I - Ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 413.º do CPP, a resposta às motivações do recurso deva ser notificada aos sujeitos processuais por ela afectados, isso não confere a estes o direito de se pronunciarem sobre o seu teor.
II - A lei não comina com o vício da nulidade a omissão dessa notificação, que, quanto muito, pode integrar uma mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição e consequencial do arts. 123.º e ss. do CPP, e que, não afectando o acto praticado, se considera sanada.
III - A falta de notificação à demandante recorrente da resposta apresentada pelo demandado recorrido, em que defende que era inadmissível o recurso interposto para o STJ, não determina a violação do disposto no n.º 5 do art. 32.º da CRP, na medida em que é de conhecimento oficioso a questão da recorribilidade da decisão impugnada, devendo sempre o relator sobre ela se pronunciar (art. 417.º, n.º 6, do CPP).
IV - Com a entrada em vigor das alterações ao CPP, operadas pela Lei 48/2007, de 24-08, maxime pelo aditamento do n.º 3 ao art. 400.º, passou a ser possível interpor recurso da parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal.
V - Há que aplicar aos pedidos de indemnização civil formulados em processo penal a norma do n.º 3 do art. 721.º do CPC, que consagrou o sistema da dupla conforme, atendendo a que o legislador quis consagrar uma solução em que fossem iguais as possibilidades de recurso quanto à indemnização civil, no processo penal ou no processo civil, tanto que a lei do processo penal nada disse em sentido contrário.
VI - O sistema da dupla conforme, que entrou em vigor em 01-01-2008 (arts. 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do DL 303/2007, de 24-08), aplica-se aos pedidos de indemnização civil que tenham sido apresentados em processo penal após essa data.
VII - A reclamante, ainda que considere que se aplica ao caso o n.º 3 do art. 721.º do CPC, entende que o recurso para o STJ sempre seria admissível, nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 678.º do CPC, já que os fundamentos do recurso assentam na ofensa do caso julgado.
VIII - O caso julgado constitui uma excepção dilatória (art. 494.º, n.º 1, al i), do CPC de 1961 ou art. 577.º, al. i), do CPC de 2013), com o qual se visa obstar a que o tribunal seja colocado na contingência de contradizer uma decisão anterior.
IX - No processo penal (a que, na falta de normas próprias, se aplicam, subsidiariamente, as normas do processo civil, por força do no art. 4.º do CPP), o caso julgado constitui o corolário do princípio ne bis in idem, consagrado no n.º 5 do art. 29.º da CRP.
X - O tribunal de 1.ª instância, na primeira sentença, absolveu a demandada de um dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos, sem que o demandante respectivo tenha interposto recurso desta decisão. Todavia, apreciando o recurso interposto pelo outro demandante, o Tribunal da Relação ordenou a baixa dos autos a fim de ser proferida nova decisão, vindo, então, o tribunal da 1.ª instância, na segunda sentença proferida, a considerar a procedência parcial do referido pedido cível e a condenar a demandada a pagar ao demandante não recorrente a quantia de € 2 561,21.
XI - Nos casos de pluralidade de partes diversa do litisconsórcio necessário (como sucede nos casos de litisconsórcio voluntário ou coligação), o recurso interposto, por regra, só aproveita àquele que o interpôs, salvo as situações previstas no art. 683.º do CPC de 1961 (ou na norma de conteúdo equivalente do art. 634.º do novo CPC).
XII - Deste modo, como a primeira sentença do tribunal de 1.ª instância formou caso julgado relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelo demandante não recorrente (art. 497.º, n.º 1, do CPC de 1961 ou art. 580.º, n.º 1, do novo CPC), o que configura uma excepção dilatória (art. 494.º, n.º 1, al i), do CPC de 1961 ou art. 577.º, al. i), do CPC de 2013), deve a demandada, nesta parte, ser absolvida da instância (art. 493.º, n.º 2, do CPC de 1961 ou art. 576.º, n.º 2, do CPC de 2013).
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I.
1.
No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, em processo comum, com tribunal singular, foi proferida sentença, em 26.11.2010, na qual se decidiu, para além do mais que para aqui carece de relevo, i) em matéria criminal, absolver AA da prática dos crimes de condução perigosa de meio de transporte por água, previsto e punido pelo artigo 289º, números 1 e 3 do Código Penal e de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148º, número 1 do Código Penal; ii) em matéria cível: absolver a Companhia de Seguros ..., S.A e AA dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo Hospital Central ... e BB.
2.
Desta sentença foi interposto recurso pelo demandante BB, tendo a demandada Companhia de Seguros ..., S.A, na resposta que ao mesmo apresentou, requerido a ampliação do âmbito do recurso.
Por acórdão de 28.02.2012, o Tribunal da Relação de Évora decidiu anular a referida sentença e fazer regressar os autos à 1ª Instância a fim de o mesmo tribunal proferir nova decisão em que, ao invés do que sucedera, conhecesse da questão que, reportada à eventual culpabilidade do demandante na ocorrência do embate, se revestia de cabal importância, atenta uma das possíveis soluções jurídicas, no que respeita à parte cível.
Efectivamente, o Tribunal da Relação de Évora, naquele acórdão de 28.02.2012, fundamentou esta sua decisão nos seguintes moldes:
«Portanto, ao que ficou apurado e consta da matéria de facto, a arguida actuou como vem descrito, mas fê-lo sem culpa, portanto, involuntariamente, sendo que também não se apurou que soubesse que tais condutas eram proibidas por lei.
E assim sendo, não se pode considerar a existência de uma contradição insanável entre a matéria apurada e não apurada.
Porem, o Tribunal a quo decidiu da forma por que fez, absolvendo a arguida, não por se ter convencido da sua inocência, mas por não ter conseguido ultrapassar as dúvidas quanto à sua culpabilidade.
Por outro lado, do texto da decisão recorrida, também não se vislumbra com clareza qual a eventual culpabilidade do demandante na ocorrência do embate, isto é, se o mesmo mergulhou em local não permitido, sem qualquer advertência visível, e surgiu a superfície de forma inopinada perante a arguida, ou não.
Ora, esta matéria é de cabal importância, atenta uma das possíveis decisões de direito no que respeita à questão cível, sendo certo que a mesma não vem claramente exposta, como poderia e devia, atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
Assim, tratando.se de questão de que o Tribunal deveria conhecer, e suscitada pelo recorrente e, tal configura uma nulidade, que não podemos sanar nesta sede, pelo que, nos termos das disposições combinadas dos artigos 379º (e não 397º, como, por lapso manifesto, se refere), n° 1, al. c) e 410º, n° 3, ambos do Código de Processo Penai, se entende que os autos devem regressar à 1ª- Instância, a fim de mesmo Tribunal, proferir nova sentença que esclareça esta mesma questão.
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em ordenar que os autos baixem à 1ª Instância, para os fins acima aludidos».
3.
Tendo os autos baixado à 1ª Instância, por sentença de 11.07.2012 (e, não 11.07.2011, como por manifesto lapso consta de folhas 912), o 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro decidiu, para além do mais, i) em matéria criminal, absolver AA da prática dos crimes de condução perigosa de meio de transporte por água, previsto e punido pelo artigo 289º, números 1 e 3 do Código Penal e de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148º, número 1 do Código Penal; ii) em matéria cível: 1) julgar parcialmente procedente o pedido deduzido pelo demandante BB e, em conformidade, absolver a demandada AA da totalidade do pedido e condenar a demandada Companhia de Seguros ..., S.A a pagar ao referido demandante, a título de indemnização, a quantia de € 72.955,60, acrescida de juros à taxa anual de 4% desde a notificação do pedido cível relativamente aos danos patrimoniais, e desde a prolação da decisão, no que concerne aos danos não patrimoniais, e ainda a pagar ao também demandante Hospital Central ... a quantia de € 2.516,21, acrescida de juros à taxa anual de 4%, desde a notificação do pedido cível e absolver a demandada Companhia de Seguros ..., S.A da restante parte do pedido; 2) julgar parcialmente procedente o pedido do demandante Hospital Central ... e, em conformidade, absolver a demandada AA da totalidade do mesmo pedido e condenar a demandada Companhia de Seguros ..., S.A a pagar ao referido demandante a quantia de € 2.516,21, acrescida de juros à taxa anual de 4%, desde a notificação do pedido cível.
4.
Desta decisão recorreram o demandante BB e a demandada Companhia de Seguros ..., S.A para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 19.03.2013, decidiu, sem voto de vencido, manter integralmente a sentença recorrida.
Do referido acórdão de 19.03.2013 da Relação de Évora, a demandada Companhia de Seguros ..., S.A interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
5.
Neste Supremo Tribunal, a relatora proferiu decisão sumária, que rejeitou o recurso, por inadmissibilidade, com a seguinte fundamentação:
«Consagrando o princípio de adesão da acção cível ao processo penal, o artigo 71º do Código de Processo Penal estatui que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
E, conquanto, sob o ponto de vista substantivo, a indemnização por perdas e danos emergentes da prática de um crime tenha o seu fundamento na lei civil, a tramitação do pedido é regulada pela lei penal.
Daí que, em matéria de recursos, no regime anterior às alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei nº 48/2007, de 29.08, o Supremo Tribunal de Justiça tivesse, através do seu Assento nº 1/2002, de 14 de Março, fixado jurisprudência no sentido de que «No regime do Código de Processo Penal vigente – nº2 do artigo 400º, na versão da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto − , não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».
Nesta conformidade, tal jurisprudência considerava que o critério de admissibilidade do recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, no que concerne à acção cível de indemnização instaurada no processo penal, não era o mesmo que existia no processo civil, designadamente ser o valor do pedido superior à alçada da Relação e o da sucumbência superior a metade dessa alçada.
Diversamente ao sentido desta jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, na reforma a que foi sujeito o Código de Processo Penal pela citada Lei nº 48/2007, de 29.08, aditou-se ao citado artigo 400º do referido diploma um novo número, o número 3, que veio estabelecer «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização cível».
Recurso que, em termos de admissibilidade, era condicionado, nos termos do número 2 do mesmo normativo (o do artigo 400º do Código de Processo Penal), pela circunstância do valor do pedido ser superior à alçada da Relação e o da sucumbência ser superior a metade dessa alçada.
Alteração legislativa justificada, como bem decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X, pela necessidade de garantir o respeito pela igualdade, assim se admitindo a interposição de recurso da parte da sentença atinente à indemnização cível ainda que nas situações em que não caiba recurso da matéria penal.
Contudo, para entrar em vigor em 01.01.2008, mas sendo aplicável aos processos iniciados após essa data, aquando da revisão operada ao Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, veio estabelecer-se no número 3 do seu artigo 721º que não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida em 1ª instância.
Estava, assim, consagrado o sistema da dupla conforme, que inviabiliza o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos em que, como visto, a Relação confirme, por unanimidade, ainda que com fundamento diverso, a decisão da 1ª instância.
Norma que não pode deixar de se aplicar ao processo penal no que concerne aos recursos que tenham por objecto a parte cível.
E isto na medida em que, se o legislador do Código de Processo Penal, com o aditamento do citado número 3 ao artigo 400º, introduzindo, de facto, uma quebra ao princípio de adesão por razões ditadas pela necessidade de garantir a igualdade entre todos os recorrentes em matéria cível, dentro e fora do processo penal[1], quis consagrar idênticas possibilidades de recurso quanto à indemnização civil, no processo penal e no processo civil e, nada se dizendo de diferente no Código de Processo Penal, tal norma (a do número 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil) não pode deixar de aplicar-se ao processo penal, sob pena de se criar uma situação de desigualdade, consoante o pedido de indemnização for deduzido na instância cível ou na penal.
Nesta perspectiva, a fim de se acatar a vontade do legislador que aditou o dito número 3 ao artigo 400º do Código de Processo Penal, tem-se entendido maioritariamente na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça[2] que, a partir de 1 de Janeiro de 2008, quando o pedido cível tiver sido formulado no processo penal, cabe proceder a uma interpretação correctiva do número 2 do mesmo normativo no sentido de reconhecer que, sendo o mesmo omisso quanto à questão da dupla conforme, há que aplicar-se, nos termos do artigo 4º do Código de Processo Penal, o preceito do número 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil.
E isto porque, como bem se observa na decisão sumária de 10.01.2013, proferida no Processo nº 5067/07.8TDLSB.L1.S1, da 5ª Secção deste Supremo Tribunal, não se vislumbra qualquer razão para que, em relação a duas acções civis idênticas, haja diferentes graus de recurso apenas em função da natureza civil ou penal do processo usado, quando é certo que, neste último caso, a acção civil conserva a sua autonomia.
2.
No caso sub juditio, o pedido de indemnização civil aqui em causa (tal como o deduzido pelo Hospital Central ...) foi apresentado em 20.03.2008.
Assim, devendo considerar-se esta data como a do seu início, o processo em matéria cível não se encontrava pendente na ocasião (01.01.2008) em que entrou em vigor o Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, de onde aplicar-se-lhe a lei nova.
Assim, não ocorrendo qualquer das circunstâncias excepcionais previstas no artigo 721º-A do Código de Processo Civil, o recurso interposto para este Tribunal pela Companhia de Seguros ..., S.A não é admissível. Por essa razão não deveria ter sido admitido o recurso.
Porém, sabendo-se que a decisão que tenha admitido o recurso não vincula o tribunal superior (número 3 do artigo 414º do Código de Processo Penal), deve, ora, o mesmo recurso ser rejeitado, de harmonia com o disposto na alínea b) do número 1 do artigo 420º do referido diploma».
6.
6.1
Notificada desta decisão, a demandada Companhia de Seguros ..., S.A reclamou para a conferência, como lhe permite o estatuído no número 8 do artigo 417º do Código de Processo Penal, aduzindo os seguintes fundamentos:
«1. A douta Decisão Sumária veio considerar que o recurso interposto para este Venerando Tribunal pela ora Reclamante não é admissível, por entender que o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19 de Março de 2013 é irrecorrível.
2. Considerando que, não obstante o artigo 400º, nºs 2 e 3 do CPP estabelecer o regime de recurso da decisão relativa à indemnização civil, haverá que atender ao disposto no artigo 721º, nº 3 do Código de Processo Civil (redacção anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou em anexo o novo Código de Processo Civil) e, designadamente, ao sistema de dupla conforme aí consagrado.
3. Cumpre, no entanto, referir que o recurso interposto pela ora Reclamante para este Venerando Tribunal veio a ser admitido pelo Tribunal da Relação de Évora através do douto Despacho de admissão de fls. 1153 dos autos.
4. E, conforme decorre da própria Decisão Sumária, o Recorrido terá apresentado Resposta em que alegou, precisamente, a inadmissibilidade do recurso em face do disposto no artigo 721º, nº 3 do CPC, aplicável ex vi do artigo 4° do CPP.
5. A ora Reclamante FIDELIDADE não foi notificada da aludida Resposta, conforme impõe o disposto no artigo 413° nº 3 do CPP, o que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
6. A Decisão Sumária ora proferida constitui, assim, uma decisão surpresa, uma vez que a ora Reclamante não teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão da inadmissibilidade do recurso suscitada pelo Recorrido, o que constitui uma violação do princípio do contraditório, tal como se encontra consagrado no artigo 32º, nº5 da Constituição da República e artigo 3, nº 3 do CPC.
7. Em qualquer caso, diga-se que o artigo 400º, nºs 2 e 3 do CPP, salvo melhor opinião, estabelece um regime completo e autónomo quanto às condições de admissibilidade do recurso em processo penal da decisão relativa à indemnização civil estabelecendo como critérios relevantes para o efeito o valor da causa e a sucumbência,
8. Pelo que, não havendo qualquer lacuna a propósito das condições de admissibilidade do recurso em processo penal da decisão em matéria civil não é legítimo lançar mão do artigo 4º do CPP, de modo a aplicar, por analogia, as disposições estabelecidas para a admissibilidade do recurso de revista em processo civil e, particularmente, da regra respeitante à dupla conforme (artigo 721º, nº 3 do anterior CPC).
9. Por outro lado, diga-se que os presentes autos tiveram o seu início no ano de 2006 (conforme decorre do respectivo número de processo).
10. Ora, o pedido de indemnização civil, atento o princípio da adesão, não se apresenta como verdadeiramente autónomo em relação ao processo penal respectivo (cfr. artigo 71° do CPP), pois se assim fosse tramitaria em apenso e ter-lhe-ia sido atribuído um número de processo diferenciado.
11. Pelo que, salvo o devido respeito, não faz sentido dizer, como o faz a douta Decisão Sumária, que "o processo em matéria cível não se encontrava pendente na ocasião (01.01.2008) em que entrou em vigor o Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, de onde aplicar-se-‑lhe a lei nova",
12. Pois, o único processo existente é o processo penal, no âmbito do qual é formulado o respectivo pedido de indemnização civil.
13. Assim, tendo o presente processo penal sido iniciado no ano de 2006 (cfr. respectivo número de processo) e resultando do regime do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que o mesmo não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 11º do referido D. L na 303/2007), o aludido regime não poderia aplicar-se aos presentes autos.
14. Ainda que se entenda que o regime resultante do Decreto-Lei nº 303/2007,de 24 de Agosto e, particularmente, o artigo 721º nº 3 do anterior CPC, é de aplicar quanto à questão da admissibilidade do recurso em processo penal da decisão cível para este Venerando Tribunal, o que não se concede e se aduz por mero dever de patrocínio, diga-se que o recurso interposto pela ora Reclamante, sempre seria de admitir, pois.
15. Os fundamentos do recurso em causa assentam, no essencial, na ofensa de caso julgado (cfr. Conclusões I. a VIII, Conclusões IX. a XIII. e Conclusões XIV. a XIX), sendo que as restantes Conclusões XX a XXXXIV encontram-se directa ou indirectamente relacionadas com a circunstância do Acórdão recorrido (que manteve a decisão do Tribunal de 1a instância) ter violado o decidido neste mesmo processo pelo anterior Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Fevereiro de 2012, o qual havia determinado que se apurasse a matéria, tida como de "cabal importância, atenta uma das possíveis decisões de direito", respeitante à "eventual culpabilidade do demandante na ocorrência do embate, isto é, se o mesmo mergulhou em local não permitido, sem qualquer advertência visível, e surgiu à superfície de forma inopinada perante a arguida, ou não", o que "atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento" poderia e deveria ter sido feito.
16. De acordo com o disposto no artigo 678º, nº 2, alínea a), do CPC (aplicável ex vi artigo 4º do CPP) é sempre admissível recurso das decisões que ofendam o caso julgado.
17. Ora, tem vindo a ser entendido que as situações previstas nas diversas alíneas do referido nº 2 do artigo 678º (nas quais se inclui a decisão que ofenda o caso julgado) constituem excepções à regra da dupla conforme, uma vez que das mesmas "é sempre admissível recurso".
18.Assim, deve considerar-se admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões previstas nas alíneas a) a c) do n° 2 do artigo 678° do anterior CPC, mesmo quando se tenha verificado a dupla decisão conforme das instâncias (cfr. entendimento de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in Reflexões sobre a reforma dos recursos, págs. 17 e 18, texto de acesso livre em http://www.trc.ptldocs/confintmts.pdf).
19. No mesmo sentido, defendendo a prevalência do artigo 678º nº 2 alíneas a) a c) do anterior CPC sobre o regime que resulta do artigo 721º do mesmo diploma legal, refere ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto), Almedina, 2007, página 338:
"Assim, independentemente do valor da causa e da sucumbência, desde que seja invocada relativamente ao Acórdão da Relação a violação de regras de competência absoluta, a ofensa do caso julgado ou o desrespeito por jurisprudência uniformizadora, será de admitir recurso de revista fora do quadro normal previsto no artigo 721º nºs 1 e 3. É aliás, neste mesmo sentido, que se pronuncia José Brito do DGPJ, do Ministério da Justiça, no seu trabalho intitulado Notas soltas sobre a reforma do regime dos recursos em processo civil, na revista Scientia Juridica, nº 311, pág. 537."
(Sublinhado da ora Reclamante)
20. É precisamente este o entendimento que surge agora expressamente enunciado no artigo 671º, nº 3 do novo Código de Processo Civil (que corresponde ao anterior artigo 721º, nº 3 do CPC), que a propósito da regra da dupla conforme excepciona os "casos em que o recurso é sempre admissível".
21. Em face do exposto deverá admitir-se o recurso interposto pela ora Reclamante CC, por o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19 de Março de 2013 se mostrar recorrível em face dos fundamentos de recurso invocados (ofensa de caso julgado), atento o disposto nos artigos 678° nº 2 alínea a) e 721º, nºs 1 e 3 do anterior CPC (actuais artigos 629º, nº 2, alínea a) e 671º, nºs 1 e 3 do novo CPC)».
6.2
Notificado da reclamação apresentada pela demandada, o demandante BB respondeu, aduzindo, por um lado, que mesmo que a sua resposta (em que opinava no sentido da inadmissibilidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pela demandada) não tivesse sido notificada a esta, tal integraria uma mera irregularidade, que não influiria no mérito da decisão, uma vez que a demandada nunca teria o direito de contra-resposta, e reiterando, por outra via, a inadmissibilidade do recurso.
Vejamos então…
II.
Conhecendo, então, da reclamação:
II.1
1.
Como se referiu na decisão reclamada, pese embora o recurso interposto para este Supremo Tribunal tivesse sido admitido no Tribunal da Relação de Évora, certo é que, de acordo com o disposto no número 3 do artigo 414º do Código de Processo Penal, a decisão que tenha admitido o recurso não vincula o tribunal superior, no caso vertente o Supremo Tribunal de Justiça.
2.
E, como também se mencionou na decisão reclamada, é bem verdade que, na resposta que formulou às motivações do recurso que a demandada interpôs para este Supremo Tribunal, o demandante BB sustentou (entre o mais) que o recurso era inadmissível.
Resposta que se, de acordo com o disposto no número 3 do artigo 413º do Código de Processo Penal, deve, de facto, ser notificada aos sujeitos processuais por ela afectados, no caso em apreciação não foi notificada à demandada e aqui reclamante que, em face disso, conclui que a decisão reclamada constituiu uma “decisão surpresa” para si, uma vez que não teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão da inadmissibilidade do recurso, suscitada pelo demandante, o que viola o princípio do contraditório.
Sem razão, porém, entende assim a reclamante.
E, desde logo, porque do facto de os sujeitos processuais, afectados pela resposta formulada às motivações do recurso, deverem ser notificados não decorre que lhes seja conferido o direito de se pronunciar sobre o seu teor, bem pelo contrário, como resulta do citado artigo 413º e seguintes do Código de Processo Penal.
E depois porque, não cominando a lei com o vício de nulidade a omissão da referida notificação, tal poderá, quando muito, integrar uma mera irregularidade, sujeita ao regime de arguição e consequencial do artigo 123º e seguintes do Código de Processo Penal, e que, não afectando o acto praticado, no caso a decisão reclamada, se considera sanada.
Efectivamente, tratando-se de questão de conhecimento oficioso a atinente à recorribilidade (ou não) da decisão impugnada e com respeito à qual o relator sempre terá de pronunciar-se, nos termos do nº 6 do artigo 417º do Código de Processo Penal, ainda que o demandante não se tivesse pronunciado a respeito, sempre devendo o relator fazê-lo, a decisão reclamada não se revestiria de maior ou menor surpresa para a reclamante, tivesse esta sido notificada (ou não) da resposta do demandante.
Daí que, no caso vertente, a referida omissão, não sendo idónea a produzir o efeito que a reclamante lhe atribui, não determina violação do artigo 32º, número 5 da Constituição da República Portuguesa.
3.
Como se disse na decisão reclamada, ao invés do que se vinha entendendo no regime anterior às alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei nº 48/20007, de 24.08 [em que o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência, no seu assento nº 1/2002, de 14.03, no sentido de que «No regime do Código de Processo Penal vigente - nº2 do artigo 400º, na versão da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal»], com a entrada em vigor das alterações operadas ao Código de Processo Penal pela citada Lei nº 48/2007, maxime pelo aditamento do número 3 ao artigo 400º, ainda que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso na parte da sentença relativa à indemnização civil.
Alteração que, como se refere na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X, foi determinante pela necessidade de garantir o respeito pela igualdade.
Respeito pela igualdade que impõe, porém, que se acatem as regras do processo civil relativas à admissibilidade dos recursos como, a respeito de situações de dupla conforme, tem sido entendido por este Supremo Tribunal de Justiça[3].
E, como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil-Novo Regime, p.335), «a admissibilidade da revista estava unicamente dependente da verificação de uma situação de inconformismo perante o acórdão da Relação que tivesse decidido do mérito da causa. Desde que não houvesse condicionamentos ligados ao valor do processo ou do decaimento, ou outros avulsos, a parte vencida dispunha, em regra, da possibilidade de solicitar a intervenção do Supremo».
Contudo, como também se disse na decisão reclamada, com a revisão operada ao Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08 e que, entrada em vigor em 01.01.2008, se aplica aos processos iniciados após essa data, veio a estabelecer-se (nº 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil) que não é admitida a revista de acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, ainda que com diferente fundamento, a decisão proferida em 1ª instância.
Norma que, como ainda se disse na decisão reclamada, não pode deixar de aplicar-se, pelas razões ali invocadas, ao processo penal, no que concerne aos recursos que tenham por objecto a parte civil, contanto que os respectivos pedidos cíveis hajam sido formulados após 01.01.2008.
Efectivamente, se o legislador quis consagrar uma solução em que fossem iguais as possibilidades de recurso quanto à indemnização civil, no processo penal e no processo civil, e nada dizendo em contrário a lei do processo penal, há que aplicar neste a citada norma do número 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil, que condiciona o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos da Relação.
Para além de que a aplicação ao processo penal da dita norma do nº 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil ao processo penal não gera qualquer desarmonia do sistema.
Assim, tendo o sistema da “dupla conforme” entrado em vigor em 01.01.2008 e aplicando-se o mesmo aos processos iniciados após essa data, como resulta do disposto nos artigos 11º, número 1 e 12º, número 1 do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, ao presente pedido de indemnização civil, que foi apresentado em 20.03.2008, aplica-se a mesma legislação.
E isto porque, como tem sido decidido por este Supremo Tribunal, devendo considerar-se essa data como a do seu início, uma vez que o processo em matéria cível não estava pendente na ocasião em que entrou em vigor o mencionado diploma, aplica-se-lhe a lei nova.
Entendimento que se mantém inalterado, face ao novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06, e entrado em vigor em 01.09.2013, na medida em que estabelece o número 3 do seu artigo 671º (norma de conteúdo idêntico à do número 3 do citado artigo 721º) que sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.
Disposição legal que, por identidade de razões, é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados no processo penal, por força do disposto no aludido artigo 4º do Código de Processo Penal.
Daí, ter-se entendido, na decisão sumária, que era de rejeitar o recurso interposto pela demandada e ora reclamante Companhia de Seguros ..., S.A.
II.2
2.1
1.
Invoca, porém, a reclamante (confira-se ponto 15) que, ainda que se considere que o regime resultante do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, maxime a norma do número 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil, se aplica no caso vertente, o recurso sempre seria admissível, nos termos da alínea a) do número 2 do artigo 678º do mesmo diploma, uma vez que os fundamentos do recurso assentam, no essencial, na ofensa do caso julgado que, já suscitada nas alegações do recurso que, interpôs para a Relação da decisão proferida em 1ª Instância, reiterou nas motivações do recurso que interpôs para este Supremo Tribunal.
Ofensa do caso julgado, no entender do reclamante, decorrente: i) de, na segunda sentença do tribunal de 1ª Instância, se ter procedido à supressão do ponto l) dos factos dados como não provados na primeira decisão final proferida por aquele tribunal [facto que consistia no seguinte: «o descrito em 11 a 26 e 29 a 30 dos factos provados é consequência da conduta da arguida»]; ii) de o tribunal de 1ª Instância não se ter pronunciado sobre os aspectos que motivaram a nulidade da anterior decisão, vindo, com base nos mesmos factos que haviam sido dados como provados na sentença de 26.11.2010, a concluir pela inexistência de responsabilidade da demandada AA na produção do acidente; iii) da circunstância de, não havendo o Hospital Central ... interposto recurso da primeira sentença, ter a demandada sido condenada, na 2ª sentença, a pagar-lhe a quantia de € 2.516,21.
Questões que, como já se referiu, a reclamante, considerando integrarem a nulidade prevista na alínea c) do número 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, submeteu à apreciação do Tribunal da Relação de Évora, que, no seu acórdão de 19.03.2013 (o acórdão recorrido), delas conhecendo, pronunciou-se, no que releva para o caso, nos seguintes moldes:
«Estribando-se, pois, em alegado caso julgado, a recorrente defende que o tribunal, ao ter eliminado o ponto 1) da matéria de facto dada como não provada, que constava da anterior sentença proferida, não acatou a apreciação feita pelo acórdão desta Relação que se lhe seguiu.
Na verdade, resulta da sentença agora em análise, na respectiva motivação da decisão de facto, alusão à supressão desse ponto 1) da matéria então dada por não provada ("o descrito em 11 a 26 e 29 e 30 dos factos provados é consequência da conduta da arguida"), sobre o qual a recorrente preconiza que, através daquele acórdão da Relação, se esgotou o poder de vir a ser reapreciada, como foi, em sentido diverso.
Traz à colação a noção de caso julgado, que, embora não expressamente prevista no CPP, se impõe claramente na decorrência do princípio "ne bis id idem", consagrado no art. 29.°, n.° 5, da Constituição da República (CRP), comportando a dimensão subjectiva de garante ao cidadão de que não será julgado mais do que uma vez pelos mesmos factos e a vertente objectiva de que o legislador conformará o direito processual com essa exigência.
Conforme Eduardo Correia, in "A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz", Almedina, 1983, pág. 302, o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim, o que está na base do instituto.
Aplicando subsidiariamente as regras do processo civil que se harmonizam com o processo penal (art. 4.° do CPP), haverá lugar a caso julgado quando o objecto de decisão, dentro dos seus limites objectivos e subjectivos, já tenha sido antes apreciado e por decisão que não admita recurso ordinário, nos termos dos arts. 497.°, n.° 1, e 498.° do Código de Processo Civil (CPC).
Tem, assim, subjacente, no que ora interessa, a previsão dos arts. 666.°, n.° 1, 671.°, n.° 1, 673.° e 677° do CPC, "ex vi" mesmo art. 4.° do CPP, relativamente a questões já apreciadas e, assim, produzidos sobre elas os efeitos de se ter esgotado o poder jurisdicional.
Tal como a recorrente refere, o acórdão desta Relação apreciou a então suscitada contradição insanável entre os pontos provados em 4. a 30. e os pontos não provados em g) e 1), tendo concluído não existir contradição alguma.
Quedou-se nessa apreciação ao âmbito limitado do art. 410.°, n.° 2, do CPP, enquanto conhecimento, aliás, oficioso, de eventuais vícios da decisão, vindo, depois, a configurar a nulidade da sentença por não se mostrar devidamente esclarecida quanto à culpabilidade do demandante na ocorrência do embate (fls. 823/824).
É manifesto que, desta decisão, não resulta que esse referido ponto não provado em 1), não obstante tenha sido incluído nessa vertente da alegada contradição, se devesse manter inalterado, na medida em que, para tanto, necessário seria que tivesse procedido a uma reapreciação de facto, eventualmente mais alargada e não restrita a vícios da decisão, em conformidade com a faculdade de modificação à luz do art. 431.° do CPP.
Não decorre, pois, que sobre esse ponto, ou qualquer outro, a decisão estivesse coberta pela força de caso julgado, pelo que à recorrente, nesta parte, não assiste razão, já que a sentença agora recorrida conheceu de questão não analisada nesse acórdão da Relação.
Por seu lado, invoca que a sentença não se pronunciou sobre os aspectos que motivaram a nulidade da anterior sentença, mais uma vez com apelo a esse acórdão, ao mencionar este que não se vislumbra com clareza qual a eventual culpabilidade do demandante na ocorrência do embate, isto é, se o mesmo mergulhou em local não permitido, sem qualquer advertência visível, e surgiu à superfície de forma inopinada perante a arguida, ou não.
Ora, compulsada a sentença, verifica-se que, no essencial, da conjugação entre os pontos provados em 1., 2., 4., 8., 9. e 10 e os pontos não provados em a), c), d), g), h), i), j) e k), se retiram as conclusões acerca desses aportados aspectos, que ficaram dissecados na fundamentação que mereceram, de forma inteligível, independentemente da discordância da recorrente quanto à bondade da mesma.
Não se descortina que o tribunal tivesse descurado a necessidade de avaliação desses aspectos, mediante a qual extrairia as consequências ao nível da culpabilidade do demandante.
Assim o fez, pelo que inexiste nulidade.
Ainda, vem a recorrente alegar que, na parte atinente à condenação ao pagamento de quantia ao Hospital Central ..., porque na anterior sentença houve lugar a absolvição nesse âmbito e sem que essa entidade tivesse interposto recurso, não poderia agora ter-se entendido de outro modo.
Acrescenta que não é a circunstância da sentença anterior ter sido anulada que obsta a que, nessa parte, tenha transitado em julgado.
Sobre esta matéria, em concreto, naturalmente o acórdão desta Relação não se pronunciou, pois, na verdade, o referido hospital não interpôs recurso e, da decisão proferida, nenhuma consequência se poderia extrair para suportar essa condenação.
De qualquer modo, a sentença em causa, tendo sido cominada com a nulidade nos termos descritos, só transitou relativamente a questões que esta Relação expressamente tenha apreciado e não a outras, que impeçam que a prolação da nova sentença venha a merecer diferente tratamento do anteriormente decidido, além do mais, sabendo-se que, no caso, a matéria de facto não ficou, através do acórdão em via de recurso, considerada como fixada (sobre isso não se pronunciou) e que, como tal, a limitação dos efeitos dessa nulidade não obstavam (e até impunham) a que se extraíssem as devidas consequências relativamente a toda a nova decisão agora proferida.
Também, aqui, não há qualquer nulidade que inquine a sentença».
Estas as considerações tecidas pelo tribunal recorrido a respeito das mencionadas questões que, suscitadas pela recorrente e ora reclamante, suportariam, no seu entender, a alegada violação do caso julgado, excepção que, prevista na referida alínea a) do número 2 do artigo 678º do Código de Processo Civil de 1961 (ou na alínea a) do número 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil de 2013, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06), obstando à verificação dos efeitos decorrentes da dupla conforme, viabilizaria o recurso para este Supremo Tribunal.
Vejamos, então, se lhe assiste razão…
2.
Como se sabe, constituindo o instituto do caso julgado uma excepção dilatória [artigo 494º, número 1, alínea i) do Código de Processo Civil de 1961 ou artigo 577º, alínea i) do Código de Processo Civil de 2013, em vigor], visa-se com o mesmo obstar a que o tribunal seja colocado na contingência de contradizer uma decisão anterior.
E como também não se ignora, no processo penal [a que, na falta de normas próprias, se aplicam, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, as normas do processo civil, por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal], o caso julgado constitui o corolário do princípio ne bis idem, consagrado no número 5 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
No caso sub juditio, a problemática atinente à alegada violação do caso julgado vem suscitada no âmbito de um processo crime em que foram deduzidos pedidos de indemnização civil.
E, sendo certo que na ocasião em que a demandada interpôs recurso para este Supremo Tribunal apenas encontrava-se pendente a parte civil, não deixa de ser também verdade que quando a Relação declarou, por acórdão de 28.02.2012, a nulidade da sentença de 26.11.2010 do tribunal de 1ª Instância, tal ocorreu no âmbito da apreciação de um recurso de natureza penal, logo ao abrigo das normas processuais penais aplicáveis, maxime dos artigos 379º, número 1, alínea c) e 410º, número 3 do Código de Processo Penal, que estatuem, respectivamente, que:
«É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»;
«O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade, que não deva considerar-se sanada».
3.
Do que se acabou de referir e bem assim do que mais para trás se anotou, decorre, então, que a anulação daquela primeira sentença (a de 26.11.2010) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro ficou a dever-se à ajuizada falta de pronúncia por parte do mesmo tribunal sobre questão que o Tribunal da Relação entendeu que devia e podia apreciar, tal seja a reportada à eventual responsabilidade do demandante na produção do embate, designadamente se o mesmo mergulhara em local não permitido, sem qualquer advertência visível, e surgira à superfície de forma inopinada perante arguida, ou não.
Esclarecimento que, impondo, por força, uma reflexão sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito quanto a essa concreta situação por parte do tribunal de 1ª Instância, o Tribunal da Relação determinou-lhe que a ela procedesse, ao abrigo das normas processuais aplicáveis [no caso, as normas dos citados artigos 379º, número 1, alínea c) e 410º, número 3 do Código de Processo Penal, o que bem se compreende tendo em conta que, à data, o processo ainda mantinha a sua natureza criminal].
Daí que a abordagem sobre a alegada violação do caso julgado tenha de ser feita enfrentando a questão sob uma dupla perspectiva: criminal e cível.
Posto isto…
A.
E, no que concerne à supressão, na sentença de 11.07.2012 (a segunda sentença) do ponto l) dos factos dados como não provados, é bem verdade que o Tribunal da Relação, no seu acórdão de 28.02.2012 (o primeiro acórdão), pronunciando-se sobre a questão, aliás de conhecimento oficioso, que, colocada à sua apreciação, se prendia com a invocada contradição insanável entre o apurado nos pontos 4 a 30 e o não provado nos pontos g) e l) da fundamentação de facto vertida na dita sentença de 26.11.2010 (a primeira) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, concluiu tão-só no sentido de que não se verificava a aludida contradição.
Quedou-se, pois, essa sua apreciação ao restrito âmbito do artigo 410º, número 2, logo fora do âmbito mais alargado da reapreciação da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 431º do Código de Processo Penal, situação que, a ter-se verificado, tornaria inalterável a matéria de facto que fosse fixada pelo tribunal de recurso.
Quer isto dizer que, tendo a Relação limitado a sua pronúncia à verificação ou não do vício a que alude a alínea b) do número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, apenas e tão-‑só na exacta dimensão em que apreciou e se pronunciou sobre a dita questão formou-se caso julgado, o que significa que quer à primeira instância quer à Relação ficou vedada a possibilidade de, nas decisões que proferissem posteriormente, viessem a considerar que existia contradição entre os mencionados factos dados como provados e não provados…mas, não mais do que isso!
Vai daí que, não tendo, como se viu, a Relação, naquela sua decisão de 28.02.2012, conhecido do recurso sobre matéria de facto nos termos alargados do disposto no artigo 431º do Código de Processo Penal, a matéria de facto dada antes como provada (salvo naquele apertado segmento) não ficou coberta pela imutabilidade do caso julgado, nem quanto a ela se esgotou o poder jurisdicional.
De resto, se não fosse assim, mal se compreenderia que, por via da ocorrência de um outro vício (também ele relacionado ainda com a matéria de facto), o tribunal recorrido tivesse anulado a decisão proferida em 1ª Instância a fim de se apurar da eventual responsabilidade do demandante na produção do embate.
Na verdade, se às instâncias estivesse vedado alterar a matéria de facto, porquê anular a decisão?
E se as coisas assim acontecem no âmbito do processo penal, algo de semelhante sucede ao nível do processo civil.
De facto, como bem se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem ido maioritariamente no sentido de que quando a Relação anula a decisão da matéria de facto, alegadamente julgada de forma contraditória com outros factos apurados e determina a repetição do julgamento, o caso julgado forma-se apenas quanto à decisão de mandar apurar a matéria de facto em causa, e já não quanto aos demais factos apurados e que, não abrangidos pela decisão, podem ser alterados em posterior decisão, de uma nova apelação interposta de ulterior sentença[4], o que bem se compreende, sob pena de a perfeição da nova decisão poder ficar comprometida, desde logo por via da possibilidade de ocorrer contradição entre a facticidade nela apurada e na apurada na anterior decisão.
Carece, assim, de razão o recorrente quanto a este segmento da sua alegação.
B.
Depois, quanto ao segundo segmento, atinente à omissão de pronúncia pelo tribunal de 1ª Instância, na segunda sentença (a de 11.07.2012), sobre os aspectos que estiveram na origem da anulação da sua sentença de 26.11.2010, designadamente quanto à eventual culpabilidade do demandante na ocorrência do embate, isto é se o mesmo mergulhou em local não permitido, sem qualquer advertência visível, e surgiu à superfície de forma inopinada perante a arguida, ou não.
Efectivamente, é bem patente que a sentença de 11.07.2012 pronunciou-se sobre a aludida questão.
É o que, com meridiana nitidez, resulta da fundamentação, onde se consignou (confira-se folhas 888 a 889) que:
«Da matéria de facto dada como provada não resulta que a demandada AA tenha praticado um facto ilícito, culposo e causal aos danos sofridos pelo demandante BB, dado que não se apurou o local exacto do embate e se a mesma desrespeitou a distância de segurança (cf. referido na parte criminal). Assim sendo, pela via da culpa efectiva, não pode a arguida demandada ser responsabilizada pela produção do acidente. Pelas mesmas razões, isto é, por se não ter apurado o local exacto do embate, também não se pode afirmar que o demandante teve culpa na produção do acidente, pois o facto de o mesmo estar a superfície no momento do embate não constitui a prática de qualquer ilícito na ausência de conhecimento do local onde mesmo se encontrava à superfície. Assim sendo, e ao contrário do sustentado pela demandada seguradora, não tem aqui aplicação do n.º 1, do artigo 570°, do Código Civil.
Com isto estamos em crer que fica afastado o vício apontado pelo Tribunal da Relação de Évora no que se refere à indagação da culpa do demandante na produção do acidente».
Na realidade, considerando a matéria de facto dada como provada e não provada e bem assim a respectiva fundamentação, constata-se que aí foram avaliados os aspectos assinalados no acórdão de 28.02.2012 (o primeiro) da Relação de Évora que, com a abordagem que a eles foi feita e o tratamento que mereceram ao tribunal de 1ª Instância, entendeu que o tribunal não descurou a necessidade de avaliar os aludidos aspectos e extrair as devidas consequências ao nível da culpabilidade do demandante.
É verdade que, na sua generalidade, os factos dados como provados e não provados são os mesmos que haviam sido considerados na sentença de 26.11.2010 (a primeira), o que facilmente se entende por o tribunal não ter conseguido apurar outros factos (nomeadamente, o local exacto do embate, se o demandante desrespeitou a distância de segurança).
Porém, tal não permite concluir que o tribunal não ponderou de facto e de direito, em conformidade com o que lhe havia sido determinado pela Relação, que, como visto, considerou que aquele tinha tido em devida conta a finalidade visada com a anulação da primeira sentença.
Poderá a demandada discordar do sentido da decisão, mas daí até concluir que o tribunal incorreu em violação do caso julgado vai, de facto, uma enorme distância, não coadunável com a realidade que emerge da mesma decisão!
Por via disto, não assiste, ainda neste segmento, razão à reclamante.
C.
Finalmente, quanto ao terceiro segmento, reportado à circunstância de, não havendo o Hospital Central ... interposto recurso da primeira sentença que julgou improcedente o pedido cível que havia formulado, na segunda sentença, e na procedência parcial do referido pedido cível, ter a demandada sido condenada a pagar-lhe a quantia de € 2.561,21.
Como se viu, o pedido de indemnização cível em causa foi, de acordo com o princípio de adesão (artigo 71º do Código de Processo Penal), formulado, no processo penal, pelo Hospital Central ... que, enquanto demandante civil, deduziu um pedido distinto dos demais lesados, de onde que a sua presença na lide não foi imposta por lei ou pela natureza da relação jurídica em causa.
Quer isto dizer que entre o demandante Hospital Central ... e os demandantes cíveis não existe uma relação de litisconsórcio necessário (no caso, activo), nos termos do artigo 28º do Código de Processo Civil de 1961 (ou do artigo 33º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06).
Ora, em casos desta natureza, em que a situação de pluralidade de partes é diversa da de litisconsórcio necessário (como sucede nos casos de litisconsórcio voluntário ou de coligação),tratando-se de recurso, a regra é que o mesmo só aproveita àquele que o interpôs.
Regra que é afastada nas situações de extensão do recurso aos compartes não recorrentes, previstas no artigo 683º do Código de Processo Civil de 1961 (ou na norma de conteúdo equivalente do artigo 634º do novo Código de Processo Civil), que dispõe:
«1 - O recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário.
2 - Fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros:
a) Se estes, na parte em que o interesse seja comum, derem a sua adesão ao recurso;
b) Se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente;
c) Se tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente.
3 - A adesão ao recurso pode ter lugar, por meio de requerimento ou de subscrição das alegações do recorrente, até ao início do prazo referido no n.º 1 do artigo 657.º.
4 - Com o ato de adesão, o interessado faz sua a actividade já exercida pelo recorrente e a que este vier a exercer; mas é lícito ao aderente passar, em qualquer momento, à posição de recorrente principal, mediante o exercício de actividade própria; e se o recorrente desistir, deve ser notificado da desistência para que possa seguir com o recurso como recorrente principal.
5 - O litisconsorte necessário, bem como o comparte que se encontre na situação das alíneas b) ou c) do n.º 2, podem assumir em qualquer momento a posição de recorrente principal».
No caso em apreço, se é verdade que o Hospital Central ... não impugnou a decisão de 26.11.2010, que julgou improcedente o pedido cível que deduziu contra Companhia de Seguros CC, S.A e AA, não deixa de ser igualmente certo que não se mostra preenchida uma qualquer daquelas hipóteses de extensão do recurso aos compartes não recorrentes.
Ora, a ser assim, por via do disposto no número 4 do artigo 684º do Código de Processo Civil de 1961 (ou no número 5 do artigo 635º do novo Código de Processo Civil) − que estatui que “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo” –, os efeitos decorrentes da anulação da aludida sentença de 26.11.2010 não afectam os efeitos do caso julgado que se formou quanto à parte não recorrida[5], no caso a parte que julgou improcedente o pedido cível formulado pelo Hospital Central ....
2.2
Verificando-se, pois, a excepção prevista no último segmento da alínea a) do número 2 do artigo 678º do Código de Processo Civil de 1961 (ou 629º do novo Código de Processo Civil) – apenas na parte relativa à condenação, por sentença de 11.07.2012 do Tribunal Judicial de Faro, confirmada pelo acórdão de 19.03.2013 do Tribunal da Relação de Évora, da demandada Companhia de Seguros ..., S.A no pagamento da quantia de € 2.561,21 ao demandante Hospital Central ... − , haverá que reconhecer que, nessa parte, a decisão é recorrível, e, como assim, considerar que, na mesma parte, o recurso é admissível.
III.
Passando, então, a apreciar o recurso (artigo 417º, número 10 do Código de Processo Penal) naquele mencionado segmento, impõe-se considerar que a decisão de 26.11.2010 (o que vale por dizer a sentença do Tribunal Judicial de Faro que absolveu a demandada Companhia de Seguros ..., S.A do pedido cível formulado pelo demandante Hospital Central ...) formou caso julgado (artigo 497º, número 1 do Código de Processo Civil de 1961 ou artigo 580º, número 1 do novo Código de Processo Civil), o qual configura uma excepção [artigo 494º, alínea i) do Código de Processo Civil de 1961 ou artigo 577º, alínea i) do novo Código de Processo Civil].
Excepção que, como visto, determina, no referenciado segmento, a absolvição da demandada da instância (artigo 493º, número 2 do Código de Processo Civil de 1961 ou 576ª, número 2 do novo Código de Processo Civil).
IV. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, no parcial provimento da reclamação, em admitir o recurso no que concerne à violação do caso julgado e, conhecendo do recurso na aludida parte, julgar o mesmo procedente, absolvendo-se a demandada da instância quanto ao pedido cível formulado pelo Hospital Central ....
Custas na proporção do decaimento.
Lisboa, 26 de Junho de 2014
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[1] Confira-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, p. 1049.
[2] De conferir, entre outras as decisões do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2013, Processo nº 5060/07.8TDLS.L1.S1; de 02.05.2013, Processo nº 65/07.4GBTMC.P1.S1; de 29.09.2010, Processo nº 343/05.7TAVFN; de 22.06.2011, Processo nº 444/06.4TASEI; de 30.11.2011, Processo nº 401/06.0GTSTR e de 15.12.2011, Processo nº 53/04.2IDAVR.
[3] Assim, entre outros, os acórdãos de 29.09.2010, Processo nº 343/05.7TAVFN; de 22.06.2011, Processo nº 444/06.4TASEI; de 11.04.2012, Processo nº 3989/07.5TDLSB; de16.01.2014, Processo nº 93/08.2GCMBR.P1.S1, 5ª Secção.
[4] Assim, entre outros, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 08.02.2011, Revista nº 536/03.1TVLSB.L1.S1.
[5] Assim, o acórdão de 13.10.2009, Revista nº 2774/06,6TBGDM.P1.S1.