FALSIFICAÇÃO
FINS DAS PENAS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA SUSPENSA
PENA ÚNICA
PECULATO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário


I  -   A culpa e a prevenção constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena ─ art. 71.º, n.º 1, do CP.
II -  A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável ─ art. 40.º, n.º 2, do CP.
III - Dentro desse limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
IV - Ao longo de 14 meses, a arguida apropriou-se de € 42 241,33, mas reparou parcialmente o prejuízo causado ao Estado, ainda que determinada pelo decurso dos processos de averiguações e disciplinar realizados pela Direcção-Geral dos Registos e Notariado. A primariedade, o lapso de tempo já decorrido sobre a prática dos factos, a sua idade de 57 anos e o facto de se encontrar aposentada levam a considerar adequadas as penas singulares de 3 anos e 6 meses de prisão para o crime de peculato e de 1 ano e 6 meses de prisão para o crime continuado de falsificação de documento.
V - Com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo seu conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente.
VI - Os factos na sua globalidade visaram a subtracção de dinheiro do Estado, de que a arguida se apropriou, abusando das funções públicas que exercia e revelando uma personalidade predisposta a comportamentos desajustados, colidentes com os valores jurídico-penalmente protegidos. Tudo ponderado fixa-se a pena conjunta em 4 anos de prisão.
VII - As necessidades de defesa do ordenamento jurídico e a tutela dos sentimentos de credibilidade e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, decorrentes da forma grave e repetida como a arguida abusou das funções públicas que exerceu, exigem que esta cumpra em clausura a pena conjunta imposta.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 561/02.0TAABF, do 2º Juízo da comarca de Albufeira, a arguida AA, com os sinais dos autos, foi condenada como autora material, em concurso real, de um crime de peculato e de um crime continuado de falsificação ou contrafacção de documento na pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão[1].

A arguida interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[2]:


«1- A recorrente foi condenada pela prática de 1 crime de falsificação ou contrafacção de documentos, na forma continuada, na pena de 2 anos de prisão e por 1 crime de peculato, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e operado o cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

2- Não concordando com tal decisão, vem dela interpor o presente recurso, impugnando a matéria de direito, o qual incide sobre as medidas das penas parcelares e da pena única, a redução da pena de prisão aplicada e suspensão da execução da pena de prisão.

3- Em face do Direito aplicável, bem como da factualidade apurada, considera-se que outra deveria ter sido a decisão que fosse menos gravosa e que outras penas parcelares deveriam ter sido aplicadas à arguida, substancialmente menos severas e, por via disso, a pena única ter sido fixada entre 2 a 4 anos e suspensa na sua execução.

4- A medida da pena aplicada pelo Tribunal “a quo”, quer quanto às penas parcelares, quer quanto à pena unitária, mostra-se superior à medida da culpa e vem restringir a reintegração da recorrente na sociedade.

5- Mostrando-se a pena conjunta aplicada, de 5 anos e 6 meses de prisão, manifestamente exagerada, ultrapassando a medida da culpa e, por via disso, violadora dos artigos 40º, nº 1 e 2 do C.P..

6- A moldura penal abstracta dos crimes em causa permite aplicar, perante a matéria doutamente fixada, uma pena próxima dos limites mínimos, e em que a pena conjunta não seja superior a 4 anos, decidindo-se ainda pela suspensão da sua execução.

7- A fixação do quantum das penas parcelares (2 anos e 4 anos e 6 meses) à pessoa da arguida são manifestamente excessivas, pelo que devem estas penas serem concretamente diminuídas no seu quantum.

8- Mais concretamente no que se refere ao crime de peculato que, numa moldura penal de 1 a 8 anos de prisão, foi aplicada à arguida a pena de 4 anos e 6 meses, acima da metade da moldura penal, o que perante a matéria de facto doutamente fixada, mostra-se, no entendimento da recorrente, como manifestamente excessivo.

9- E a pena conjunta é uma sanção global, tratando-se de uma avaliação geral, que deve reflectir na sua gravidade, as circunstâncias reais e concretas vivenciadas e específicas da vida do arguido e em que foram praticados os crimes em causa (art. 77º C.P.), pelo que também quanto à medida da pena única, entende-se não ser razoável o quantum encontrado.

10- Pelo que, neste caso, entende-se, salvo melhor entendimento, que terá o Tribunal “a quo” violado os art. 71º e 77º do C.P., na medida em que a pena aplicada mostra-se superior à medida da culpa e restringe a reintegração da ora recorrente, na sociedade.

11- No caso sub judice, relativamente aos crimes em causa, nas penas parcelares e na formulação do cúmulo jurídico, entende-se que o Douto Tribunal “a quo” não valorou todas as circunstâncias favoráveis à arguida e todos os requisitos relevantes para a determinação da medida da pena, que em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa.

12- Designadamente, salvo melhor entendimento, o Tribunal “a quo” não valorou inteiramente a ausência de antecedentes criminais, ao facto da arguida já ter restituído o valor de € 23.052,50, ao tempo já decorrido desde a data dos factos (mais de 10 anos) e todas as condições pessoais e familiares da arguida, nomeadamente a sua idade (57 anos) e ao facto da arguida já se encontrar aposentada.

13- Tais factos permitem-nos formular um juízo de prognose favorável, de que a arguida não voltará a infringir a lei, a partir da simples ameaça da execução da pena de prisão.


14- Assim, tendo em conta todos os fundamentos supra expostos, deveria o Tribunal “a quo”, e, salvo o devido respeito por diversa opinião, desde logo ter concluído pela aplicação de uma pena de prisão menos gravosa relativamente a cada um dos crimes e, nessa medida, também na aplicação de uma pena única menor.

15- Pelo que, na nossa modesta opinião, e atento o teor do disposto nos artigos 40º, 50º, 70º, 71º, 77º, 256º, nº 1, alíneas a), b) e d), nº 3 e nº 4 e 375º, nº 1, todos do C.P., e as condições pessoais da arguida, parece-nos que a condenação da recorrente na pena única a fixar entre 2 a 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo período tido por conveniente, se mostra suficiente para garantir que esta não voltará a reincidir e suficientemente adequada para satisfazer as necessidades da prevenção, quer especial, quer geral do caso sub judice.

16- Nestes termos, e salvo o devido respeito, terá o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40º, 50º, 70º, 71º e 77º do Código Penal, bem como o art. 18º da C.R.P..

17- De acordo com o disposto no art. 50º do C.P., no caso em apreço, e caso seja aplicada uma pena única inferior a 5 anos de prisão, pode a mesma ser suspensa na sua execução, por se verificarem os legais pressupostos.

18- Como supra se referiu, e resulta da matéria de facto doutamente fixada, a recorrente não tem antecedentes criminais, procedeu à restituição do valor de € 23.052,50, e acresce ainda que já decorreram mais de 10 anos desde a data dos factos, a recorrente encontra-se aposentada e todas as restantes condições pessoais e familiares da arguida, nomeadamente a sua idade.

19– Todos estes factos possibilitam que se possa formular um juízo de prognose favorável, isto é, de que a recorrente não voltará a infringir a lei, a partir da simples ameaça da execução da pena de prisão.

20- Se uma das principais funções do sistema penal, é a ressocialização do delinquente, ao aplicar à arguida uma pena efectiva de prisão significa retroceder na possibilidade de recuperação e ressocialização da mesma na sociedade.

21- Parecendo, pois, adequada e suficiente face às necessidades de prevenção – geral e especial – que a pena conjunta deve ser reduzida para pena única a fixar entre 2 a 4 anos, fixando-se próximo dos seus limites mínimos as penas parcelares em causa, decidindo-se ainda pela suspensão da sua execução, pelo período de tempo tido por conveniente.

22- Neste caso em concreto, e considerando-se as condições pessoais da arguida, parece-nos que a suspensão da pena, se mostra suficiente para garantir que esta não voltará a reincidir e constitui a medida adequada para satisfazer as necessidades da prevenção geral, sendo suficiente a ameaça da execução dessa pena de prisão.

23- Pelas razões amplamente deduzidas, não tendo o Tribunal “a quo” considerado todas as circunstâncias que depunham a favor da arguida na aplicação da medida concreta da pena aplicada, nomeadamente não suspendendo a execução da pena de prisão, foram violadas as disposições dos artigos 40º, 50º, 70º, 71º e 77º do C.P..

24- Pelo que, salvo melhor entendimento, outra deveria ter sido a decisão que fosse menos gravosa, decidindo-se ainda pela suspensão da sua execução.

25- Nestes termos, e salvo o devido respeito, terá o Tribunal “a quo” violado o disposto nos arts. 40º, 50º, 70º, 71º e 77º do Código Penal, bem como o art. 18º da C.R.P.».

Na contra-motivação apresentada o Ministério Público alegou:

1

            «A arguida AA recorre da decisão que a condenou pela prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, na forma continuada, na pena de 2 anos de prisão e pela prática de crime de peculato, na forma continuada, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo foi a arguida condenada na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

    Apresenta como razões de discordância, em síntese, as seguintes:
a) serem excessivas quer a medida das penas parcelares, quer a medida da pena única;
b) deveria o tribunal ter, aplicando penas parcelares mais baixas, ponderado a suspensão da execução da pena.
Conclui que deveria o tribunal ter aplicado, em concreto, uma pena unitária entre os 2 e os 4 anos de prisão.

        2

        Em concreto, defende a recorrente que o tribunal não valorou devidamente a ausência de antecedentes criminais, o facto de a arguida ter restituído o valor de cerca de 23.000 euros, a circunstância de já terem decorrido mais de 10 anos sobre os factos, a sua idade (57 anos) e o facto de se encontrar aposentada e inserida social e familiarmente.

        Entende violados pelo tribunal os artigos 40º, 70º, 71º, 77º, todos do Código Penal.

           

3

Medida das penas parcelares

            O crime de falsificação pelo qual a arguida foi condenada é punível com uma pena abstracta de 1 a 5 anos de prisão;

            O crime de peculato tem uma moldura abstracta de punição de 1 a 8 anos de prisão.

            Para a determinação da medida concreta das penas de cada um dos crimes praticados pela arguida o tribunal valorou as seguintes circunstâncias:
1. ausência de antecedentes criminais;
2. a reparação parcial do prejuízo causado ao Estado (pois só reparou a quantia de cerca de 23.000 euros, quando o prejuízo efectivamente causado foi de mais de 40.000 euros);
3. o facto de esta reparação parcial do prejuízo não ter sido espontânea, mas determinada pelo decurso dos processos de averiguação e disciplinar;
4. o dolo directo;
5. a ilicitude elevada;
6. o modo de execução dos crimes e os meios utilizados para dissimular as quantias pertencentes ao Estado e de que se apropriou.

Resulta também da matéria dada como provada que, à data do Julgamento, o arguida tinha 53 anos (e não 57) e, ainda que os factos criminosos foram praticados de 2001 até 2002.

Donde, não poderia o tribunal valorar as circunstâncias mencionadas pela arguida e acima referidas, pois não tinha 57 anos e apenas tinham decorrido cerca de 8 anos sobre os factos.

      Sopesando todas estas circunstâncias e as demais que constam dos factos provados entendeu o tribunal condenar a arguida nas penas parcelares de 2 anos de prisão, numa moldura que variava entre 1 e 5 anos de prisão e, quanto ao crime de peculato, dada a sua gravidade, num quadro abstracto em que a pena é de 1 a 8 anos de prisão, fixou-a nos 4 anos e 6 meses.

       Ou seja, todas as atenuantes que a arguida pretende que o tribunal considere para efeitos de estabelecimento da sua pena em medida inferior, foram devidamente ponderadas pelo colectivo de juízes.

4

        Dispõe o artigo 71º do Código Penal, sobre a determinação da medida da pena:

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
         Ora, do cotejo de razões elencadas para determinação da pena, resulta claramente que foram tidas em conta todas as circunstâncias que militam a favor e contra a arguida.            

         Termos em que se entende terem sido devidamente valoradas, para a determinação da pena todas as circunstâncias que militam contra e a favor do arguido, não tendo, por isso, sido violado qualquer norma legal, tendo as penas parcelares aplicadas sido justas e adequadas à culpa e personalidade da arguida.

           Por outro lado e no que toca à pretensa violação do disposto no artigo 40º do Código Penal, estipula este, no que respeita às finalidades das penas, que “A aplicação das penas…visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, não podendo aquelas “…ultrapassar a medida da culpa”-

Como resulta da norma, o tribunal tem que atender e sopesar duas finalidades distintas: a reintegração social do arguido e a protecção de bens jurídicos, e não apenas a primeira.

Questões de prevenção geral e especial devem, por isso, aqui ser aduzidas.

Veja-se, a propósito e com interesse, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 8-3-2012 e publicado na página do itij, que refere que: “... entre nós, no art. 40.º, n.º 1, do CP, é seguida uma concepção puramente pragmática da pena, visando a protecção dos bens jurídicos e a reinserção social do agente, sendo a culpa elemento constituinte do tipo e um limite da pena, quaisquer que sejam as considerações de prevenção reclamadas no caso concreto – n.º 2.

A pena justa é aquela que, na interacção entre aqueles fins, se apresente como o instrumento mais adequado e necessário, não deixando a intervenção do julgador de pressupor, à partida, uma conduta com um potencial ofensivo mínimo e a restrição à liberdade o mais adequado (proporcionado) à defesa dos interesses lesionados – art. 18.º da CRP.

E se bem que a liberdade do homem seja a regra, até porque só em liberdade cresce, progride e se desenvolve, ainda se não descobriu um processo sancionatório que, para os crimes mais graves e delinquentes que reincidam, seja outro que não passe pela efectiva privação da liberdade.”

          É um facto notório que estamos perante criminalidade grave, por desrespeitadora dos bens do Estado, que são de todos nós, e que se trata de conduta reiterada no tempo, pelo que razões de prevenção geral e a necessidade de protecção da vítima são prementes.

          A propósito da medida da pena e finalidade desta, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 20.6.2012 e publicado em www.dgsi.pt:

“…em termos de prevenção especial importa que o recorrente evite situações do género e que com aquela pena encontrada pela decisão recorrida se realizam também as funções assinaladas à prevenção geral ( negativa ou de intimidação : dissuadir outros de praticar crimes do mesmo tipo ; prevenção geral positiva ou de integração : manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força das suas normas ).

 A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), determinados em função da culpa, intervindo os demais fins dentro destes limites (cfr Claus Roxin, Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 94 ss). Até ao limite máximo consentido pela culpa, a medida da pena deve considerar a exigência da tutela dos bens juridicos, o “quantum “ de pena indispensável para manter a crença da comunidade na validade e eficácia da norma, e, por essa via, o sentimento de segurança e confiança das pessoas nas instituições; depois, dentro desta « moldura de prevenção », actuarão as funções assinaladas à prevenção especial, a saber, a função de socialização, a advertência individual e a neutralização do agente . (No mesmo sentido, entre outros : Ac STJ, de 2-3-94, BMJ,435.º - 499 ; Ac STJ, de 16-1-90, BMJ, 393.º - 212 ; Ac STJ, de 15-5-91, BMJ, 407.º - 160 , Ac STJ, de 31-5-1995, BMJ, 447-178 ss ; Ac STJ, de 12-3-2009, proc. 09P0237.”

5         

Medida da pena única

Finalmente, no que respeita à pena única.

           A moldura abstrata da pena aplicável à arguida situa-se entre 4 anos e 6 meses e os 6 anos e 6 meses de prisão.

          Decidiu o tribunal, sopesando toda a factualidade provada e a personalidade do arguido, aplicar a pena concreta de 5 anos e 6 meses de prisão.

           Esta pena única é a resultante de uma leitura global sobre a totalidade dos factos praticados pelo arguido e provados em audiência.

A propósito desta operação, resulta do acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.3.2013, relatado pelo Juíz Conselheiro Oliveira Mandes, que “Segundo o n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas.

       Com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente.

Na determinação concreta da pena conjunta é importante a averiguação sobre se ocorre ou não ligação entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.”

          O tribunal a quo sopesou todas estas circunstâncias que devem ser tidas em consideração para a fixação da pena única a aplicar, nomeadamente tendo em atenção a imagem global do facto e considerando a violação de bens jurídicos tutelados, o lapso de tempo que durou a conduta criminosa, as elevadas responsabilidades que impendiam sobre a arguida nas suas funções, o engenho utilizado para dissimular as operações de retirada da “caixa” e apropriação do dinheiro do Estado.

           Finalmente considerou o tribunal que o “ilícito global é resultado de uma dificuldade em respeitar a credibilidade e segurança dos documentos, mas também a intangibilidade da legalidade material da administração pública, reportando-se o caso a uma sucessão de comportamentos surgidos no âmbito das funções que a arguida desempenhava e que se projectaram durante um período considerável, mas em que foram praticados factos extremamente graves e em que foram violados bens jurídicos de variada e diferente natureza.” Foi ainda ponderado que a reparação forçada do prejuízo ocorreu muito tardiamente.

         Finalmente, mas com grande importância quer para a fixação da pena única, que mesmo para uma eventual aplicação de medida de suspensão provisória do processo, considerou o tribunal que “…a arguida carece de socialização e de uma correcta integração social e adequação às regras e normas sociais, nada apontando no sentido de uma interiorização pela arguida das normas criminais violadas e de uma consciencialização da sua parte para o seu respeito no futuro (até pela sua ausência à audiência de julgamento e à impossibilidade de assegurar a sua presença de modo coercivo.”

           

          Pelo exposto e aderindo totalmente à fundamentação apresentada, entende o Ministério Público que a medida da pena única se mostra justa e adequada, tendo em conta o quadro geral de actuação da arguida e as suas repercussões e bem assim a personalidade da mesma manifestada no cometimento dos crimes.

          Pelo que e em conformidade, entendemos que não deve ser provido o recurso, pois o acórdão recorrido fez uma correcta aplicação de todas as disposições legais e em concreto das mencionadas pela arguida como tendo sido violadas».

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

1 - Do recurso:

               1.1 – A arguida AA foi julgada na sua ausência, nos termos do n.º 1 do art. 335.º do CPP, e condenada em 1.ª Instância, nos termos do Acórdão do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Loulé datado de 2 de Março de 2010, exarado a fls. 459 e segs. – [e de que foi notificada no dia 7-11-2011] –, na pena única de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:

a) – Quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão, pela prática de 1 crime de “peculato”, da previsão do art. 375.º, n.º 1 do Código Penal;

            b) – Dois (2) anos de prisão, pela prática de 1 crime de “falsificação ou contrafacção de documento, na forma continuada”, da previsão dos arts. 30.º, n.º 2 e 256.º, n.º 1, alíneas a), b) e d), n.º 3 e n.º 4, do Código Penal;

           1.2 – Inconformada, veio interpor o presente recurso, limitado em suma, tanto quanto decorre das conclusões da respectiva motivação, por um lado (i)à medida concreta de cada uma daquelas penas, quer as parcelares quer a pena única, que pugna serem de reduzir para medidas mais próximas dos limites mínimos das respectivas molduras penais abstractas; e por outro, operada que seja a redução das penas parcelares (ii)à fixação da pena única, que defende  não dever ser superior a 4 anos de prisão e de substituir pela suspensão da execução, nos termos do art. 50.º do Código Penal.

1.3 – O Ministério Público junto da 1.ª Instância respondeu, defendendo a confirmação do decidido.

1.4 Afigura-se-nos que nenhuma circunstância obsta ao conhecimento do mérito do recurso, correctamente interposto para este STJ uma vez que limitado, como vimos, à escolha e medida concreta das penas e, assim, apenas ao reexame de matéria de direito [art. 432.º, n.º 1/c) do CPP].

                1.5 – A recorrente não requereu audiência [n.º 5 do art. 411.º do CPP], pelo que deve o recurso ser conhecido em conferência [art. 419.º, n.º 3/c), do CPP].


*

2 - Do mérito do recurso:

Emitindo parecer[3], como nos cumpre, cabe dizer que nos revemos genericamente na resposta apresentada pela magistrada do Ministério Público junto da 1.ª Instância[4], posto que nos permitamos, não obstante, o aditamento das observações complementares seguintes:

2.1 – Quanto às penas parcelares:

Liminarmente, e tendo em conta que, mesmo não sendo objecto de controvérsia, sempre a questão caberia, nesta sede, nos poderes, oficiosos, de cognição deste Tribunal, cabe sublinhar que nos não merece reparos a qualificação jurídica dos factos operada pela 1.ª Instância: A nosso ver, e aqui sem qualquer dissídio, o acervo factual apurado, ora já insusceptível de reexame, preenche com efeito, como decidido, a prática, em concurso efectivo, de 1 crime de peculato e 1 crime, continuado, de falsificação de documento, sendo igualmente correctas as respectivas subsunções jurídico-penais.

No apontado quadro, e sindicando-se assim, nesta Instância, a medida concreta daquelas penas parcelares, dir-se-á então que, a nosso ver, não assiste qualquer razão à recorrente. Atentos os fundamentos aduzidos na decisão impugnada, e tendo em atenção quer os critérios legais ao caso convocáveis (arts. 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal), quer a moldura penal abstracta correspondente a cada um desses crimes, nenhuma censura nos merece a dosimetria concreta de qualquer uma das reacções criminais fixadas.

Sustenta a recorrente que a decisão impugnada não teria valorado suficientemente a ausência de antecedentes criminais por sua parte, o facto de ter já restituído o valor de €23.052,50, o tempo entretanto decorrido (mais de 10 anos), e as suas condições pessoais e familiares, nomeadamente a idade actual (57 anos) e a situação de aposentada.

Tal crítica é, porém, de todo infundada. Isto porque, e bem ao contrário do que sustenta, o tribunal não deixou de sopesar, nesta sede, todas as circunstâncias que ora convoca, sendo que por um lado a ausência de antecedentes criminais tem aqui diminuto significado, atentos os tipos de crime em equação e as circunstâncias do seu cometimento por parte de quem tinha deveres acrescidos decorrentes do exercício de funções públicas em que estava investida; por outro lado o lapso de tempo entretanto decorrido é, em grande parte, da sua própria e exclusiva responsabilidade ao ausentar-se para o estrangeiro, não obstante estar sujeita a Termo de Identidade e Residência (TIR), sem autorização nem comunicação ao Tribunal, descurando por completo a sua defesa e a acção da justiça; e por último a reparação parcial do prejuízo causado ao Estado foi apenas pontual e não partiu sequer de uma atitude espontânea da sua, mas antes determinada pelo próprio decurso dos processos de averiguações e disciplinar que lhe foram então movidos. Só assim se compreende, de resto, que o tenha feito apenas nessa ocasião, abstendo-se posteriormente de proceder à reparação do prejuízo restante, que atinge ainda o valor de €19.188,83. E convirá não esquecer ainda, como parece querer fazer a recorrente, o peso concreto, muito significativamente elevado, das circunstâncias, apuradas na decisão, que depõem contra si.

         Ora, nos termos do art. 71.º do Código Penal, a pena concreta é de fixar em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.

           Por sua vez, o art. 40.º do mesmo corpo normativo estabelece que as penas visam assegurar a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

          As penas têm, pois, uma finalidade essencialmente preventiva, geral e especial, visando satisfazer as exigências comunitárias de repressão do crime, posto que, bem entendido, sem prejuízo dos interesses da reintegração social do delinquente. Mas essas exigências têm um limite, estabelecido pela culpa do agente, que deriva da necessidade de salvaguarda da dignidade da pessoa desse agente do crime.

           Dentro destes pressupostos de carácter geral, a pena terá de fixar-se de acordo com os factores indicados no n.º 2 do citado art. 71.º do CP, os quais são de classificar em três grupos: referentes à execução do facto — [alíneas a), b) e c): grau de ilicitude do facto, modo de execução do crime, grau de violação das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo, sentimentos manifestados na execução do crime e fins ou motivação do mesmo] –; relativos à personalidade do agente — [alíneas d) e f): condições pessoais do agente e situação económica, falta de preparação para manter conduta licita] –; e finalmente factores relativos a conduta anterior ou posterior ao crime — [alínea e)].

Analisando, neste quadro, os factos provados, sobressai imediatamente a elevada ilicitude e culpa da arguida. Na verdade, os comportamentos ilícitos perduraram ao longo de cerca de 14 meses, aproveitando-se ela das funções em que estava investida e pondo em causa os mais elementares deveres funcionais do seu cargo, bem como a probidade e fidelidade que tem de ser exigida aos funcionários para garantia do bom andamento e imparcialidade da administração pública. Como sobressai igualmente, como factor posterior ao crime, a total ausência de interiorização do mal do crime e ostensivo desrespeito à acção da justiça.

       Sendo, por outro lado, pouco relevantes as circunstâncias que convoca a seu favor, a verdade é que, como vimos, elas não deixaram de ser devida e expressamente sopesadas pelo Tribunal, como decorre dos pontos “3. Determinação da pena e sua medida concreta” e “4. Do cúmulo Jurídico”, só por via delas se podendo compreender até que, dentro da moldura abstracta correspondente a cada um dos crimes cometidos – prisão de 1 a 8 anos e de 1 a 5 anos, respectivamente – a pena pelo crime de peculato – [4 anos e 6 meses] – tenha sido fixada no ponto médio da respectiva moldura penal abstracta, e a pena pelo crime de falsificação claramente na metade inferior dessa moldura.

Por fim, e noutra perspectiva, permitimo-nos enfatizar ainda, quanto à questão da idade da arguida, que esta não tem para o caso qualquer significado de relevo – [atenta desde logo a actual esperança média de vida da população portuguesa, mormente a feminina] –, tal como não configura também, como é evidente, qualquer circunstância modificativa da moldura penal nem confere ao agente um estatuto de impunidade, ou semi-imputabilidade, pela prática de qualquer facto ilícito típico, mormente de crimes com a gravidade objectiva dos que estão provados, sobretudo o crime de peculato, onde está em causa a ofensa de um bem jurídico de grande valor e cuja preservação muito reclama a sociedade portuguesa actual. E se é certo que o “factor idade”, associada à esperança de vida, é de considerar como um dos elementos a atender para a graduação da pena concreta, ele não constitui no entanto, de todo, nem o único, nem o mais importante factor para tanto relevante, havendo que atender a todos os demais, que a 1.ª instância sobejamente apreciou e dilucidou, como decorre, aliás, da respectiva fundamentação de direito.      

Por último, há que dizer que, quer por razões de prevenção especial – [resultantes do próprio perfil psicológico da arguida, desde logo espelhado no seu total desprezo pela acção da justiça, apesar de ter conhecimento da instauração e pendência do processo, tudo a inculcar, pois, a ideia de que, como bem concluiu a decisão recorrida, «a arguida carece de socialização e de uma correcta integração social e adequação às regras e normas sociais, nada apontando no sentido de uma interiorização pela arguida das normas criminais violadas e de uma consciencialização da sua parte para o seu respeito no futuro (até pela sua ausência à audiência de julgamento e à impossibilidade de assegurar a sua presença de modo coercivo) –; quer de prevenção geral – [estas decorrentes por um lado do inequívoco sentimento de repulsa da comunidade perante a criminalidade conexa com o exercício de funções públicas, como são, entre outros, a corrupção e o peculato, e por outro também da crescente atenção da comunidade para este tipo de criminalidade e do alarme social que lhe está hoje associado (tudo a impor especiais necessidades de defesa do ordenamento jurídico e de tutela dos sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, que urge assegurar e satisfazer)] –; estamos em crer não se justificar qualquer intervenção correctiva nesta sede, sendo que, como o Supremo Tribunal vem dizendo – no acolhimento aliás dos ensinamentos de Figueiredo Dias [In Direito Penal Português, II – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197] –, em recurso de revista não é de sindicar o quantum exacto das penas, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção manifesta da quantificação efectuada, o que de todo não cremos que seja o caso.


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2. 2 – Medida da pena do concurso:

Como é por demais sabido e vem sendo repetidamente afirmado, aliás, pela Jurisprudência e pela doutrina, a medida concreta da pena do concurso – que se constrói, dentro da moldura abstracta aplicável definida no n.º 2 do art. 77.º do CP, a partir das penas aplicadas aos diversos crimes – é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em linha de conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP).

O que vale por dizer, pois, que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede agora uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente. Isto é, e como ensina Figueiredo Dias[5], «tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique».

A esta luz, e descendo agora ao caso dos autos, há que começar por evidenciar que o “ilícito global” – constituído por um crime de peculato e um crime de falsificação de documentos, cuja execução, continuada, perdurou por um período de cerca de 14 meses e de que resultou um prejuízo efectivo para o erário público da ordem dos € 42.000,00, cometidos pela arguida no exercício de funções públicas enquanto Primeira Ajudante na Conservatória do Registo Predial de Albufeira e com grave abuso dos deveres inerentes ao seu cargo, não pode deixar de assumir uma gravidade acentuada, denotando sério desvio em relação aos valores da vida comunitária e revelando por parte da arguida uma personalidade indiciadora de alguma falta de assimilação dos valores da comunidade, especialmente na área dos bens jurídicos de índole patrimonial do Estado.

Neste quadro, tendo em conta que a moldura penal do concurso de crimes tem como limite mínimo 4 anos e 6 meses de prisão [pena parcelar mais elevada], e como limite máximo 6 anos e 6 meses de prisão [soma de ambas as penas parcelares], estamos em crer que a pena fixada – 5 anos e 6 meses de prisão – se mostra ajustada à gravidade do ilícito global, já devidamente salientada, e à personalidade revelada pela arguida na sua referência à globalidade dos crimes, não se nos afigurando muito elevada em face quer daqueles limites e das exigências de prevenção, quer da medida da culpa, enquanto englobadas naquele totalidade.

2.2.1 – Admitimos no entanto, sopesando ainda nesta sede – aliás na esteira da própria decisão recorrida –, como atenuante de carácter geral, bem entendido, a idade da arguida – hoje com 57 anos – e o facto de não ter antecedentes criminais, que possa ser ponderada uma ligeira redução da pena unitária do concurso para os 5 anos de prisão, em todo o caso sempre efectiva. Isto porque inquestionáveis exigências de prevenção geral (reforço da consciência jurídica comunitária, no que respeita ao sentimento de segurança face à violação das normas penais) – que não podem, em caso algum, ser descuradas –, sempre imporiam um juízo de prognose desfavorável à possibilidade de escolha de uma pena não privativa da liberdade. O mesmo é dizer que, e a nosso ver, não estamos perante um caso em que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena pudessem ainda realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração da arguida na sociedade (art. 40.º do Código Penal).


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3 – TERMOS EM QUE, e sem prejuízo da eventual ponderação, acima proposta em 2.2.1, sobre a pequena redução da pena única do concurso, se emite parecer no sentido de que, na improcedência do recurso, é de confirmar, quanto ao mais, o veredicto condenatório proferido.

Na resposta a arguida reafirmou o já alegado na motivação de recurso, que deu por integralmente reproduzida.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.


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As questões suscitadas pela arguida circunscrevem-se à determinação da medida das penas singulares e conjunta, penas que considera excessivas, razão pela qual pugna pela sua redução, com fixação da pena única ou conjunta em medida situada entre 2 a 4 anos de prisão, com suspensão da sua execução.

O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:


1. A arguida exerceu as funções de Primeira Ajudante na Conservatória do Registo Predial de … durante 18 anos.
2. A Conservatória do Registo Predial de … possuía, à data dos factos [Março de 2001 e até Julho de 2002], três contas bancárias:
o A conta das restituições;
o A conta de preparos;
o A conta do serviço social.
3. A arguida tinha poderes para movimentar sozinha as contas bancárias da Conservatória.
4. Na referida Conservatória existiam à data dos factos [Março de 2001 e até Julho de 2002] os seguintes livros:
· “Livro de preparos”, para inscrição das importâncias recebidas diariamente;
· “Livro dos emolumentos”, para lançamento do custo dos actos;
· “Livro das restituições e créditos”, para lançamento das restituições e dos créditos a haver;
· “Livro do controlo diário”, para anotação dos valores constantes dos restantes livros.
5. A partir de Março de 2001 e até Julho de 2002, a arguida pôs em prática um esquema que lhe permitiu apropriar-se de diversas quantias pertencentes à Conservatória.
6. No dia 22 de Março de 2001 foi requisitada à arguida a certidão n.º ….
A arguida certificou a conta dessa certidão com o n.º …, no valor de 38.850$00, que cobrou ao interessado, mas registou no “livro de emolumentos” a respectiva conta n.º … apenas com a importância de 18.850$00, apropriando-se da importância restante de 20.000$00 [€ 99,76].
7. No dia 20 de Abril de 2001, foi efectuado o pagamento do crédito referente às apresentações …/…/…, no valor de 185.774$00, através do cheque n.º …, do Banco BB.
A arguida, porém, em funções de contabilidade, não lançou esse crédito nos livros de “preparos” e “emolumentos”, tendo inscrito no “livro de restituições e créditos”, pelo seu punho, a data de liquidação “…”, como se tal crédito tivesse sido contabilizado nos referidos livros auxiliares da contabilidade.
Entretanto, no dia 30 de Abril de 2001 a arguida tinha depositado esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirado da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de 185.774$00 [€ 926,59], que guardou e fez sua.
8. No dia 28 de Maio de 2001 foi efectuado o pagamento do crédito referente à apresentação …/…, no valor de 37.098$00, através do cheque n.º …, do Banco CC.
A arguida, em funções na contabilidade, não lançou esse crédito nos livros de “preparos”, de “restituições e créditos” e de “emolumentos”, nem efectuou a nota de registo contendo a conta, nem fez qualquer anotação no “livro de restituições e créditos”.
Sem que tivesse efectuado qualquer registo do recebimento desse cheque, a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de 37.098$00 [€ 185,04], que guardou e fez sua.
9. Nesse mesmo dia 28 de Maio de 2001, foi efectuado o pagamento de dois créditos com o valor de 1.505$00 respeitante à apresentação …/…, e 20.025$00 relativo à apresentação n.º …/… e de uma certidão requisitada pelo n.º … com o valor de 1.850$00, sem número de conta de emolumentos, tendo tal pagamento sido efectuado através de multibanco, no valor total de 23.380$00.
A arguida, apenas contabilizou nos livros de “emolumentos”, de “preparos e restituições” e créditos o crédito de 1.505$00, sob o n.º …, no dia 4 de Julho de 2002, tendo forjado a referida certidão, uma vez que não lhe deu n.º de conta e fez contar na nota que emitiu pelo seu punho o número de requisição …, que corresponde a uma outra certidão que tinha sido emitida por outra funcionária e com outro valor.
Dessa forma a arguida ficou para si com o valor de 21.875$00 [€ 109,11], que retirou da caixa do dia, correspondente à diferença entre o pagamento de 23.380$00 efectuado através do multibanco e o referido registo de apenas 1.505$00
10. No dia 29 de Maio de 2001, foi efectuado o pagamento de dois créditos referentes à apresentação …/…, no valor de 44.675$00, e à apresentação …/…, no valor de 44.672$00, no valor total de 89.223$00, através do cheque n.º …, do Banco DD.
A arguida, recebeu esse cheque mas não lançou esses créditos nos livros de “preparos” e de “emolumentos”, nem fez qualquer anotação no “livro de restituições e créditos” em data da liquidação, tendo emitido notas de registo para entregar à interessada, mas sem deixar o duplicado das mesmas na Conservatória.
No dia 31 de Maio de 2001 a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de 89.223$00 [€ 445,61], que guardou e fez sua.
11. No dia 30 de Maio de 2001, foi efectuado o pagamento de vários créditos referentes às apresentações 12 a 16/14052001, no valor de 144.185$00, à apresentação …/…, no valor de 31.340$00 e à apresentação …/…, no valor de 31.340$00, através do cheque n.º …, sobre o Banco EE, tudo no valor de 221.565$00, que incluía também o custo de três certidões.
A arguida recebeu esse cheque, mas não lançou aqueles créditos nos livros de “créditos”, “preparos” e “emolumentos”, aproveitando o número de conta … de certidão que tinha sido lançado no “livro de emolumentos” por outra funcionária, que fez constar ficticiamente na certidão por si emitida.
No entanto, a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de 208.115$00 [€ 1.038,07], que guardou e fez sua.
12. No dia 26 de Junho de 2001, a arguida emitiu nota informativa relativa a fotocópias com valor de informação, pela qual cobrou dos interessados o respectivo custo de 1.700$00.
Porém, a arguida não lançou tal valor no “livro de emolumentos”, nem no “livro de preparos”, não atribuiu nenhum número de conta, tendo emitido a respectiva nota sem qualquer número de conta, apropriando-se daquela quantia de 1.700$00 [€ 8,48].
13. No dia 27 de Julho de 2001 a escriturária da Conservatória FF lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º …, a certidão de registo predial que tinha sido requisitada sob o n.º …, com o valor de 6.250$00.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de 6.250$00 para 1.250$00, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de 5.000$00 [€ 24,94].
14. Nesse mesmo dia 27 de Julho de 2001 a escriturária da Conservatória GG lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º …, uma nota informativa com o valor de 300$00.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de 300$00 para 200$00, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de 100$00 [€ 0,50].
15. No dia 30 de Julho de 2001 a mesma escriturária GG lançou no “livro de emolumentos”, sob os n.ºs …, … e … três certidões requisitadas pelos n.ºs …, … e …, nos valores 13.650$00, 15.650$00 e 16.650$00.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aqueles valores de 13.650$00 para 3.650$00, de 15.650$00 para 5.650$00 e de 16.650$00 para 6.650$00, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de 30.00$00 [€ 149,64].
16. No dia 23 de Agosto de 2001 a mesma escriturária GG lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º … uma certidão requisitada pelo n.º …, no valor 7.850$00.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de 7.850$00 para 1.850$00, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de 6.00$00 [€ 29,93].
17. No dia 22 de Outubro de 2001 a escriturária HH lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º … uma certidão de registo predial que tinha sido requisitada pelo n.º …, no valor 20.450$00.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de 20.450$00 para 9.450$00, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de 11.00$00 [54,87].
18. No dia 24 de Outubro de 2001, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de 221.790$00, referente à apresentação …/…, através do cheque n.º …, sobre o Banco II.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 22 de Outubro de 2001 o correspondente ao preparo recebido do acto então apresentado, de 10.000$00, sob o n.º …, não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar ao referido crédito de 221.790$00, apesar de constar na folha da nota de registo esse valor como crédito.
Assim, no dia 24 de Outubro de 2001, quando recebeu o cheque, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” a referida importância de 221.790$00.
Nesse dia 24 de Outubro de 2001 a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de 221.790$00 [€ 1.106,28], que guardou e fez sua.
19. No dia 13 de Dezembro de 2001, pela apresentação …/…, foi submetido a registo um pedido de inscrição de hipoteca assinado por JJ, marido da arguida, e outro interessado, ambos na qualidade de sócios-gerentes da sociedade “LL”, tendo sido pago um preparo de 100.000$00, o qual foi reforçado com mais 2.500$00 em 9 de Janeiro de 2002, devido à entrega da apresentação complementar …/… para suprimento de deficiências.
O custo desse registo foi de 574.773$00, pelo que havia um crédito a pagar de € 2.355,49.
Porém, no dia 9 de Janeiro de 2002 a arguida não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar a um crédito na referida importância de € 2.355,49, dando a entender que as contas estavam certas e não havia lugar a qualquer crédito, não elaborando a nota de registo em que deveria constar a conta e a referência ao crédito, que assim nunca foi pago.
20. No dia 28 de Dezembro de 2001 a arguida, aproveitando-se dos poderes que tinha de movimentar sozinha as contas da Conservatória, preencheu e assinou o cheque n.º …, no valor de € 1450,62 sobre a conta das restituições da Conservatória n.º … existente no Banco MM.
Depois, a arguida depositou esse cheque na sua conta pessoal n.º …/… existente no Banco DD, integrando no seu património a respectiva quantia € 1450,62.
21. No dia 2 de Janeiro de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 169,17, referente às apresentações … e …/…, através do cheque n.º …, sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, no valor de € 178,72, que incluía o pagamento de mais serviços.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 21 de Dezembro de 2001 o correspondente ao preparo recebido, de 15.000$00, sob os n.ºs … e …, não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar ao crédito de € 169,17, apesar de constar na folha da nota de registo esse valor como crédito.
De facto, no dia 2 de Janeiro de 2002, quando recebeu o cheque, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” a referida importância de € 169,17, sendo certo que nesse mesmo dia a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 169,17, que guardou e fez sua.
22. No dia 8 de Janeiro de 2002, foi efectuado o pagamento de dois créditos no valor de € 104,54 e € 239,53, referentes às apresentações 3 e …/…, através do cheque n.º …, sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, no valor de € 344,07.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 28 de Dezembro de 2001 o correspondente ao preparo recebido, de 10.000$00 e 10.000$00, sob os n.ºs … e …, não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar aos referidos créditos de 20.958$00 e 28.022$00, apesar de constar nas folhas das notas de registo esses valores como créditos.
No dia 8 de Janeiro de 2002, quando recebeu o cheque, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” a referida importância de € 344,07, sendo certo que nesse mesmo dia a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 344,07, que guardou e fez sua.
23. No dia 8 de Janeiro de 2002 a funcionária da Conservatória NN lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º … uma certidão de registo predial que tinha sido requisitada pelo n.º …, no valor 136,25 euros.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 136,25 para € 36,25 e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 100,00.
24. No dia 15 de Janeiro de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 925,25, referente à apresentação …/…, através do cheque n.º …, sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, no valor de € 1.283,25, que incluía também o pagamento de outros serviços.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 10 de Janeiro de 2002 o correspondente ao preparo recebido, de € 49,80, sob o n.º 225, não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar ao referido crédito de € 925,25, apesar de constar na folha da nota de registo esse valor como crédito.
No dia 15 de Janeiro de 2002, quando recebeu o cheque, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” a referida importância de € 925,25, sendo certo que nesse mesmo dia a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 925,25, que guardou e fez sua.
25. No dia 16 de Janeiro de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 740,42, referente às apresentações … e …/… e … e …/…, através do cheque n.º …, sobre o Banco DD de …, no valor de € 1.029,35, que incluía também o pagamento de outros serviços (certidões, fotocópias com valor de informação e restituições).
Contudo, a arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 10 de Janeiro de 2002 o correspondente aos preparos recebidos, de 10.000$00 cada, sob os nºs … a …, e 69.630$00 sob os n.ºs … e … não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar aos referidos créditos, apesar de constar nas folhas das notas de registo entregues ao interessado esses valores como créditos.
No dia 16 de Janeiro de 2002, quando recebeu o cheque, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” as referidas importâncias, no valor global de € 740,42, sendo certo que nesse mesmo dia a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 740,42, que guardou e fez sua.
26. No dia 17 de Janeiro de 2002, foi efectuado o pagamento em dinheiro entregue à arguida do crédito no valor de € 53,37, referente à apresentação … e …/…, por OO, proprietária da imobiliária “PP”.
A arguida emitiu e entregou à utente as notas de registo, mas deu descaminho aos respectivos duplicados destinados à contabilidade da Conservatória.
E assim, a arguida, não lançou aquele crédito nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “restituições e créditos”, tendo-se apropriado da referida importância de € 53,37.
27. No dia 1 de Fevereiro de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 814,09, referente às apresentações … e …/…, através do cheque n.º …, sobre a Banco QQ, no valor de € 842,34, que incluía também o pagamento de uma certidão.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 26 de Janeiro de 2002 o correspondente aos preparos recebidos, de 5.750$00 cada, sob os nºs … a …, não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar aos referidos créditos, 163.210$00, apesar de constar nas folhas das notas de registo entregues ao interessado esses valores como créditos.
No dia 1 de Fevereiro de 2002, quando recebeu o cheque, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” as referidas importâncias, no valor global de € 814,09, sendo certo que nesse mesmo dia a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 814,09, que guardou e fez sua.
28. No dia 5 de Fevereiro de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 234,50, referente à apresentação …/…, através do cheque n.º …, sobre o Banco RR, no valor de € 197,25, o qual serviu ainda para encontro de contas de uma certidão no valor de € 325,25 requisitada com o n.º … e com uma restituição no valor de € 362,50 referente à apresentação …/….
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 31 de Janeiro de 2002 o correspondente ao preparo recebido, de € 328,74, sob o n.º …, em vez de fazer constar logo de seguida, no “livro de restituições e créditos” o crédito de € 234,50 – porque o registo custara € 573,24 –, fez constar, rasurando, a importância de € 3,74.
Por sua vez, a arguida lançou no “livro de emolumentos”, em 26 de Abril de 2002, sob o n.º …, o valor de € 3,74, em vez dos referidos € 234,50.
Mas na realidade, os € 3,74 diziam respeito ao crédito da apresentação n.º …/…, e assim foi lançado no “livro de preparos” desse dia 26 de Abril de 2002 e, por outro lado ainda, no que se refere à referida certidão, requisitada com o n.º …, que foi emitida e legalizada pela Primeira Ajudante SS constava na nota da conta o valor de € 325,25, e assim foi cobrado e lançado no “livro de emolumentos”, sob o n.º …, e de preparos, desse 5 de Fevereiro de 2002.
Porém, a arguida rasurou o referido valor de € 325,25 para € 28,25, ficando para si com a diferença de € 297,00, sendo certo que no dia 5 de Fevereiro de 2002 elaborou o talão de depósito e depositou esse cheque de € 197,25 na conta da Conservatória.
Deste modo, a arguida ficou para si com a importância de € 531,50 (€ 234,50 mais € 297,00).
29. No dia 7 de Fevereiro de 2002 a funcionária da Conservatória NN lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º … uma certidão de registo predial que tinha sido requisitada pelo n.º …, no valor € 38,25.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 38,25 para € 28,25 e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 10,00.
30. No dia 8 de Fevereiro de 2002, foi efectuado o pagamento de três créditos nos valores de € 158,74, € 591,70 e € 232,48 referente às apresentações … a …/…, através do cheque n.º …, sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, no valor de € 1.093,00, que incluía o pagamento de mais serviços.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 28 de Dezembro de 2001 o correspondente aos preparos recebidos, de 40.000$00 e 70.000$00, sob os n.ºs … a …, em vez de fazer constar logo de seguida no “livro de restituições de crédito” os créditos de 31.825$00, 118.626$00 e 46.608$00, nada fez constar, apesar de terem sido referidos na folha da nota de registo esses valores como créditos.
No dia 8 de Fevereiro de 2002, quando recebeu o cheque, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” as referidas importâncias, no total de € 982,93, sendo certo que nesse mesmo dia a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 982,93, que guardou e fez sua.
31. No dia 11 de Fevereiro de 2002 a funcionária da Conservatória HH lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º … uma certidão de registo predial que tinha sido requisitada pelo n.º …, no valor € 38,25.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 38,25 para € 28,25 e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 10,00.
32. Nesse mesmo dia 11 de Fevereiro de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 106, referente às apresentações … a …/…, através do cheque n.º …, sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, no valor de € 176,18, que incluía o pagamento de mais serviços.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 7 de Fevereiro de 2002 o correspondente aos preparos recebidos, de € 222,00, sob os n.ºs … a …, fez constar no “livro de restituições de crédito” que havia lugar a um crédito de € 106,00.
No dia 11 de Fevereiro de 2002, quando recebeu o cheque, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” a referida importância de € 106,00, sendo certo que nesse mesmo dia a arguida depositou esse cheque na conta da Conservatória, preenchendo o talão de depósito pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 106,00, que guardou e fez sua.
33. No dia 21 de Fevereiro de 2002 a funcionária da Conservatória GG lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º … uma certidão de registo predial que tinha sido requisitada pelo n.º …, no valor € 82,85.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 82,85 para € 28,25 e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 54,00.
34. Nesse mesmo dia 21 de Fevereiro de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 251,89, referente à apresentação …/…, através do cheque n.º …, sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, nesse valor de € 251,89.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 14 de Janeiro de 2002 o correspondente aos preparos recebidos, de € 49,88, sob o n.º 295, em vez de fazer constar, logo de seguida, no “livro de restituições e créditos”, o crédito de € 251,89, porque o registo custara € 301,77, fez constar, rasurando, a importância de € 29,99, e fez constar em “data de liquidação” “30/04/2002”.
No livro de emolumentos, em 30 de Abril de 2002, sob o n.º …, a arguida fez constar o valor de 29,99 em vez dos referidos 251,89.
Na verdade, os € 29,99 diziam respeito ao crédito das apresentações de … e …/…, e assim foi lançado no “livro de preparos” deste dia 30 de Abril de 2002.
A arguida preencheu o talão de depósito do 21 de Fevereiro de 2002, depositando o referido cheque na conta da Conservatória, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 251,89, que guardou e fez sua.
35. No dia 6 de Março de 2002 a funcionária da Conservatória NN lançou no livro de emolumentos, sob o n.º … uma revalidação de certidão de registo predial no valor € 13,50.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 13,50 para € 13,00, fazendo constar tal conta a vermelho como se a mesma conta entrasse em regra de custas, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 13,50.
36. No dia 7 de Março de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 210,24, referente à apresentação …/…, através do cheque n.º …, sobre a Banco MM, nesse valor de € 210,24.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 5 de Março de 2002 o correspondente aos preparos recebidos, de € 125,00, sob o n.º 1523, não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar a um crédito de € 210,24, apesar de constar na folha da nota de registo esse valor como crédito.
Assim, no dia 7 de Março de 2002 a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” a referida importância de € 210,24.
Nesse mesmo dia a arguida depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 210,24, que guardou e fez sua.
37. No dia 8 de Março de 2002 a funcionária da Conservatória TT lançou no livro de emolumentos, sob o n.º … a certidão de registo predial que tinha sido requisitada sob o n.º …, no valor € 1.081,25.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 1.081,25 para € 81,25 e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 1.000,00.
38. No dia 13 de Março de 2002 a funcionária da Conservatória FF lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º … a nota informativa relativa a várias fotocópias que tinha extraído com valor de informação, na importância total de € 582,50.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 582,50 para € 2,50 e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 580,00.
39. No dia 14 de Março de 2002 pelo escritório dos advogados Dr. UU e Dr. VV, foi emitido o Cheque n.º …, sobre o Banco XX, no valor de € 1.035,00, para pagamento de várias fotocópias com valor de informação, tendo a funcionária da Conservatória ZZ emitido em 19 de Março de 2002 três notas informativas no valor de € 355,00, € 347,50 e € 332,50, e lançado no “livro de emolumentos” as respectivas contas n.ºs …, … e …, tudo feito constar nas citadas notas informativas.
Porém, a arguida, no final desse dia, antes de encerrar o “livro de emolumentos”, rasurou no referido livro as mencionadas contas de € 355,00 para € 55,00, de € 347,50 para € 47,50 e de € 332,50 para € 32,50, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 900,00, que trocou por dinheiro retirado da caixa da Conservatória, da receita do dia, tendo depositado o cheque na conta da Conservatória, com talão de depósito que preencheu pelo seu próprio punho.
40. No dia 20 de Março de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito no valor de € 900,69, referente à apresentação …/…, através do cheque n.º …, sobre o Banco RR, nesse valor de € 900,69.
A arguida, quando lançou no “livro de emolumentos”, no dia 11 de Março de 2002 o correspondente aos preparos recebidos, de € 8,31, sob o n.º 1617, não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar a um crédito de € 900,69, apesar de constar na folha da nota de registo esse valor como crédito.
Assim, no dia 20 de Março de 2002 a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos” a referida importância de € 900,69.
Nesse mesmo dia a arguida depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 900,69, que guardou e fez sua.
41. No dia 27 de Março de 2002, foi entregue na Conservatória o cheque n.º …, sobre o Banco AAA, no valor de € 358,00, para pagamento do crédito de € 286,00 relativo à apresentação …/… e para pagamento do preparo relativo à apresentação …/…, no valor de € 72,00.
Nesse mesmo dia a arguida depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho.
O preparo relativo à apresentação …/… foi efectivamente lançado no “livro de preparos”, mas o crédito de € 286,00, relativo à apresentação …/… não foi lançado.
Na verdade, a arguida no dia 25 de Março de 2002, no “livro auxiliar de restituições e créditos”, e relativo à referida apresentação …/… fez constar um crédito a receber de € 72,79, em vez dos referidos € 286,00, e fez também constar que esse crédito tinha sido pago no dia 2 de Abril de 2002.
Nesse dia 27 de Março de 2002 a arguida depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 286,00 que guardou e fez sua.
42. No dia 3 de Abril de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito de € 238,16, referente às apresentações … e …/…, através do cheque n.º …, sobre o Banco BBB, no valor de € 852,52, que incluía outros actos e certidões.
Sucede que a arguida quando procedeu ao lançamento das contas no livro de emolumentos, no dia 28 de Março de 2002, com base no preparo daquelas apresentações, no valor de € 64,84, não fez constar no livro de restituições e créditos que havia lugar a esse crédito de € 238,16.
E nesse dia 3 de Abril de 2002 a arguida depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 238,16, que guardou e fez sua.
43. No dia 4 de Abril de 2002 pelo escritório dos advogados Dr. UU e Dr. VV, foi emitido o Cheque n.º …, sobre o Banco XX, no valor de € 287,50, para pagamento de várias fotocópias com valor de informação, tendo a funcionária da Conservatória ZZ emitido nesse mesmo dia duas notas informativas no valor de € 87,50 e € 200,00, e lançado no “livro de emolumentos” as respectivas contas n.ºs … e …, tudo feito constar nas referidas notas informativas.
Porém, a arguida, no final desse dia, antes de encerrar o “livro de emolumentos”, rasurou no referido livro as mencionadas contas de € 87,50 para € 7,50 e de € 200,00 para € 20,00, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 260,00, que trocou por dinheiro retirado da caixa da Conservatória, da receita do dia, tendo depositado o cheque na conta da Conservatória, com talão de depósito que preencheu pelo seu próprio punho.
44. No dia 10 de Abril de 2002 a funcionária da Conservatória GG lançou no livro de emolumentos, sob o n.º …, uma certidão que tinha sido requisitada sob o n.º …, no valor de € 82,85.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 82,85 para € 28,85, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 54,00.
45. Nesse mesmo dia 10 de Abril de 2002 a funcionária da Conservatória GG lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º …, uma certidão que tinha sido requisitada sob o n.º …, no valor de € 82,85.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 82,85 para € 28,85, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 54,00.
46. No dia 11 de Abril de 2002 a funcionária da Conservatória GG lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º …, uma certidão que tinha sido requisitada sob o n.º …, no valor de € 82,85.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 82,85 para € 28,85, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 54,00.
47. No dia 17 de Abril de 2002, foi efectuado o pagamento do crédito de € 900,69, referente à apresentação …/…, através do cheque n.º …, sobre o Banco RR.
Sucede que a arguida quando procedeu ao lançamento das contas no “livro de emolumentos”, no dia 11 de Março de 2002, o correspondente aos preparos recebidos, no valor de € 8,31, sob o n.º …, não fez constar no “livro de restituições e créditos” que havia lugar a esse crédito de € 900,69, apesar de constar na folha da nota de registo esse valor como crédito.
Assim, no dia 17 de Abril de 2002 a arguida não contabilizou nos livros de “preparos”, de “emolumentos” e de “créditos”, a referida quantia de € 900,69.
E nesse mesmo dia depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 900,69, que guardou e fez sua.
48. No dia 18 de Abril de 2002 a funcionária da Conservatória GG lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º …, uma certidão que tinha sido requisitada sob o n.º …, no valor de € 82,85.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 82,85 para € 28,85, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 54,00.
49. No dia 18 de Abril de 2002 a funcionária da Conservatória GG lançou no “livro de emolumentos”, sob o n.º …, uma certidão que tinha sido requisitada sob o n.º …, no valor de € 43,85.
A arguida, no final do dia, antes de encerrar as contas, rasurou aquele valor de € 43,85 para € 28,85, e dessa forma retirou para si e fez sua a quantia de € 15,00.
50. No dia 22 de Abril de 2002 a Delegação Regional de … do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, através do cheque n.º …, sobre o Banco CCC, no valor de € 839,50, procedeu ao pagamento de duas certidões de registo predial que tinham sido emitidas pela funcionária GG em 7 de Fevereiro de 2002 e 20 de Fevereiro de 2002, requisitadas sob o n.ºs … e … e com os n.ºs de conta … e … no respectivo “livro de emolumentos”, com os valores de € 82,25 euros e € 757,25, no total de € 839,50.
A arguida, nesse dia 22 de Abril de 2002, recebeu o referido cheque da funcionária NN, mas não lançou nos livros de “preparos” e “emolumentos” as quantias correspondentes, de € 82,25 e € 757,25.
Depois, no dia 7 de Maio de 2002, a arguida depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 839,50, que guardou e fez sua.
51. Também no dia 22 de Abril de 2002 a Delegação Regional de … do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, através do cheque n.º …, sobre o Banco CCC, no valor de € 17,25, procedeu ao pagamento de uma certidão de registo predial que tinha sido emitida pela funcionária GG em 7 de Fevereiro de 2002, requisitada sob o n.º … e com número de conta … no respectivo livro de emolumentos, com o valor de € 17,25.
A arguida, nesse dia 22 de Abril de 2002, recebeu o referido cheque da funcionária NN, mas não lançou nos livros de “preparos” e “emolumentos” a quantia correspondente, de € 17,25.
Depois, no dia 7 de Maio de 2002, a arguida depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 17,25, que guardou e fez sua.
52. No dia 1 de Junho de 2002 a sociedade “DDD, S.A.” emitiu e entregou à arguida o cheque n.º …, sobre o Banco CC, no valor de € 7.858,25, a favor da Conservatória, para pagamento da certidão referente vários prédios descritos na Conservatória e situados na freguesia da Guia, tendo a arguida emitido, através de certificação a citada certidão nessa data, no valor de € 7.858,25.
Porém, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos” e de “emolumentos” o custo da referida certidão, tendo atribuído número de requisição e de conta fictícios, respeitantes a outra certidão anteriormente emitida, e depositou o referido cheque na sua conta pessoal existente no Banco DD, através do endosso do cheque ao seu marido JJ.
Dessa forma a arguida integrou no seu património e fez sua a quantia de € 7.858,25 titulada no cheque.
53. No dia 4 de Junho de 2002 a arguida recebeu a apresentação de pedido de transferência de veículo automóvel n.º …/…, emitiu e entregou ao interessado a guia de substituição de documentos n.º …, e cobrou-lhe o respectivo custo de € 8,74, que fez constar do verso da guia de substituição, sem mencionar número de conta.
Na folha de caixa da Conservatória a arguida registou a cobrança de € 5,00, apropriando-se, em seu proveito próprio, da quantia de € 3,74.
54. No dia 11 de Junho de 2002 a sociedade “EEE, S.A.” emitiu o cheque n.º …, sobre a Banco MM, no valor de € 1.355,00, a favor da Conservatória, para pagamento de várias fotocópias com valor de informação, do prédio descrito sob o n.º …/…, da freguesia de …, tendo a arguida legalizado o pedido de tais fotocópias, através de duas notas emitidas em 6/6/2002 e 11/6/2002, nos valores de € 535,55 e € 820,00, respectivamente.
Porém, a arguida não contabilizou as referidas notas nos livros de “preparos” e de “emolumentos”, e nesse mesmo dia, depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 1.355,00, que guardou e fez sua.
55. No dia 12 de Junho de 2002 a arguida recebeu as apresentações de pedido de transferência de veículo automóvel n.ºs …, … e …/…, emitiu e entregou ao interessado a guia de substituição de documentos n.º …, e cobrou-lhe o respectivo custo de € 18,74, que fez constar do verso da guia de substituição, sem mencionar os números de conta.
Na folha de caixa da Conservatória a arguida registou a cobrança de € 15,00, apropriando-se, em seu proveito próprio, da quantia de € 3,74.
56. No dia 13 de Junho de 2002 a arguida recebeu a apresentação de pedido de transferência de veículo automóvel n.ºs …/…, emitiu e entregou ao interessado a guia de substituição de documentos n.º …, e cobrou-lhe o respectivo custo de € 8,74, que fez constar do verso da guia de substituição, sem mencionar os números de conta.
Na folha de caixa da Conservatória a arguida registou a cobrança de € 5,00, apropriando-se, em seu proveito próprio, da quantia de € 3,74.
57. No dia 14 de Junho de 2002 a sociedade “EEE, S.A.” emitiu e entregou à arguida o cheque n.º …, sobre a Banco MM, no valor de € 1.177,00, a favor da Conservatória, para pagamento de várias fotocópias com valor de informação, do prédio descrito sob o n.º …/…, da freguesia de …, tendo a arguida legalizado o pedido de tais fotocópias, através de quatro notas emitidas em 14/6/2002 (€ 305,00), 20/06/2002 (€ 332,50), 20/06/2002 (€ 235,00) e 20/6/2002 (€ 305,00).
Porém, a arguida não contabilizou as referidas notas nos livros de “preparos” e de “emolumentos”, e depositou o referido cheque na sua conta pessoal no Banco EE, através do endosso do cheque ao seu marido JJ.
Dessa forma a arguida integrou no seu património e fez sua a quantia de € 1.177,00 titulada no cheque.
58. No dia 24 de Junho de 2002 a arguida recebeu a apresentação de pedido de transferência de veículo automóvel n.º …/…, emitiu e entregou ao interessado a guia de substituição de documentos n.º …, e cobrou-lhe o respectivo custo de € 8,74 euros, que fez constar do verso da guia de substituição, sem mencionar os números de conta.
Na folha de caixa da Conservatória a arguida registou a cobrança de € 5,00, apropriando-se, em seu proveito próprio, da quantia de € 3,74.
59. No dia 28 de Junho de 2002 a sociedade “DDD, S.A.” emitiu e entregou à arguida o cheque n.º …, sobre o Banco CC, no valor de € 11.802,75, a favor da Conservatória, para pagamento de três certidões referentes a vários prédios descritos na Conservatória e situados na freguesia da …, tendo a arguida legalizado os pedidos de tais certidões, todas emitidas nessa mesma data, nos valores de € 3.160,25, € 7.426,25 e € 1.216,25.
Porém, a arguida não contabilizou nos livros de “preparos” e de “emolumentos” o custo das referidas certidões, tendo atribuído números de retribuição e de conta fictícios, respeitantes a outras certidões anteriormente emitidas, e depositou o referido cheque na sua conta pessoal existente no Banco EE, através do endosso do cheque ao seu marido JJ.
Dessa forma a arguida integrou no seu património e fez sua a quantia de € 11.802,75 titulada no cheque.
60. No dia 2 de Julho de 2002 a arguida recebeu a apresentação de pedido de transferência de veículo automóvel nº …/…, emitiu e entregou ao interessado a guia de substituição de documentos n.º …, e cobrou-lhe o respectivo custo de € 8,74, que fez constar do verso da guia de substituição, sem mencionar os números de conta.
Na folha de caixa da Conservatória a arguida registou a cobrança de € 5,00, apropriando-se, em seu proveito próprio, da quantia de € 3,74.
61. Nesse mesmo dia 2 de Julho de 2002 a arguida recebeu a apresentação de pedido de transferência de veículo automóvel n.º …/…, emitiu e entregou ao interessado a guia de substituição de documentos n.º …, e cobrou-lhe o respectivo custo de € 13,74, que fez constar do verso da guia de substituição, sem mencionar os números de conta.
Na folha de caixa da Conservatória a arguida registou a cobrança de € 10,00, apropriando-se, em seu proveito próprio, da quantia de € 3,74.
62. No dia 4 de Julho de 2002 a arguida emitiu fotocópias com valor de informação pelas quais cobrou € 5,00.
Porém, não lançou aquele valor no “livro de emolumentos” nem no “livro de preparos”, nem atribuiu número de conta, emitindo a respectiva nota sem mencionar o número da conta, e guardou para si quantia cobrada de € 5,00.
63. No dia 4 de Julho de 2002 a arguida recebeu a apresentação de pedido de transferência de veículo automóvel n.º …/…, emitiu e entregou ao interessado a guia de substituição de documentos n.º …, e cobrou-lhe o respectivo custo de € 8,74 euros, que fez constar do verso da guia de substituição, sem mencionar os números de conta.
Na folha de caixa da Conservatória a arguida registou a cobrança de € 5,00, apropriando-se, em seu proveito próprio, da quantia de € 3,74.
64. No dia 12 de Julho de 2002 a sociedade “FFF” emitiu o Cheque n.º …, sobre o Banco XX, no valor de € 562,50, para pagamento de várias fotocópias com valor de informação, tendo a arguida legalizado o pedido de tais fotocópias, através de três notas emitidas em 2/7/2002, de € 155,00, € 307,50 e € 100,00, respectivamente.
Porém, a arguida não contabilizou as referidas notas nos livros de “preparos” e de “emolumentos”, tendo atribuído os números fictícios “…”, “…” e “…” às notas emitidas, e nesse mesmo dia, depositou o referido cheque na conta da Conservatória, preenchendo o respectivo talão pelo seu punho, e retirou da caixa da Conservatória, da receita apurada e contabilizada nesse dia, a correspondente quantia em dinheiro de € 562,50, que guardou e fez sua.
65. Ao mencionar números de conta fictícios nas certidões e notas informativas de registo predial e ao proceder às rasuras de quantias registadas nos livros da Conservatória, conforme ficou descrito, a arguida sabia que estava a fazer constar inscrições falsas nesses documentos e livros, ciente de que eram documentos autênticos, e quis fazê-lo.
66. Também sabia a arguida que dessa forma defraudava o interesse do Estado em que sejam verdadeiras as menções constantes desses documentos e verdadeiros os registos efectuados nos livros da Conservatória.
67. E ao endossar a JJ os cheques que tinham sido emitidos a favor da Conservatória a arguida sabia que dessa forma fazia constar dos cheques uma operação de transmissão que não era verdadeira, e assim prejudicava a credibilidade do cheque no comércio jurídico.
68. Por outro lado, ao apropriar-se das quantias que ficaram descritas, no montante global de € 42.241,33, a arguida sabia se eram dinheiros públicos, que não lhe pertenciam, e que dessa forma causava o correspondente prejuízo ao Estado.
69. Tudo isso sabendo, a arguida agiu movida pelo propósito que congeminou de se apropriar daqueles dinheiros públicos, para dessa forma obter para si a correspondente vantagem patrimonial, de € 42.241,33, a que bem sabia não ter direito.
70. A arguida reiterou a sua conduta no tempo, actuando sempre de forma essencialmente idêntica, movida pelo propósito de se ir apropriando do dinheiro da Conservatória, e encorajada pela facilidade com que, devido às suas funções, matinha em execução esse plano sem ser descoberta.
71. E na sua reiterada conduta, agiu sempre com vontade livremente determinada e ciente de que tal conduta era proibida e punida por lei.
72. Depois de ter sido identificada na sua conduta, a arguida devolveu a quantia de € 23.052,50.
73. A arguida é originária de uma família de condição social mediana.
74. O seu processo de desenvolvimento decorreu regularmente em Angola, junto da família de origem.
75. Tem como escolaridade a conclusão da “escola comercial”.
76. Casou aos 16 anos.
77. Desse casamento resultaram cinco filhos.
78. O agregado familiar veio para Portugal em 1975, fixando-se primeiro em … e posteriormente na zona de ….
79. O casal efectuou uma integração positiva e ascendente, com situação económica desafogada.
80. O marido desenvolveu actividade profissional de solicitadoria e também ramo da construção civil.
81. Profissionalmente a arguida foi integrada na Conservatória do Registo Predial de … onde trabalhou durante 18 anos, até à sua aposentação.
82. No contexto familiar a arguida assumiu o processo educativo dos filhos, sendo descrita como uma mãe dedicada e participativa nas actividades dos descendentes.
83. A arguida divorciou-se há alguns anos.
84. Há cerca de 2/3 anos fixou-se no ….
85. A arguida desloca-se a Portugal apenas por curtas visitas. 

Do crc da arguida não consta o cometimento de qualquer crime.

                                


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Medida das Penas Singulares e Conjunta

A arguida AA entende que as penas singulares e a pena única ou conjunta que lhe foram impostas excedem a medida da sua culpa e põem em causa a sua reinserção.

Para tanto alega que o tribunal recorrido não valorou devidamente a sua primariedade e as suas condições pessoais e familiares, com destaque para a sua idade de 57 anos e o facto de já estar aposentada, bem como o tempo já decorrido sobre a data dos factos e a circunstância de ter restituído a importância de € 23.052,50, factos estes que, a seu ver, atenuam significativamente a sua responsabilidade criminal, impondo a fixação de uma pena única entre 2 a 4 anos de prisão, com suspensão da sua execução, posto que tais factos permitem a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que não voltará a delinquir, mostrando que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.

Começando por sindicar a medida das penas singulares impostas, observar-se-á que culpa e prevenção constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena – artigo 71º, n.º 1, do Código Penal. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal[6]. Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[7].                                                                                                                                                                                                                                                    

Aos crimes cometidos correspondem as seguintes penas:

- Peculato: 1 a 8 anos de prisão;

- Falsificação de documento: 1 a 5 anos de prisão.

Do exame da decisão impugnada resulta que para determinação das penas singulares cominadas o tribunal a quo sopesou, por um lado, a primariedade e a reparação parcial do prejuízo causado ao Estado, com a menção de que a reparação não partiu de uma atitude espontânea da arguida, antes foi determinada pelo decurso dos processos de averiguações e disciplinar realizados pela Direcção-Geral dos Registos e Notariado, actual I.N.R.N., por outro lado, o elevado grau de ilicitude dos factos, a forma como a arguida agiu, com dolo directo e dissimuladamente, bem como o modo de execução dos crimes.

Certo é, no entanto, que a favor da arguida militam outras circunstâncias atenuantes, uma de significativo relevo, qual seja a do tempo já decorrido sobre a prática dos factos, que à data da acusação (30 de Janeiro de 2009) somava mais de 6 anos, sendo à data da prolação do acórdão recorrido (2 de Março de 2010) de cerca de 7 anos, cifrando-se actualmente em quase 12 anos, outras de menor importância, mas que se impõe considerar, concretamente a sua idade de 57 anos e o facto de se encontrar aposentada, facto que de algum modo limita as necessidade de prevenção especial.

Tudo reponderado, tendo presente a gravidade dos crimes, com destaque para o de peculato, crimes traduzidos em 59 actos delituosos, cometidos ao longo de 14 meses, em consequência dos quais a arguida se apropriou de € 42.241,33, reduzem-se as penas singulares para 3 anos e 6 meses de prisão (peculato) e 1 ano e 6 meses de prisão (falsificação de documento).


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Reduzidas as penas singulares há que determinar a pena conjunta, pena que, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 3 anos e 6 meses e o máximo de 5 anos de prisão.

Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas[8]. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.

Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[9], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[10], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Posição também defendida por Figueiredo Dias[11], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.

Adverte no entanto que, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração»[12].

Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos[13], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[14].

Analisando os factos na sua globalidade, ou seja, o ilícito global, verificamos que os mesmos se encontram intimamente relacionados, todos eles visando a subtracção de dinheiro do Estado, de que a arguida se apropriou ao longo de 14 meses, abusando das funções públicas que exercia, revelando um deficiente carácter, uma personalidade predisposta a comportamentos desajustados, frontalmente colidentes com os valores jurídico-penalmente protegidos, sem que se possa concluir estarmos perante tendência criminosa.

Tudo ponderado fixa-se a pena conjunta em 4 anos de prisão.


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Quanto à eventual aplicação de pena de substituição, qual seja a de suspensão de execução da pena de prisão, certo é que só pode e deve ser cominada quando a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, n.º1, do Código Penal.

Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º1, do Código Penal –, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e prevenção especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão. Assim, para a aplicação daquela pena é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Em segundo lugar, é necessário que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

No caso vertente estamos perante comportamento delituoso que afecta, acentuadamente, o sentimento jurídico comunitário, causando alarme social, consabido que a sociedade, face à degradação a que o Estado de direito vem sendo sujeito por interesses da mais variada ordem, cada vez olha com mais desconfiança as instituições do Estado e o exercício de funções públicas, olhar a que não escapam os tribunais e os que neles operam. A confiança da comunidade nos tribunais, que é urgente repor, impõe como bem refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, especiais necessidades de defesa do ordenamento jurídico e a tutela dos sentimentos de credibilidade e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais. Tais necessidades decorrentes da forma, grave e repetida, como a arguida abusou das funções públicas que exerceu, exigem que a mesma cumpra em clausura a pena conjunta imposta, visto que só assim se cumprem as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico[15].


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Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso:

a) Reduzindo para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão as penas aplicadas em 1ª instância à arguida AA pela autoria, respectivamente, dos crimes de peculato e de falsificação ou contrafacção de documento;

b) Fixando a pena conjunta em 4 (quatro) anos de prisão.

Sem tributação.


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Lisboa, 14 de Maio de 2014

Oliveira Mendes (Relator)

Maia Costa


[1] - São as seguintes as penas singulares aplicadas: crime de peculato 4 anos e 6 meses de prisão e crime de falsificação ou contrafacção de documento 2 anos de prisão.
[2] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os demais que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.
[3] - E sem entrar na controvérsia que actualmente divide as secções Criminais do STJ a propósito da competência para conhecimento de recursos quando, nos casos de concurso de crimes, a pena única ultrapassa os 5 anos de prisão e o recorrente pretenda o reexame de penas parcelares inferiores àquele limite: como é sabido, é praticamente uniforme, nesta 3.ª Secção, o entendimento no sentido da competência do STJ.
[4] - Que consta da peça processual exarada a fls. 641 e segs., e que pela clareza e pertinência da argumentação desenvolvida, bem como dos fundamentos e elementos (nomeadamente factuais, normativos e jurisprudenciais) aduzidos, nos poderia até dispensar do aditamento de mais desenvolvidos considerandos em defesa do decidido.
[5] - In “Direito Penal Português – As Consequência Jurídicas do Crime”, pág. 291.
[6] - A pena da culpa, ou seja, a pena adequada à culpabilidade do agente, deve corresponder à sanção que o agente do crime merece, isto é, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade – Cf. Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevencion En Derecho Penal, 96/98.
[7] - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. Na esteira desta doutrina, entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.10.21, na CJ (STJ), XII, III, 192.

[8] - O nosso legislador penal não adoptou o sistema da absorção (punição com a pena concreta do crime mais grave), o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto.

[9] - Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.
[10] - Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.
[11] - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
[12] - Proibição de dupla valoração defendida por Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal e ali maioritariamente aceite, ao ser rejeitada proposta apresentada pelo Conselheiro Osório no sentido de os critérios gerais de determinação da medida da pena serem também aplicáveis à determinação da pena única – acta já atrás referida.

[13] - Personalidade referenciada aos factos, ou seja, reflectida nos factos, visto que estes, como resultado da vontade e actuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, carácter e singularidade, isto é, a sua personalidade.
[14] - Tem sido este o entendimento por nós assumido, como se pode ver, entre muitos outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.03.05, 09.11.18 e 11.02.23, proferidos nos Processos n.ºs 114/08, 702/08. 3GDGDM. P1.S1 e 429/03. 2PALGS.S1.
[15] - Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime (1993), 342/344.