RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
ADMISSÃO PARCIAL DO RECURSO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
PRODUÇÃO DE OBRA AUDIOVISIAL
CONTRATO DE EMPREITADA
DIREITO AO BOM NOME
Sumário

1. Sendo proferido pelo relator no Tribunal a quo despacho consubstanciando uma admissão meramente parcial da revista, delimitando consequentemente o seu objecto apenas a determinado segmento do acórdão recorrido e a uma das questões que constituíam a matéria litigiosa, nele dirimidas em certo sentido ( não confirmatório da sentença proferida em 1ª instância), e não sofrendo tal decisão qualquer reclamação por parte do recorrente, que com ele inteiramente se conformou, fica o objecto da revista circunscrito ao referido segmento da decisão recorrida.

2. Os deveres acessórios ou laterais, inseridos numa relação contratual complexa que se não esgota na realização das prestações principais convencionadas pelas partes – e cuja funcionalidade transcende o plano da estrita autonomia da vontade – fundam-se numa interpretação objectivada e em boa medida imperativa do padrão ou critério normativo da boa fé, consagrado no nº2 do art. 762º do CC, abrangendo, nomeadamente ,em situações materialmente justificadas, o específico dever de cada contraente respeitar a integridade pessoal e patrimonial do outro contraente, abstendo-se de comportamentos que possam lesar tais direitos absolutos.

3. No entanto, para que tais deveres de protecção – cuja violação importa responsabilidade contratual – se possam ter por incluídos no perímetro do contrato é necessário que a tutela reforçada dos direitos absolutos de uma das partes seja imposta pelo próprio fim do contrato ou pela natureza específica das prestações acordadas ou por a relação contratual originar um risco particular e acrescido para algum dos contraentes – não se sujeitando ao regime da responsabilidade contratual as consequências danosas decorrentes do cometimento - em termos puramente circunstanciais e ocasionais relativamente à existência da relação contratual - de um facto ilícito, lesivo de direitos absolutos da contraparte.

4 Não pode ter-se por incluído no perímetro de um contrato de empreitada para produção de obra audiovisual um dever irrestrito de protecção da integridade pessoal e patrimonial, não apenas da sociedade/ contraente, mas também da pessoa física – o artista que detém a qualidade de sócio daquela - de modo a que quaisquer danos decorrentes da lesão dos direitos absolutos de qualquer desses sujeitos – traduzidos, no caso, na frustração de outras futuras e hipotéticas relações contratuais, totalmente autónomas relativamente à controvertida - envolvam responsabilidade contratual do lesante.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

         1. AA, Unipessoal, Lda, intentou acção de condenação, na forma ordinária, contra RTP – Rádio e Televisão de Portugal, S.A., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €556.750, acrescida dos respectivos juros, a título de indemnização resultante de duas categorias de danos sofridos pela A.:

a)- em consequência da ilegal resolução do contrato celebrado com a A., tendo como objecto a produção de uma série de 13 programas televisivos , decretada com base em fundamento factualmente inexistente ( a utilização pela A. de equipamento furtado e a indevida utilização de funcionários da R. na produção dos referidos programas, originando danos no montante de €185.500 - resultante da diferença entre as verbas auferidas como contrapartida da respectiva  produção e patrocínios já assegurados e o custo de produção dos programas);

b)- em consequência da ilícita divulgação, em vários órgãos de comunicação, do pretenso furto, prejudicando a imagem pública do artista BB – cuja actividade artística vinha sendo desenvolvida pela sociedade A. – facto determinante do cancelamento de vários espectáculos agendados , originando danos para a A. no montante de €371.250, correspondente à parcela das receitas geradas com tais espectáculos que lhe corresponderia.

    A R. contestou, impugnando a ilicitude da resolução do contrato e a realidade dos danos emergentes da suspensão dos programas e – quanto aos danos atrás indicados sob a alínea b), referentes à alegada perda de receitas pelo cancelamento de espectáculos musicais do artista BB – invocando, desde logo, a excepção de prescrição: na verdade, tal pretensão indemnizatória, fundada na divulgação de notícias falsas que teriam prejudicado o direito pessoal à imagem pública daquele artista, sócio da A., levando ao cancelamento de determinados espectáculos agendados, assumiria natureza extracontratual, estando por isso sujeita ao prazo de prescrição  previsto no nº1 do art. 498º do CC; ora, tendo os factos ocorrido em 2007 e apenas tendo sido proposta a presente acção em 2011, estaria irremediavelmente prescrito o direito invocado.

    A A. replicou, sustentando que a indemnização peticionada se fundava ainda  no incumprimento contratual, reportado à violação dos deveres de boa fé por parte da R., ao ter divulgado junto da comunicação social a suspensão e resolução do contrato, publicitando as respectivas razões, atentatórias do direito ao bom nome e imagem da A. e do seu sócio.

    Após audiência, foi proferida sentença a julgar procedente a excepção de prescrição do direito da A. à indemnização no montante de €371.250 pelo cancelamento dos espectáculos do artista BB; e a julgar parcialmente procedente a acção, referentemente aos danos atrás referenciados em a), condenando a R. a pagar à A. a quantia, correspondente à diferença entre o valor do preço e dos patrocínios assegurados e os custos de produção dos programas, que se viesse a apurar em ulterior liquidação.

2. Inconformadas com tal sentido decisório, apelaram, quer a A., quer a R., impugnado desde logo a decisão proferida quanto à matéria de facto, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual:

1º Por contrato celebrado entre a Autora e Ré, em 2005, foi acordado que aquela produziria uma série de 13 programas para televisão, com a duração unitária de Ih 45m, intitulada "...", (A)
2º Este contrato foi executado e, tendo em conta o êxito da série produzida pela autora, iniciaram-se conversações entre as partes com vista á celebração de novo contrato que tivesse por objecto a produção de uma nova série de 13 programas. (B)
3º Por novo contrato, celebrado em 17 de Julho de 2006, foi acordado entre a Autora e Ré que a primeira produziria uma nova série de 13 programas para televisão, com a duração unitária de Ih 45 m, intitulada "...", com o mesmo formato da anterior, (C)
4º Em papel timbrado da Ré foi reduzido a escrito um contrato de "Encomenda de Produção de Obra Audiovisual", cujo duplicado se mostra a fls 41 a 51, e se mostra assinada pelo representante da autora. (D)

5º Na cláusula 7ª, n.s l,2,3,4,e 5 consta:
"]. Só poderão ser efectuadas menções no final dos episódios a entidades que a RTP, SA, tenha expressamente autorizado a sua participação na produção da obra, as quais terão de ser efectuadas obrigatoriamente no respectivo genérico final, através da introdução do nome ou logótipo da respectiva entidade,
2, Mediante autorização prévia e expressa da RTP, SA, poderão ainda ser feitas menções a entidades que tenham prestado apoio á produção da obra, através da inserção, imedNNmente após o genérico final da obra, de uma menção ("cartão") com o respectivo  nome ou logótipo.

3.Nos lermos do disposto nos números anteriores, a RTP, SA, autoriza a Segunda Contraente a inserir no final de cada programa até 5 (cinco) menções ("cartões"), com a duração unitária de 5" (cinco segundos), as quais serão precedidas da expressão "Com o apoio de..."
4. A RTP, SA obriga-se a difundir um "Spot", a produzir pela segunda Contraente mm a duração de 20", ao patrocinador principal do programa, aquando da divulgação em antena da programação do programa.
5. A RTP, SA só estará obrigada a difundir as menções referidas nos números anteriores aquando da primeira difusão da obra ou dos sem episódios." (E)

6º Na cláusula 5ª consta:
"A RTP, S.A. obriga-se a contribuir com os seguintes meios, bens e serviços para a produção da obra, sem custos adicionais para a SEGUNDA. CONTRAENTE:

(a) Realizador da obra;
(b) Assegurar os meios necessários, 'incluindo a respectiva equipa técnica, necessários para o transporte do sinal de televisão a partir dos estúdios da SEGUNDA CONTRAENTE, até à Central Técnica da RTP, S.A., podendo ser através de sistema de feixes hertzianos ou através de satélite." (F)

7º- A Ré remeteu á A. a comunicação de fis. 57, no qual consta "...Face aos factos  ocorridos que envolvem essa empresa e se encontram em averiguação, informamos que nesta data o Conselho de Administração da RTP deliberou suspender a execução do contrato entre as duas empresas relativo à produção do programa ....

Estamos disponíveis para quaisquer esclarecimentos suplementares, caso isso seja do vosso interesse..." (G)

8º A Ré remeteu à autora comunicação, em 03/03/2007, pela qual comunica a resolução do contrata, referindo "...como é do conhecimento da Y. " Exas., no passado dia 31 de Janeiro ordenamos a suspensão da produção da obra para televisão denominada "..." por terem chegado ao nosso conhecimento factos graves que careciam de ser investigados e que poderiam pôr deciOOmente em causa a persistência de relações negociais com V. Exas. Determinada a realização das averiguações que se impunham, veio a apurar-se que, em clara violação dos acordos celebrados, V. Exas., não só se permitiram utilizar, na produção da referida obra, equipamentos que nos pertencem e que foram, ilicitamente e abuOOmente, subtraídos das nossas instalações, como se serviram, para esse mesmo efeito, de funcionários da RTP (alguns dos quais se encontraram em situação de baixa).
Desses factos tinham Y. Exas. pleno conhecimento, tal como não podem desconhecer as suas implicações nas relações comerciais que vinha mantendo. Aliás já por diversas vezes vos fora comunicado que a RTP não contemporizaria com situações dessa natureza, não só em atenção às condições contratuais acordadas, como também por determinarem a absoluta quebra de confiança negocial; igualmente não pode a RTP deixar de levar em conta quer todo o circunstancialismo que rodeou e caracterizou a produção dos últimos programas, quer as posições públicas de V. Exas., sobre as matérias de facto supra referidas.


Posto isto, não nos resta outra alternativa que não seja fazer cessar, com efeitos  imediatos, a relação contratual que presentemente mantemos com Y. Exas., relativa á produção da obra acima referida, com fundamento em graves e reiteradas violações contratuais que tornam inexigível a respectiva continuidade. Como é evidente, a resolução (com justa causa) ora operada e notificada, não implica renúncia ao direito de exigirmos a adequada reparação dos prejuízos que Y." Exas. Nos causaram, o que faremos logo que lenhamos procedido à sua quantificação..." (H)

9º Consta da cláusula 9a n,° I do contrato que "...A RTP, pagará á Segunda Contraente, como preço de produção da obra e que engloba a totalidade da remuneração dos direitos de autor e conexos que sobre ela incida nos termos consignados no presente contraio, o valor total de 26.000,00 euros a crescidos de IYA á taxa legal em vigor..." (I)
IOº Por aquelas duas séries de programas, referidos em A) e C), terem tido êxito foi acordado entre Autora e Ré um outro contrato de encomenda de produção de obra audiovisual que aquela realizaria e produziria para esta com o título "...".

(Ia)

IIº Esse contrato é o que se refere em D). (2o)

12º Foi estipulado que os episódios seriam transmitidos na RTP Internacional, semanalmente e teriam a duração de I hora e 45m.(5º)

13a E a ré pagou á autora 2000,00€/ episódio, (6a)
14aA A. produziu 3 episódios, sempre acompanhados por um delegado nomeado pela ré. (7º )
15a A maior parte do material técnico utilizado para a produção dos três referidos episódios era da propriedade da autora ou foi por esta obtido de empresas de cedência de equipamento. (8o)

16º Os técnicos utilizados na produção dos mesmos três episódios foram contratados pela autora, à excepção do realizador dos dois primeiros episódios, que foi nomeado pela ré, como acordado, ao abrigo da Cláusula Quinta do Contrato de Encomenda de Produção de Obra Audiovisual. (9º)
17º A autora, contratou CC e DD como operadores de câmara para a 3a série do programa, (10º)

18a O terceiro episódio foi realizado por EE, sob proposta da autora aceite pela Ré, (IIa)

19º O representante/delegado da ré, FF, fez-se acompanhar de um gravador digital Beta Cam, (12a)
20ºEsse gravador foi levado por esse delegado logo após a gravação do Ioepisódio, não permanecendo nas instalações da autora. (13a)
21aNo dia 25/1/07 foi produzido, nos estúdios da autora, o terceiro episódio do programa. (14a)
22aNesse dia estavam no estúdio da autora pelo menos dois pedestais, um emprestado pela GG e outro alugadaà HH. (15a)
23º Nesse dia, II esteve presente nos estúdios, apenas assistindo á produção do 3a episódio, não tendo intervenção na produção. (I6º)
24º No dia seguinte ao da comunicação referida em G), foram difundidas notícias em diversos órgãos de comunicação social, nos termos das quais a suspensão da série contratada teria ficado a dever-se a um alegado furto de equipamento da ré que seria da responsabilidade da autora. (17a)
25a0 patrocinador principal do programa era o JJ, com o pagamento de 7.500,00€, por cada programa da terceira série. (18a)
26º 0 JJ já não pagou o valor relativo ao terceiro episódio, porque o mesmo não foi transmitido pela ré, nem o valor relativo aos restantes 10 episódios da série, que a autora não produziu em virtude da resolução ilícita do contrato. (19º)

27ºA KK, a LL Viagens, a MM, concordaram em apoiar a produção do programa. (20a)

28aA KK comprometeu-se a pagar à Autora quantia não apurada por cada episódio da 3a série. (21°)

29aDevido à suspensão do programa, a KK já não pagou as quantias a que se comprometeu. (22°)
30a A LL VIAGENS comprometeu-se a pagar à Autora, como contrapartida da exibição do cartão publicitário e, na qualidade de entidade apoiante, a quantia de 80.000,006 por toda a série. (23°)

31a A LL VIAGENS não pagou à Autora as quantias que acordara, (24a)

32aA MM comprometeu-se a pagar à Autora, quantia não apurada. (25a)

33aA MM não pagou à Autora o valor do patrocínio da 3a série. (26a)

34aA NN aceitou também ser entidade apoiante do programa, como contrapartida da exibição do cartão publicitário e da exibição de publicidade no carro de exteriores da Autora, durante os 13 programas da série. (31a)
35ºComo contrapartida, a NN procedeu à transformação do veículo adquirido pela Autora á OO em carro de exteriores, fornecendo ainda todo o equipamento necessário para o efeito. (32s)
36a0 valor da transformação do mesmo veículo em carro de exteriores é de 8O.OOO.OO euros, e foi integralmente suportado pela NN, na qualidade de entidade apoiante do programa. (33a)

37aA NN solicitou à autora o pagamento de 80 000€ correspondentes à transformação do veículo. (34°)

38ºº A autora suportava com a produção de cada episódio um valor não apurado. (36a

39ºÂ Autora desenvolve toda a actividade artística de BB, que usa o nome artístico «BB». (37")
40º No exercício desta actividade, a Autora contrata a realização de vários espectáculos musicais, em Portugal e no estrangeiro, (38°)
41º O programa dos autos era importante para a divulgação da imagem «BB» e da música comercializada pela Autora. (39º)
42º Foi divulgada em diversos órgãos de comunicação social a notícia, com origem na ré, que relacionava a autora com furto de equipamento da ré. (40º)
43º Devido à publicação da notícia que relacionava a autora com furto de equipamento da ré, foram cancelados espectáculos reservados para os dias 31/03,19/05,09/06 e 14/08, (41a)

44a A contrapartida por cada um destes espectáculos era de valor não apurado. (42e)
45a Foi ainda cancelada a tournée prevista para o Brasil e promovida pela PP, que compreendia vários espectáculos musicais no Brasil. (43a)

46º A Autora receberia quantia não apurada. (44a)
47º Foi ainda cancelada a tournée nacional que estava a ser programada e promovida pela QQ, para comemorar os 40 anos de carreira do sócio e gerente da Autora. (45º)

48a Foi acordado entre autora e ré que cada episódio/programa teria a duração de I hora e 45 minutos, (48°)

49ºNo dia 25/01/2007 estava no estúdio da autora um pedestal de suporte de câmara, com cerca de um metro e meio de altura, de marca RR, com valor de cerca de 15 000€. (49º)

50º A ré deu por falta de um suporte de câmara nas suas instalações. (51a)

51a A autora solicitou a terceiros que contactassem o SS para passar nas suas instalações. (53º)

52a E cerca das duas da manhã esse funcionário da ré, foi visto a entrar nas instalações da RTP e, no dia seguinte, o equipamento referido em 49° reapareceu nos estúdios da ré, (54°)
53º 0 equipamento referido em 49° tem as mesmas características do que desapareceu nas instalações da ré  (55º)

54a A remuneração dos direitos de autor relativas a cada programa era de valor não apurado. (56º)
55º Um spot de 20 segundos, transmitido em horário nobre na RTP Internacional tinha, em Janeiro de 2007, de acordo com a tabela de publicidade em vigor na RTP o valor indicativo de 1,313,131€(57°)
56º Um cartão de 5 segundas nos termos da tabela publicitária da RTP, Internacional, no horário de transmissão do programa, era no valor indicativo de 482,00€. (58a)

57a Em 19/01/07, a LL Viagens considerou nulo e de nenhum efeito o contrato que havia estabelecido com a autora, (59º)

58º A Ré comunicou a resolução do contrato após ter realizada inquérito interno sobre os factos, (60º),

           3. Pela Relação foi proferida decisão a julgar procedente a apelação interposta pela Autora e, no essencial, improcedente a apelação interposta pela Ré, e em consequência:

i) declara-se que a sentença recorrida não é nula;


ii) revoga-se a sentença recorrida no segmento em que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da Autora a perceber a indemnização correspondente aos prejuízos que sofreu em consequência do cancelamento de espectáculos do artista "BB", decretando-se, em sua substituição, que esse direito não se encontra prescrito;

iii) corrigem-se oficiosamente, nos seguintes termos, os lapsos de escrita cometidos nas respostas aos números 7o e 55° da Base Instrutória:

- no 7o: «Provado que a autora produziu 3 episódios, sempre acompanhados por um delegado nomeado pela ré»

- no 55°: «Provado que o equipamento referido em 49º tem as mesmas características do que desapareceu nas instalações da »;


iv) mantêm-se inalteradas as criticadas respostas dadas ao perguntado nos números 15° (só a pergunta merecia ser alterada), 20° a 22°, 25°, 26°, 31° a 34° e 49° a 51° da Base Instrutória;

v) altera-se a resposta ao perguntado no número 8o da Base Instrutória, a qual passará a ter a seguinte redacção: «Provado apenas que a maior parte do material técnico utilizado para a produção dos três referidos episódios era da propriedade da autora ou foi por esta obtido de empresas de cedência de equipamento»;


vi) para além do montante já fixado na sentença recorrida e que aqui se mantém e confirma, condena-se também a Ré a pagar à Autora a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente aos lucros que essa empresa deixou de obter mercê do cancelamento dos espectáculos do artista "BB" referidos nos números 43°, 45° e 47° (respectivamente, respostas ao perguntado nos números 41°, 43° e 45° da Base Instrutória) do ponto 2. do presente acórdão.

         4. Inconformada, interpôs a R. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1.         A ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa que:

a.         Julgou improcedente a excepção peremptória do direito da ora Recorrida ao pagamento de uma indemnização correspondente aos prejuízos alegadamente sofridos com o cancelamento dos espectáculos de BB, em virtude da divulgação de notícias que relacionam a Recorrida com o furto de material, condenando a ora Recorrente a pagar à ora Recorrida a quantia (...) correspondente aos lucros que essa empresa deixou de obter mercê do cancelamento dos espectáculos do artista "BB".

b.         Manteve a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância que condenou a ora Recorrente a pagar à ora Recorrida a quantia a liquidar posteriormente, correspondente à diferença entre o valor do preço e dos patrocínios.

2.         Entende a Recorrente que o Acórdão recorrido se encontra viciado por vários erros de direito.

Quanto à natureza da responsabilidade pela divulgação de notícias:

3.         A divulgação de notícias, pela Recorrente, sobre o furto de material por parte da Recorrida é um facto que origina a aplicação do regime da responsabilidade extracontratual e não da responsabilidade contratual, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo.

4.         O critério interpretativo a aplicar para determinar se as partes pretenderam vincular-se a determinados deveres de protecção é o do fim contratual: no momento em que as partes se vinculam ao negócio jurídico, pretendem obrigar-se a deveres que prossigam o interesse na prestação acordada, incluindo os que possibilitam o fim positivo do contrato ou permitem ao credor o pleno aproveitamento da prestação de acordo com o fim do contrato.

5.         O contrato apresenta um escopo positivo, o interesse na prestação, pelo que todos os deveres e atribuições jurídicas dos interesses das partes que não sejam conexos, esse interesse encontram-se fora do âmbito contratual.

6.         Na maioria dos casos os deveres de protecção destinam-se à preservação de bens patrimoniais ou pessoais anteriores e independentes da existência de uma relação contratual, assumindo um escopo puramente negativo de interesse de preservação, que em nada se relaciona com o interesse no cumprimento ou na execução do contrato, não podendo, por isso, ser atribuído um fundamento contratual a esses deveres de protecção.

7.         No caso dos autos, não existe qualquer relação entre o contrato celebrado entre o Recorrente e a Recorrida e o dano causado pela divulgação de notícias que ligam esta última ao furto de equipamento da primeira.

8.         O interesse da Recorrida na protecção da sua imagem e do seu bom nome, alegadamente lesados com a publicação das referidas notícias, são interesses de preservação do património e da pessoa da Recorrida pré-existentes ao contrato e absolutamente independentes da existência deste.

9.         A divulgação de notícias atentatórias dos direitos à imagem e bom nome da pessoa colectiva que é a Recorrida importaria sempre a responsabilização da Recorrente - caso essa divulgação lhe pudesse ser imputada, o que se nega -, independentemente do contrato.

10.       O que as partes pretenderam com a celebração do contrato foi a produção de uma obra audiovisual, especificamente, de um conjunto de episódios da série ..., contra o pagamento de um preço.

11.       Os danos resultantes da divulgação de notícias que relacionam a Recorrida com o furto de material derivam da violação do direito à imagem e ao bom nome da Recorrida, os quais não só são interesses que não nascem com a relação creditícia, como a sua protecção se mantém independentemente da existência ou manutenção do contrato de produção de obra audiovisual.

12.       Os alegados danos com o cancelamento dos espectáculos do artista BB, supostamente originados pela divulgação de notícias, são absolutamente estranhos à relação contratual estabelecida entre a Recorrida e a Recorrente aquando da celebração do contrato de produção de obra audiovisual.

13.       A imagem e bom nome alegadamente prejudicados pelos espectáculos cancelados são as de BB e não os da Recorrida.

14.       Dos artigos 43º a 47º da matéria de facto provada apenas resultam danos alegadamente ocorridos na esfera jurídica do artista BB que não é parte nem no contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida nem na presente acção.

15.       A circunstância de o facto originador dos danos descritos no ponto 38. - a divulgação de notícias - ter ocorrido durante a execução do contrato entre Recorrente e Recorrida é meramente ocasional e exprime um risco geral da vida, pese embora possa ter sido o contrato que «pôs a ocasião» da ocorrência desses danos, mantendo-se a responsabilidade pelos prejuízos - a existirem - fora do âmbito contratual.

16.       O contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não pode ser fonte de quaisquer deveres de protecção da imagem e bom nome da Recorrida que impusessem à Recorrente uma obrigação de omissão da divulgação das notícias em causa.

17.       A fonte da responsabilização da Recorrente poderia apenas ser legal, fundando-se no artigo 484º do CC, previsão particular de responsabilidade civil extracontratual.

18.       Inexiste na situação dos autos qualquer concurso entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual - que apenas ocorreria se o dano em causa consubstanciasse, simultaneamente, a violação de um direito absoluto e de um dever de protecção expressa ou tacitamente previsto pelas partes - porque o dano alegadamente causado pela divulgação de notícias atentatórias da imagem e bom nome encontra-se totalmente fora do perímetro do contrato, não consubstanciando simultaneamente uma violação de um dever contratual.

19.       O direito de indemnização fundado na divulgação de notícias encontra-se prescrito, à luz do artigo 498.°, n° 1, do CC, porquanto decorreram mais de 3 anos desde a data em que a Recorrida tomou conhecimento do alegado direito de indemnização que reclama e a data da citação da aqui Recorrente para a presente acção.

Da impossibilidade de imputação da divulgação de notícias à pessoa colectiva da Recorrente

20.       A conclusão do douto Tribunal de 1ª Instância, sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de que a notícia teve origem na aqui Recorrente, de acordo com o artigo 42º dos factos provados, não é o mesmo que concluir que foi a Recorrente quem a divulgou. A Recorrente não se confunde com as pessoas que a ela possam estar ligadas.

21.       Atento o carácter vago e impreciso da prova a este respeito, pode afirmar-se que no âmbito da resposta cabe qualquer pessoa que tenha qualquer vínculo, seja ele laboral ou não, à Recorrente, sendo de centenas o universo de pessoas que potencialmente podem ter tido acesso aos factos.

22.       A Recorrida não logrou provar o concreto conteúdo da informação que terá sido divulgada à imprensa, tendo ficado por demonstrar, por conseguinte, a correspondência entre o conteúdo das notícias e quaisquer informações alegadamente prestadas pela Recorrente, bem como a alegada falsidade daquele conteúdo.

23.       A Recorrente não pode, como tal, ser responsabilizada pelo conteúdo de notícias que relacionavam a Recorrida com o furto de equipamento das suas instalações, o qual é naturalmente apenas imputável ao jornalista que as redigiu e/ou ao jornal que a publicou.

Da inexistência de dano na esfera jurídica da Recorrida, em virtude da divulgação de notícias

24.       Os danos que a Recorrida alegou terem sido consequência da divulgação de notícias que a associam ao furto de material nunca se produziriam na sua esfera jurídica, mas sim na esfera do artista BB, não podendo aquela ser indemnizada por uma lesão que não sofreu.

25.       Os factos provados constantes dos artigos 43º a 47º apenas se referem aos danos alegadamente sofridos pelo artista BB com a divulgação de notícias.

26.       Dos artigos 43º a 47° da matéria de facto provada resulta que os espectáculos de BB que foram cancelados não estavam sequer a ser programados ou promovidos pela Recorrida, mas sim por outras entidades a esta estranhas.

27.       Tendo o alegado dano sido produzido na esfera jurídica do artista BB, o qual não é parte nem no contrato dos autos nem na acção, não pode o douto Tribunal a quo determinar a indemnização pelos referidos danos a quem não os sofreu, ou seja à Recorrida.

28.       E nem se diga que o arbitramento de uma indemnização à Recorrida se justifica pelo facto de BB ter sido gerente daquela, já que os prejuízos alegadamente sofridos por BB com o cancelamento dos espectáculos o foram enquanto artista e não enquanto gerente da pessoa colectiva da Recorrida, pois esta não teve qualquer papel na promoção ou programação desses espectáculos.

Da falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade contratual da Recorrente por resolução ilícita do contrato: culpa e nexo de causalidade

29.       Não se encontram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade contratual que legitimariam o arbitramento de uma indemnização à Recorrida.

30.       Apenas poderia recair um juízo de censurabilidade sobre a conduta da Recorrente caso lhe fosse exigível agir de modo diferente.

31.       Resulta da resposta dada ao artigo 60º da base instrutória (artigo 48.° dos factos dados como provados) - "provado que a Ré comunicou a resolução do contrato após ter realizado inquérito interno sobre os factos" - que a conduta da ora Recorrente não merece o juízo de censura que é realizado pelo Tribunal a quo.

32.       A decisão da Recorrente em resolver o contrato foi tomada na sequência dos resultados do inquérito interno - que confirmaram a utilização não autorizada de material da Recorrente, por parte da Recorrida - com base em critérios estritamente objectivos, nomeadamente na prova produzida.

33.       A Recorrente agiu, assim, com toda a diligência exigível no caso concreto, actuando permanentemente no respeito pela boa-fé contratual. Não era exigível à Recorrente que, perante os resultados do inquérito e à quebra total da confiança na Recorrida, procedesse de outro modo, nomeadamente mantendo a relação contratual com aquela última.

34.       Atento o exposto, não se verifica o pressuposto da responsabilidade civil culpa, não sendo admissível a responsabilização da Recorrente por um comportamento que, à luz do ordenamento jurídico, não é censurável.

35.       Não existe nexo de causalidade entre o pedido de restituição do montante de €80.000,00 por parte da NN e a resolução do contrato nos autos, porquanto a Recorrida não logrou provar que o pedido de restituição de €80.000,00 tenha derivado da resolução do contrato nos autos.

36.       A referida quantia só seria devida, a título indemnizatório, se a resolução do contrato fosse ilícita e, simultaneamente, o não pagamento da quantia de €80.000,00 se devesse à resolução do contrato.

37.       Não tendo a Recorrida demonstrado que o fundamento do pedido de restituição da quantia em questão foi a resolução do contrato entre Recorrida e Recorrente, não pode o Tribunal condenar esta última no pagamento dos €80.000,00, por não verificação de um dos pressupostos da responsabilidade contratual.

Da inarbitrabilidade de uma indemnização pela diferença entre o preço contratualizado e o valor dos "patrocínios".

38.       A qualificação dos serviços prestados e das quantias cedidas pelo JJ, pela NN, pela KK e pela MM como patrocínios ou como apoios à produção é essencial na decisão relativa ao arbitramento ou não de uma indemnização à Recorrida, correspondente às contrapartidas que alegadamente não foram pagas por aquelas entidades em virtude da resolução do contrato nos autos.

39.       O patrocínio é uma contribuição feita por pessoas singulares ou colectivas (...) com o intuito de promover o seu nome, marca, imagem, actividades ou produtos -artigo 2.°, n.° 1, alínea o) da LTSAP.

40.       O apoio à produção é uma inclusão ou referência a um bem ou serviço num programa a título gratuito - artigo 2°, n° 1, alínea b) da LTSAP.

41.       Apenas no caso dos patrocínios é possível a atribuição de quantias monetárias à entidade responsável pela produção do programa televisivo, em troca da identificação dos patrocinadores no início, no recomeço e no fim dos programas, através da emissão do seu nome, logotipo ou outro sinal distintivo (artigo 41°, n°s 1 e 2, da LTSAP).

42.       Já no caso dos apoios à produção, não há atribuição de qualquer quantia monetária à entidade responsável pela produção do programa, mas apenas a permissão de utilização, por parte desta última, de bens ou serviços da entidade apoiante, que não tenham valor comercial significativo (artigo 41.°-A, n.° 7, da LTSAP).

43.       No caso em que os apoios à produção importem a prestação de bens ou serviços com um valor comercial significativo, não são aplicáveis as regras dos patrocínios, mas sim as regras previstas para a colocação de produto (artigo 41.°-A, n.° 9, da LTSAP), o que significa que continua a não haver lugar a qualquer analogia com a atribuição de quantias monetárias.

44.       No caso da NN, tratou-se da prestação de um serviço de transformação de um veículo destinado ao programa, com contrapartida de emissão de um cartão publicitário e de exibição de publicidade no carro de exteriores da Recorrida - artigos 34.° e 35.° dos factos provados.

45.       Trata-se da prestação de um serviço que possui valor económico significativo, e não da entrega de qualquer quantia pela identificação da entidade patrocinadora no início, no recomeço ou no fim do programa ..., pelo que se está aqui no âmbito dos apoios à produção e não dos patrocínios.

46.       Nos casos das contrapartidas da KK e da MM, a Recorrida não logrou provar que quantias estariam em questão - artigos 28.°, 29.°, 32.° e 33.° dos factos provados - precisamente porque não está em causa a entrega de quantias, mas a prestação de bens que não são suficientemente significativos economicamente para que essa quantificação possa ser realizada.

47.       Tal conclusão resulta de dois factos notórios que, em face de serem do conhecimento comum ou de fácil acesso pelo homem medianamente informado, não necessitam de prova, nos termos do artigo 412º, nº 1, do CPC: a actividade da KK é a da comercialização de café e a da MM é a da comercialização de vinhos e azeite, sendo que estas entidades habitualmente apenas prestam os seus produtos para utilização pela produção durante os programas televisivos.

48.       Inexistindo uma verdadeira actividade interpretativa até ao momento da decisão, os conceitos e expressões patrocinadores, apoiar a produção do programa, entidade apoiante, e patrocínio são utilizados com o seu sentido comum e não com o seu sentido jurídico-positivo.

49.       Tratando-se de apoios a produção nos casos da NN, da KK e da MM, não poderia o douto Tribunal a quo condenar a Recorrente, quanto a todas as entidades, no pagamento de uma indemnização entre o valor do preço e dos patrocínios.

Das normas jurídicas violadas pelo douto Acórdão recorrido

50.       Em face do exposto, o douto Acórdão recorrido viola as normas presentes nos artigos 484.° e 498.°, n.° 1, do CC, ao aplicar o regime da responsabilidade civil contratual à divulgação de notícias que relacionam a Recorrida com o furto de material da Recorrente, quando o regime aplicável é, antes, o da responsabilidade civil delitual.

51.       O Acórdão recorrido viola ainda a norma contida no artigo 483.°, nº 1, do CC, ao arbitrar o pagamento de uma indemnização, por parte da Recorrente, pela resolução ilícita do contrato, quando não se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil, especificamente, a culpa e o nexo de causalidade.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Conselheiros, doutamente suprirão, requer-se o proferimento de Acórdão que, em substituição do douto acórdão recorrido, sanando os vícios de que este padece:

a)         Julgue procedente a arguição da excepção de prescrição do direito da Recorrida à indemnização pelos danos alegadamente sofridos pela divulgação de notícias sobre o furto de equipamentos por aquela, revogando o douto Acórdão recorrido e absolvendo a Recorrente quanto ao pedido de indemnização;

Cumulativamente,

b)         Julgue não estarem verificados os pressupostos da responsabilidade contratual por resolução ilícita do contrato, absolvendo-se a Recorrente quanto ao pedido de pagamento de uma indemnização correspondente à diferença entre o valor do preço e dos patrocínios;

Quando assim não se entenda,

c)         Julgue não existir qualquer dano derivado do cancelamento dos espectáculos de BB na esfera jurídica da Recorrida, absolvendo a Recorrente do pedido de pagamento de uma indemnização em virtude daquele cancelamento;

d)        Julgue não estar em causa a atribuição de quantias a título de patrocínio por parte da NN, da KK e da MM, absolvendo-se a Recorrente quanto ao pedido de pagamento de uma indemnização correspondente à diferença entre o valor do preço e dos patrocínios, assim se fazendo a tão costumada

JUSTIÇA!

   A A. contra alegou, começando por suscitar a questão prévia da irrecorribilidade nos seguintes termos :

1          - A Recorrente, não se conformando com a sentença proferida pela 1ª instância, interpôs o competente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa;

2          - O Tribunal da Relação de Lisboa, pelo douto acórdão recorrido, julgou improcedente a apelação da Recorrente, confirmando a sentença da 1ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente divergente.

3          - Nos termos do art. 671º, nº 3, do C.P.C., «não é admissível recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pela 1ª instância.»

4          - Por esta razão, a Recorrente não pode interpor novo recurso para este tribunal, uma vez que, no que respeita à sua condenação, nos termos definidos pela 1ª instância, formou-se uma «dupla conforme».

5          - A razão de ser que explica a consagração da regra da dupla conforme é precisamente a de impedir que a parte que recorreu de uma sentença que lhe foi desfavorável venha a interpor novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no caso de aquela sentença ser confirmada, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente divergente, por acórdão da Relação.

6          - A circunstância de a recorrida ter interposto recurso da sentença na parte em que esta lhe era desfavorável, o qual veio a ser julgado procedente, em nada interfere com a dupla conforme que se formou quanto ao recurso da Ré e que a impede de interpor novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tentando obter com o mesmo a reapreciação de questões já decidas no mesmo sentido pela 1ª instância e pela Relação, sob pena de se cair numa situação de verdadeira fraude à lei, pois a Recorrente acabaria por ter acesso a um segundo grau de recurso apenas porque a autora obteve vencimento no recurso por si interposto, apesar de, em relação ao recurso da Recorrente, se ter formado uma «dupla conforme».

7          - Por todas estas razões, o recurso da Recorrente, pelo qual esta pretende impugnar o acórdão da Relação que julgou improcedente o recurso por si interposto da sentença da 1ª instância não é admissível, nos termos do art. 671º, nº 3, do C.P.C, pelo que o mesmo deve ser rejeitado, com excepção do alegado no seu § 3, 3.1., 3.2 e 3.3.

(….)

    E, subsidiariamente, pugna pela improcedência das razões aduzidas pela recorrente, sustentando dever confirmar-se a decisão recorrida.

    A fls. 826, foi – pelo relator do processo no Tribunal da Relação  – proferido despacho de admissão nos seguintes termos:

Por estarem verificados os exigidos pressupostos legais, admito o recurso interposto a fls.719 pela ré RTP, SA na parte não afectada pela dupla conforme relativa ao segmento da sentença proferida em 1ª instância que não foi revogado por esta Relação.

E tal despacho, consubstanciado numa admissão meramente parcial da revista, delimitando consequentemente o seu objecto apenas a determinado segmento do acórdão recorrido e a uma das questões que constituíam a matéria litigiosa, nele dirimidas em certo sentido ( não confirmatório da sentença proferida em 1ª instância), não sofreu qualquer reclamação por parte da recorrente, que com ele inteiramente se conformou.

   Na verdade, do despacho liminarmente  proferido no Tribunal a quo resulta uma admissão meramente parcial do recurso de revista, circunscrito à questão inovatoriamente dirimida na Relação, ao dar provimento à apelação da A., revogando o segmento da sentença que, por considerar verificada a excepção de prescrição, julgara improcedente o pedido de indemnização estribado nos prejuízos resultantes do cancelamento de espectáculos musicais – substituindo tal decisão pela que considera inverificada tal excepção peremptória e, em conformidade, profere condenação genérica referentemente a tal categoria de lucros cessantes.

   Note-se que a tal admissão parcial da revista tem logicamente como reverso indissociável um indeferimento parcial do recurso, enquanto reportado ao outro segmento do acórdão recorrido, inteiramente  confirmatório da sentença – ou seja, às questão dirimidas precisamente nos mesmos termos pelas instâncias :ou seja,  fundamentalmente, a questão da ressarcibilidade dos danos causalmente provocados pela resolução – tida por infundamentada – do contrato de empreitada para produção da obra em causa, a que ambas as instâncias deram resposta afirmativa, precludindo a regra da dupla conforme o acesso ao STJ para rediscutir tal matéria.

    O despacho de admissão parcial da revista, proferido no Tribunal a quo, implica, aliás, a procedência da questão prévia suscitada pela entidade recorrida: estando, na verdade, em litígio duas pretensões indemnizatórias autónomas e perfeitamente cindíveis, a delimitação do objecto da revista, feita pelo relator na Relação no despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade da revista ( e não impugnado pelas partes) significa que o objecto do recurso se terá de considerar circunscrito ao segmento do acórdão que dirimiu a questão da ocorrência ou não de prescrição quanto à indemnização pelos lucros cessantes decorrentes do cancelamento de outros espectáculos musicais, provocados pela divulgação de notícias lesivas do direito à integridade moral da sociedade/A. e do seu sócio – o artista BB.

         5. A questão fulcral a dirimir na presente revista traduz-se, pois, em qualificar – como contratual ou extracontratual – o tipo de responsabilidade civil imputada à R. pelos lucros cessantes ( resultantes do cancelamento de diversos espectáculos musicais agendados) decorrentes da divulgação - da responsabilidade da R.- de notícias lesivas do direito ao bom nome e imagem pública da A. e do seu sócio ( o artista BB): na verdade, de tal qualificação depende naturalmente o prazo prescricional aplicável, sendo óbvio que, a tratar-se de responsabilidade por factos ilícitos, já se mostrava exaurido o prazo de 3 anos previsto no nº1 do art. 498º do CC.

   Por outro lado, a configuração, no caso dos autos, de uma responsabilidade de tipo contratual pela prática de um acto lesivo da integridade moral do outro contraente – não directamente conexionado com o objecto das prestações principais a que as partes se vincularam, no exercício da sua autonomia da vontade – depende naturalmente de se poder ou não configurar como existente um específico dever lateral ou acessório de protecção da integridade moral do outro contraente, fundado na cláusula geral da boa fé consagrada no nº2 do art. 762º do CC.

   Na verdade, a existir um dever lateral desse tipo, funcionalmente ligado ao contrato e integrado na relação contratual complexa que lhe subjaz, a sua violação poderá efectivamente representar um ilícito contratual, na modalidade de violação contratual positiva – e não apenas a lesão ilícita de um direito absoluto na titularidade da contraparte.

 

   O fundamento dos deveres laterais de protecção – no caso ora em apreciação o dever de cada um dos contraentes de se abster de actos lesivos da integridade pessoal e patrimonial do outro contraente – não radica, a nosso ver, na autonomia da vontade, já que – em regra – tais deveres acessórios, integrados numa relação contratual complexa e que transcendem o estrito interesse na realização as prestações acordadas, não se mostram inseridos no clausulado do contrato, não tendo nele guarida expressa, nem sequer tácita ( já que tal implicaria, pelo menos, que os contraentes tivessem tido a consciência de emissão de uma declaração negocial); nem sequer serão tais deveres acessórios alcançáveis através de uma operação de interpretação complementadora ou de integração da regulação de interesses contida no contrato, a qual pressupõe logicamente a existência de uma lacuna, inferível da teleologia ou da unidade de sentido interna do pacto negocial ( Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção , 1994, pag. 69 e segs.).

   Tais deveres acessórios ou laterais – cuja funcionalidade transcende, assim, o plano da pura autonomia da vontade das partes – fundam-se, em última análise, numa interpretação objectivada e em boa medida imperativa do padrão ou critério normativo da boa fé, podendo, por isso, preceder e desvincular-se da existência actual de uma relação contratual validamente celebrada : em muitos casos, tais deveres laterais de protecção podem verificar-se, no plano pré contratual ou in contraendo, no âmbito de meros contactos negociais ou sociais minimamente institucionalizados, antes da formalização do contrato e independentemente de este vir ou não a ser validamente celebrado, podendo mesmo sobreviver-lhe, depois de exaurida tal relação em consequência do cumprimento das obrigações principais; do mesmo modo que a doutrina tem admitido, em hipóteses particulares, a extensão, em benefício de terceiros , da eficácia destes deveres de protecção, envolvendo aqueles, apesar de estranhos ao contrato, sob o manto protector da cláusula da boa fé, de modo a conferir-lhes um direito indemnizatório, não obviamente por violação de um - no seu confronto, inexistente - dever de prestar, mas por desrespeito de um específico dever de salvaguardar também a integridade pessoal ou patrimonial do terceiro , dada a especial ligação deste a um dos contraentes – por ex., a responsabilidade contratual imputada ao fornecedor de certa máquina perigosa, que vem a causar lesões, por omissão de um dever de informação e esclarecimento, não no património da entidade patronal/contraente, mas de um seu assalariado , encarregado de laborar com tal instrumento( cfr. Carneiro da Frada, ob. Cit., pag. 43).

    Não basta, porém, assentar na origem objectivada e imperativa dos deveres laterais de protecção, baseados no primado da boa fé na formação e execução dos contratos, para,  sem mais, se poder concluir que tais deveres acessórios integram, de forma amplíssima e irrestrita, o âmbito da generalidade das relações contratuais, de tal modo que lesão culposa da integridade pessoal ou patrimonial de uma das partes, por facto imputável à outra, deva subsumir-se necessariamente ao instituto da responsabilidade contratual. Ou seja: não pode razoavelmente considerar-se que está subjacente à generalidade das relações contratuais, independentemente dos seus fins específicos e da funcionalidade e natureza das prestações convencionadas, um dever contratual irrestrito de protecção da pessoa e património das partes, envolvendo, nomeadamente, a preservação e consolidação de uma boa imagem pública do outro contraente – de tal modo que a lesão destes direitos absolutos deva, em regra, gerar responsabilidade contratual por todos os danos ocasionados.

    Saliente-se que, num sistema jurídico como o vigente à face do CC português, em que a cláusula geral do art. 483º assegura praticamente, de forma integral e sem lacunas, a tutela efectiva dos direitos absolutos, só se justificará o reforço da tutela desses direitos através da chamada à colação dos mecanismos típicos da responsabilidade contratual ( ampliação drástica do prazo prescricional, presunção de culpa a cargo do devedor, responsabilidade amplíssima deste por actos dos seus auxiliares,….) em situações bem delimitadas, em que se mostre materialmente justificada uma mais intensa tutela do direito ( absoluto ) à integridade pessoal e patrimonial de cada um dos contraentes , trazido para o perímetro do contrato através da aplicação da figura dos deveres laterais de protecção e da responsabilidade contratual que corresponde à sua violação.

    A tutela reforçada dos direitos absolutos de cada um dos contraentes não pode, assim, fundar-se na criação irrestrita pelo intérprete e aplicador do direito de deveres laterais de protecção da integridade pessoal e patrimonial de um dos contraentes, aplicáveis à generalidade dos contratos, de modo a abranger o ressarcimento de todos os danos decorrentes da lesão do direito absoluto, quando a ligação ao contrato e aos seus fins se configure como  meramente ocasional ou circunstancial - implicando antes uma cuidada  indagação e ponderação acerca da natureza, teleologia  e  funcionalidade de cada  relação contratual , só se justificando inserir no perímetro de certa  relação contratual complexa – sujeitando-a, consequentemente, à disciplina da responsabilidade contratual – a tutela dos direitos absolutos de uma das partes quando tal for imposto pelo próprio fim do contrato e pela natureza específica das prestações acordadas ou quando a relação contratual tenha originado um risco particular e acrescido para uma das partes.

   Saliente-se que grande parte dos casos que a doutrina vem configurando como de responsabilidade contratual pela violação de um dever lateral de protecção da integridade pessoal e patrimonial de um dos contraentes têm precisamente a ver com a existência de perigos específicos das instalações ou locais onde o contrato irá ser executado, visando a respectiva previsão alcançar uma tutela acrescida da integridade do contraente mais vulnerável aos riscos da empresa da contraparte: é o que sucede com a obrigação de um dos contraentes de – para tutela da integridade do utente/consumidor – assegurar as providências adequadas à segurança do estabelecimento que utiliza na prossecução da sua actividade, em que se insere a relação contratual em causa, ou dos instrumentos, dotados de particular perigosidade, que utiliza como instrumento para cumprir da prestação principal a que se vinculou ( ex.: danos causados em utentes de transportes públicos , decorrentes de riscos específicos do cais de embarque).

   O mesmo ocorre nos casos em que a execução do contrato implica para uma das partes o domínio de facto sobre determinada coisa, ficando, consequentemente, a parte particularmente  obrigada à respectiva guarda onerada com especiais deveres respeitantes à prevenção de danos, quer na própria coisa, objecto do contrato, quer na esfera de todos os que com ela possam vir a contactar.

   Noutras situações, o dever especial de protecção da integridade do outro contraente não resulta dos riscos típicos e acrescidos, associados à empresa ou estabelecimento, ou à guarda ou domínio de uma coisa ou objecto, estando antes ligado às típicas prestações emergentes da relação contratual em causa e a uma privilegiada posição de garante imposta a uma das partes, envolvendo um específico dever de evitar a ocorrência de determinadas situações lesivas e danosas para a contraparte – como ocorre em numerosos contratos de prestação de serviços .

   Acresce ainda, no caso dos autos, que a argumentação expendida pela entidade recorrida assenta, até certo ponto, numa desconsideração da personalidade jurídica da sociedade/A., confundindo as posições e interesses desta com as de que é titular o seu sócio – o artista BB: na verdade, na argumentação da recorrida, o principal lesado com a divulgação de notícias falsas e de conteúdo difamatório teria sido, mais do que a própria pessoa colectiva, o artista , seu sócio gerente, cujos espectáculos teriam sido, por isso, cancelados ( vide art. 110º da petição inicial, a fls. 22).

   Ou seja: a lesão do direito absoluto ao bom nome e imagem pública  teria afinal ocorrido fundamentalmente, não na esfera jurídica da A./AA, mas na pessoa física do seu sócio gerente, consubstanciando-se os danos no cancelamento de espectáculos agendados daquele artista ( não estando sequer alegado que seria a AA a outorgar nos contratos que porventura viessem a ser celebrados referentemente à realização de tais espectáculos).

   Ora, não parece que possa incluir-se no perímetro de um contrato de empreitada, celebrado entre duas sociedades comerciais, a lesão reflexa de direitos absolutos de uma pessoa física, sócio da sociedade A. , já que  - apesar da ligação existente entre o artista e a AA, - é manifesto que ambos detêm e mantêm esferas jurídicas próprias, autónomas e perfeitamente diferenciadas.

6. Saliente-se ainda que os dois acórdãos do STJ, invocados pela recorrida em abono da sua tese, ilustram, de forma paradigmática, a tipologia de situações – manifestamente diversas, na sua teleologia, do caso dos autos - em que é justificável a inserção, no âmbito de determinada relação contratual, de deveres acessórios ou laterais de protecção, cuja violação implica responsabilidade contratual.

    Assim, no acórdão de 26/9/13, proferido pelo STJ no P. 7798/09.9T2SNT.L1.S1 , aborda-se a problemática da responsabilidade da empresa ferroviária perante o consumidor/utente daquele serviço público, concluindo-se que:

Intentada acção de indemnização contra a CP por um passageiro que se apurou ter caído da carruagem e ficado com uma perna esmagada entre o trilho do comboio e o cais de embargue, não é a responsabilidade extracontratual o único prisma por que a questão pode ser encarada, podendo sê-lo através da responsabilidade contratual em virtude do contrato.

O contrato de transporte corporiza uma obrigação de resultado, tendo a ré o dever de fazer chegar o autor passageiro incólume ao seu destino. Não o tendo conseguido e estando em causa uma obrigação de facto positiva sobre a ré, impende nos termos do art. 798.º, n.º 1, do CC, a obrigação de provar que a falta de cumprimento não procedia de culpa sua, a qual em princípio se presume.

   Trata-se, pois, de caso em que o fundamento do especial dever de protecção do utente radica nos riscos da empresa , nos perigos específicos e agravados das instalações ou locais onde o contrato de transporte irá ser executado –neles se estribando precisamente o especial dever de protecção da integridade física do utente dos serviços de transporte, trazido por tais motivos para o perímetro do contrato.

    Por sua vez, no Ac. de 7/12/10, proferido pelo STJ no P. 984/07.8TVLSB.P1.S1, é a peculiar natureza da relação contratual em causa ( prestação de serviços no âmbito do ensino universitário) que legitima a imposição, com base na ponderação do próprio fim do contrato e na relação de confiança que lhe subjaz, de um especial dever de protecção dos discentes confiados à guarda do estabelecimento de ensino, prestador dos serviços educativos:

Celebrado entre autora e ré de um contrato de prestação de serviços – de ensino, educação ou instrução –, por força do qual o filho da autora frequentava um curso de licenciatura numa Universidade pertencente à ré, contrato de que faziam parte, pelo menos como deveres acessórios ou laterais, os de vigilância e controle, pela ré, das práticas praxistas no interior das instalações, com o objectivo de garantir a segurança, nomeadamente psíquica, e a integridade física, dos alunos, esses deveres foram incumpridos se a ré permitiu essas práticas, por omissão de vigilância e controlo, vindo o filho da autora a falecer em resultado de lesões causadas por práticas praxistas violentas sobre ele exercidas.
A ré violou o princípio da concretização, ao não realizar “no terreno” os interesses que sabia serem os do credor – a autora ou o seu filho –, e infringiu o dever de actuar de boa-fé, ao não acautelar a confiança que estes depositaram na sua prestação, violando deveres acessórios de conduta que, se observados, lhe impunham uma vigilância e controle sobre as actividades praxistas dos seus estudantes, que obstariam a que delas pudessem resultar consequências gravosas para o seu aluno e permitiriam que este pudesse prosseguir em segurança os seus estudos.
Estes deveres de vigilância e controle, que acessoriamente derivavam para a ré do contrato celebrado, relativos à segurança do filho da autora, como seu aluno, não consistem em deveres principais de prestação decorrentes do contrato de prestação de serviço (dever de ensinar ou dever de pagar as propinas), nem mesmo em algum dever instrumental em relação a esses deveres principais, mas num meio indispensável à prossecução do objectivo visado pela celebração do contrato, ou seja, o de o aluno alcançar o termo da licenciatura com a melhor classificação possível, o que, devido ao óbito, se tornou impossível.
A violação dos deveres de vigilância e controle apontados, e da consequente garantia de segurança do filho da autora, deveres esses acessoriamente derivados do contrato celebrado, torna a ré responsável pelos prejuízos sofridos, nos termos da responsabilidade contratual.

    De realçar que a situação dos autos não tem a menor analogia com as que subjazem a estes dois arestos: o contrato celebrado entre as partes presentemente em litígio vem qualificado – sem que ninguém questione essa configuração - como contrato de empreitada destinado à produção de obra audiovisual; ora, poderá considerar-se ínsito numa relação de tal natureza um especial dever de protecção da integridade pessoal e patrimonial do empreiteiro, de tal modo que a lesão desse direito absoluto – no caso com a publicitação de notícias lesivas do seu bom nome e imagem pública, consistentes em imputações lesivas essencialmente da boa imagem do artista/sócio da sociedade A. - deva ainda situar-se no perímetro da responsabilidade contratual, num caso em que os danos resultantes da lesão do bom nome se consubstanciaram na frustração de outras relações contratuais, totalmente estranhas e autónomas relativamente à controvertida nestes autos?

   A resposta a esta questão parece-nos dever ser negativa, por não se vislumbrar fundamento para o estabelecimento de um tal amplíssimo dever lateral de protecção, face ao concreto fim do contrato de empreitada: na verdade, não se vê base suficiente para inferir das típicas obrigações assumidas pelo empreiteiro - de realização de uma obra, mediante um preço - um amplíssimo e irrestrito dever contratual de protecção dos direitos absolutos do empreiteiro, de modo a inserir no perímetro do contrato quaisquer danos decorrentes da eventual lesão desses direitos absolutos, ainda que sem a menor conexão com a execução e com os fins da concreta relação contratual convencionada entre as partes: note-se que, neste caso, nem as típicas prestações materiais a cargo das partes implicam justificabilidade para a tutela, no plano da responsabilidade  obrigacional, da ocasional lesão de direitos absolutos da parte, nem se verifica, na situação dos autos, qualquer risco específico e agravado que legitime a inclusão de circunstanciais consequências danosas,  decorrentes da lesão de direitos absolutos, no perímetro do contrato de empreitada ( vejam-se os exemplos de deveres de protecção durante a execução da empreitada indicados por Carneiro da Frada, ob. cit., pag.146 verso – nenhum dos quais apresenta a menor analogia com o caso dos autos).

   Saliente-se que a situação ora em análise também não pode equiparar-se à versada no AC. da Rel. de Lisboa de 17/12/09 ( P. 1922/08.6TVLSB-A.L1-2   ), citado pela entidade recorrida, em que os danos não patrimoniais peticionados pelo dono da obra (em consequência do não funcionamento do restaurante, a autora teve não só perda de clientela, como acumulou dívidas, atrasou-se no pagamento a fornecedores, empregados e finanças e ficou com o seu bom nome afectado, peticionando, a título de danos não patrimoniais, valor não inferior a € 20.000,00.)  estão intrinsecamente ligados ao próprio incumprimento das típicas obrigações a cargo do empreiteiro, no caso, a conclusão atempada da obra convencionada : não estamos, pois, aqui confrontados com uma lesão de direitos absolutos de uma das partes na relação contratual, mas antes com as consequências do inadimplemento das prestações principais, emergentes da própria relação contratual.

   Pelo contrário, afigura-se que a situação litigiosa dos autos poderá apresentar analogia com o caso dirimido no Ac. da Rel. de Coimbra de 9/11/04 ( P. 2278/04    ), também equivocadamente invocado pela recorrida em abono da sua tese, e em que se decidiu que. não constitui violação do dever lateral ou acessório a destruição de uma serventia, uma viga de cimento armado e a parede de uma fossa, na execução contratual de trabalhos de extracção e limpeza de um depósito de lixos, lodo e resíduos – considerando, para tanto, a Relação que :

Para o negócio jurídico celebrado - contrato de prestação de serviços - o legislador estabeleceu os deveres enunciados no art.º 1161º do CC, por remissão do art.º 1156º do mesmo compêndio, que manda aplicar com as necessárias adaptações, as disposições sobre o mandato.
O dever que a autora considera ter sido violado, não integra qualquer dos enunciados no art.º 1161º.
Resta, pois, saber, se o alegado dever que não rejeita, no imediato, a aparência de dever lateral ou acessório de conduta, se contém dentro do âmbito do contrato de prestação de serviços.
Aquele tipo de contrato é, por definição, e consoante se exprime o art.º 1154º do CC
«aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

Se, como hipótese de trabalho, se derem como assentes os factos descritos pela autora, encontrar-se-á uma actuação da ré com dois resultados distintos: um, que satisfaz o interesse da autora e que resulta do cumprimento do contrato celebrado; um outro, que viola direitos da autora.
Não é, porém, toda e qualquer violação que aqui nos importa mas, tão só, a que fere a «exacta satisfação dos interesses globais
envolvidos na relação obrigacional complexa».
Ora, o interesse da ré no que respeita à conservação do seu património, tem autonomia relativamente ao interesse em obter o resultado do contrato celebrado. E, se bem que integre os seus interesses globais, ele não está envolvido na relação obrigacional estabelecida entre as partes.
O entrosamento que os deveres laterais com a relação obrigacional complexa supõe, não permitem uma visão tão alargada do primeiro daqueles conceitos.

Afigura-se-nos, assim, que ao situar a violação invocada pela autora e atribuída à ré, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a sentença recorrida não merece censura.

Em suma: não pode ter-se por incluído no perímetro de um contrato de empreitada para produção de obra audiovisual um dever irrestrito de protecção da integridade pessoal e patrimonial, não apenas da sociedade/ contraente, mas também da pessoa física que detém a qualidade de sócio daquela, de modo a que quaisquer danos decorrentes da lesão dos direitos absolutos de qualquer desses sujeitos – traduzidos, no caso, na frustração de outras futuras relações contratuais, totalmente autónomas relativamente à controvertida, - envolva responsabilidade contratual do lesante.

         7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se provimento à revista, na parte em que esta foi admitida, revogando o segmento do acórdão recorrido que teve por inverificada a excepção peremptória de prescrição; e, considerando verificada tal excepção, julga-se totalmente improcedente o pedido de indemnização dos danos decorrentes do invocado cancelamento de espectáculos musicais, como consequência da divulgação de notícias lesivas da imagem pública da sociedade/ A. e do seu sócio gerente.

   Custas da presente revista pela A./recorrida e da acção por autora e ré, na proporção fixada na sentença de 1ª instância ( 7/10 para a A. e 3/10 para a R.).

Lisboa, 29 de Maio de 2014

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor