I. Decorre do art. 417º, nº1, do Código Civil que o obrigado à preferência tem direito a vender a coisa sobre que incide um direito de preferência conjuntamente com outras e por um preço global; neste caso o titular/preferente não interessado na opção pela aquisição do conjunto a vender pode exercer o seu direito pelo preço que proporcionalmente for atribuído; o obrigado à preferência só pode opor-se a esta pretensão de “divisão proporcional do preço”, exigindo que a preferência incida sobre as coisas restantes “se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável”.
II. Quando o preferente acede a exercer o seu direito sobre o conjunto de coisas a alienar – art. 417º do Código Civil – vê estendido o seu original direito de preferência, direito esse que pode exercer facultativamente. O direito a exercer a preferência pelo preço proporcional pode ser paralisado pela invocação/exigência dos obrigados à preferência de que a venda seja global, porque a venda parcelar e o inerente preço proporcional, lhe causam prejuízo apreciável, não sendo as coisas pretendidas vender separáveis; a lei visa a protecção do interesse económico do vendedor.
III. Não aceitando o preferente a aquisição conjunta de bens comunicada pelo obrigado à preferência, além daquele sobre que recai o seu direito, não estando o obrigado à preferência vinculado a discriminar o preço de cada coisa integrante do conjunto, assiste ao preferente parcelar, mesmo em caso de notificação extrajudicial, requerer arbitramento judicial para determinar o valor proporcional e assim exercer o direito de prelação, não sendo de afastar por analogia a aplicação do regime jurídico do art.1459º (preferência limitada) do Código de Processo Civil e o recurso à acção de suprimento prevista no art. 1429.º daquele diploma.
IV. A menção discriminada dos preços dos imóveis vendidos em conjunto, constante da escritura pública de compra e venda resulta, obrigatoriamente, do art. 63º do Código do Notariado que impõe que nos actos sujeitos a registo predial, a indicação “do valor de cada prédio, da parte indivisa ou do direito a que o acto respeitar”.
V. Tal menção não evidencia qualquer comportamento menos leal dos vendedores, nem empresta ao recorrente termo a quo para evitar a caducidade da acção de preferência – art. 1410º, nº1, do Código Civil.
Proc.599/11.6TVPRT.P2.S1
R-454[1]
Revista
Banco AA, S.A., propôs, em 16.8.2011, nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, com distribuição à 3ª Vara, acção declarativa de condenação na forma ordinária, contra:
BB
CC, e;
DD, Lda.
Pedindo, que a final, que sejam os RR. condenados a reconhecer o seu direito de preferência na aquisição do prédio urbano sito no …, n.º …, e Rua …, nºs …, …, …, … e …, da freguesia de ... – Porto, ordenando-se a substituição da 3.ª Ré na titularidade e posse do aludido prédio (com o consequente cancelamento do registo a favor da mesma Ré).
Para tal invocou o Banco Autor, no essencial, ser inquilino, mediante contrato de arrendamento celebrado a 2.05.1967 entre os então proprietários EE e BB e o então “Banco FF, SARL” – doc. 1 – sendo certo que aos aludidos proprietários vieram a suceder as ora 1.ª e 2.ª RR. e, mediante várias operações de fusão, enquanto inquilino, veio a suceder o Banco aqui Autor.
Acresce que, por carta datada de 3.03.2010, as ditas RR. informaram o Autor da existência de uma proposta de compra, pelo valor de € 4. 000.000, 00, para um conjunto de prédios, onde se incluía o já referido locado, na sequência do que o aqui Autor solicitou às mesmas RR. um conjunto de informações relevantes para a sua decisão de preferir ou não, informações essas que, não obstante a existência de várias missivas, vieram apenas a ser prestadas por carta datada de 8.04.2010, sendo certo, no entanto, que, mesmo nesta última missiva, as RR. se escusaram a informar do valor do imóvel arrendado pelo ora Autor, vindo, após, a informar que “nunca venderiam os prédios senão em conjunto” – doc. 8.
Nesta sequência, e porque o prédio de que é arrendatário é autónomo em relação aos demais, o aqui Autor, por carta datada de 3.05.2010, informou/comunicou às aludidas RR. a sua intenção de não exercer a preferência para a aquisição da totalidade dos prédios, mas apenas quanto ao prédio de que é arrendatário e logo que tivesse conhecimento do valor pelo qual o mesmo iria ser vendido – doc. 9.
Nesta sequência, vieram então as mesmas RR. insistir pelo exercício da preferência pela totalidade dos prédios (não obstante saberem que o Autor nela não estava interessado), ao mesmo tempo que invocavam um suposto prejuízo apreciável na venda em separado do imóvel de que o Autor é arrendatário – doc. 10 – o que o aqui Autor recusou mediante carta de 15.07.2010 – doc. 11.
Posteriormente, vieram já as aludidas RR., por carta datada de 21.02.2011, recebida a 22.02.2011, notificar o Autor de terem elas consumado a venda projectada e de o prédio de que o mesmo é arrendatário foi transmitido à aqui 3.ª Ré, juntando, ainda, cópia da aludida escritura de compra e venda – docs. 12 e 13 – vindo então ao seu conhecimento de que o imóvel de que é arrendatário foi alienado pelo preço de € 1. 000, 000, 00.
A Ré “DD, Lda.” veio contestar, salientando, no essencial, e no que aqui importa, que a compra por si efectuada foi relativa ao conjunto dos prédios e por um preço global, sendo certo que em fase alguma da celebração do negócio foi proposto ou sequer discutido um qualquer valor específico e individual para o imóvel de que o Banco é arrendatário.
Desta forma, em seu entender, a comunicação das 1.ª e 2.ª RR. não tinha que discriminar os preços de cada um dos prédios porque tais valores discriminados nunca foram discutidos e não foram objecto do negócio em apreço.
Assim, em seu entender, tendo sido dados a conhecer todos os elementos relevantes para a sua decisão de preferir (ou não) e não tendo este efectuado essa opção no prazo de 8 dias (art.º 416.º, n.º 2 do Código Civil), nem se tendo socorrido da acção “de suprimento” prevista no art. 1429º do Código de Processo Civil, “ex vi” do art.º 1459.º do Código de Processo Civil, o direito de preferência invocado pelo Autor mostra-se extinto por caducidade.
Por outro lado, ainda, salientou a dita Ré que, conforme expressamente resulta da escritura de compra e venda dos imóveis em apreço, os montantes parcelares ali atribuídos aos vários prédios apenas o foram “para efeito de pagamento de impostos inerentes à transacção (IMT e selo), e para preenchimento de dados estatísticos a fornecer pela notária à Estatística Nacional”.
As RR. BB e CC contestaram, invocando, no essencial, os mesmos argumentos invocados pela 3.ª Ré (antes referidos), sustentando a alegada caducidade do direito de preferência invocado pelo Autor, por lhe terem dado a conhecer todos os elementos necessários e essenciais para que este tomasse a sua decisão e este não só não ter exercido o direito de opção, no prazo de oito dias previsto no art.º 416.º, n.º 2, do Código Civil, como, ainda, não ter feito instaurar a presente acção no prazo previsto no art.º 1410.º, n.º1, do Código de Processo Civil.
O Banco Autor veio responder às aludidas contestações e, respondendo à matéria de excepção, pugnou pela sua improcedência, refutando a argumentação exposta pelos ditos RR.
A fls. 269, veio o Banco Autor informar/esclarecer que não fez ele instaurar o procedimento judicial previsto no art.º 1459.º do Código de Processo Civil, por entender que o mesmo apenas seria obrigatório se a notificação para preferência tivesse assumido a forma prevista no art.º 1458.º do Código de Processo Civil, e, ademais, porque as 1.ª e 2.ª RR. nunca o informaram do valor individual do imóvel de que é arrendatário.
***
Foi proferido despacho saneador-sentença (fls. 429 a 446) que decidiu:
“ (…) E assim sendo, à luz de todo o antes exposto, julga-se procedente e provada a excepção (peremptória) de caducidade invocada pelos RR. – art.º 416.º, n.º 2 do Código Civil –, absolvendo estes últimos dos pedidos contra os mesmos formulados.
(…)”.
O Autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 25.11.2013 – fls. 679 a 690 –, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Irresignado, mais uma vez, o Autor recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça – revista excepcional – que foi admitida por Acórdão de 31.3.2014 – fls. 916 a 923 – tirado pela Formação de Julgadores a que alude o art. 672º, nº3 do vigente Código de Processo Civil.
Nas alegações o Autor formulou as seguintes conclusões:
A) Existem grandes divergências, na doutrina e na jurisprudência, sobre a validade da notificação para exercer o direito de preferência na venda de bem objecto da preferência em conjunto com outros bens sem indicar o valor proporcional daquele bem objecto da preferência.
B) Também sobre a questão de saber se, na notificação extrajudicial para exercer a preferência, é aplicável o disposto no artigo 1459º do Código de Processo Civil, sendo o preferente obrigado a utilizar o procedimento previsto neste preceito legal, existem divergências na doutrina e na jurisprudência.
D) Só, desta forma, se pode evitar que os vários tribunais, eventualmente chamados a decidir sobre estas questões o venham a fazer de forma diversa com os consequentes prejuízos para a segurança da vida jurídica;
E) Por estas razões, deve ser aceite este recurso de revista excepcional nos termos do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 672º do Código de Processo Civil.
F) Aliás, este recurso deve também ser aceite nos termos do disposto na alínea c) daquele preceito porque existem acórdãos contraditórios (o de 2.2.1988 e o de 16.3.2011, ambos do Supremo Tribunal de Justiça) sobre a questão de saber se é necessário indicar o preço proporcional do bem objecto da preferência.
G) O Autor, ora recorrente, exerceu claramente o seu direito de preferência sobre o prédio de que é arrendatário, expressando bem a sua vontade de que não pretendia preferir na venda conjunta mas queria exercer o seu direito sobre aquele e prédio.
H) As 1ª e 2ªs Rés, ao notificar o Autor, ora recorrente, por via extrajudicial sem indicar o preço proporcional do prédio objecto do direito de preferência do Autor, omitiram um elemento essencial da notificação pelo que esta não pode ser como validamente efectuada.
I) O Autor, ora recorrente, propôs a acção de preferência antes de decorridos seis meses sobre a data em que teve conhecimento do valor atribuído ao prédio de que é arrendatário, o qual só podem ser considerado fixado no dia em que recebeu a cópia da escritura de compra e venda.
J) O artigo 1459º do Código de Processo Civil não se pode aplicar, por analogia, aos casos em que a notificação é feita extrajudicialmente porque são manifestamente diferentes os regimes da venda de bens em conjunto por preço global conforme a notificação é judicial ou extrajudicial.
K) A falta de discriminação do preço proporcional do prédio de que o Autor, ora recorrente é arrendatário, não só torna a notificação inválida por falta de indicação deste elemento essencial como inviabiliza qualquer negociação sobre o referido preço.
L) A aplicação do princípio da escolha da solução adequada afasta que se imponha ao preferente o recurso a uma acção de preferência sem saber o preço do bem sobre que vai preferir e, consequentemente, a propor uma acção de arbitramento para fixação desse valor.
M) A decisão em recurso violou os arts. 416º e 417º do Código Civil, bem como os arts. 496º e 1459º do Código de Processo Civil.
Termos em que, deve o presente recurso de revista excepcional ser aceite e a decisão sob recurso ser revogada considerando-se como não provada e improcedente a excepção peremptória de caducidade e ordenando-se o prosseguimento dos autos.
As recorridas contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade da revista excepcional, e se admitida, pela confirmação do Acórdão.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:
I) - O Autor é inquilino do prédio urbano sito no … na …, nº… e Rua …, n.º…, …, …, … e …, freguesia de ..., concelho do Porto, inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ….
II) – Qualidade de inquilino que lhe advém do contrato de arrendamento celebrado em 02/05/1967, entre os então proprietários, EE e BB, e o “Banco FF, S.A.R.L.”, conforme cópia do contrato arrendamento junto a fls. 14-22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
III) – Aos proprietários antes referidos vieram a suceder as Rés, BB e CC, tendo ao então inquilino e após várias operações de fusão vindo a suceder o aqui Autor.
IV) – Por carta datada de 03.03.2010, e recebida pelo Autor a 5.3.2010, as 1.ª e 2.ªs RR. informaram o Banco Autor que tinham uma proposta de compra, pelo valor de € 4.000.000,00, para um conjunto de prédios onde se incluía o prédio acima identificado, em que se identificavam os arrendatários dos ditos prédios e se fazia referência ao seu direito de preferência – cfr. cópia de carta a fls. 23 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
V) - A esta carta, com vista à avaliação do seu interesse no eventual exercício do direito de preferência, veio o Autor a responder por carta datada de 05.03.2010 solicitando os seguintes esclarecimentos:
1. Informação sobre o projecto de venda com indicação da entidade compradora e quais as condições que tenham sido acordadas, no âmbito do referido projecto de venda proposto;
2. Indicação das condições de pagamento para o negócio;
3. Disponibilização dos contratos de arrendamento em vigor com as entidades enunciadas na carta anterior;
4. Indicação do valor actual das rendas para os contratos de arrendamento em vigor;
5. Comprovativo que o bem será vendido livre de ónus ou encargos com excepção dos supra referidos arrendamentos, conforme cópia de carta a fls. 24 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
VI) – A esta carta do Autor, as 1.ª e 2.ªs Rés responderam por carta datada de 22.03.2010, recebida pelo Autor a 25.03.2010, onde constava a identificação dos arrendatários dos prédios em causa e respectivas rendas mensais pagas por tais arrendatários, nada respondendo em relação aos restantes pedidos, conforme cópia de carta a fls. 25-26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
XV) – Esta última carta do Autor não mereceu resposta por parte das 1.ª e 2.ªs Rés, tendo estas, por carta datada de 21.02.2011, recebida em 22.02.2011, notificado aquele de que o imóvel de que é arrendatário havia sido alienado à sociedade “DD, Lda.”, tendo junto cópia da respectiva escritura de compra e venda – cfr. cópia de carta e de escritura a fls. 34 e 36-42, respectivamente.
XVI) – O Banco Autor não fez instaurar o procedimento judicial previsto no art. 1459.º do Código de Processo Civil.
XVII) – A presente acção foi proposta a 16.08.2011 – cfr. fls. 49 dos autos.
Fundamentação:
Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:
- Se o recorrente foi validamente notificado para exercer o direito de preferência, tendo em conta que o senhorio proprietário apenas aceitava vender a fracção a si arrendada conjuntamente com outros prédios e por um preço global;
- Se o senhorio estava obrigado a indicar o preço discriminado/proporcional pelo qual o Autor poderia exercer o direito de preferência na condição e arrendatário comercial;
- Se o direito de preferir na acção por si instaurada, caducou.
Vejamos.
É inquestionável, que entre o Autor, como arrendatário e a 1ª e 2ª Rés, como senhorio, vigora, desde 2.5.1967, um contrato de arrendamento comercial. Por força do art. 1091º, n.º1, al. a), do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº6/2006 de 27.02 (NRAU), o Autor por ser arrendatário tem direito de preferência na venda do prédio, devendo o senhorio, obrigado à preferência, notificá-lo como titular preferente do projecto de venda e das cláusulas do respectivo contrato – art. 416º, nº1, do Código Civil – por a venda do local arrendado originar o nascimento desse direito na sua esfera jurídica.
“O direito de preferência do locatário nasce no património deste quando e sempre que se verifique o pressuposto que o condiciona: venda do local arrendado” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7.07.1994, CJ/STJ, Tomo III, pág. 49.
Tem sido muito discutida, sobretudo na doutrina, a natureza desse direito de preferência[2] – cfr. “A Natureza Jurídica do Direito de Preferência”, do Professor Agostinho Cardoso Guedes, que aborda tal direito como direito de crédito ou como direito potestativo – as duas perspectivas mais comuns – acabando por rejeitar as duas teses, sufragando o entendimento que o direito de preferir é um direito potestativo constitutivo da obrigação de celebrar um contrato futuro – págs., 136 e segs, escrevendo na pág. 168:
“ […] Ora, na nossa perspectiva, e de acordo com o que acima defendemos, a faculdade de o preferente adquirir o bem alienado a um terceiro em violação da preferência não é nem um direito potestativo nem um direito real de aquisição, mas sim uma mera faculdade processual de exigir a execução específica de um dever a cargo do sujeito passivo da preferência.
Na verdade, o direito de preferir traduz-se num direito a operar uma modificação jurídica na esfera do sujeito passivo, que é a constituição de um dever de contratar com o preferente, em detrimento de certo terceiro; quando a doutrina se refere, a este propósito, a direitos com eficácia real, designando o pacto de preferência com eficácia real e o direito legal de preferência, está apenas a referir-se a uma característica do direito do preferente – a de que o seu efeito útil não é afectado por um acto de alienação a um terceiro.
Esta eficácia real significa que o dever de alienar constituído pelo preferente mediante o exercício do seu direito não é afectado por qualquer acto de alienação a favor de um terceiro. Para além de se constituir sempre o dever do sujeito passivo de alienar ao preferente, este dever é sempre susceptível de execução específica, nos termos acima referidos, ainda que o sujeito passivo (agora devedor) já tenha alienado a terceiro. […].”
Na perspectiva em causa, qual seja a do preferente declarar, depois de adrede notificação pelo obrigado à preferência, que pretende exercer o seu direito, o Professor Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, págs. 210 a 212, considera:
“…Em vez, porém, de emitir uma declaração renunciativa ou de adoptar uma atitude de silêncio geradora da caducidade do seu direito, B pode declarar, dentro do prazo referido no nº2 do artigo 416º que pretende exercer a preferência. Esta declaração é quanto basta para que A fique obrigado a vender-lhe o prédio.
O que existia, portanto, até este momento, como efeito da notificação, era um direito de natureza potestativa, de cujo exercício, traduzido numa declaração de vontade do respectivo titular, dirigida ao sujeito vinculado à preferência, nasce uma nova obrigação a cargo deste — a obrigação de realizar o contrato de alienação com o preferente.
Não há aqui, portanto, a menor manifestação de soberania.
Não pode falar-se, designadamente, num direito real de aquisição, pois o preferente, através da declaração negocial dirigida ao exercício da prelação, não faz nascer um ius in re, mas antes uma relação creditória, equiparável, pelo seu conteúdo e fins, à que decorre de um contrato-promessa bilateral.
Se A cumprir a obrigação a que ficou adstrito, outorgando na escritura de compra e venda, o direito de preferência extingue-se, agora em consequência do seu exercício, sem que deparemos, também aqui, com qualquer fenómeno de natureza real.
A efectivação do direito de preferência resulta da cooperação de A, que cumpriu a obrigação de notificar o projecto de venda e cumpriu outrossim, na sequência da declaração emitida pelo preferente, a obrigação de celebrar com ele o negócio projectado. O que nesta fase e neste momento nos surge, portanto, são comportamentos e relações de natureza obrigacional, e não qualquer relação de domínio ou soberania, por virtude da qual uma pessoa exerça, directa e autonomamente, poderes sobre uma coisa.”
O Ilustre civilista, depois de abordar a problemática decorrente do deficiente ou inexistente dever de comunicar ao preferente a intenção de vender a coisa arrendada – pág. 215 – na epígrafe “Efeitos da alienação da coisa, pelo obrigado à preferência, sem que o preferente tenha podido exercer a Prelação; qualificação do direito que assiste ao preferente, de haver para si a coisa alienada (art. 1410º, nº1)”, escreve:
“A relação de preferência comporta ainda, porém, uma outra fase ou momento, da maior importância para o enquadramento conceitual do direito do preferente.
Suponhamos que ocorre uma das hipóteses que seguidamente se descrevem:
I) —A cumpre defeituosamente a obrigação de notificar, em termos que tornam mais oneroso o exercício da preferência ou que não propiciam a B uma decisão esclarecida. O preferente não exerce, neste circunstancialismo, o seu direito, e A vende o imóvel a C.
II) — A cumpre nos devidos termos a obrigação notificar, mas não aguarda que B se pronuncie (dentro do prazo em que lhe é permitido fazê-lo) e vende o imóvel a C.
III — B comunica tempestivamente a A, após ter recebido a notificação, a sua vontade de preferir, mas, não obstante isso, o notificante realiza com C o contrato de compra e venda.
IV — Face à notificação do projecto de venda, feita nos termos que a lei exige, B responde que não pretende preferir ou nada diz dentro do prazo em que pode exercer o seu direito;
V – A, depois disso, vende o imóvel a C, mas em condições mais favoráveis do que aquelas que com ele inicialmente ajustara e comunicara a B (v. g., por um preço inferior, ou pelo mesmo preço, mas a pagar em prestações escalonadas no tempo, enquanto no projecto comunicado ao preferente se previa o pagamento integral na data da celebração do contrato). VI – A omite pura e simplesmente, como amiúde sucede, o cumprimento da obrigação de notificar e vende o prédio a C […]”.
Depois de referir que o preferente nestes casos, além do direito a ser indemnizado pelos danos emergentes do incumprimento, lato sensu, tem o direito de judicialmente haver para si a coisa alienada nos termos do nº1 do art. 1410º do Código Civil, na pág. 225, em conclusão, afirma:
“Resumindo as considerações antecedentes, diremos que o direito de preferência dotado de eficácia erga omnes não pode qualificar-se como um puro e simples direito potestativo. Trata-se, antes, de uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial de certo direito, logo que se verifiquem os pressupostos que condicionam o exercício da prelação […]”.
O recorrente considera que não foi validamente notificado para exercer o direito de preferência do ponto que, querendo exercer tal direito apenas em relação ao imóvel de que era locatário e pretendendo os obrigados à preferência vender três prédios em conjunto por um valor global, tinha jus a que lhe fosse indicado o valor proporcional devido, o que os vendedores recusaram, alegando que apenas vendiam em conjunto os três prédios por um preço global.
O arrendatário, seja habitacional seja comercial, tem um direito legal de preferência – que muitos consideram um direito real de aquisição – querendo o dono e senhorio alienar o imóvel arrendado. Nestes casos impende sobre o obrigado à preferência o dever de dar conhecimento ao preferente para, querendo, optar pela compra, oferecendo “tanto por tanto”.
O art. 416º do Código Civil estatui. – “1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato. 2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.”
No caso em apreço está em causa o regime do art. 417º do citado Código, uma vez que os obrigados à preferência pretendiam vender vários prédios em conjunto e por um preço global.
O normativo encerra – “1. Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável. 2. O disposto no número anterior é aplicável ao caso de o direito de preferência ter eficácia real e a coisa ter sido vendida a terceiro juntamente com outra ou outras”.
Pela carta de fls. 23, de 3.4.2010, recebida apelo Autor, aludida em IV dos factos provados, foi ele informado que as 1ª e 2ª Rés tinham uma proposta de compra para os seus prédios “no … da …, … e Rua … nº… a …”. Aí se diz que “o valor da transacção é de quatro milhões de euros. Os prédios estão alugados aos seguintes inquilinos: Banco AA, SA; DD, Lda; GG, Lda; HH, Lda; II, Lda; JJ e KK. Caso pretendam exercer a preferência na compra, agradecemos o favor de nos informarem, lembramos que os inquilinos mencionados têm também o direito de preferência”.
Resultou ainda provado:
VII) – Em face desta anterior carta da 1.ª e 2.ªs Rés, veio o Autor, por carta datada de 26.03.2010, reiterar os pedidos formulados na carta de 5.03.2010 (carta a fls. 24 dos autos), conforme cópia de carta a fls. 27 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
VIII) – Na sequência do que as 1.ª e 2.ª Rés, por carta datada de 08.04.2010, recebida pelo Autor a 12.04.2010, vieram prestar os seguintes esclarecimentos:
- a identidade do comprador “DD, Lda.”;
- a inexistência de condições específicas acordadas;
- o pagamento seria efectuado no acto da escritura com cheque visado;
- a informação sobre os contratos de arrendamento em vigor, suas datas e alguns dos cartórios onde poderiam ser obtidas as respectivas escrituras;
- a venda seria efectuada livre de ónus e encargos, excepção feita aos antes referidos contratos de arrendamento, tudo conforme cópia de carta a fls. 28 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
IX) – Na sequência desta última carta da 1.ª e 2.ªs RR., por carta datada de 14.04.2010, o Autor solicitou às 1.ª e 2.ª Rés informação sobre o valor atribuído ao prédio de que é arrendatário, para “uma avaliação concreta do seu interesse no eventual exercício do Direito de Preferência”, conforme cópia de carta a fls. 29 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
X) - Posteriormente, por carta datada de 27.04.2010, recebida pelo Autor a 28/04/2010, as 1.ª e 2.ª RR. comunicaram, além do mais, que “nunca venderemos os prédios senão em conjunto”, conforme cópia de carta a fls. 30 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
XI) – A esta última carta das 1.ª e 2.ª RR., comunicou o Banco Autor por carta datada de 3.05.2010, que sendo o prédio de que é arrendatário totalmente autónomo dos demais, “não há qualquer razão legal para que não possamos exercer o nosso direito de preferência apenas quanto a este”.
XII) – “Nesta conformidade, informamos que não aceitamos exercer a preferência quanto à totalidade dos imóveis, reservando-nos, no entanto, no direito de intentar competente acção de preferência logo que tenhamos conhecimento do valor atribuído na venda do imóvel de que somos arrendatários, sendo certo que, cada inquilino tem apenas direito legal de preferência quanto aos imóveis de que é arrendatário e não quanto aos demais.” - cfr. carta a fls. 31 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
XIII) – A esta missiva vieram as 1.ª e 2.ªs Rés, por carta datada de 14.07.2010, e recebida pelo Autor a 14.07.2010, comunicar o seguinte:
I – A venda dos três prédios é uma venda conjunta dos três e o preço de quatro milhões de euros é o preço global.
II – a compradora apenas está interessada no negócio se comprar os três prédios, pois caso contrário não o pretende.
III – os signatários também só estão interessados em vender se a venda tiver por objecto os três prédios.
IV – como informamos nas n/ cartas de 8 e 27 de Abril de 2010 o comprador é o inquilino da loja n.º ….
V – como a compradora apenas admite a compra dos três prédios em conjunto a venda de um eles a V. Exªs, através de um eventual exercício separado do direito de preferência, causaria aos signatários um prejuízo apreciável, no caso concreto de milhões de euros, resultante por um lado de inviabilidade de venda dos outros dois por preço relevante e por outro lado do facto de os signatários, como se disse, apenas pretenderem vender globalmente os prédios.
VI – encontrando-se o Banco AA na posse de todos elementos para exercer, ou não, o direito de preferência sobre a operação global ou conjunta que lhe foi comunicada ficamos aguardando que, no prazo legal de oito dias, nos informem sobre a posição que pretendem assumir quanto ao referido direito.” - cfr. carta a fls. 32 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
XIV) – A esta carta das 1.ª e 2.ª Rés, veio o Banco Autor responder por carta datada de 15.07.2010, reiterando a posição expressa na carta de 3.05.2010 – carta a fls. 31 dos autos –, declarando não aceitar exercer a preferência quanto à totalidade dos imóveis e reservando-se o direito de intentar competente acção de preferência logo que tenhamos conhecimento do valor atribuído àquele, e não aceitando o alegado “prejuízo apreciável” decorrente da venda em separado dos imóveis. – cfr., carta a fls. 33 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.”
Depois desta troca de missivas onde o Autor reitera o seu interesse em optar, mas apenas pelo valor proporcional do imóvel que lhe estava arrendado, e de informar que se reserva o direito de “intentar competente acção de preferência logo que tenhamos conhecimento do valor atribuído”, afirmando não aceitar o alegado “prejuízo apreciável” decorrente de uma venda em separado como foi alegado pelas Rés, cessaram as comunicações entre as partes.
As 1ª e 2ªs Rés, em 21.2.20011, comunicaram ao Autor terem vendido o prédio à “Sociedade DD, Lda.”, 3ª Ré também arrendatária, enviando cópia da escritura que formalizou o negócio – fls. 34 e 36-42.
O recorrente considera ter validamente exercido o direito de preferência, pois que só com o recebimento da escritura de compra e venda enviada pelas 1ª e 2ª Rés, tomou conhecimento do valor do prédio autónomo de que é arrendatário e, assim, considerou que a acção de preferência – art. 1410º do Código Civil – intentada em 16.8.2011, o foi atempadamente, ou seja, no prazo de seis meses, sobre o conhecimento dos elementos essenciais da venda.
Dos termos da querela mantida com os recorridos, decorre que o Autor considera que as comunicações e esclarecimentos prestados pelas vendedoras não cumpriram cabalmente o dever de informação sobre os elementos essenciais da venda, avultando a magna questão para si crucial, a exigência de saber qual o valor proporcional do prédio em relação ao qual, por ser arrendatário, pretendia preferir, já que não era do seu interesse a aquisição do conjunto predial posto à venda por um preço global indicado a todos os arrendatários titulares do direito de preferência exercendo.
Importa, então, saber se os obrigados a conceder preferência tinham o dever legal de indicar o preço proporcional dos diversos imóveis, desde logo, o daquele de que o recorrente era arrendatário, sabido que foi que só pretendia optar pelo exercício parcelar e não pela aquisição em conjunto.
Aqui colidiam manifestamente duas pretensões; a das alienantes-senhorios querendo vender os imóveis arrendados em conjunto e por um preço total € 4 000 000,00, e a do Autor que, querendo apenas exercer o direito de preferência em relação às instalações que fruía como arrendatário, insistir em saber o valor discriminado, não lhe interessando o direito de ver estendido o âmbito da preferência, abrangendo os imóveis (dois) que não lhe estavam arrendados.
Depois, questão que versaremos, pretende o Autor que o art. 1465º do Código de Processo Civil não se aplica por analogia ao caso dos autos.
Estariam os RR. vendedores obrigados a comunicar ao Autor o preço parcelar nos termos por si requeridos, ou seja, no contexto do preço global por que pretendiam vender, o preço proporcional do imóvel locado ao Autor?
Decorre do art. 417º, nº1, do Código Civil que o obrigado à preferência tem direito a vender a coisa sobre que incide um direito de preferência conjuntamente com outras, e por um preço global; neste caso o titular preferente, não interessado na opção pela aquisição do conjunto em venda, pode exercer o seu direito pelo preço que proporcionalmente for atribuído; o obrigado à preferência só pode opor-se a esta pretensão de “divisão proporcional”, exigindo que a preferência incida sobre as coisas restantes “se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável”.
Quando o preferente acede a exercer o seu direito sobre o conjunto de coisas a alienar – art. 417º do Código Civil – vê estendido o seu original direito de preferência, direito esse que pode exercer facultativamente; o seu direito a exercer a preferência pelo preço proporcional pode ser paralisado pela invocação/exigência dos obrigados à preferência, de que a venda seja global, por a alienação parcelar e o inerente preço proporcional lhe causarem prejuízo apreciável, não sendo as coisas em venda separáveis; a lei visa a protecção do interesse económico do vendedor.
Importa, então, analisar este regime jurídico para saber como pode o titular da preferência defender o seu direito de prelação.
Acerca do art. 417º do Código Civil, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, págs. 369 e 370, ensina:
“…Na primeira, não sendo justo agravar os pressupostos da preferência fixados no pacto, concede-se ao respectivo titular faculdade de restringir o seu direito à coisa a que o pacto se refere, reduzindo o preço devido à importância que proporcionalmente corresponde a essa coisa dentro do preço global estabelecido; na falta de acordo sobre tal determinação, haverá que recorrer à acção de arbitramento necessária para fixar o valor proporcional da coisa. [a faculdade concedida ao obrigado à preferência só vale, porém, para a hipótese de se ter fixado um preço global para a alienação conjunta e não (como pretende Vaz Serra, na anotação ao Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-11-1966, na RLJ, 100. °-167 e segs.) para o caso de alienação conjunta de várias coisas, mas com discriminação do preço de cada uma delas.
Também se nos afigura contrária à lei a tese, sustentada na RLJ, 100.°-171), de que seria o adquirente (e não o alienante) quem pode exigir que a preferência se estenda, neste caso, às coisas restantes – nota de rodapé)]. O obrigado pode, contudo, opor-se à separação das coisas, se ela envolver um prejuízo apreciável para os seus interesses; nesse caso, o titular da preferência terá de exercer o seu direito, se o não quiser perder, relativamente ao conjunto das coisas alienadas, pelo preço global que houver sido fixado (…).”
O Professor Agostinho Cardoso Guedes, in “O Exercício do Direito de Preferência” – págs. 402 a 407, aborda a problemática do âmbito da preferência na venda da coisa conjuntamente com outras, depois de referir que o art. 417º do Código Civil derroga regras gerais do instituto do direitos de preferência (antes referira os arts. 1409º - direito de preferência do comproprietário - e 2130º preferência dos co-herdeiros na venda ou dação em cumprimento a terceiros do quinhão hereditário) – afirma “que outra derrogação a essas regras gerais encontra-se no art.417º do Código Civil”, escrevendo:
“ […] Na situação de facto descrita, a lei permite ao preferente o exercício do direito em relação ao negócio efectivamente ajustado com o terceiro abrangendo, além da coisa sujeita a prelação, todas as outras incluídas nesse negócio – a lei alarga o âmbito primitivo do direito de preferir por mero efeito da decisão do sujeito passivo em alienar o bem naquelas condições.
No caso de o preferente não exercer o seu direito nestes termos e, ao invés, pretender exercer a faculdade de reduzir esse preço ao bem efectivamente sujeito à prelação, a lei atribui ao sujeito passivo a possibilidade de se opor ao exercício de tal faculdade, restando ao preferente a celebração do nas condições ajustadas com o terceiro, sem separação das coisas, desde que esta separação não seja possível sem prejuízo apreciável.
Em ambas as hipóteses, a lei introduz um desvio importante à regra de que o direito do preferente se refere apenas ao bem (e ao contrato) objecto da preferência, pois verificada a decisão do sujeito passivo de vender a coisa objecto da preferência juntamente com outras, o direito de preferência passa a abranger outros bens além do inicialmente sujeito à prelação, e o seu exercício relativamente apenas a este bem poderá mesmo ser precludido no caso de esta, em virtude da necessária separação, provocar prejuízo apreciável.
Esta solução legal merece algumas considerações, relativas quer ao âmbito de aplicação da norma, quer ao seu regime jurídico. O primeiro dado a ter em conta é que o art. 417º do Código Civil não se aplica a todos os casos em que o vinculado à preferência decida alienar o bem objecto da preferência em conjunto com outro ou outros bens; a aplicação daquela norma só se verificará no caso de esta alienação ser decidida pelo vinculado à preferência por um preço global.
De facto, não se colocará nenhum problema especial relativo ao exercício da preferência na eventualidade do sujeito passivo decidir vender um conjunto de bens, neles incluindo a coisa sujeita à prelação, cada um por determinado preço […] o art. 417º só intervirá se o vinculado à preferência decidir alienar o bem objecto da mesma em conjunto com outros bens por um preço global, isto é um preço que não resulta da mera soma de vários preços individuais mas, pelo contrário, traduz uma contrapartida única por aquele conjunto de bens.”
É eficaz – por preencher os requisitos do art. 416º do Código Civil – a comunicação ao titular do direito de preferência do “projecto de venda”, deixando os obrigados à preferência, inequivocamente expresso, que só venderão, em conjunto e por um preço global que indicam, a coisa objecto da preferência, com outras, por a separação lhes causar prejuízo apreciável.
Não estando, assim, obrigados a discriminar o valor do imóvel sobre o qual recai a preferência originária do arrendatário: não tendo este aceite esse projecto a venda feita a terceiro é válida, em relação ao proclamado preterido.
Poderá ser gravosa para o titular da preferência a exigência de só poder optar pelo conjunto de bens e pelo preço global. Pense-se no caso de um arrendatário habitacional que, com sacrifício económico, poderia estar na disposição de exercer o direito de preferência em relação à sua modesta casa arrendada, mas, querendo o senhorio vendê-la em conjunto com outras sob pena de sofrer prejuízo apreciável, não poder optar em função do preço, vendo esfumar-se o seu direito.
No caso da notificação para preferência ser feita judicialmente – art. 1458º do Código de Processo Civil – não se indicando o valor de cada uma das coisas, pretendidas vender em conjunto, o art. 1459º, nº2, confere ao notificado (titular preferente) o direito de declarar que pretende exercer o seu direito apenas em relação à coisa a que se refere o seu direito e ainda contestar que a venda separada pode ser feita sem prejuízo apreciável, para o vendedor.
O recorrente sustenta que esta norma não pode ser aplicável por analogia aos casos de notificação extrajudicial, como sucede in casu.
Defende a tese de inexistência de analogia o Professor Henrique Mesquita, “Direito de Preferência, alienação da coisa juntamente com outra, por preço global, e notificação para preferir”, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, Coimbra, Atlântica Editora, 1980, págs. 45-71.
Na pág. 64, afirma que a aplicar-se o regime do art. 1459° do Código de Processo Civil aos casos de notificação extrajudicial, “a proposição de uma acção de arbitramento, necessariamente dispendiosa, poderia redundar, no comum dos casos, numa actividade inútil, com a qual o preferente não lograria efectivar, sem mais, o seu direito de opção”.
O Professor Agostinho Guedes, na obra citada, pág. 480 e segs., discorda da opinião de Henrique Mesquita, antes aceitando a analogia entre os dois modos de notificação (judicial e extrajudicial) e as consequências deles:
“Devemos sublinhar que não concordamos inteiramente com a análise levada a cabo por Henrique Mesquita sobre a diferença fundamental entre os efeitos dos dois tipos de notificação.
Em primeiro lugar, os efeitos da notificação para preferência, em sentido estrito, são exactamente os mesmos, quer esta seja judicial ou extrajudicial.
Se regularmente feita, a sua realização consubstancia o cumprimento do dever previsto no art. 4l6.°, n.°1, do Código Civil e torna certo o prazo de caducidade do direito de preferir. O dever de contratar com o preferente, cuja impossibilidade de incumprimento no caso de notificação judicial é alegada por Henrique Mesquita, constitui-se com a declaração do preferente de querer preferir.
Constituído esse dever, a lei civil e a lei adjectiva contam com o seu cumprimento voluntário por parte do devedor, tal como demonstra o art. 1458.°, n.°2, Código de Processo Civil quando prevê que, feita a declaração do preferente, só “se nos vinte dias seguintes não for celebrado o contrato” o preferente pode requerer que se designe dia e hora para a parte contrária receber o preço, ou seja, o devedor tem vinte dias para cumprir o seu dever face ao preferente.
Caso o devedor não cumpra esse dever, o preferente poderá, em regra, obter para si o bem objecto da prelação nos termos do art. 1458.º, n º4, Código de Processo Civil, mas não se pode afirmar que o preferente tem a certeza de que o bem lhe será adjudicado; com efeito, se é certo que uma eventual recusa do sujeito passivo em celebrar o contrato não evitará a adjudicação do bem ao preferente, também é verdade que não encontramos na lei processual nenhuma norma que impeça o sujeito passivo de, entre a comunicação para preferência e adjudicação ao preferente, celebrar o contrato projectado com terceiro, coisa que impedirá a aludida adjudicação, pelo menos se esta tiver natureza translativa.
Além disso, a diferença ainda será mais ténue caso se entenda (como nós entendemos) que o art. 1458.°, n.°4, Código de Processo Civil Código de Processo Civil prevê, afinal, uma execução específica do dever de contratar e que igual possibilidade assiste ao preferente no caso de comunicação extrajudicial…”
“ […] Estamos, por isso, de acordo com Antunes Varela, quando este afirma que o preferente tem a faculdade “de restringir o seu direito à coisa a que o pacto se refere, reduzindo o preço devido à importância que proporcionalmente corresponde a essa coisa dentro do preço global estabelecido; na falta de acordo sobre tal determinação, haverá que recorrer à acção arbitramento necessária para fixar o valor proporcional da coisa.”
Não aceitando o preferente a aquisição conjunta de bens, comunicada pelo obrigado à preferência, além daquele sobre que recai o seu direito, não estando o obrigado à preferência adstrito a discriminar o preço de cada coisa integrante do conjunto, assiste ao preferente parcelar, mesmo em caso de notificação extrajudicial, o direito de requerer arbitramento judicial para determinar o valor proporcional e assim exercer o direito de prelação com o âmbito inicial, não sendo de afastar por analogia a aplicação do regime jurídico do art.1459º (preferência limitada) do Código de Processo Civil, nos termos da acção de suprimento prevista no art. 1429.º deste diploma.
Assim se sentenciou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16.3.2011, Proc. 1113/06.0TBPVZ: P1. S1., in www.dgsi.pt:
“I – Ao exigir a comunicação do projecto da venda e das cláusulas do respectivo negócio – cf. art. 416.º, n.º1, do Código Civil –, pretende-se levar ao conhecimento do preferente os elementos essenciais do contrato, ou seja, aqueles que lhe permitam, e sejam decisivos, para determinar a sua vontade de exercer ou não o direito de preferência.
II – Decorre do art. 417.º, n.º1, do Código Civil, que é lícito ao obrigado à preferência vender a coisa objecto da preferência juntamente com outra (ou outras) por um preço global (haja ou não prejuízo), mas, se for essa a sua pretensão comunicada ao titular da preferência, este, por sua vez, pode exercer o direito apenas em relação àquela que é objecto do direito, pelo preço que proporcionalmente lhe competir dentro do preço global fixado para a venda conjunta.
III – No caso concreto, se os réus pretendiam vender dois prédios conjuntamente e tinham comprador para eles, pelo preço de € 500 000, e foi esse o projecto concreto que comunicaram ao autor marido, concedendo-lhe a preferência nessas condições, não tinham que discriminar os preços de cada um dos prédios que pretendiam alienar, exactamente porque queriam vendê-los por um preço global (como a lei lhes faculta), nem tinham que alegar que lhes adviria prejuízo se os vendessem separadamente.
IV – Tendo o autor marido sido notificado para exercer o direito de preferência, no prazo de 8 dias – prazo que se refere à declaração de preferência e não à concretização do negócio –, competia-lhe declarar que pretendia preferir ou no conjunto e pelo preço global proposto, ou apenas em relação ao prédio de que é arrendatário (objecto do seu direito de preferência). Nesta última hipótese, devia requerer ao tribunal a determinação do preço que competiria proporcionalmente ao arrendado, nos termos da acção de suprimento prevista no art. 1429.º do Código de Processo Civil, por aplicação do art. 1459.º do mesmo Código, apesar da notificação ter sido efectuada extrajudicialmente.
V – Em princípio e em geral – sobretudo se não se trata de arrendamento para habitação –, não pode dizer-se que o titular do direito de preferência (arrendatário) tenha interesse essencial em saber a identificação do adquirente, que será o seu novo senhorio, tanto que o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador (cf. art. 1057.º do Código Civil)”.
Concluímos, destarte, que não tendo o Autor requerido judicialmente, pela via do arbitramento judicial, a determinação do preço proporcional do seu originário direito de preferência, persistindo em não optar preferir pelo preço global, anunciando apenas que iria intentar acção de preferência, manifestou não pretender exercer o direito.
Quanto à caducidade.
Pretende o recorrente que não ocorreu a caducidade do direito de accionar porquanto só teve conhecimento do preço por que pretendia optar (elemento essencial da venda), com o conhecimento da escritura de compra e venda celebrada, pelo que intentou a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e depositou o preço nos 15 dias seguintes à propositura da acção – art. 1410º, nº1, do Código Civil.
Consta a fls. 36 a 42, a escritura pública de compra e venda de 28.10.2010, através da qual as 1ª e 2ª Rés – obrigadas à preferência – venderam à 3ª Ré, pelo preço global de quatro milhões de euros, os três imóveis identificados, achando-se aí discriminados os preços dos prédios urbanos objecto da alienação.
Argumentando que só em 22.2.2011 – cfr. art. 25º da petição inicial – o recorrente soube do valor correspondente ao imóvel de que é locatário, entende que é desde a data do conhecimento desse documento que conta o prazo de seis meses para intentar a acção e depositar o preço.
Intentou-a em 16.8.2011.
Salvo o devido respeito, malgrado o que antes se disse acerca da completude da notificação para a preferência, e da atitude do Autor, o facto de na escritura notarial os valores terem sido discriminados não evidencia qualquer comportamento menos leal dos vendedores, nem empresta ao recorrente termo a quo para evitar a caducidade da acção de preferência – art. 1410º, nº1, do Código Civil.
A menção discriminada do preço dos imóveis vendidos em conjunto resulta, obrigatoriamente, do art. 63º do Código do Notariado que impõe que, nos actos sujeitos a registo predial, a indicação “do valor de cada prédio, da parte indivisa ou do direito a que o acto respeitar”.
Como refere Agostinho Guedes, in “O Exercício do Direito de Preferência”, págs. 403/404;
“Ora, é por demais evidente que este dispositivo legal não pode impedir a aplicação do art. 417º do Código Civil, aos casos de venda de prédio sujeito a preferência em conjunto com outros bens, móveis ou imóveis, por preço global.
Assim, se o vinculado à preferência decide celebrar um contrato nestes termos e realiza a comunicação devida ao preferente, indicando o respectivo preço global, sem que aquele exerça o seu direito, não poderá o mesmo preferente recorrer à acção prevista no art. 1410.° do Código Civil com vista a obter para si o bem alienado alegando o valor atribuído prédio na escritura pública de venda em cumprimento do acima aludido art. 63.° do Código do Notariado.”.
Neste sentido o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9.3.1978 – Proc.067034, in www.dgsi.pt.
Pelo quanto dissemos o recurso soçobra.
Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil.
I. Decorre do art. 417º, nº1, do Código Civil que o obrigado à preferência tem direito a vender a coisa sobre que incide um direito de preferência conjuntamente com outras e por um preço global; neste caso o titular/preferente não interessado na opção pela aquisição do conjunto a vender pode exercer o seu direito pelo preço que proporcionalmente for atribuído; o obrigado à preferência só pode opor-se a esta pretensão de “divisão proporcional do preço”, exigindo que a preferência incida sobre as coisas restantes “se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável”.
II. Quando o preferente acede a exercer o seu direito sobre o conjunto de coisas a alienar – art. 417º do Código Civil – vê estendido o seu original direito de preferência, direito esse que pode exercer facultativamente. O direito a exercer a preferência pelo preço proporcional pode ser paralisado pela invocação/exigência dos obrigados à preferência de que a venda seja global, porque a venda parcelar e o inerente preço proporcional, lhe causam prejuízo apreciável, não sendo as coisas pretendidas vender separáveis; a lei visa a protecção do interesse económico do vendedor.
III. Não aceitando o preferente a aquisição conjunta de bens comunicada pelo obrigado à preferência, além daquele sobre que recai o seu direito, não estando o obrigado à preferência vinculado a discriminar o preço de cada coisa integrante do conjunto, assiste ao preferente parcelar, mesmo em caso de notificação extrajudicial, requerer arbitramento judicial para determinar o valor proporcional e assim exercer o direito de prelação, não sendo de afastar por analogia a aplicação do regime jurídico do art.1459º (preferência limitada) do Código de Processo Civil e o recurso à acção de suprimento prevista no art. 1429.º daquele diploma.
IV. A menção discriminada dos preços dos imóveis vendidos em conjunto, constante da escritura pública de compra e venda resulta, obrigatoriamente, do art. 63º do Código do Notariado que impõe que nos actos sujeitos a registo predial, a indicação “do valor de cada prédio, da parte indivisa ou do direito a que o acto respeitar”.
V. Tal menção não evidencia qualquer comportamento menos leal dos vendedores, nem empresta ao recorrente termo a quo para evitar a caducidade da acção de preferência – art. 1410º, nº1, do Código Civil.
Decisão:
Nega-se a revista.
Custas pelo Autor/recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça, 01 de Julho de 2014
Fonseca Ramos (Relator)
Fernandes do Vale
Ana Paula Boularot
__________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.
[2] No que respeita à situação jurídica do preferente após a comunicação do projecto de venda, O Professor Oliveira Ascensão, no Estudo “Direito de Preferência do Arrendatário”, in “Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles” – Volume III – Direito do Arrendamento Urbano”, pág. 262, ensina: “Qual a situação jurídica do preferente, após a comunicação do projecto de alienação? Ele ganha um direito potestativo, de carácter instrumental, que deve ser exercido no prazo de oito dias (art. 416.°/2 Código Civil). O conteúdo desse direito é o de, por uma declaração de vontade, passar a ter o direito à celebração do contrato; a que corresponderá, por parte do participante, a obrigação de o celebrar…” Mais adiante, pág. 263: “O acto de pedir esclarecimentos, para preparação de um negócio com a gravidade de uma aquisição imobiliária, é um acto normal e justificado. Cairíamos de novo no formalismo, agora em detrimento do preferente, se considerássemos que o direito, caducaria se a situação não fosse clarificada no prazo curtíssimo de oito dias…Por outro lado, só releva o pedido de esclarecimentos fundado. Isto quer dizer que toda a actuação contrária à boa fé está excluída. O preferente não pode ir enrolando, quiçá para levar à desistência dum terceiro interessado. De qualquer modo, a situação terá de ficar esclarecida em prazo muito breve.”