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AÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
TAXA DE JUSTIÇA AGRAVADA
SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário
As ações emergentes de acidente de trabalho não se incluem na previsão do n.º 3 do art. 13.º do RCP, na versão anterior à do Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13.04 [que fixa uma taxa de justiça agravada para as ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções].
Texto Integral
Processo n.º 46/11.3TTMAI-A.P1
Relator: M. Fernanda Soares – 1001
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa - 1557
Dr. Fernandes Isidoro - 1299
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
Companhia de Seguros B…, S.A, requereu, ao abrigo do artigo 138º, nº2 do C. Processo Trabalho, em 27.09.2011, nos autos de acidente de trabalho em que é sinistrado C…, a correr termos no Tribunal do Trabalho de S. Tirso, que o sinistrado seja submetido a exame por junta médica da especialidade de ortopedia. Com o requerimento a Seguradora juntou comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no montante de € 204,00.
Em 06.10.2011 foi a Seguradora notificada, pela secção de processos, para no prazo de 10 dias proceder ao pagamento do remanescente – € 102,00 – sob pena de não se considerar paga a taxa de justiça.
Em 19.10.2011 a Seguradora veio requerer que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre a aplicação da taxa de justiça agravada aos presentes autos considerando que ela não é devida e ordenasse a sua devolução [a seguradora veio entretanto fazer o depósito da quantia de € 102,00].
Em 03.11.2011, a Mmª. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: (…) “A fase contenciosa do processo especial emergente de acidente de trabalho pode iniciar-se de duas formas, ou por uma petição inicial ou pelo requerimento de junta médica (art.117º, nº1, a) e b), e 138º, nº2 do CPT). Tanto num caso, como no outro, dá-se início a uma acção. Por conseguinte, e para efeito de interpretação e aplicação do nº3 do art.13º do RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26.02, com a redacção dada pelo art.1º do DL 52/2011, de 13.04, a taxa de justiça aplicável à requerente é, de facto, a constante da Tabela I-C do respectivo anexo – no caso concreto 3UC, por estar em causa valor “De 2000,01 a 8000” – e não a Tabela II-B, já que esta respeita a “Incidente/procedimento/execução”. Na verdade, se numa fase inicial se pudesse ver alguma razão nos fundamentos apontados pela agora requerente, que, em termos gerais, e no fundo da questão, mereceria a nossa concordância, certo é que, com a alteração levada a cabo em 2011, a questão fica, quanto a nós, ultrapassada. Se na sua redacção inicial o RCP falava em «acções propostas por sociedades comerciais» (aí se podendo englobar a argumentação aduzida pela ré), certo é que agora, na sua nova redacção, o legislador especificou, naquele DL 52/2011, que paga taxa agravada seja qual for a sua posição no processo o «responsável passivo da taxa de justiça»”. (…). Com tais fundamentos conclui a Mmª. Juiz a quo que a Seguradora tem de pagar, como pagou, a taxa de justiça agravada.
A Seguradora, inconformada, veio recorrer, pedindo a revogação da decisão recorrida, e a sua substituição por outra que determine a restituição à recorrente da quantia de € 102,00 que a mesma adiantou, concluindo nos seguintes termos:
1. De acordo com o disposto no nº4 do artigo 26º do CPT «na acção emergente de acidente de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação», pelo que o requerimento de exame para a realização de junta médica, surge quando a acção está já pendente, e tanto pode ser requerido, autonomamente – caso em que a única divergência seja o grau de IPP – ou na contestação da acção.
2. Quando por discordar do resultado do exame médico singular, uma parte requerer a realização de junta médica, a seguradora, que é a entidade responsável, não está a dar início a uma demanda, mas apenas a exercer o seu direito de defesa, na vertente processual da participação na instrução da causa e determinação de factos relevantes para o enquadramento da pretensão que contra si é movida.
3. A seguradora, nessa situação, como no presente caso, não impulsiona uma acção judicial para ver reconhecido um direito ou satisfeita pretensão, antes se defende, numa clara e inalterável posição processual de demandada.
4. O artigo 13º, nº3 do RCP ao referir “nas acções propostas por sociedade comerciais…» está a referir-se a acções em que a seguradora ocupa a posição de autora ou demandante, em que a iniciativa da instauração é dela.
5. O que não sucede, manifestamente, no caso em apreço.
6. A seguradora do trabalho é sempre Ré numa acção especial de acidente de trabalho, nunca propõe a acção.
7. Não podendo o legislador fixar um sentido à norma «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», releva-se desajustada a interpretação na norma do despacho recorrido em apreço, pois, o sentido fixado não tem a menor correspondência na letra («acções propostas») da lei.
8. Este entendimento é reforçado pela redacção do artigo 14º da Portaria nº419-A/2009, de 17 de Abril, onde se esclarece que a taxa «agravada» em causa tem lugar «quando uma sociedade comercial intente acção cível».
9. Tal como a ratio da norma, pois de acordo com o preâmbulo do diploma, a taxa agravada prevista no artigo 13º, nº3 do RCP e tabela para a qual remete, destina-se a evitar o congestionamento dos Tribunais com «processos de cobrança de dívidas de pequeno valor», que não é manifestamente o caso, na situação em apreço.
10. Tratando-se de uma medida de estímulo ao recurso a meios alternativos de dirimir conflitos pelo litigante, não cabe no pensamento legislativo a sua aplicação a um requerimento que se enquadra nas faculdades processuais de defesa do demandado.
11. Entender que uma parte pudesse ser penalizada em taxa de justiça «agravada» quando exerce um direito processual na posição de demandado, para defesa da pretensão que contra si é formulada, sempre traduziria uma inconstitucional restrição dos direitos de defesa e contraditório da Ré no processo.
12. Violou assim a decisão recorrida o disposto nos artigos 13º, nº3 do RCP, artigo 9º, nºs.1, 2 e 3 do Código Civil, artigo 26º, nº4 do CPT e artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
O sinistrado, patrocinado pelo M.P., veio responder pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * * II
Matéria de facto a ter em conta na decisão do recurso [para além da que consta no § I]. 1. O acidente foi participado a Tribunal no dia 17.01.2011.
* * * III
Questão em apreciação. Se o artigo 13º, nº3 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) – na redacção dada pelo DL nº52/2011 de 13.04 – é aplicável ao requerimento a que alude o artigo 138º, nº2 do Código Processo do Trabalho (CPT).
A apelante defende que o artigo 13º, nº3 do RCP ao empregar a expressão «nas acções propostas por sociedade comerciais» só pode estar a referir-se àquelas situações em que a sociedade comercial ocupa a posição de Autora, o que não é manifestamente o caso dos autos, na medida em que na acção emergente de acidente de trabalho a seguradora é sempre Ré. Tal entendimento, segundo a recorrente, encontra apoio na letra da lei, nomeadamente no artigo 14º da Portaria nº419-A/2009 de 17.04. Conclui, deste modo, não ser devido o pagamento da taxa de justiça «agravada». Vejamos então.
Cumpre, antes de tudo, referir que ao caso é aplicável o RCP na redacção anterior à dada pelo DL nº52/2011 de 13.04. Expliquemos.
O artigo 13º do RCP foi alterado pelo DL nº52/2011 de 13.04. O artigo 6º deste diploma, sob a epígrafe, “Entrada em vigor” determina o seguinte: “O presente decreto-lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação”. E o artigo 5º prescreve que “O presente decreto-lei aplica-se aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor”.
Nos termos do artigo 26º, nº4 do CPT a instância nas acções emergentes de acidente de trabalho inicia-se com o recebimento da participação.
No caso dos autos a instância iniciou-se em 17.01.2011, a significar que o DL nº52/2011 não é aplicável.
Posto isto, cumpre analisar a questão objecto do presente recurso.
Segundo o disposto no artigo 447º-A, nº6 do CPC – na redacção anterior à dada pelo DL nº52/2011 – “Nas acções propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada com um agravamento de 50% face ao valor de referência, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”. E o artigo 13º, nº3 do RCP – na redacção anterior à dada pelo DL nº52/2011 – determina que “Nas acções propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para a sociedade, de acordo com a tabela I-C”.
Relativamente a tais disposições legais, pode ler-se no preâmbulo do DL nº34/2008 de 26.02 – que aprovou o RCP e procedeu à alteração de vários artigos do CPC – o seguinte: (…) “Face aos elevados níveis de litigância que se verificam em Portugal, a reforma pretendeu dar continuidade ao plano de moralização e racionalização do recurso aos tribunais iniciado com a revisão de 2003. Um dos factores que em muito contribui para o congestionamento do sistema judicial é a «colonização» dos tribunais por parte de um conjunto de empresas cuja actividade representa uma fonte, constante e ilimitada, de processos de cobrança de dívidas de pequeno valor. Estas acções de cobrança e respectivas execuções, que representam mais de metade de toda a pendência processual, ilustram um panorama de recurso abusivo aos meios judiciais sem consideração pelos meios de justiça preventiva. Neste âmbito, propõe-se a adopção de algumas medidas mais incisivas que visam penalizar o recurso desnecessário e injustificado aos tribunais e a «litigância em massa». Mostra-se, assim, adequada a fixação de uma taxa de justiça especial para as pessoas colectivas comerciais que tenham um volume anual de entradas, em tribunal, no ano anterior, superior a 200 acções, procedimentos ou execuções” (…).
Do acabado de transcrever podemos concluir que não esteve no espírito do legislador incluir no artigo 13º, nº3 do RCP as acções emergentes de acidente de trabalho, como vamos explicar de seguida.
Como já anteriormente referido, a instância nas acções emergentes de acidente de trabalho inicia-se com o recebimento da participação – artigo 26º, nº4 do CPT.
Ora, no caso das entidades seguradoras – sociedades comerciais – a participação do acidente é obrigatória face ao disposto no artigo 18º do DL nº143/99 de 30.4 [no caso de morte do trabalhador, no caso em que o mesmo ficou afectado de uma incapacidade permanente ou quando a incapacidade temporária ultrapasse os 12 meses].
Tal significa que não se está perante qualquer «cobrança de dívida», mas antes perante acções que após a participação do acidente ao Tribunal têm carácter oficioso e versam direitos indisponíveis – artigo 26º, nº3 do CPT e artigos 34º e 35º da Lei nº100/97 de 13.09.
E nestas acções – emergentes de acidente de trabalho – a seguradora tem sempre a qualidade de Ré, na medida em que é ela a responsável, por regra, pelo pagamento das pensões e demais indemnizações devidas ao trabalhador/sinistrado ou aos seus beneficiários.
E no artigo 13º, nº3 do RCP emprega-se a expressão «acções propostas por sociedades comerciais» o que significa que elas – sociedades – assumem a posição de demandantes/autoras e não de demandadas/rés.
Tal entendimento, aqui sufragado, encontra também apoio no disposto no nº1 do artigo 14º da Portaria nº419-A/2009 de 17.04 (a qual foi revogada pela Portaria nº200/2011 de 20.05) ao aí se consignar que “Quando uma sociedade comercial intente acção declarativa cível, o sistema informático disponibiliza às secretarias dos tribunais o número total de processos intentados pela mesma entidade, no ano imediatamente anterior, para efeitos de aplicação da taxa de justiça agravada prevista no nº3 do artigo 13º do RCP” (o sublinhado é da nossa autoria).
E tal conclusão não é afastada pelo facto de a fase contenciosa poder iniciar-se por petição inicial ou por requerimento de junta médica – artigos 117º, nº1, al. a) e al. b) e 138º, nº2, ambos do CPT.
Na verdade, a fase contenciosa do processo não tem o significado de instauração de um processo na medida em que este se inicia obrigatoriamente, nos autos emergentes de acidente de trabalho, por uma face conciliatória, seguida (ou não), de fase contenciosa – artigos 99º, nº1 e 117º, nº3 do CPT.
Precisamente por assim ser é que, e ao contrário do disposto no artigo 267º, nº1 do CPC [“A instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial, sem prejuízo do disposto no artigo 150º”], a instância, na presente acção, se inicia com a participação do acidente.
Em suma: recorrendo à letra e ao espírito que presidiu ao determinado do artigo 13º, nº3 do RCP – na redacção anterior à dada pelo DL nº52/2011 – conjugado com o disposto nos artigos 26º, nº3 e nº4 do CPT, 34º e 35º da Lei nº100/97 de 13.09 e no artigo 18º do DL nº143/99 de 30.04, podemos concluir que no caso das acções emergentes de acidente de trabalho a taxa inicial a pagar pela entidade responsável (no caso concreto, a seguradora) não é agravada, por estas acções não estarem contempladas no artigo 13º, nº3 do RCP.
Mesmo admitindo que ao caso é aplicável o artigo 13º, nº3 do RCP na redacção dada pelo DL nº52/2011, a conclusão será a mesma, como vamos demonstrar de seguida.
O artigo 447º-A, nº6 do CPC – na redacção dada pelo DL nº52/2011 – determina o seguinte: “Nas acções propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais”. Por sua vez, o artigo 13º, nº3 do RCP – na redacção dada pelo DL nº52/2011 – determina que “Quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela I-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela II, em que a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela II-B”.
A respeito do artigo 13º, nº3 do RCP, refere Salvador da Costa que o «sujeito passivo», ou o «responsável passivo» (…) “É o que tem de proceder ao pagamento da taxa de justiça na posição de exequente, de autor nas acções, e de requerente nos procedimentos cautelares e nos procedimentos de injunção” (…) – Regulamento das Custas Processuais, 3ªedição, 2011, página 265.
Ou seja, o «sujeito passivo» ou o «responsável passivo» nada tem a ver com a posição que a parte ocupa na acção ou no procedimento.
Acresce que a Portaria nº200/2011 de 20.05 [que revogou o artigo 14º da Portaria nº419º-A/2009 de 17.04] nada veio alterar no que concerne ao facto de a taxa agravada apenas ser devida quando a sociedade comercial é autora, requerente ou exequente.
Mesmo o consignado no artigo 1º, nº4 da mesma Portaria não afasta a conclusão a que chegámos anteriormente.
Determina o artigo 1º, nº4 da referida Portaria que “Os pedidos civis deduzidos em processo penal não são contabilizados nem agravados para efeitos da penalização do nº3 do artigo 13º do RCP”. Diz-se no despacho recorrido que o legislador aí considerou as «excepções» e nelas não estão as acções emergentes de acidente de trabalho.
Salvo o devido respeito, não acompanhámos tal conclusão, na medida em que mesmo o artigo 1º, nº4 da Portaria nº200/2011 se refere às acções em que as sociedades são autoras, o que não é o caso dos autos [como já atrás deixamos demonstrado].
Procede, deste modo, o recurso.
* * *
Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a decisão recorrida que ordenou que a apelante/seguradora efectuasse o pagamento da taxa de justiça agravada, e se ordena que a mesma taxa [agravada] seja, oportunamente devolvida à recorrente, por não devida.
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Sem custas a apelação por o sinistrado estar patrocinado pelo MP.
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Porto, 23.04.2012
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro