ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
SEGURO OBRIGATÓRIO
TRACTOR
REBOQUE ACOPLADO A TRACTOR
UNIDADE CIRCULANTE
SEGURO DO REBOQUE
Sumário

Num acidente causado por um tractor que circulava com um reboque acoplado, a falta de seguro do tractor toma irrelevante a existência de seguro do reboque, porquanto as duas viaturas (tractor e reboque) comportam-se como uma unidade circulante, não se podendo individualizar o seguro de cada um dos componentes.

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 98/08.3 TBVNH.P1
5ª SECÇÃO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I
B…, LDA, sociedade por quotas, com sede em …, concelho de Mirandela, instaurou a presente declarativa condenatória emergente de acidente de viação contra a COMPANHIA DE SEGUROS C…, com sede na rua …, ..-Ap…..-….-…, Porto e contra D…, LDA, sociedade comercial por quotas, com sede na rua … nº., em Vinhais, pedindo a condenação das Rés no pagamento da quantia de € 296.000,00 acrescida de juros à taxa de 7% desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto e em síntese que:
Tem como actividade o transporte internacional de veículos possuindo para o efeito vários veículos transportadores, procedendo em regra a transporte de veículos automóveis da Alemanha para Portugal; no dia 13 de Dezembro de 2005, pelas 2.00 horas da manhã, o tractor industrial de matrícula ..-AO-.. ao qual se encontrava acoplado o reboque de matrícula BG–…, conduzido por funcionário da Autora, ao Km 12 da Estrada A .. – Província de …, Espanha, despistou-se, saindo da via, tendo capotado; A A. havia transferido para a Ré C… em 09 de Dezembro de 2005, por intermédio da 2ª Ré, através do contrato titulado pela apólice nº …………, a responsabilidade pelos danos ocorridos com a carga, composta, no caso, por dez viaturas. Embora, numa primeira comunicação, após participação do sinistro, a Ré C… tenha confirmado a cobertura, veio mais tarde a negá-la, alegando não ser válido o seguro que pretensamente cobriria os danos da viatura sinistrada, com fundamento em que tal seguro fora celebrado após o acidente.
A A. tem, contudo, uma declaração emitida pela 2ª Ré em nome da Ré C… comprovativa de que tal seguro foi celebrado no dia 09/12/2005, ou seja, quatro dias antes do acidente.
Assim, está tal sinistro coberto por seguro válido.
Tendo a A. pago ao seu cliente o valor das viaturas sinistradas (125 mil euros), pretende a condenação das Rés no pagamento de 80.000,00 euros, correspondente ao capital seguro descontada a franquia de 20%.
Sucede, ainda, que a A. perdeu os seus clientes habituais por se ter tornado público que a A. iria falir por não ter seguro para dar cobertura aos danos ocorridos com o sinistro de 13/12/2005. Desse modo, teve de retirar de circulação três dos seus cinco veículos de transporte, perdendo lucros médios semanais de 1.000,00 euros, perfazendo a quantia mensal de 12.000,00 euros. Tal ocorreu durante cerca de 18 meses, somando a quantia global de 216.000,00 euros. Quantia que reclama de ambas Rés, por ser solidária a sua responsabilidade.

Citada a Ré C…, Companhia de Seguros, S.A., veio a mesma contestar alegando basicamente que: O contrato titulado pela apólice nº ………….. nunca cobriu o veículo ..-AO-.. e, por isso, não cobre o sinistro dos autos, o qual, de resto, não está coberto por qualquer apólice da C…; a A. no dia 13/12/05 declarou pretender fazer um seguro nas instalações da Ré D…, Lda, mediadora da C…, do veículo ..-AO-.. e do reboque BG-… (sendo aquele o veículo sinistrado mas o reboque acidentado era o BG-…); tal aconteceu no mesmo dia (13/12/05) e algumas horas após o acidente; a declaração que a A. apresentou como estando tal veículo seguro desde o dia 09/12/05, foi obtida através de um artifício fraudulento, por parte da A., e por isso é nula; por sua vez, quando a Ré aprovou o seguro em 13/12/2005, desconhecia que o sinistro já tinha ocorrido, o que a Autora intencionalmente omitiu, sendo, por isso, também este nulo, donde conclui pela sua absolvição e pela condenação da A. em multa e condigna indemnização a favor da Ré, em montante não inferior a 20.000,00 euros, por litigância de má-fé.

Contestou também a Ré D…, Lda alegando em síntese que:
O funcionário que no dia 13/12/05 subscreveu a proposta para segurar o veículo ..-AO-.. e reboque BG-… (e não o reboque sinistrado BG-…) desconhecia que o primeiro tinha sido acidentado nesse dia; a esposa do sócio gerente da A., nesse dia, solicitou ao funcionário não só a aceitação de tal proposta mas também que emitisse uma declaração comprovativa de que a A. era titular de um seguro de transportes-CMR com início em 09/12/05, do veículo ..-AO-.. e reboque BG-… invocando que necessitava dessa declaração para receber de uma empresa Espanhola uma quantia por serviços de transportes; declaração que foi passada pelo mesmo funcionário apenas com o intuito de ajudar a A. nesse recebimento; invocando factos falsos tal declaração é nula, por a Autora a ter induzido, fazendo da mesma um uso reprovável, devendo a Autora ser condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior a 20.000,00 euros.

Respondeu a A. a ambas as contestações, mantendo que o contrato de seguro do veículo ..-AO-.., foi efectuado em 09/12/05 e para o veículo BG-… foi efectuado em 06/10/05, pelo que, à data do sinistro quer o tractor quer o reboque tinham seguros válidos.
A final requereu a condenação de cada uma das Rés como litigantes de má fé em multa e indemnização não inferior a 20.000,00 euros.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo-se, em consequência, as Rés dos pedidos.
Mais se julgou verificada litigância de má fé por parte da Autora, condenando-se a mesma na multa de oito (8) unidades de conta. As Rés foram ainda notificadas para nos termos do disposto no art. 457º, nº 2 do C.P.C fornecerem elementos, querendo, acerca das peticionadas indemnizações.

Inconformada com tal decisão veio a Autora recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
1) O douto Tribunal errou ao entender que o facto do reboque com a matrícula BG-… ter seguro de carga não influía na situação jurídica dos autos;
2) Sendo que a explicação que o Tribunal apresentou para excluir o facto de o reboque de matrícula BG-…, apesar de ter seguro de carga, não cobria os danos ocorridos, não tem qualquer lógica, nem razão de ser.
3) Sendo que, o Meritíssimo Juiz apresentou como explicação o facto de o tractor ser conduzido pelo homem e que pode causar o acidente e o reboque limita-se a ser puxado e arrastado por onde o tractor circular, não tem qualquer razão de ser.
4) Sendo que, o seguro de carga do reboque cobre os danos ocasionados na carga, pois a mesma é transportada no reboque e não no tractor.
5) Sendo que o tractor nenhuma ligação tem com a carga transportada, pois esta encontra-se inteiramente ligada ao reboque, que no mesmo é colocada.
6) Esqueceu-se o Meritíssimo Juiz de ter em conta a existência de um seguro de carga no reboque, efectuado pelas Rés, e se o efectuaram é porque obviamente tem utilidade, ou seja, cobre os danos ocorridos na carga.
7) Sendo entendido pela maioria da jurisprudência que nos casos de seguro de CMR, o veículo que tem que ter seguro válido é o que contém a carga e não outro qualquer.
8) Bem mal andou o Meritíssimo Juiz com tal entendimento, devendo ter decidido que o seguro de CMR do reboque cobria os danos ocorridos com a carga.
No entanto, e sem prescindir do que supra se referiu, existiu erro na apreciação da matéria de facto, nos termos aludidos nestas alegações.
9) Errou pois o Tribunal ao dar somente como provado quanto ao artigo 5º da base instrutória que a Autora pagou a E… quantia não apurada.
10) Pois resultou do depoimento desta testemunha de forma totalmente inequívoca que a Autora lhe pagou a quantia de 89.000,00.
11) Devendo pois ser dado como provado relativamente ao artigo 5º da base instrutória que a Autora pagou a E… a quantia de 89,000,00 euros.
12) Errou o Tribunal também ao dar como provada a matéria constante no ponto 1 B) a 1F) destas alegações.
13) Pois não tomou em consideração os documentos juntos aos autos, nomeadamente os documentos de fls. 12, 13, 14, e 140 dos autos.
14) Baseando a decisão sobre a matéria de facto no depoimento de testemunhas que se apresentaram parciais, dada a sua ligação com as Rés, depoimentos que se apresentaram contraditórios e sem qualquer razão de ciência.
15) Note-se que a resposta à matéria de facto constante nos pontos 1 B) a 1 F) ter por base insensatamente o depoimento de duas testemunhas F… e G….
16) A testemunha F… funcionário da Ré D… fora quem emitiu a declaração constante a fls. 12 no seu depoimento assume ter emitido a mesma, mas refere que só emitiu no dia 13/12/2005, por lhe ter sido pedida pela esposa do sócio gerente da Autora, referindo esta testemunha que a esposa do sócio gerente da Autora utilizou como argumento ter que mostrar tal declaração para receber um transporte que tinha feito em Espanha.
E o Meritíssimo Juiz acreditou nesta versão, ora, bastava apelar às regras da lógica e da coerência, para verificar que a explicação dada por esta testemunha para emitir esta declaração não fazia sentido, isto porque se a Autora já tinha efectuado o transporte e entregue a mercadoria, qual a razão de quem encomendou o transporte crer (sic) a declaração de existência de seguro de CMR, se a carga já estava entregue e não existiram danos a assegurar (sic).
17º - Nunca deveria ter sido dada credibilidade ao depoimento desta testemunha pela razão aqui invocada.
18- Quanto à testemunha G…, trazida pela Ré D…, esta referiu recordar-se que a declaração foi efectuada no dia 13/12/2005, por a esposa do sócio gerente da Autora ter passado no seu estabelecimento comercial, lhe ter aviado um saco de ração e esta lhe ter dito que ia fazer uns seguros.
19 – E recorda-se tal testemunha que fora no dia 13/12/2005 que tal sucedeu porque foi o dia que fez as chouriças, benditas chouriças que avivaram de forma impressionante a memória desta testemunha, que conseguiu lembrar-se decorridos mais de cinco anos do dia que fez as chouriças e mais, do que vendeu à esposa do sócio gerente da Autora.
20 – Mas o depoimento desta testemunha cai por terra, isto porque, veja-se a transcrição do seu depoimento que questionada a instância do mandatário da Autora qual o dia em que fez as chouriças no ano de 2010, simplesmente esta testemunha respondeu não se recordar.
21 – Como pode o Tribunal recorrido dar credibilidade ao depoimento desta testemunha, que nem decorridos seis meses não se recordava da data em que fez as chouriças, e há cinco anos atrás recordava inteiramente.
22 – Nunca poderia o Meritíssimo Juiz ter dado credibilidade ao depoimento desta testemunha.
23 – Descuidou-se o Tribunal de analisar de forma coerente e lógica a prova testemunhal e documental junto aos autos, respondendo incorrectamente à matéria de facto constantes do ponto 1A) a 1F) destas alegações.
24 – Pelo que a matéria de facto aludida no ponto 1 A) destas alegações deverá ser dada como provada que a Autora pagou a E… a quantia de 89.000,00 euros.
25 – A resposta à matéria de facto aludida no ponto 1B) a 1F) destas alegações, deverá ser dada como não provada.
26 – A alteração da matéria de facto nos termos atrás preconizados implica obviamente que a acção seja parcialmente procedente, condenando-se as Rés a pagar à Autora a quantia de 89.000,00 euros e respectivos juros vencidos e vincendos.
27 – Desta feita a douta sentença violou por errada interpretação e aplicação os artigos 653, nº 2 659, nº 3 do CPC, art. 429, 436 do Código comercial, os artigos 253, 254, 286 do Código Civil e ainda o artigo 456, nº 2 do Código de Processo Civil.
A final requer seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, concluindo-se que a existência de seguro de CMR do reboque BG-… cobria os danos ocorridos na carga, julgando-se em consequência parcialmente procedente a acção intentada pela Autora, condenando-se as Rés no pagamento à Autora da quantia de 89.000,00, euros e respectivos juros.
Sem prescindir, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, determinando-se que quanto à matéria constante do ponto 1 A) destas alegações seja dado como provado que a Autora pagou a E… a quantia de 89.000,00 euros e à matéria constante do ponto 1 B) a 1 F) destas alegações, ser dada como não provada, julgando a acção parcialmente procedente condenando-se as Rés a pagar à Autora a quantia de 89.000,00 e respectivos juros.

Não foram apresentadas contra-alegações.
II
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal a quo, tendo este Tribunal em uso da prorrogativa prevista no artº 712º nº 1 alª a) do CPC integrado em itálico as partes relevantes dos documentos que, em deficiente técnica jurídica, apenas foram dados como reproduzidos:
1- A Autora tem por actividade efectuar transportes internacionais de veículos, em regime de aluguer, possuindo veículos pesados para o exercício dessa actividade. (A).
2- No dia 13 de Dezembro de 2005, pelas 2.00 horas da manhã, o tractor industrial de matrícula ..-AO-.. ao qual se encontrava acoplado o reboque de matrícula BG–…, conduzido pelo funcionário da Autora, H…, ao Km 12 da Estrada A .. - Província de …, Espanha, despistou-se, saindo da via, tendo capotado quer o tractor industrial quer o reboque. (B).
3- A 13 de Dezembro de 2005, por intermédio da 2ª Ré, a Autora subscreveu a proposta de fls. 103 dos autos com o n.º …. que a 1ª Ré aceitou, nessa data, conforme documento a fls. 103 a 105 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. (C) – (Trata-se de uma proposta de seguro novo, em que o tomador do seguro é a Autora, tem o nº apólice …., como início em 13/12/2005, por um ano e seguintes, para o meio de transporte camião ..-AO-.. e reboque BG- , sendo o valor a segurar de 100.000,00).
4- Do documento a fls. 12 dos autos denominado “declaração” (emitida pela C…, com data de 09/12/2005) consta: “declaramos para os devidos efeitos que a Firma B…, LDA. com sede … – MIRANDELA PORTUGAL, possui nesta seguradora um contrato de seguro TRANSPORTES - CMR com a apólice A. Emitir nas seguintes condições: Veículo seguro: ..-AO-.. e reboque BG …, capital seguro € 100.000.00, início 09/12/2005, validade Ano e Seguintes. Por ser verdade passamos a presente declaração, Vinhais 09/12/2005”, conforme documento a fls. 12 dos autos cujo teor se dá aqui, no mais, por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. (E - pois que foi omitida, por lapso a letra D).
5- Do documento a fls. 140 dos autos denominado “declaração” (emitida pela C…, com data de 06/10/2005) consta “declaramos para os devidos efeitos que a Firma B…, LDA, com sede … – … Mirandela Portugal, possui nesta seguradora um contrato de seguro TRANSPORTES - CMR com a apólice A. Emitir nas seguintes condições: Veículo seguro: ..-..-RE e reboque BG …, BG …, capital seguro € 100.000.00, início 07/10/2005, validade Ano e Seguintes, conforme documento a fls. 140 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.” (F).
6 - Da carta a fls. 13 dos autos, enviada (por mandatário judicial em nome da Autora) à 1ª Ré, consta: Mirandela, 19 de Dezembro de 2005. I…, advogado, (…) em representação da minha constituinte B…, Lda. (…) fui incumbido de lhes expor e participar o seguinte: (…) no dia 13 de Dezembro do ano em curso, pelas 2h da manhã, o tractor de matrícula BG – …, ao Km 12 da estrada A.. – Província de … – Espanha, despistou-se capotando tractor industrial e reboque, bem como 10 carros que transportava da Alemanha para Portugal em regime de aluguer. (…) Acontece que tais veículos transportados foram adquiridos na Alemanha por um comerciante de nome E… em regime de aluguer (…) “ Pelo que, atendendo a que a minha constituinte tem seguro de carga válido e eficaz na vossa companhia, transferiu para V. Exs. a responsabilidade civil pelo transporte de tais veículos até ao montante de tal apólice. Devendo pois a Companhia de Seguros C… indemnizar o lesado, ou seja, o proprietário dos referidos veículos, pela danificação dos mesmos, pois tal resulta das condições da apólice. Assim vem a minha representada participar o sinistro, identificando a carga que transportava, qual o respectivo regime em que o fazia, devendo pois, V. Ex. proceder à indemnização do lesado pela danificação da carga”, conforme documento a fls. 13 a 15 dos autos, cujo teor no mais, se dá aqui por reproduzido para os devidos e legais efeitos. (G).
7 - Do fax a fls. 14 dos autos, enviado pela 1ª Ré (C…), consta: “para Dr. I… (…) Data 04/01/2006 (…) Acusamos a participação de sinistro ocorrido no dia 13 de Dezembro de 2005 (…). Informamos que estamos, neste momento, a aguardar o envio de relatório de peritagem (…). Mais informamos que a apólice dá cobertura ao sinistro participado, embora o capital esteja limitado a 100.000,00 € e fica sujeita a uma franquia de 20% do valor do sinistro no mínimo de € 500,00.” (H).
8 – J… e K… são os titulares das quotas da 2ª Ré (D…, Lda) bem como assumem a sua gerência, conforme documento a fls. 77 a 79 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido (I).
9 - No despiste referido em 2), capotaram 10 veículos automóveis, pertença de E…, transportados no tractor industrial e reboque ali referidos e que foram carregados na Alemanha e estavam a ser transportados para Portugal.
10 - Em consequência do referido em 2) e 1), o tractor industrial, o reboque e os dez veículos sofreram estragos.
11- A 1ª Ré efectuou uma peritagem aos veículos referidos em 9.
12 - Em virtude de recusa da 1ª Ré em pagar os estragos ocorridos nos veículos referidos em 2, a Autora foi pressionada por E… para proceder ao seu pagamento.
13 - A Autora pagou a E… quantia não apurada.
14 - Os estragos ocorridos nos veículos referidos ascenderam a € 80.300,00.
15 - Foi do conhecimento de algumas pessoas que se dedicam aos transportes internacionais de veículos a existência de um problema com o seguro do veículo da A. que sofreu o acidente a que se referem os autos.
16 - Quando subscreveu a proposta referida em 3), a Autora tinha conhecimento do referido em 2).
17 - A aprovação da proposta referida em 3) ocorreu várias horas após o referido em 2) e desconhecendo a 1ª Ré o aí referido.
18 - Aquando do envio do fax referido em 7), a 1ª Ré não se apercebera do referido em 17.
19 - Os veículos referidos em 2 -) valiam € 116.400,00.
20 - Ascendendo o valor dos salvados a € 36.100,00.
21- A declaração referida em 4) foi elaborada pelo funcionário da 2ª Ré, F…, a 13 de Dezembro de 2005, a pedido de L….
22 - Dizendo-lhe dela necessitar para que a Autora recebesse uma quantia em dinheiro duma empresa espanhola.
23 - E desconhecendo o funcionário referido em 21-) o referido em 2-).
III
Na consideração de que o objecto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações (artº 684, 3 CPC) a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir, numa razão de prevalência lógica:
- Da impugnação da matéria de facto
- Da existência ou não de seguro válido e eficaz capaz de cobrir os danos ocorridos, nomeadamente da relevância de seguro válido respeitante unicamente ao reboque.

I- Da impugnação da matéria de facto
São os seguintes os pontos da base instrutória que se mostram impugnados:
Artº 5º - A Autora pagou a E… a quantia de 125.000,00 euros ?
Resposta dada: Provado apenas que a Autora pagou a E… quantia não apurada.
Resposta pretendida: Provado.

Artº 12º - Quando subscreveu a proposta referida em 3 (C), a Autora tinha conhecimento do referido em 2 (B) ?
Resposta dada: - Provado.
Resposta pretendida: Não provado.

Artº 13º - A aprovação da proposta referida em 3 (C) ocorreu várias horas após o referido em 2 (B) e desconhecendo a Ré o aí referido ?
Resposta dada: - Provado.
Resposta pretendida: Não provado.

Artº 14º - Aquando do envio do fax referido em 7 (H), a 1ª Ré não se apercebera do referido em 13 ?
Resposta dada: - Provado.
Resposta pretendida: Não provado.

Artº 17º - A declaração referida em 4 (E) foi elaborada pelo funcionário da 2ª Ré F…, a 13 de Dezembro de 2005, a pedido de L…?
Resposta dada: - Provado.
Resposta pretendida: Não provado.

Artº 18º - Dizendo-lhe dela necessitar para que a Autora recebesse uma quantia em dinheiro duma empresa espanhola?
Resposta dada: - Provado.
Resposta pretendida: Não provado.

Artº 19º - E desconhecendo o funcionário referido em 17, o referido em 2 (B)?
Resposta dada: - Provado.
Resposta pretendida: Não provado.

Desde já adiantamos que o julgamento de facto efectuado pela 1ª instância, nomeadamente na parte em que é objecto de impugnação tem a nossa concordância, porquanto, respeitando as regras do ónus probatório, revelou-se rigoroso, fundamentado em máximas de experiência e de normalidade, mas igualmente em exigências de formalidade quando necessário, pelo que o subscrevemos na totalidade.
Vejamos.
Quanto ao quesito expresso no artº 5º, impunha-se uma prova documental. Na sua ausência, a prova testemunhal haveria de ser convincente quanto ao valor, mas tal não aconteceu. As testemunhas que sobre o mesmo depuseram não afirmaram de forma objectiva ter sido esse o valor pago pela Autora ao cliente prejudicado E….
Aliás, nem este, o destinatário de tal recebimento, quando ouvido, foi convincente quanto a tal valor, pois afirmou que, quando soube da recusa da C…, começou a pressionar a A. para fazer o pagamento, embora parcial. Fez um acordo com a A. no sentido de pagar o transporte no valor do dano. O preço dos automóveis era de 125 mil euros a descontar dos salvados 36.000 euros. Recebeu 89.000 euros, parcialmente, em numerário e em transportes. Eram 500 euros cada automóvel. Fez um acordo com a A. e ela já acertou consigo a dívida, à volta de 89.000 euros.
Perguntado se a A. lhe pagou em numerário, respondeu que é difícil dizer. A contas foram feitas parcialmente. Em dois anos tinha as contas liquidadas. Mais afirmou que não recebeu em numerário, por isso não passou recibo, para logo a seguir dizer o contrário, que recebeu em numerário, mas não sabe quanto.
Perante tanta indefinição, por parte da testemunha referenciada no quesito e, única que poderia ter conhecimento directo de tal facto, outra não podia ser a resposta, já que o montante efectivamente entregue (em numerário ou em serviços por valor equivalente) não ficou apurado.

Quanto à factualidade do artº 12º da base instrutória, pretende a A. que não se provou que, quando subscreveu a proposta referida em 3 (C) - a proposta de seguro novo, em que o tomador do seguro é a Autora, com o nº apólice 3704, como início em 13/12/2005, por um ano e seguintes, para o meio de transporte camião ..-AO-.. e reboque BG-… …, sendo o valor a segurar de 100.000,00 - a Autora tinha conhecimento que nesse dia, pelas 2.00 horas da manhã, o tractor industrial de matrícula ..-AO-.. ao qual se encontrava acoplado o reboque de matrícula BG–…, conduzido pelo funcionário da Autora, H…, ao Km 12 da Estrada A .. - Província de …, Espanha, despistou-se, saindo da via, tendo capotado quer o tractor industrial quer o reboque.
Este é um facto dedutivo que não se retira dum ou doutro depoimento de forma imediata. Deduz-se do comportamento da mulher do sócio gerente da Autora, à data dos factos, que vem a revelar-se instrumental relativamente a um esquema concebido pela Autora para fazer pré-existir um seguro para a viatura sinistrada, que não o tinha, e deduz-se, ainda do comportamento da Autora em geral, expresso nas diversas missivas junto da Ré C… para obter a indemnização a que tal seguro daria direito. E resulta, ainda, por fim, das regras da normalidade e da experiência comum, pois que, tendo o acidente ocorrido de madrugada, estando o sócio gerente da A., seu marido, em viagem com o veículo acidentado, é crível, que tenha sido ele a “mover” a sua mulher, testemunha L… à agência de seguros para segurara a viatura ..-AO-.., nesse mesmo dia.
O funcionário desta agência, testemunha F… relatou os factos com notória preocupação de objectividade. Ele, de resto, que ingenuamente, havia sido convencido a fazer o seguro (note-se que o sócio gerente da A., nas suas palavras, telefonou-lhe logo de manhã e deu-lhe as matrículas, ficando a sua mulher de passar na agência à tarde) e a prestar uma declaração falsa, de favor, apondo uma data anterior, para uma razão invocada (desta vez pela mulher do sócio-gerente da A.) que só por si, parecia não comprometer a Seguradora. O que narrou em geral e, o que narrou, em particular, quanto ao comportamento do sócio gerente da A. e da testemunha L…, revelou credibilidade e, foi o seu depoimento em confronto com o de M…, colaborador da C…, a quem o primeiro relatou os factos e, em confronto com os diversos documentos emitidos pela Companhia C…, a fonte de toda a nossa convicção.
O conhecimento prévio do acidente em momento anterior à subscrição da proposta de seguro é, em termos de convicção probatória, uma realidade.
Não há, pois que alterar a resposta dada.
E, é tal credibilidade que justifica que, desde já nos antecipemos e consideremos bem julgadas as respostas dadas aos artigos 17º, 18º e 19º da base instrutória.
O seu depoimento convenceu, ao contrário do de L… que, negando a sua presença nos escritórios da 2ª Ré no dia 13/12/2005, dando respostas evasivas e impacientes, não colaborantes, quer quanto à sua assinatura e carimbo da firma no documento com data de 13, quer quanto ao pedido da declaração da existência de apólice e motivo invocado, não ofereceu qualquer credibilidade.

Quanto às respostas dadas aos artigos 13 e 14º da Base instrutória, igualmente se impõe a sua aprovação.
O Tribunal baseou-se e bem nos depoimentos das testemunhas M…, profissional de Seguros, colaborador da C… e N…, funcionário da mesma Ré.
O primeiro deu conta de forma pormenorizada e minuciosa de todo o procedimento que conduziu à aceitação dos seguros propostos no dia 13/12/2005, procedimento esse que, de resto, como explicou, enquadra-se nas normas da Seguradora, que impõem que a aceitação destes seguros seja feita pelos serviços centrais. Identificou os faxes emitidos nesse dia e para esse efeito, bem como a autoria dos mesmos.
O segundo foi o responsável, na Companhia, pela aceitação do seguro, depois de ter recebido a proposta por e-mail.
Ambas as testemunhas depuseram de forma credível e convincente, não oferecendo dúvidas quanto à forma como se processou esta aceitação do seguro e, com a ausência de conhecimento do sinistro que o antecedeu.
De todo o exposto, resta-nos reafirmar como bem julgada a matéria de facto, improcedendo o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

II- Da existência ou não de seguro válido e eficaz capaz de cobrir os danos ocorridos, nomeadamente da relevância de seguro válido respeitante unicamente ao reboque.
Pretende a Recorrente que o Tribunal errou ao entender que o facto do reboque com a matrícula BG-… ter seguro de carga não influía na situação jurídica dos autos, apresentando como explicação o facto de o tractor ser conduzido pelo homem sendo esse o veículo que pode causar o acidente, limitando-se o reboque a ser puxado e arrastado por onde o tractor circular.
Esta discussão poderá ter alguma razão de ser se se provar que o reboque, à data do acidente tinha seguro válido e eficaz.
O reboque acidentado tem a matrícula BG-….
Não consta do elenco dos factos provados que tal reboque tivesse seguro válido e eficaz à data do acidente, nem consta o seu contrário.
Esse foi aliás um facto que, sendo controvertido, foi objecto de repetidas diligências, na fase instrutória, junto do Instituto de Seguros de Portugal, para que confirmasse a existência de tal seguro, a qual sempre negou com base nas informações da Ré C… (cfr. fls. 249 e 268).
No despacho fundamentador da matéria de facto o Mmº Juiz a quo refere que a testemunha F… “tem conhecimento que o reboque acidentado tinha seguro válido. Aliás é o que se depreende do documento junto a fls. 127, não impugnado”.
Tal documento consiste numa cópia duma “Declaração” emitida em papel timbrado da C… e tem o seguinte texto a anteceder um carimbo “A.G.E. Agente Geral Executivo C…”, e uma assinatura sobreposta:
“Declaramos para os devidos efeitos que a Firma B…, Lda, com sede em … ….- Mirandela Portugal possui nesta seguradora um contrato de seguro Transportes – CMR com a apólice A. Emitir nas seguintes condições:
Veículo seguro: ..-..-RE, Reboque BG …, BG-…
Capital Seguro: 100.00,00 Euros
Início em 07/1072005
Validade. Ano e Seguintes.
Por ser verdade passamos a presente declaração.
Vinhais, 06/10/2005”.
Na ausência da apólice de seguro, dum certificado provisório ou de um aviso-recibo esta declaração e aquele depoimento, são insuficientes para a prova do seguro do reboque BG-… à data dos factos, e não será a não impugnação do documento que confere autenticidade aos factos que declara, uma vez que os mesmos, no respeitante ao reboque referido, são controvertidos.
Assim, o que o Tribunal a quo fez tão somente uma conjectura intelectual, tanto que, não aditou tal facto à matéria provada.
Mas ainda que se tivesse provado a existência de seguro quanto ao reboque, o mesmo, individualmente considerado, nenhuma repercussão teria relativamente à reclamada indemnização do capital pela Autora, face à ausência de seguro válido relativamente ao tractor, ao qual o mesmo se acopulava.
Tem sido jurisprudência dos tribunais superiores que a falta deste último seguro torna irrelevante o primeiro, para efeitos de cobrir os danos provocados pelo acidente, porquanto, as duas viaturas (tractor e reboque) comportam-se como uma unidade circulante, não se podendo individualizar o seguro de cada um dos componentes.
Citemos a propósito:
- O Ac. do STJ, Processo nº 99A979 (Aragão Ceia), datado de: 18-01-2000, in www.dgsi.pt, assim sumariado:
“I - Os tractores são veículos automóveis; os reboques, sendo veículos, não são automóveis; quando a parte de um tractor assenta sobre este toma a designação de semi-reboque. A cada veículo automóvel não pode ser atrelado mais de um reboque, mas nada impede que lhe sejam atrelados, um de cada vez, reboques diferentes.
II - Quando atrelado ao veículo tractor o reboque ou o semi-reboque, a unidade circulante assim formada é produtora de um risco maior não se podendo individualizar o risco de cada um dos componentes do veículo único.
III - Todos os reboques ou semi-reboques, com ou sem obrigatoriedade de matrícula, mesmo os apenas destinados a actividades agrícolas estão hoje abrangidos pela obrigação de efectivação de seguro.
IV - Se tiverem sido feitos seguros distintos do tractor e do atrelado em companhias de seguro diferentes tudo se passa também como se um só veículo existisse, correspondendo a cobertura do seguro à soma dos seguros.
V - Se um dos componentes do conjunto não tiver seguro que garanta a responsabilidade civil global do responsável pelo veículo articulado não se pode falar em existência de seguro deste veículo”.

Bem como o Acórdão igualmente do STJ, Processo nº 03B3997 (Salvador da Costa) datado de 11-12-2003, publicado no mesmo sítio, em cujo sumário se pode ler:
“1. O semi-reboque é um veículo destinado a transitar atrelado a um veículo com motor, designado tractor, assentando neste a sua parte dianteira e distribuindo sobre ele o seu peso, formando ambos um conjunto legalmente equiparado a veículo único para efeito de circulação nas vias públicas.
2. Tendo em conta a referida conexão material legalmente acolhida como unidade de veículo para efeito de circulação, no que concerne à obrigação de segurar a responsabilidade civil, não exige a lei um contrato de seguro para cada um dos referidos elementos.
3. Provado que à data do acidente o certificado do seguro relativo ao veículo automóvel tractor se encontrava caducado por falta de pagamento do respectivo prémio, é legítimo concluir pela inexistência de contrato de seguro do conjunto para efeito da responsabilização do Fundo de Garantia Automóvel”.

Assim, contrariando a tese da Recorrente e ainda que se pudesse dar como provada a existência de seguro válido quanto ao reboque, o risco não estaria coberto, pois que o risco corresponde à soma dos dois seguros, sendo nosso entendimento que ambos são legalmente exigíveis, nos termos do artº 4.º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), e que assim prescreve: «Obrigação de seguro: 1 - Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei».
Face ao exposto, improcedem, na totalidade, os fundamentos de recurso da Autora.

Em suma:
Num acidente causado por um tractor que circulava com um reboque acoplado, a falta de seguro do tractor torna irrelevante a existência de seguro do reboque, porquanto as duas viaturas (tractor e reboque) comportam-se como uma unidade circulante, não se podendo individualizar o seguro de cada um dos componentes.
IV
Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 30 de Abril de 2012
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Rui António Correia Moura
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate