €29.927,87.

O Banco KK, SA (que incorporou o Banco LL) apresentou também contestação, afirmando que o negócio celebrado em 16/5/1996 foi real, correspondeu à vontade das partes e envolveu o empréstimo de sete milhões de escudos.

O Banco sempre actuou no pressuposto de que se tratava de uma venda não simulada, acreditando aliás no registo do prédio que lhe não mencionava a existência de qualquer ónus ou encargo, agindo por conseguinte de boa fé.

Por fim, afirma que decorreram já muito mais de 3 anos desde a data do registo da constituição da hipoteca e o registo da presente acção, estando desta forma vedado à autora fazer prevalecer o direito de preferência.

Nesta medida e pelo menos no que respeita ao Banco, deve a acção ser julgada improcedente, mantendo-se intacta a sua garantia hipotecária.

Houve réplica.

                                                        *

Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença, que decidiu:

A.

Julgar a acção procedente e, em consequência:

1.  Condenar todos os réus a reconhecerem a autora como proprietária única e exclusiva do prédio urbano, sito na Rua …, n.° …, em ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° … (teve a sua origem no n.º …, a fls. 109 do Livro …).

2.  Declarar nula, por simulação, a escritura de compra e venda realizada em 16 de Maio de 1996, no Cartório Notarial de ..., através da qual JJ declarou vender a BB o identificado prédio urbano.

3.  Ordenar o cancelamento dos registos de aquisição de tal compra e venda, a que correspondem as inscrições G 1 - Ap…. e G2 - Ap…. (e subsequente conversão Av.01-Ap….).

4.  Ordenar ainda o cancelamento do registo de hipoteca voluntária, a que corresponde a inscrição G1 - Ap… (e subsequente conversão Av.01-Ap...).

B.

Julgar a reconvenção formulada pela ré BB totalmente improcedente e, em consequência, absolver a autora do pedido contra ela formulado.

C.

Condenar a ré BB como litigante de má fé, na multa de 15 UCs.

                                               *                                                                       

Apelou a ré NN, bem como o Banco KK, S.A.,  

                                                        *

         A Relação do Porto, através do seu Acórdão de 11-11-2013, negou provimento ao recurso do Banco KK, S.A., e concedeu parcial provimento ao recurso da ré NN, absolvendo-a da condenação como litigante de má fé e mantendo em tudo o mais a sentença recorrida.

                                                        *

         Continuando inconformado, o Banco KK, S.A., pede revista, onde conclui:

         1 – O registo da hipoteca foi efectuado quando ainda não estava feito o registo da aquisição do direito de propriedade a favor da autora, decorrente de haver triunfado em acção de preferência que precedeu esta causa, nem tão pouco o registo da pendência desta acção.  

2 -  É entendimento do recorrente que o direito tutela a sua posição, devendo a hipoteca de que é titular prevalecer sobre o direito real de aquisição da autora, por este direito não estar, nem a acção que o reconheceu, registado, quando o recorrente promoveu o registo da sua hipoteca.

         3 – A questão não é a de saber se o caso é de ineficácia ou antes de nulidade ou anulação, como vem referido no Acórdão recorrido, mas o de saber se pode o beneficiário de direito real de aquisição que não registou a sua aquisição, nem a acção que lhe deu existência, ver prevalecer o seu direito perante o direito de quem registou uma hipoteca de que era titular sobre o mesmo prédio, em data anterior.

         4 – Não faz sentido que se proteja o direito registado do terceiro de boa fé que, a montante, viu anulado o registo do seu transmitente por anulação do título que lhe deu o registo, e já não se proteja o direito do mesmo terceiro que, em vez de ver o registo do seu transmitente anulado, viu opor-se-lhe um direito de preferência, invocado por quem deixou de passar mais de três anos sem ter levado a respectiva acção de preferência a registo.          

                                                        *

         Não houve contra-alegações.

                                                       

                                                        *

         Corridos os vistos, cumpre decidir:

                                                        *

         Estão provados os factos seguintes:

1.  Por sentença de 1 de Março de 2001, proferida na acção ordinária nº199/99 do 2° juízo do Tribunal de ..., transitada em julgado em 12-3-2001 (fls 18 e segs), proposta por AA contra MM e JJ, foi reconhecido à autora o direito de preferência na aquisição do prédio urbano sito na Rua …, n.° …, em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° …, do livro …, a fls. 109, e inscrito na matriz sob o artigo …. -A), sendo que nesse negócio de compra e venda, titulado pela escritura de 3-5-1995, interveio como vendedora MM e como compradora JJ, e que, por força do reconhecimento desse direito de preferência, foi decretada a substituição da ré JJ pela ora autora AA, ficando esta colocada na posição de compradora originária, naquela escritura de compra e venda - A) .

2.  Em 16 de Maio de 1996, no Cartório Notarial de ..., JJ declarou vender a BB o prédio descrito em A), pelo preço de sete milhões de escudos, que declarou já ter recebido-B) .

3.   Foi também dito, na referida escritura de 16-5-1996, pela compradora e pelo seu marido CC, representado por MM, por um lado, e por OO e PP, como representantes do Banco LL, SA, que acordavam na concessão deste àqueles de um empréstimo constituindo, como garantia, uma hipoteca sobre o prédio em causa. – C).

4.  No contrato descrito em C), a Aurora não quis vender o prédio em causa, nem a ré NN o quis comprar, não tendo pago à Aurora os 7.000.000$00-1º a 3°.

5.  A ré NN nunca tomou as suas refeições e pernoitou no prédio em causa de forma regular, tendo sido objectivo dos intervenientes que a autora não pudesse preferir na compra do mesmo prédio - 4º e 5º.

6.   O réu Banco KK, aquando da celebração da escritura a que se faz referência em C), estava convicto que não lesava os interesses dos outros -10º.

7.   A falecida MM, durante mais de 20 anos, por si e antepossuidores, deu de arrendamento o prédio em causa, pagou as obrigações fiscais e melhorou o mesmo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, ininterruptamente e na convicção de exercer um direito próprio -6º a 8º.

8.   No dia 4 de Março de 2002, faleceu CC, no estado de casado com BB -D) .

9.   Tendo deixado, como filhos, DD, EE, FF e HH – E) .

10. 0 prédio em causa nos presentes autos situa-se na zona histórica da cidade, com arruamentos arranjados e cuidados, com nova iluminação e onde o trânsito de veículos automóveis se faz de forma condicionada - 11º e 13º.

                                                               

11 – A JJ registou a seu favor, em 15-4-96, a compra que efectuou (fls 33V).

12 – A NN efectuou, em 15-4-96, o registo provisório a seu favor, da aquisição  a que procedeu, registo que foi convertido em definitivo em 3-7-96 (fls 33 v).

 13 - O registo provisório da referida hipoteca ocorreu em 15/4/1996 e a respectiva conversão em definitivo em 3/7/1996 (fls 33v).

14 - O registo da presente acção foi realizado em 27/3/2003 (fls 97).

                                                        *

         Vejamos agora o mérito do recurso.

Por decisão transitada em julgado, proferida na acção nº 199/99, do  2º Juízo do Tribunal de ..., foi reconhecido à autora o direito legal de preferência sobre a venda do referido imóvel, efectuada por escritura de compra e venda outorgada em 3 de Maio de 1995, em que intervieram como vendedora MM e como compradora JJ.  

Contudo, o dito imóvel veio a ser vendido, por escritura de 16 de Maio de 1996, pela adquirente JJ à ré BB, que alegadamente o adquiriu com recurso ao crédito bancário, tendo sobre o imóvel sido constituída uma hipoteca, a favor do Banco KK, S.A., para garantia do mútuo concedido.

Com a presente acção, pretende a autora que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre o dito imóvel com fundamento na usucapião e que a venda do imóvel em causa, outorgada entre as rés JJ e BB, seja declarada nula com fundamento em simulação ou ineficaz em consequência da eficácia erga omnes do direito de preferência que lhe foi reconhecido.

Nas instâncias, foi decidido que, independentemente da nulidade por simulação da compra e venda titulada pela escritura de 16-5-1996, sempre o direito de preferência, reconhecido à autora, prevalece sobre qualquer direito posterior conflituante, designadamente sobre a hipoteca do Banco KK, S.A., em virtude do direito de preferência ser um direito real que não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros, sendo os direitos dos subadquirentes ineficazes em relação ao titular do mencionado direito de preferência, pelo que foi ordenado o cancelamento da hipoteca.  

Nas conclusões da sua revista, o Banco recorrente, alega, em suma, ser terceiro de boa-fé e refere que o registo da hipoteca é anterior ao registo da acção de preferência, bem como ao registo da presente acção, invocando o preceituado no art. 17º, nº 2, do Cód. Reg. Predial, para justificar a manutenção da hipoteca sobre o imóvel.

A questão que se suscita consiste em saber se, apesar de não ter sido registada a acção por meio da qual foi exercido o direito de preferência, nos termos invocados, tal direito deve prevalecer sobre a hipoteca, posteriormente constituída pela subadquirente do mesmo prédio, NN.

O direito real de preferência constitui a figura mais importante dos direitos reais de aquisição.

Trata-se daqueles direitos que conferem ao respectivo titular o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorrem certos pressupostos, um direito real de gozo.

O reconhecimento judicial do direito de preferência tem efeito retroactivo ao momento da alienação, sendo o adquirente substituído pelo preferente com eficácia ex tunc (Pinto Loureiro, Manual dos Direitos de Preferência, II, nº 140 ; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 380; Ac. S.T.J. de 16-1-68, R.L.J. Ano 101-327; Ac. S.T.J. de 20-6-69, com Anotação de Vaz Serra e Antunes Varela R.L.J. Ano103- 470 e 475 ; Ac. S.T.J. de 20-5-76, Bol. 247-155, Ac. S.T.J. de 7-4-92, Bol. 416-626).

Como escreve Pinto Loureiro (Manual dos Direitos de Preferência, II, pág. 140), por virtude do exercício do direito de preferência o nome do preferente substitui-se ao do adquirente com todos os direitos referentes ao momento da transmissão, tudo se passando juridicamente como se, por erro de escrita, o nome do adquirente tivesse de ser rectificado judicialmente.

A alienação não é nula e, antes produz todos os seus efeitos, operando-se apenas a substituição por outro de um dos sujeitos do contrato.

O direito legal de preferência, dada a sua natureza real, produz os seus efeitos erga omnes, independentemente do registo, mesmo em relação a terceiros de boa fé.

Como ensinam Pires e Lima e Antunes Varela ( Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., pág. 382), “sempre que se verifiquem os pressupostos referidos na lei, o titular da preferência pode exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro (subadquirente) que sobre a mesma coisa venha a adquirir posteriormente um direito conflituante (v.g. um direito de propriedade, um direito real de garantia, etc).

Os direitos dos subadquirentes são ineficazes em relação ao titular do direito real de preferência “ (neste sentido, ver também Vaz Serra e Antunes Varela, em Anotação ao Acórdão do S.T.J. de 20-6-69, na R.L.J. Ano 103-470 e 475).      

Aqui chegados, cabe perguntar quais as consequências da falta de registo da mencionada acção de preferência, nos termos invocados pelo recorrente.

Muito embora o direito legal de preferência não esteja sujeito a registo, já o mesmo não acontece relativamente à acção real de preferência.

Trata-se de uma acção constitutiva, destinada a obter um efeito jurídico novo: a substituição do adquirente pelo preferente na titularidade do direito que o primeiro adquiriu sobre a coisa sujeita a prelação.

Por força do disposto no art. 3, nº1, al.a) do Cód. Reg. Predial, deve entender-se que a acção de preferência está sujeita a registo, quando verse sobre imóveis, como é o caso.  

O art. 3º do Cód. Reg. Predial nada esclarece sobre as consequências da falta de registo da acção de preferência.

Poderia pensar-se que, faltando o registo da mencionada acção, o direito de preferência deixa de valer em face de terceiros que, após a proposição daquela acção, tenham adquirido sobre a coisa direitos incompatíveis com ele.

Isso significaria que, no caso concreto, a autora preferente não poderia obter o cancelamento da hipoteca, uma vez que esta se constituiu já depois da propositura daquela acção.

    

Mas não é assim.

 

A falta de registo da acção de preferência não torna o direito legal de preferência inoponível aos terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa litigiosa, no período da mora litis .

As consequências da omissão do registo vêm referidas no art. 271, nº3, do anterior Código do Processo Civil, ao tempo vigente, onde se estabelecia a seguinte doutrina :

A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção”

Deste normativo resulta, claramente, que tais consequências são de ordem meramente processual e que a falta de registo de uma acção real tem apenas como consequência a inoponibilidade da decisão aos terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa litigiosa, no período da mora litis.

 Por isso, no caso concreto, é sempre lícito à titular do direito de preferência, que não fizera registar a respectiva acção de preferência, fazer valer o seu direito, na actual acção, contra o credor hipotecário, pois a falta de registo daquela acção não produz a ineficácia do direito contra terceiros, mas só a ineficácia do caso julgado em relação a estes.

         O direito continua, apesar da falta de registo daquela acção, a ser eficaz erga omnes, e apenas o caso julgado que na acção se formou não pode ser oposto a terceiros que tenham feito registar a sua hipoteca antes do registo da acção de preferência.

         Como observam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ºed., pág. 383) “se o preferente regista a acção, a sentença favorável que nela obtiver tem uma eficácia superior à que normalmente deriva do caso julgado : além de vincular as partes, produz ainda efeitos contra todo aquele que adquirir sobre a coisa litigiosa, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do preferente.

         Se, pelo contrário, o registo não é efectuado, a sentença terá apenas a sua eficácia normal : eficácia inter partes .Mas o autor não fica impedido de fazer valer o seu direito real contra terceiros para quem a coisa tenha sido entretanto transmitida. Simplesmente, para lograr o efeito a que se dirigia a primeira acção, necessita de os convencer em novo pleito” (no mesmo sentido, Alberto dos Reis, Comentário do Código do Processo Civil, Vol. III, pág. 81; Ac. S.T.J. de 20-6-69, com Anotação de Vaz Serra, R.L.J. 103 - 471 e Anotação de Antunes Varela, R.L.J. ano 103-475 ; Rev. Trib. Ano 87, págs. 360 e 362).

         Consequentemente, faltando a prova do registo da acção de preferência, o que deixa de produzir efeitos contra terceiros (subadquirentes) não é o direito real de preferência invocado, mas apenas o facto sujeito a registo : a própria acção ou mais correctamente, a decisão nela obtida. 

         No caso concreto, apesar da autora não ter registado a acção de preferência, fez valer o seu direito de preferência contra todos os subadquirentes, nesta nova acção que instaurou contra eles, pelo que o direito do Banco recorrente é ineficaz em relação à autora, titular do direito de preferência.

 

         Sendo os actos dos subadquirentes ineficazes em relação à autora, o caso não é de nulidade ou de anulação do negócio, pressuposto do art. 291 do C.C., nem tal norma pode aplicar-se analogicamente à figura da inexistência, por a mesma ser excepcional, pois constitui uma excepção ao princípio “nemo plus juris in alium transferre potest quam ipse habet“, bem como à regra da retroactividade consagrada no art. 289 do C.C.                              

         A regra é a de que o direito do adquirente depende da existência do direito do transmitente e a de que a nulidade comporta efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

         As regras do registo, designadamente o invocado art. 17, nº2, do Cód. Reg. Predial, também não valem no caso concreto, na medida em que o registo é meramente declarativo e não constitutivo.   

         Acresce que não estamos em presença de uma acção de nulidade, mas antes de declaração da ineficácia da hipoteca em relação à autora preferente,

         Os registos efectuados, na sequência da primitiva escritura de compra e venda de 3-5-1995, não tem substrato, pois a originária compradora, JJ, foi substituída nessa compra, ex tunc, pela autora, por efeito da procedência da acção de preferência.

         Assim, o registo da compra efectuado pela compradora preterida, NN, e o registo da respectiva hipoteca a favor do recorrente não dispõem de suporte, por a adquirente do prédio ser a autora preferente e não a compradora que o transmitiu à subadquirente que constituiu a hipoteca a favor do Banco.    

         Como se escreve no Acórdão deste S.T.J. de 9-12-2004 (Proc. 04B3891 acessível em www.dgsi.pt), citando H. E. Horster, “não é terceiro, para efeitos do registo, quem adquire ou deduz um direito de quem nunca foi titular de um direito registado e depois transmitido”… ; se o art. 7 do C.R.Predial actuasse dessa forma, “estabeleceria não presunções, mas ficções, e então o registo teria efeitos constitutivos, independentemente das normas de direito material”.

         Assim sendo, o Banco recorrente não pode ser havido como terceiro para efeito do registo, visto ter adquirido o direito hipotecário de quem nunca foi titular de um direito registado e depois transmitido.

                                                        *

         Sumariando:

 

         1 – A procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente.

         2 – Sempre que se verifiquem os pressupostos referidos na lei, o titular do direito de preferência poderá exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro (subadquirente) que sobre a mesma coisa venha adquirir, posteriormente, um direito conflituante.     

         3 – Os direitos dos subadquirentes são ineficazes em relação ao titular do direito de preferência.

         4 – Sendo o direito de preferência um direito atribuído por lei, não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros.

         5 – Muito embora o direito de preferência não esteja sujeito a registo, já o mesmo não acontece relativamente à acção através da qual seja exercido, que é a acção real de preferência.

         6 – Faltando o registo da acção de preferência, o que deixa de produzir efeitos contra terceiros (subadquirentes) não é o direito real de preferência invocado, mas apenas o facto sujeito a registo: a própria acção, ou mais correctamente, a decisão nela obtida.    

         7 – Neste caso, o autor não fica impedido de fazer valer o seu direito contra terceiros para quem a coisa foi entretanto transmitida, mas para lograr obter o efeito a que se dirigia a primeira acção, necessita de os convencer em novo pleito.

         8 – Sendo os actos dos subadquirentes ineficazes em relação à preferente, aqui autora, o caso não é de nulidade, nem de anulação do negócio, pressuposto de aplicação dos arts 291 do C.C. e 17, nº2, do Cód. Reg. Predial.

         9 – Não é terceiro, para efeitos do registo, quem adquire ou deduz um direito de quem nunca foi titular de um direito registado e depois transmitido.  

                                                        *

         Termos em que negam a revista, confirmando o Acórdão recorrido.

         Custas pelo recorrente.

                           

Lisboa, 29-4-2014

Azevedo Ramos (Relator)

Nuno Cameira

Sousa Leite