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INSOLVÊNCIA
AVOCAÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário
Declarada a insolvência, o tribunal que a decretou deve determinar a avocação da execução fiscal pendente contra o insolvente e ordenar a sua posterior suspensão.
1. Decretada, a requerimento dos insolventes, por sentença de 18/6/2010, proferida pelo Tribunal Judicial de Gondomar e transitada em julgado, a insolvência de B… e de C…, dirigiram os insolventes aos autos de insolvência, em 23/09/2011, o seguinte requerimento:
“… tendo tomado conhecimento que contra si foi interposta execução fiscal, junto do Serviço de Finanças de Gondomar ., vêm requerer a V. Exª, ao abrigo do disposto no artigo 88º do CIRE, determine a suspensão de tal execução, bem como a sua avocação ao presente processo de insolvência. A execução fiscal em causa corre termos junto do Serviço de Finanças de Gondomar ., sob o nº …………….. Mais informam os Insolventes que fruto do processo supra identificado o rendimento mensal auferido pelo Insolvente marido se encontra a ser indevidamente penhorado, requerendo-se a V. Exª informe o supra identificado Serviço de Finanças que tal penhora deve cessar de imediato, devendo os valores já apreendidos ser entregues à massa insolvente. Igualmente se requer, de forma a evitar que a penhora que incide sobre o vencimento auferido pelo Insolvente marido permaneça, que seja a entidade patronal deste último, D…, Ldª, sita na Rua …, nº …., …. , notificada que deverá cessar com a penhora”.
2. Sobre esse requerimento incidiu o seguinte despacho:
“Fls. 307 e ss.: uma vez que o tribunal não tem legitimidade para determinar que a administração fiscal se abstenha da instauração de quaisquer execuções, indefiro o requerido”.
3. Desse despacho apelaram os insolventes formulando, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões:
1ª: O despacho que determina a falta de legitimidade do Tribunal “a quo” para determinar que a administração fiscal se abstenha de interposição de execuções, não poderá manter-se.
2ª: Perante o determinado pelo artigo 88º, nº 1, do CIRE, e pelo artigo 180º do C.P.P.T., afigura-se que o despacho proferido carece, em absoluto, de fundamento legal.
3ª: Face ao estabelecido nos supra referidos artigos deveria ter sido proferido despacho em sentido contrário ao despacho recorrido; ou seja, deveria ter o Tribunal “a quo” determinado a suspensão da acção executiva, determinando, ainda, a sua avocação ao processo de insolvência.
4ª: Foi proferido nos autos despacho inicial de exoneração do passivo restante, pelo que ao abrigo do artigo 242º, nº 1, do CIRE, a prossecução do processo executivo instaurado pelo Serviço de Finanças de Gondomar . igualmente não é permitido.
5ª: O processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de Gondomar . diz respeito a dívidas da insolvência, porquanto está em causa um crédito cujo fundamento é anterior à data da declaração de insolvência dos Recorrentes.
6ª: A Meritíssima Juiz “a quo” andou mal ao não determinar a suspensão e avocação do processo executivo instaurado contra os Recorrentes.
7ª: Foi feita uma errada aplicação e interpretação dos artigos 88º, nº 1, 242º, nº 1, do CIRE, bem como do artigo 180º do C.P.P.T.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser o despacho de que se recorre substituído que determine a suspensão e avocação do processo de execução instaurado pelo Serviço de Finanças de Gondomar ., contra os Recorrentes.
Assim será feita, como sempre, inteira Justiça.
4. Tendo o Ministério Público apresentado alegações a sustentar o provimento do recurso, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
1. A matéria de facto a tomar em consideração na decisão do recurso é a que de deixou relatada.
2. Sendo pelas conclusões que se determina o objecto do recurso, não podendo o Tribunal apreciar e conhecer de matérias que nele se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, que nos recursos se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão a resolver na apelação circunscreve-se a saber se o tribunal da insolvência pode ordenar a suspensão de acção executiva pendente num tribunal fiscal e a sua avocação ao processo de insolvência.
Tendo requerido, nos termos do requerimento referido em I.1. do presente relatório, que o Tribunal que decretou a sua insolvência, determinasse a suspensão da execução fiscal que, sob o nº ……………., corre termos junto do Serviço de Finanças de Gondomar ., bem como a sua avocação processo de insolvência, e tendo o mesmo sido indeferido com o fundamento de que o tribunal não tinha legitimidade para determinar que a administração fiscal se abstivesse da instauração de quaisquer execuções, contra o despacho de indeferimento se insurgem os apelantes, que continuam a pugnar pela suspensão da referida execução e pela sua apensação ao processo de insolvência.
Apreciemos, esclarecendo-se que a questão se prende com a competência do tribunal e não, como sustentou o tribunal recorrido, com a sua legitimidade, a qual constitui uma relação das partes com o objecto da acção.
Atenta a data em que foi declarada a insolvência dos apelantes - 18/6/2010 -, o caso em apreço será analisado à luz dos preceitos legais constantes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18/03, com entrada em vigor em 15/09/2004.
Como corolário da finalidade do processo de insolvência que, enquanto processo de execução universal, se destina à liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, preceitua o artº 36º, alínea g), do CIRE que “Na sentença que declarar a insolvência o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos, ou detidos e sem prejuízo do disposto no nº 1, do artigo 150º”.
Assim, decretada a insolvência, o insolvente fica imediatamente privado da administração e do poder de disposição dos seus bens, que passam a integrar a massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, a fim de aquela poder satisfazer os credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo - artºs 81º e 46º, nº 1, do CIRE).
Efeito automático da declaração de insolvência, que não depende de requerimento de qualquer interessado mas que, naturalmente, só será efectivamente concretizado quando o tribunal onde se verifica a diligência ou a providência tenha conhecimento do facto suspensivo, é o de que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva instaurada pelos credores da insolvência, a não ser que existam outros executados, em que a execução prossegue contra eles - artº 88º, nº 1, do CIRE.
Dispõe, em consonância, o artº 85º, nº 2, do mesmo diploma legal que “O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação dos autos de insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”.
No mesmo sentido do disposto nos dois últimos citados preceitos legais, dispõe o artº 180º do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo DL 433/99, de 26/10) que:
“1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial”.
Como se afirma no acórdão deste Tribunal de 27/9/2011, disponível em www.dgsi.pt., a expressão «declarada falência», estava adaptada ao revogado CPEREF (Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência), por o CPTT ter sido aprovado na vigência daquele Código, mas, com a entrada em vigor do CIRE, tem que se adaptar ao novo regime por ele instituído, lendo-se como tratando-se de «declarada a insolvência».
Estão excluídas deste regime as execuções por dívidas da própria massa insolvente, que, nos termos do artº 89º, nº 2, do mesmo diploma legal, correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária.
A excepção de que as dívidas de natureza tributária se afastam da regra de que execuções relativas à massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência têm como justificação a autonomia de que gozam em relação ao processo de insolvência, já que correm em processo e tribunais próprios - neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, pág. 365.
Todavia, «as dívidas da massa insolvente» são apenas as identificadas no artº 51º, tratando-se de uma categoria de dívidas que gozam de um especial regime de pagamento, na confrontação com a generalidade das dívidas da insolvência que, como elas concorrem aos bens do insolvente.
Com efeito, como resulta do nº 1 do artº 46º do CIRE, as, como tal qualificadas, dívidas da massa insolvente, são pagas com precipuidade, significando isto que os créditos da insolvência, independentemente da sua categoria, são preteridos no confronto com os créditos sobre a massa.
Resulta dos citados preceitos legais que, relativamente às dívidas da insolvência, existem dois regimes que regem sobre a apensação de execuções: um para as execuções comuns, outro para as execuções fiscais.
Quanto às primeiras, se nelas foi efectuado «qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente», cabe ao juiz do processo de insolvência requisitá-las para apensação a esse processo (nº 2 do artº 85º); se nelas não houve tais «apreensão ou detenção», é ao administrador da insolvência que cabe requerer a sua apensação ao processo de insolvência, devendo fundamentar essa apensação «na conveniência para os fins do processo» (nº 1 do mesmo artº 85º) - neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, págs. 354/355, anotações 4, 5 e 6.
No que se refere às execuções fiscais não há, contudo, que atender a tal diferença, pois quer nelas tenha havido ou não «qualquer acto de apreensão ou detenção de bens» do executado (entretanto declarado insolvente no competente processo), o juiz do processo de insolvência (proferida a respectiva sentença) deve avocá-las para serem apensadas a este processo.
Nenhum dos citados preceitos legais contém qualquer restrição ou limitação à avocação/apensação das execuções fiscais ao processo de insolvência, decretada esta, quer elas se encontrem na sua fase inicial, quer nelas já tenha sido levada a cabo a penhora de bens do executado, quer já aí tenham sido vendidos os bens penhorados, desde que, neste caso, havendo quantias depositadas (pelos adquirentes dos bens vendidos) ainda não lhes tenha sido dado o destino final, pois só assim o processo não estará findo [em caso de venda judicial, o depósito do preço não põe fim à execução, seguindo-se-lhe a liquidação do devido a cada credor, de harmonia com a sentença de verificação e graduação de créditos, pela qual se terá de aguardar, desde que haja créditos reclamados - cfr. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., pág. 417.
No mesmo sentido aponta natureza e da finalidade do processo de insolvência, enquanto processo de execução universal, destinado à liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, cuja “razão de ser … é a de fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade (par conditio creditorum), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias que não aqueles que sejam reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos precisos termos em que este os reconhece” - cfr. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2009, pág. 167 -, ou, como refere Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Introdução, 2ª ed., pág. 45], a natureza universal de tal processo e o princípio da «par conditio creditorum» que lhe anda associado, visam “impedir que algum credor possa obter, por via distinta do processo de insolvência, uma satisfação mais rápida ou mais completa, em prejuízo dos restantes credores”.
Por isso mesmo, dispõe o artº 97º do CIRE, subordinado à epígrafe «Extinção de privilégios creditórios e garantias reais»:
“1 - Extinguem-se, com a declaração de insolvência:
a) Os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
b) Os privilégios creditórios especiais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência;
(…)”.
No caso em apreço é inquestionável que se está perante dívida tributária, uma vez que foi penhorado pelo órgão da administração fiscal - .ª Repartição de Finanças de Gondomar - o salário do insolvente.
Tal acto que teve lugar após a declaração de insolvência, mas o respectivo crédito é anterior à data da declaração de insolvência.
Daí que, estando-se perante dívida do insolvente (e não da massa insolvente), decorre dos citados preceitos legais e princípios enunciados que a apelação terá que proceder, com a consequente revogação da decisão recorrida, que se substitui por outra a deferir a pretensão dos apelantes, determinando-se a avocação da execução fiscal ao processo de insolvência e, uma vez apensa, a sua posterior suspensão.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e revogar a decisão apelada, devendo o Tribunal recorrido determinar a avocação da execução fiscal e sua posterior suspensão.
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Sem custas.
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Porto, 19/4/2012
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira