CONCURSO APARENTE
CONCURSO DE INFRACÇÃO
ROUBO
SEQUESTRO
Sumário


I - O roubo é um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais e pessoais, configurados, os primeiros, no direito de propriedade sobre móveis e os segundos na liberdade de acção e de decisão e na integridade física, postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir

II - A jurisprudência do STJ tem considerado que o sequestro, quando existe, integra o roubo, mas, nas situações em que as restrições à liberdade se prolongam para além do razoável, admite-se a punição do agente em concurso real de infracções.

III - Tem-se entendido que a violência empregue na subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado “subtracção”. Se ela for excessiva, o agente cometerá, para além do roubo, em acumulação com este, o crime correspondente ao enquadramento penal do excesso da violência utilizada.

IV - O recurso dos arguidos não deve merece provimento se o tempo de privação da liberdade do ofendido excedeu a medida do necessário, por se estendido depois da subtracção.

V - O acto de apropriação sob ameaça do cartão de débito do ofendido consuma o crime de roubo e o crime de sequestro autonomiza-se pelas condutas posteriores tendentes à manutenção da privação da liberdade do ofendido.

Texto Integral

                                         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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            No processo comum com o nº 280/13.1GARMAR do 2.º Juízo Criminal de ..., na sequência de acusação formulada pelo Ministério Público, foram submetidos a julgamento, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos:

- AA, também conhecido pela alcunha “T...”; filho de BB e de CC, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascido a ....1987, solteiro, operador de armazém, residente em Rua ..., lote …, …., ..., ..., actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa;

- DD, também conhecida pela alcunha de “...”; filha de EE e de CC, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascida a ….1993, solteira, sem profissão, residente na Rua …, n.º …, …., ..., actualmente detida no Estabelecimento Prisional Especial de Tires;

- FF, filho de GG e de II, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascido a … 1992, solteiro, sem profissão, residente na …, s/n, … ..., actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa; e

- JJ, filho de KK e de LL, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascido a …1969, solteiro, sem profissão, residente na Rua ..., lote …, ..., ..., actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa,

Era-lhes imputado a prática, em co-autoria material e em concurso real, de dois crimes de roubo agravado, pp. e pp. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência aos artigos 204.°, n.º 1, alínea a) e 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal, e de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1 do mesmo diploma.


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MM, com os demais sinais dos autos, requereu a sua constituição como assistente, sendo admitido, e, nos termos do artigo 284º do Cód. Proc. Penal deduziu acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público e por outros que não importaram alteração substancial daqueles. e deduziu pedido de indemnização civil contra os quatro arguidos/demandados, impetrando a condenação solidária destes a pagarem-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), e a título de danos patrimoniais a quantia de € 300,00 (trezentos euros), em ambos os casos com acréscimo de juros à taxa legal em vigor desde a data da notificação até integral pagamento.

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Também NN, com os demais sinais dos autos, deduziu pedido de indemnização civil contra os quatro arguidos/demandados, reclamando a condenação solidária destes a pagarem-lhe a quantia global de € 9.266,30 (nove mil duzentos e sessenta e seis euros e trinta cêntimos), sendo € 1.226,30 (mil duzentos e vinte e seis euros e trinta cêntimos) a título de danos patrimoniais e € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, pretendendo ainda ser ressarcido dos honorários pagos aos advogados, por conta dos quais alega já ter despendido a quantia de € 500,00 (quinhentos euros).

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Através dos despachos de fls. 693 e 695 foi apreciada a validade da instância processual, admitidos os pedidos de indemnização civil em apreço e designadas datas para realização da audiência de julgamento.

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            Realizado o julgamento foi proferido o acórdão em 14 de Maio de 2014, que decidiu

A)        Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material e em concurso real. de dois crimes de roubo agravado, pp. e pp. pelo artigo 210.º. n.ºs 1 e 2, alínea b). com referência ao artigo 204.°, n.º 2. alínea f). ambos do Código Penal, nas penas de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão relativamente a cada um deles;

B)         Condenar o arguido AA pela prática. em co-autoria material e em concurso real. de um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158.°, n.º 1 do Código Penal. na pena de 1 (um) ano de prisão;

C)        Operando o cúmulo jurídico das três penas parcelares mencionadas em A) e B), nos termos do artigo 77.° do Código Penal, condenar o arguido AA na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;

D)        Condenar a arguida DD pela prática. em co-autoria material e em concurso real. de dois crimes de roubo agravado. pp. e pp. pelo artigo 210.°. n.ºs 1 e 2, alínea b). com referência ao artigo 204.°, n.º 2. alínea f). ambos do Código Penal, nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão relativamente a cada um deles;

E)         Condenar a arguida DD pela prática. em co-autoria material e em concurso real, de um crime de sequestro. p. e p. pelo artigo 158.°. n.º 1 do Código Penal. na pena de 10 (dez) meses de prisão;

F)        Operando o cúmulo jurídico das três penas parcelares mencionadas em D) e E). nos termos do artigo 77.° do Código Penal. condenar a arguida DD na pena única de 6 (seis} anos e 6 (seis) meses de prisão;

G)        Condenar o arguido FF pela prática. em co-autoria material e em concurso real. de dois crimes de roubo agravado. pp. e pp. pelo artigo 210.º. n.ºs 1 e 2. alínea b). com referência ao artigo 204.°. n.º 2. alínea f). ambos do Código Penal, nas penas de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão relativamente a cada um deles;

H)        Condenar o arguido FF pela prática. em co-autoria material e em concurso real. de um crime de sequestro. p. e p. pelo artigo 158.°, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

I)         Operando o cúmulo jurídico das três penas parcelares mencionadas em G) e H), nos termos do artigo 77.° do Código Penal, condenar o arguido FF na pena única de 8 (oito) anos de prisão;

J)         Condenar o arguido JJ pela prática. em co-autoria material e em concurso real. de dois crimes de roubo agravado, pp. e pp. pelo artigo 210.º. n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204.°, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal. nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão relativamente a cada um deles;

K)         Condenar o arguido JJ pela prática. em co-autoria material e em concurso real. de um crime de sequestro. p. e p. pelo artigo 158.°, n.º 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

K)        Operando o cúmulo Jurídico das três penas parcelares mencionadas em J) e K). nos termos do artigo 77.° do Código Penal. condenar o arguido JJ na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

M)        Declarar perdido a favor do Estado, nos termos do artigo 109.º do Código Penal. o telemóvel da marca «S...» apreendido a fls. 78;

M)        Determinar a restituição ao demandante NN do telemóvel da marca «V...» apreendido a fls. 60 e do anel em ouro apreendido a fls. 63;

M)        Determinar a restituição ao arguido FF do telemóvel da marca «Z...» apreendido a fls. 57 e ao arguido AA do sintonizador TDT apreendido a fls. 68;

P)        Determinar que, após o trânsito em julgado do presente acórdão. nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 8º..n.ºs 1 e 2 e 18., n.º 3 da Lei n. ° 5/2008, de 12 de Fevereiro. e sem prejuízo do prévio cumprimento ao direito de informação nos termos do artigo 9.° do mesmo diploma legal. no caso de o ADN dos quatro arguidos ainda não constar na base de dados de perfis de ADN. se diligencie no sentido de se proceder à recolha de amostras tendo em vista a obtenção de perfil de ADN dos mesmos e a sua introdução na base de dados de perfis de ADN, conjuntamente com os seus dados pessoais. para efeitos de identificação criminal;

Q)        Condenar cada um dos quatro arguidos. no que se refere à parte criminal. em taxas de justiças que se fixam em 4 (quatro) UC' s e. bem assim. nas demais custas do processo - artigos 513.º. n.s 1 e 3 do Cód. Proc. Penal e 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais;

R)         Determinar que os arguidos AA. DD e JJ continuem a aguardar o trânsito em julgado do presente acórdão sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva;

5)        Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por NN e. consequentemente. condenar solidariamente os quatro demandados AA, DD, FF e JJ a pagarem-lhe:

5.1) A quantia global de € 1.197,90 (mil cento e noventa e sete euros e noventa cêntimos) a título de danos patrimoniais, sendo as quantias respeitantes ao anel em ouro (€ 358.00) e ao telemóvel da marca «V...» (€ 30.00) que se mantêm apreendidos nos autos e devem ser restituídos ao demandante dessa forma liquidadas em espécie, garantindo-se nessa parte a reconstituição natural; e

5.2) A quantia de € 6.000.00 (seis mil euros) a título de danos não patrimoniais;

T) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por MM e, consequentemente, condenar solidariamente os quatro demandados AA. DD. FF e JJ a pagarem ao demandante:

T.1) A quantia de € 300.00 (trezentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a data de notificação do pedido até efectivo e integral pagamento; e

T.2) A quantia de € 7.500.00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação deste acórdão até efectivo e integral pagamento;

U)         Condenar demandantes e demandados nas custas das partes cíveis, na proporção dos respectivos decaimentos - artigos 523.º do Cód. Proc. Penal e 527.°, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.


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Notifique, procedendo-se ao imediato depósito nos termos do artigo 372.°, n.º 5 do Cód. Proc. Penal.

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Após trânsito:

- Remeta boletins ao registo criminal;

- Solicite ao processo a cuja ordem o arguido FF

Montez ainda se encontre o oportuno ligamento do mesmo aos presentes autos para cumprimento da pena única de prisão que aqui lhe vai cominada; - Abra vista ao Ministério Público para efeitos de liquidação das penas ora cominadas aos arguidos; e

- Cumpra o determinado na alínea P) do segmento decisório supra.”


-

            Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal:

O arguido FF, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso:

“I - O presente recurso vai interposto do Douto Acórdão proferido pelo Colectivo do Tribunal «a quo», porquanto o arguido, ora recorrente, FF, entende que o mesmo enferma do ilegalidade, designadamente por violação do disposto no artigo 30° do Código Penal, designadamente na interpretação de fez, in casu, das regras de verificação de concurso entre os crimes de Roubo, p. e p. pelo artigo 210° e Sequestro, p. e p. pelo artigo 158°, ambos do Código Penal.

II - Com relevância para o objecto do presente recurso, o arguido, ora recorrente, FF, foi condenado ''pela prática em co-autoria material, e em concurso real, de dois crimes de roubo agravado. pp e pp, pelo artigo 21ºº n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204.º, nº 2, alíneaj), ambos do Código Penal, nas penas de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão cada um deles. "- Foi condenado ainda, "pela prática em co-autoria material, e em concurso real. de um crime de sequestro. p. e p. Pelo artigo 158~ n° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão."- [c/r. Douto Acórdão de 25/05/2014, IX -DECISÃO]

O sublinhado e negrito é nosso.

lII - Entendeu o Tribunal recorrido que, no caso concreto os arguidos praticaram um crime de sequestro em concurso real com um (dois dois) crimes de roubo que vieram condenados, designadamente, o crime de roubo praticado na pessoa do ofendido, NN, porquanto, entendeu o Tribunal recorrido que "... com relevo para a situação dos autos, o crime de sequestro é (ou apenas é) consumido pelo crime de roubo quando a privação da liberdade da vítima é a necessária para a execução deste último ".

IV - Com relevância para o obiecto do presente recurso, relativamente à questão de direito cuja decisão o arguido/recorrente pretende colocar em crise (CONCURSO DE CRIMES), releva a conclusão que o Tribunal «a quo» retira da matéria dada como provada (muito bem julgada, aliás, e relativamente a toda a matéria de facto, diga-se), ou seja, considerou o Tribunal que:

"Neste pressuposto, vejamos o que nos revelam os factos provados (maxime os constantes dos respectivos incisos 8 a 11 e 13): "

Que na posse do cartão e do código PIN do ofendido NN, o arguido AA foi à procura de um terminal de Multibanco, enquanto os restantes arguidos permaneceram no local, a vigiar o ofendido, já sem a ameaça da faca mencionada no facto provado em 5.

            Em seguida, o arguido AA procedeu, entre as 19h51 a as 20h24, aos levantamentos e pagamento a que se reportam os factos provados em 9 e 10, após o que regressou ao local onde o aguardavam os restantes arguidos. só então tendo os mesmos abandonado o local, libertando o ofendido quando eram cerca de 21hOO.

Com tal comportamento. os arguidos impediram NN de abandonar o local sem sua autorização. sendo para nós evidente que todo esse período em que o mesmo esteve privado da liberdade de movimento extravasa completamente o que seria necessário para a execução do roubo.

Nesta conformidade, e porque estão também inequivocamente preenchidos todos os sobreditos elementos objectivos e subjectivos do crime de sequestro, devem os arguidos serem também punidos, em concurso efectivo. pela prática deste último, tanto mais que ( .. .)" [cfr. Douto Acordão, III - ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL - (crime de sequestro)] O sublinhado e negrito é nosso.

V- Porém, e salvo o devido respeito, entende o arguido/recorrente que, com interesse para a boa decisão da causa no âmbito dos presentes autos, a matéria que releva para uma correta aplicação do direito e por conseguinte, para uma boa decisão da causa é mais abrangente, isto é, vai para além dos factos (incisos 8 a 11 e 13) a que o Tribunal recorrido dá especial ênfase.

Porquanto, estando em discussão a aplicação das regras de concurso de crimes, designadamente entre o crime de roubo e de sequestro, no caso concreto, entende o arguido/recorrente que, todos os factos conjugados constantes do incisos 5 a lI, 13, 38 e 39 (infra transcritos), relevam para a boa decisão da causa.


Vejamos,

5. «Acto contínuo. os arguidos, os arguidos AA, FF e JJ, que aguardavam naquele local pela chegada da arguida DD com o ofendido, munidos de uma faca tipo cozinha, com cerca de 20 em, abordaram NN, encostaram a faca ao pescoço deste e obrigaram-no a baixar a cabeça no banco da viatura que cobriram com um casaco, após o que revistaram a viatura e tudo o que ali se encontrava, apoderando-se dos seguintes bens, pertença do ofendido:

a)         e 20, 00 (vinte euros) em notas do banco central europeu;

b)         Um anel em ouro, avaliado em € 358,00 (trezentos e cinquenta e oito euros);

c)         Dois maços de tabaco, de valor unitário não concretamente apurado;

d)         Um par de óculos, no valor de € 50,00 (cento e cinquenta euros);

e)         Um telemóvel de marca "V..." com cartão SIM com número ..., avaliado em € 30,00 (trinta euros); e

f)          Um cartão de débito emitido velo banco "B..".»

6. «Na posse do cartão de débito, os arguidos ordenaram que o ofendido lhes facultasse o respectivo código PIN. tendo, para o efeito, referido que caso o código não fosse o verdadeiro. "o afiambravam".»

7.         «Por recear que os arguidos concretizassem tal ameaça, o ofendido acedeu a facultar o código PIH do referido cartão de crédito.))

8.         «Na posse desse cartão e do código PIH assim obtido. o arguido AA foi à procura de um terminal de Multibanco, enquanto os restantes arguidos permaneceram no local, a vigiar o ofendido. já sem a ameaça da referida faca.))

9.         «Dirigiu-se então o arguido AA a uma caixa ATM sita no Largo ..., em ..., onde, entre as 19:51h e as 19:52. efectuou dois levantamentos multibanco no valor de e 200,00 (duzentos euros) cada um.))

10. «Ainda na posse de tal cartão, o arguido AA dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustível sito na Av. …, em ..., onde, pelas 20:02h. abasteceu de combustível o seu automóvel, com o valor de €80, 00 (oitenta euros), após o que se dirigiu ao estabelecimento comercial denominado "..., S.A ", sito no centro comercial Continente de ..., onde, pelas 20:24h. adquiriu um telemóvel pelo preco de €159,90 usando oara o efeito o suora referido cartão de débito do ofendido.)

11 «Após ter procedido às transacções supra referidas com uso do cartão de débito do ofendido, o arguido AA regressou ao local onde o aguardavam os restantes arguidos. avós o que todos abandonaram o local, libertando o ofendido quando eram cerca de 21hO0.»)

13. «Com o comportamento descrito, pretenderam os arguidos apoderar-se. através do uso da força e de ameaças e com recurso à faca supra descrita, do dinheiro, telemóvel e objectos que se encontrassem na posse da vitima, mantendo-a aterrorizada e impedindo-a. ainda. de abandonar o local sem sua autorização apesar de bem saberem que os objectos e valores de que se apoderaram não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono.»

38.      «Com as supra descritas condutas dos arguidos/demandados, o ofendido NN sentiu medo e terror. chegando a temer pela sua vida.»

39.       «Confinado ao espaço do seu veículo automóvel, privado de qualquer liberdade de movimentos e sem possibilidade de fuga, o ofendido viu-se impedido de qualquer reacção, sendo incapaz de oferecer qualquer resistência» - Os sublinhados e o Negrito são nossos.

VI - Assim, salvo melhor opinião, face a toda pertinente factualidade provada (supra transcrita), e tendo o(s) arguido(s) sido condenado(s), com dolo directo pelo crime de roubo, não se justificaria a(s) condenação(ões) pela prática do crime de sequestro, porquanto este se consumou naquele.

VII - Conforme decorre da Doutrina e Jurisprudência unânimes, o crime de sequestro consuma-se no crime de roubo, quando o mesmo perdura apenas pelo tempo estritamente necessário à prática do crime de roubo., tendo o STJ, com geral uniformidade, firmado jurisprudência no sentido de que: "sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade"- cf. Ac. de 16-11-2006, Proc. n." 2546/06 -5. ~ e Comentário Conimbricense do Código Penal, l, págs.415-416. E, assim, "Sempre que tal privação se englobe num desígnio de roubo, apresentando-se proporcionada e necessária a limitação, a conduta do agente actualiza somente um crime de roubo" - cf. Ac. do STJ de 05-12-2007, Proc. n. o 3864/07 -3. a Secção.

VIII - E, como critério orientador a ter em consideração: "a perspectiva que nos deve nortear encontra-se na vontade que, em concreto, animou o agente do crime, i.e. no desígnio criminoso" - cf. Ac. TRC de 11-03-2009, Proc. 520/06.3JALRA.Cl (disponível em – www.dgsi.pt)

IX - Ora, in casu, a intenção provada, em audiência de discussão e julgamento, does) arguido(s) era a de subtrair( em) ao ofendido os seus bens pessoais, e as quantias monetárias e até outras vantagens patrimoniais através de levantamentos de dinheiro e pagamento de compras (combustível e telemóveis), através do cartão de multibanco do ofendido, NN, ou seja, os arguidos, para além dos objectos previamente retirados ao ofendido, pretendiam dinheiro - todo o dinheiro que o ofendido (a vítima) tivesse consigo e pudessem obter a curto prazo, e também meios de pagamento que permitissem a obtenção de dinheiro e/ou outros bens no futuro próximo - mesmo que para tanto fosse necessário manietar e, em geral, privar da liberdade o ofendido, como de facto sucedeu.

X - Para o efeito, importa pois, realçar a seguinte factualidade que ficou inequivocamente provada: Os arguidos abordaram NN, encostaram a faca ao pescoço deste ~ obrigaram-no a baixar a cabeça no banco da viatura que cobriram com um casaco, após o que revistaram a viatura e tudo o que ali se encontrava, apoderando-se entre outros bens, de um cartão de débito emitido pelo banco "b…", pertença do ofendido.

Em seguida, já na posse do cm1ão de débito, os arguidos ordenaram que o ofendido lhes facultasse o respectivo código PIN, tendo, para o efeito, referido que caso o código não fosse o verdadeiro. "o afiambravam". pelo que, e "por recear que os arguidos concretizassem tal ameaça. o ofendido acedeu a facultar o código PIN do referido cartão de crédito."

E, "na posse desse cartão e do código PIN assim obtido", ou seja, sempre sob ameaça dos restantes arguidos, "o arguido AA foi à procura de um terminal de Multibanco, enquanto os restantes arguidos permaneceram no local, a vigiar o ofendido, já sem a ameaça da referida faca". Ora, não obstante, os arguidos terem deixado de usar a "referida faca" como ameaça, a verdade é que, o ofendido permanecia vigiado, com a cabeça para baixo, tapada com um casaco e sempre sob ameaça de violência, caso o código PIN não fosse o verdadeiro, e por conseguinte, "confinado ao espaço do seu veiculo automóvel, privado de qualquer liberdade de movimentos e sem possibilidade de fuga, impedido de qualquer reacção, sendo incapaz de oferecer qualquer resistência".

Mais, face às " supra descritas condutas dos arguidos/demandados, o ofendido NN sentiu medo e terror, chegando a temer pela sua vida"

XI - Ora, foi neste contexto, que os demais arguidos, entre os quais o ora recorrente, permaneceram a vigiar o ofendido, por forma a garantir a continuação até concretizacão integral e com sucesso (na perspectiva dos arguidos), da apropriação do dinheiro (levantamentos) na caixa Multibanco, e demais actos subsequentes praticados pelo arguido AA, abastecimento de combustível e aquisição de bens (telemóvel), usando para o efeito o referido cartão de débito do ofendido.

Assim, e para que tal desiderato pudesse ser efectivamente "bem sucedido", sempre do ponto de vista da intenção dos arguidos, necessário seria manter como seu "refém"o ofendido, a fim de lhes permitir (aos arguidos) confirmar que o PIN seria o verdadeiro, para concretização do seu "plano", designadamente através da conduta supra descrita do arguido AA, único arguido que possuía veículo, e por conseguinte, aquele que podia realizar as deslocações necessárias para os efeitos, por todos pretendidos.

XII - Sendo certo que, após concluírem que tinham obtido os seus intentos, isto é, após o regresso do arguido AA, e só a partir desse momento, os arguidos não mais necessitavam de manter o ofendido privado da liberdade, pelo que, "após ter procedido às transacções supra referidas com uso do cartão de débito do ofendido, o arguido AA regressou ao local onde o aguardavam os restantes arguidos, após o que todos abandonaram o local, libertando o ofendido quando eram cerca de 21hOO. " Ou seja, alcançados os seus intentos, os arguidos "restituíram” o ofendido à sua liberdade ambulatória, pelo que o crime de sequestro se consumou no crime de roubo.

XIII - De facto, decorre claramente os factos provados, que os arguidos assim que viram consumado de forma plena o seu propósito (na sua perspectiva) isto é, a apropriação de todos os bens do ofendido que entenderam fazer seus (através do ROUBO), restituiram o ofendido, NN, à liberdade, sendo certo que, tal concretização (do ROUBO), apenas poderia ocorrer, na perspectiva dos arguidos, a que releva para o caso, quando o arguido AA Lavareda regressou para o local onde se encontravam os demais arguidos, a vigiar, exercendo violência (privação da liberdade, com ameaças) sobre o ofendido, NN. E, logo após tal circunstância, o ofendido, NN, foi de imediato restituido à liberdade pelos arguidos, de onde decorre também que, outra não era a sua intenção, para além de "garantir" a integral execução e consumação do crime de ROUBO.

XIV - Constata-se pois, que as circunstâncias supra descritas, são em tudo semelhantes às descritas no supra referido Ac. do TRC de 11-03-2009, Proc. 520/06.3JALRA.Cl, no qual se concluiu, bem, na nossa perspectiva, e na parte que importa ao presente recurso, pela absolvição dos arguidos quanto ao crime de sequestro, porque consumido pelo crime de roubo.

XV- Assim, entende o arguido/recorrente que, o Colectivo de Juízes a quo, terão feito uma errónea aplicação do Direito aos factos (provados), bem assim como, em consequência, uma errónea interpretação, quanto à aplicação do artigo 158º do C. Penal ao caso concreto.

XVI - Pelo exposto, deve o arguido/recorrente ser Absolvido do crime de Sequestro em que foi condenado pelo Tribunal recorrido.

Termos em que e nos mais de Direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via dele, deve ser revogado o douto Acórdão recorrido e, em consequência, o recorrente ser absolvido do crime de sequestro em que foi condenado, com as legais consequências, designadamente em termos de determinação da medida concreta da pena (cúmulo) aplicável.

Assim se respeitará a Lei e o Direito e fará a costumada e serena JUSTIÇA! “


-

A arguida DD que apresenta as seguintes conclusões na respectiva motivação de recurso:

“1ª- Atenta a factualidade considerada, foi violado o disposto no artigo 71º do Código Penal, abstendo-se o Tribunal a quo de tecer considerações que fundamentassem a sua decisão, traduzindo-se a pena aplicada à arguida, ora recorrente, numa pena demasiado severa e excessiva.

2ª- No caso concreto, nem a culpa da arguida, nem as exigências de prevenção, atenta a factualidade provada, indicam a necessidade de aplicação de uma pena de prisão efectiva de seis anos e seis meses.

3ª- Considerando os factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática do crime, a ausência de quaisquer alusões ou considerações quer aos sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram, quer sobre a conduta posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares, deverão pender a favor da arguida, seja por aplicação do princípio geral "in dubio pro reo", seja pela falta de fundamentos para penalizar a arguida.

4ª- Tal como não foi devidamente fundamentada, na perspectiva da defesa, a culpa da arguida, também foram assim descuradas, na determinação das exigências de prevenção, as exigências de prevenção especial.

5ª- Na altura da prática dos factos, a arguida não havia sofrido qualquer condenação transitada em julgado, o que não foi devidamente tido em conta a favor da arguida pelo Tribunal a quo.

5ª- As penas parcelares impostas à ora recorrente são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos.

           6ª- A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

7ª- Foi, assim, violado o artigo 71º do Código Penal.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


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 O arguido AA, que formula as seguintes conclusões na motivação de recurso:

“1º

No douto acórdão recorrido, salvo o devido respeito que nos merece, não poderia o arguido ser condenado pela práctica do crime de sequestro.

Efectivamente, não se verifica concurso efectivo ou real entre os crimes de roubo e de sequestro, quando a privação da liberdade da víctima não ultrapassa o tempo estrictamente necessário, para a apropriação dos seus bens.

Com efeito, tem havido alguma unanimidade doutrinal e jurisprudencial na conclusão que não existe concurso real dos crimes de roubo e sequestro, se o ofendido embora retido, foi logo libertado após os arguidos se terem efectivamente apoderado dos seus pertences.

Da factualidade dada como provada no douto acórdão ora recorrido, decorre à evidência que os arguidos apenas pretendiam roubar a víctima, tendo esta ficado retida pelo tempo estrictamente necessário para que um dos arguidos se deslocasse às caixas automáticas Multibanco para fazer levantamentos em dinheiro e proceder à compra de bens com o cartão multibanco da víctima nas superfícies comerciais.

Sendo certo que após atingidos aqueles objectivos a aquela foi logo libertada.

Para que se consume o sequestro é condição essencial que exista uma perduração no tempo daquele impedimento de locomoção.

No caso em apreço a privação da liberdade foi um meio utilizado e necessário à consumação do crime de roubo.

Efectivamente, dispõe o art° 30°, nº 1 do CP que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

9°          

No entanto, existem situações nas quais aquela presunção pode ser elidida porque os elementos da ilicitude típica que se manifestam na conduta do agente, no seu comportamento global, se conexionam de tal forma, que se deve concluir que o comportamento do agente é motivado apenas por um único sentido de desvalor jurídico-social, que seria desadequado incluir tais situações na previsão do art° 77° do CP.

10°

Quanto ao crime de roubo reconhece-se a existência de uma pluralidade de ilícitos puramente instrumentais, os quais na maioria das vezes estão numa relação, não de concurso real, mas de concurso aparente com este crime. Podendo-se falar de um "crime-meio" e de um "crime-fim".

11°

Esta relação de instrumentalidade entre o crime de roubo e o crime de sequestro verifica-se quando um ilícito surge, perante o ilícito principal, apenas e exclusivamente como meio de o realizar, sendo que esta realização esgota os seus efeitos. 

12°

Nestas circunstâncias estamos perante um concurso aparente e prevalece o crime dominante, ou seja o crime de roubo.

13°

O crime de sequestro é, pois, o exemplo perfeito de um crime, no qual se tutela o bem jurídico da liberdade de locomoção, sendo que a privação dessa liberdade é uma das possibilidades de execução do crime de roubo.

14°      

Quando assim é, quando a subtracção dos bens da coisa móvel é precedida ou contemporânea da privação da liberdade ambulatória, como é o caso nos presentes autos, o critério reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência para discernir entre as situações de concurso real e de concurso aparente passa pela vontade que, em concreto, animou o agente do crime.

15°

No presente caso, o domínio e a submissão que os arguidos impuseram à victima, bem como a privação da liberdade de locomoção não ultrapassou a fronteira da instrumental idade.

16°

Assim sendo, deve concluir-se que o desvalor do crime de sequestro encontra-se, todo ele, contido no crime dominante, o crime de roubo.

17°

O crime de sequestro funcionou como parte fundamental, desprovido de autonomia, para a execução do crime de roubo.

18°

A única coisa que os arguidos queriam era o dinheiro da victima, incluindo aquele que pudessem obter, a curto prazo, através da utilização dos cartões de pagamento, vulgo Multibanco, sendo para isso necessário reter e privar o ofendido da sua liberdade ambulatória.

19°

Verifica-se claramente que da descrição dos factos provados, o sequestro terminou no exacto momento em que o arguido, ora recorrente regressou com o dinheiro levantado nas caixas automáticas com o cartão de débito do ofendido.

20°

O que significa que a partir daquele momento aquele deixou de sofrer constrangimento físico.

21°

Nos casos em que um crime se apresenta como meio de realização típica de outro crime, a solução passa por reconhecer que não existe concurso real, somente existe concurso aparente e prevalece o crime dominante, o crime-fim.

Deve, pois, o acórdão recorrido ser revogado, com as legais consequências, concluindo-se pela inexistência de concurso real entre os crimes de roubo e o crime de sequestro, absolvendo-se o arguido ora recorrente do crime de sequestro

para que se faça a costumada

JUSTIÇA “


-


Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público às motivações dos recursos, concluindo:

No recurso interposto por FF::

a) O douto acórdão estará arredado dos reparos e censuras que lhe são anotados;

b) De igual modo, e designadamente, o direito mostrar-se-á bem aplicado;

c) Na esteira do entendido no douto acórdão, estará afastado qualquer concurso aparente, ocorrendo, ao invés, concurso real/efectivo quanto aos crimes em causa (crime de roubo e de sequestro), permanecendo autónomos quanto à sua execução;

d) Atento iter percorrido pelos arguidos e as circunstâncias em que ocorreram os factos, estes não precisavam, para a consumação do crime de roubo, de terem retirado a liberdade, nos termos e amplitude em que o fizeram, de locomoção à vítima;

e) A vítima esteve privada da sua liberdade de locomoção por mais de uma hora, sendo certo que tal privação de liberdade não era necessária para a consumação do crime de roubo;

f) O domínio de representação e do processo de motivação dos co-arguidos tem subjacente um novo juízo (independente e autónomo) de censura em que se estrutura a culpa, sendo assistidos por um novo e diferente desígnio criminoso;

g) As penas, quer parcelares, quer única, encontrar-se-ão no seu ponto óptimo de equilíbrio;

h) No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito;

i) Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.

Porém, Vossas Excelências, como sempre, farão melhor justiça e aplícarão melhor direito.

No recurso interposto pela arguida DD:

a) O presente recurso, visando e incidindo apenas sobre matéria de direito (medida da pena), a matéria de facto ter-se-á por adquirida e devidamente assente, sendo certo que não se vislumbrará qualquer vício de conhecimento oficioso (ex officio);

b) Os crimes imputados, em co-autoria, à arguida são graves e causam elevado alarme e insegurança na comunidade jurídica, impondo, designadamente, ao nível da prevenção geral, uma actuação firme por parte do tribunal;

c) Esta, tendo já sofrido duas anteriores condenações, uma por crime de receptação e outra por crime de roubo, ambos praticados em Outubro de 2010, embora transitadas em julgado após a prática dos factos objectos dos presentes autos, revela ser insensível às reacções criminais;

d) Se uma pena superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constituirá um desperdício;

e) Atendendo a todas as circunstâncias conhecidas que depõem a favor e contra a recorrente, as penas arbitradas (quer parcelares, quer única), encontrar-se-ão no seu ponto óptimo de equilíbrio;

f) No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito;

g) Ex positis, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.

Porém, Vossas Excelências, como sempre, farão melhor justiça e aplicarão melhor direito.

No recurso interposto pelo arguido AA:

a) O douto acórdão estará arredado dos reparos e censuras que lhe são anotados;

b) Como, ao mesmo tempo, se mostrará bem fundamentado e a prova bem analisada criticamente;

c) De igual modo e designadamente, o direito mostrar-se bem aplicado;

d) Na esteira do entendido no douto acórdão, estará afastado qualquer concurso aparente, ocorrendo, ao invés, concurso real I efectivo quanto aos crimes em causa"(crimc' de roubo e de sequestro), permanecendo autónomos quanto à sua execuçao;

e) Atento o iter percorrido pelos arguidos e as circunstâncias em que ocorreram os factos, estes não precisavam, para a consumação do crime de roubo, de terem retirado a liberdade, nos termos e amplitude em que o fizeram, de locomoção à vítima;,;

f) As penas encontradas, quer parcelares, quer única, encontrar-se-ão em patamar adequado e conformes aos fins que visam colimar, quer sejam de natureza geral, quer sejam de natureza especial.

g) No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito;

h) Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.

Porém, Vossas Excelências, como sempre, farão melhor justiça e aplicarão melhor direito.


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Neste Supremo, a Dig.ma Magistrada do Ministério Público pronunciou-se nos termos constantes de fls. dos autos., concordando com o Ministério Público na 1ª instãncia.

-


           Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais em simultâneo.

-

            Consta do acórdão recorrido:

            “II - FUNDAMENTAÇÃO:

            II.1 - Os factos:

           

II.1.1 - Produzida a prova e discutida a causa, resultaram PROVADOS os seguintes factos:

- Dos factos descritos nas acusações (do Ministério Público e do assistente MM):

1. Os arguidos FF, DD, AA e JJ delinearam um plano segundo o qual, para se apoderarem de bens ou valores pertencentes a terceiros, estabeleceriam contacto com potenciais vítimas, previamente seleccionadas através de anúncios de cariz sexual publicados em revistas, com o objectivo de marcar encontro com as mesmas e, uma vez conseguido tal desiderato, serem surpreendidas com a presença dos quatro (4) arguidos, os quais, mediante o uso de armas brancas, as intimidariam, desta forma logrando tal apropriação.

2. Em execução de tal plano e na sequência de anúncio que o ofendido NN fez publicar na revista “A…” onde anunciava, sob o título “À procura do amor”, que um indivíduo desejava encontrar-se com uma mulher, os arguidos decidiram, através de mensagens, comunicar com o ofendido NN, marcando encontro entre este e a arguida DD para o dia 18 de Maio de 2013, pelas 19H30, junto da Praça de Toiros de ....

3. Assim, naquele dia 18 de Maio de 2013, cerca das 19H30, o ofendido NN enviou uma mensagem à arguida DD comunicando-lhe que já se encontrava junto à Praça de Toiros, imediatamente após o que foi contactado telefonicamente por aquela para se encontrarem na rotunda do Jumbo, em ..., ao que o ofendido acedeu.

4. De seguida, e depois de ter apanhado a DD junto à referida rotunda, o ofendido, seguindo as indicações dadas por aquela, encaminhou-se para a zona do parque de estacionamento deste complexo comercial e daqui para uma estrada de terra batida, onde estacionou o seu veículo automóvel.

5. Acto contínuo, os arguidos AA, FF e JJ, que aguardavam naquele local pela chegada da arguida DD com o ofendido, munidos de uma faca tipo cozinha, com cerca de 20 cm, abordaram NN, encostaram a faca ao pescoço deste e obrigaram-no a baixar a cabeça no banco da viatura que cobriram com um casaco, após o que revistaram a viatura e tudo o que aí se encontrava, apoderando-se dos seguintes bens, pertença do ofendido:
a) € 20,00 (vinte euros) em notas do banco central europeu;
b) Um anel em ouro, avaliado em € 358,00 (trezentos e cinquenta e oito euros);
c) Dois maços de tabaco, de valor unitário não concretamente apurado;
d) Um par de óculos, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros);
e) Um telemóvel de marca “V...“ com o cartão SIM com número ..., avaliado em € 30,00 (trinta euros); e
f) Um cartão de débito emitido pelo banco “B...”.

6. Na posse do cartão de débito, os arguidos ordenaram que o ofendido lhes facultasse o respectivo código PIN, tendo, para o efeito, referido que, caso o código não fosse o verdadeiro, o “afiambravam”.

7. Por recear que os arguidos concretizassem tal ameaça, o ofendido acedeu a facultar o código PIN do referido cartão de débito.

8. Na posse desse cartão e do código PIN assim obtido, o arguido AA foi à procura de um terminal de Multibanco, enquanto os restantes arguidos permaneceram no local, a vigiar o ofendido, já sem a ameaça da referida faca.

9. Dirigiu-se então o arguido AA a uma caixa ATM sita no Largo ..., em ..., onde, entre as 19:51h e as 19:52h, efectuou dois levantamentos multibanco no valor de € 200,00 (duzentos euros) cada um.

10. Ainda na posse de tal cartão, o arguido AA Lavareda dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustível sito na Av. …, em ..., onde, pelas 20:02h, abasteceu de combustível o seu automóvel, com o valor de € 80,00 (oitenta euros), após o que se dirigiu ao estabelecimento comercial denominado “..., S.A.”, sito no centro comercial Continente de ..., onde, pelas 20:24h, adquiriu um telemóvel pelo preço de € 159,90 (cento e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), usando para o efeito o supra referido cartão de débito do ofendido.

11. Após ter procedido às transacções supra referidas com uso do cartão de débito do ofendido, o arguido AA regressou ao local onde o aguardavam os restantes arguidos, após o que todos abandonaram o local, libertando o ofendido quando eram cerca de 21h00.

12. Quiseram e conseguiram os arguidos intimidar o ofendido NN, utilizando para o efeito uma faca tipo cozinha, com cerca de 20 cm, cujas demais concretas características não foram apuradas, pondo-o dessa forma na impossibilidade de resistir, o que conseguiram.

13. Com o comportamento descrito, pretenderam os arguidos apoderar-se, através do uso da força e de ameaças e com recurso à faca supra descrita, do dinheiro, telemóvel e objectos que se encontrassem na posse da vítima, mantendo-a aterrorizada e impedindo-a, ainda, de abandonar o local sem sua autorização, apesar de bem saberem que os objectos e valores de que se apoderaram não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono.

14. Agiram os arguidos de comum acordo e em conjugação de esforços.

15. Agiram ainda os arguidos livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei.

16. Em data não concretamente apurada, através de uma rede social, o arguido FF estabeleceu contacto com o ofendido MM, tendo-se ambos encontrado, também em data não concretamente apurada, em casa deste último.

17. Mais tarde, e ainda na sequência de tais contactos, em data e hora não concretamente apuradas e em execução do plano previamente traçado com os demais arguidos, o arguido FF contactou telefonicamente o ofendido perguntando-lhe se estava na disposição de se encontrar de novo consigo e, assim, poderem conversar melhor.

18. O ofendido acedeu a tal proposta, combinando com o arguido FF o encontro para o dia 13 de Maio de 2013, pelas 22h00, na sua residência sita na Av. …, …, sótão direito, em ....

19. Assim, em hora não concretamente apurada mas situada entre as 22:00h e as 00:00 desse dia 13 de Maio de 2013, os arguidos dirigiram-se à residência de MM.

20. Uma vez aí chegados, o arguido FF, acompanhado do arguido AA, bateu à porta do ofendido, desta forma logrando o acesso ao interior da residência.

21. Uma vez no interior da referida residência, o arguido AA empunhou uma faca de características não concretamente apuradas, com cerca de 15 a 20 cm de comprimento, direccionando-a ao pescoço do ofendido, que caiu para o sofá e, ao tentar defender-se, tocou com a mão esquerda na referida faca, provocando dessa forma um corte no respectivo dedo mindinho, ao mesmo tempo que o arguido AA proferia a seguinte expressão: “Vais ficar quietinho, caladinho e vais fazer o que nós queremos”.

22. Enquanto o arguido AA se encarregava de imobilizar o ofendido mediante o uso da referida faca, volvidos cerca de 3 a 4 minutos o arguido FF abriu a porta para permitir a entrada da arguida DD e do arguido JJ.

23. Com os quatro arguidos no interior da residência, estes começaram a perguntar ao ofendido pela sua carteira, tendo percorrido todas as divisões com o intuito de a localizarem, ao mesmo tempo que iam retirando vários objectos pertença do ofendido.

24. Como não encontrassem a carteira do ofendido nos locais por este indicados, o arguido AA, continuando a apontar-lhe a faca, desferiu um pontapé no peito e outro nas pernas daquele, ao mesmo tempo que o intimava a dar a carteira dizendo-lhe que caso contrario ficaria “todo rebentado”.

25. O assistente, desesperado, deu então a chave do seu veículo de matrícula 97-17-SH, da marca «Peugeot», modelo «…» para que verificassem se a sua carteira lá se encontrava.

26. Nessa sequência, os arguidos FF e DD foram até ao veículo automóvel do assistente, enquanto este continuava sentado no sofá imobilizado pelo arguido AA, que empunhava a sobredita faca junto ao seu pescoço.

27. Quando terminaram a revista ao veículo automóvel do ofendido, os arguidos FF e DD subiram novamente para casa deste.

28. Enquanto estava imobilizado, o ofendido continuou a ouvir da parte dos arguidos/demandados que iria apanhar mais e que o rebentavam todo se não lhes dissesse onde estava a carteira.

29. Entretanto, os arguidos levaram o ofendido para o quarto, passando aí o arguido JJ a imobilizá-lo, empunhando a já referida faca junto ao seu pescoço, enquanto os outros três arguidos remexiam a casa à procura de mais objectos e da carteira do ofendido.

30. Após remexerem em todas as divisões da residência e convencidos da bondade do argumento do ofendido ao referir que, possivelmente, teria deixado a carteira no café por esquecimento, os arguidos abandonaram o local, levando consigo os seguintes objectos:

a) Uma máquina de filmar digital marca Samsung Miniket de valor não concretamente apurado;

b) Um computador portátil marca HP no valor de cerca de cerca de € 1.000,00 (mil euros);

c) Dois telemóveis, um de marca Huawei Ideos X3 e o outro de marca Nokia 2630, no valor de € 60,00 (sessenta euros) cada um;

d) Uma pulseira marca Mont Blanc no valor de, pelo menos, € 400,00 (quatrocentos euros);

e) Um perfume marca Encre Noir no valor de cerca de € 60,00 (sessenta euros);

f) Um Ipod, marca Sony, no valor de cerca de € 300,00 (trezentos euros); e

g) A quantia de € 300,00 (trezentos euros) em notas do banco central europeu.

31. Quiseram e conseguiram os arguidos intimidar o ofendido MM, utilizando para o efeito a aludida faca de características não concretamente apuradas, com cerca de 15 a 20 cm de comprimento, pondo-o, dessa forma, na impossibilidade de resistir, o que conseguiram.

32. Em decorrência da descrita conduta dos arguidos, MM sofreu dores físicas e incómodos nas zonas do corpo atingidas, bem como cicatriz de ferida incisa na base da 1ª falange do 5º dedo da mãe esquerda com 0,7 cm, o que lhe determinou sete dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho.

33. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de ofender o corpo e a saúde de MM.

34. Ao actuar da forma descrita os arguidos previram e quiseram molestar fisicamente o ofendido, o que conseguiram.

35. Sabiam os arguidos que os artigos e dinheiro retirados ao ofendido MM não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono.

36. Agiram os arguidos de comum acordo e em conjugação de esforços.

37. Agiram ainda os arguidos livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei.

- Dos factos descritos no pedido de indemnização civil deduzido por NN e não constantes da acusação:

38. Com as supra descritas condutas dos arguidos/demandados, o ofendido NN sentiu medo e terror, chegando a temer pela sua vida.

39. Confinado ao espaço do seu veículo automóvel, privado de qualquer liberdade de movimento e sem possibilidade de fuga, o ofendido viu-se impedido de qualquer reacção, sendo incapaz de oferecer qualquer resistência.

40. Em consequência das mesmas condutas dos arguidos/demandados, o ofendido passou cerca de uma semana com dificuldades em dormir e sem conseguir ir trabalhar.

41. Para além disso, já despendeu com honorários de advogados a quantia de € 500,00 (quinhentos euros).

- Dos factos descritos no pedido de indemnização civil deduzido por MM e não constantes da acusação:

42. Com as supra descritas condutas dos arguidos/demandados, o ofendido MM sentiu um profundo terror, medo, insegurança e receio pela sua integridade física e pela sua própria vida.

43. Sentiu-se ainda vexado, humilhado e profundamente angustiado e desgostoso.

44. Em virtude e após os factos praticados pelos arguidos/demandados, o ofendido, por ter ficado apoderado pelo sentimento de medo e insegurança, nunca mais conseguiu habitar na residência supra identificada, tendo nessa mesma noite pernoitado no hotel situado junto àquela.

45. Inclusivamente, o ofendido nunca mais conseguiu permanecer em tal residência para além do tempo estritamente necessário para recolher os seus pertences pessoais e sempre acompanhado por terceiro, pois sozinho não tinha coragem de lá entrar.

46. Nessa sequência, viu-se na contingência de arrendar uma outra casa, pagando uma renda mensal no valor de € 300,00 (trezentos euros), custo que anteriormente não suportava.

47. Ainda como consequência das condutas dos arguidos/demandados, o ofendido continua ainda hoje profundamente afectado, pois inúmeras vezes se recorda dos momentos de terror que viveu e volta a sentir o medo, receio, angústia e profundo desgosto.

48. O ofendido veio a recuperar todos os bens móveis acima descritos que lhe foram subtraídos, ficando apenas por ser ressarcido da quantia de € 300,00 (trezentos euros) em notas do banco central europeu que lhe foi de igual modo retirada.

- Dos antecedentes criminais do arguido AA:

49. O arguido AA foi já anteriormente condenado:

           a) Em 22-11-2006, por acórdão transitado em julgado em 07-12-2006, proferido no âmbito do Processo n.º 612/03.0PBSTR, do 1.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 15-06-2003, de um crime de roubo, na pena de 90 dias de prisão, substituída por 90 dias de multa; e

           b) Em 20-03-2007, por sentença transitada em julgado em 13-04-2007, proferida no âmbito do Processo n.º 30/07.1PTSTR, do 2.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 24-02-2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa.

- Dos factos inerentes à personalidade e situação pessoal, familiar e social do arguido AA:

50. O arguido AA foi institucionalizado com cerca de 6 anos de idade na Instituição de Acolhimento Casa dos Rapazes, em ..., por dificuldades, por parte das figuras parentais, em garantir de forma adequada os cuidados e educação do arguido e restantes irmãos.

51. A problemática alcoólica, essencialmente por parte da mãe, seria transversal aos vários elementos da família alargada, apresentando-se o agregado com dinâmica pouco funcional, com fracas vinculações afectivas e falhas nas competências e supervisão parentais.

52. O arguido manteve-se internado na referida instituição até cerca dos 15 anos de idade, altura em que reintegrou o agregado familiar da avó materna, onde residiam também a mãe e os tios.

53. Durante o tempo em que permaneceu na instituição, o arguido manteve o contacto e convívio regular com o agregado familiar da mãe e concluiu o 6.º ano de escolaridade.

54. Já quando a residir no sobredito agregado, o arguido frequentou ainda um curso profissional da área da informática, tendo todavia nessa altura começado a revelar instabilidade comportamental, com associação a grupos de pares conotados com condutas marginais que implicaram o seu contacto com o sistema de justiça de menores, tendo cumprido uma medida tutelar de internamento em regime fechado em centro educativo durante 10 meses, saindo com 18 anos de idade.

55. Posteriormente, o arguido ainda viveu com a mãe no Algarve durante algum tempo até integrar o agregado de uma irmã mais velha, a qual, com cerca de 23 anos de idade, acompanhou na sua emigração para França, onde viveu até ao Natal de 2012, altura em que regressou a Portugal por um período de tempo que seria temporário.

56. Em termos laborais, o arguido desenvolveu actividades como operador de armazém numa empresa cervejeira, sendo que em França trabalhou ainda como servente de pedreiro na construção civil.

57. No período que antecedeu a sua sujeição a prisão preventiva no âmbito dos presentes autos, o arguido vivia no agregado familiar da avó e da mãe, onde residia também um tio, o aqui co-arguido JJ.

58. Encontrava-se laboralmente inactivo, não tendo recursos socioeconómicos próprios, estando a projectar regressar a França.

59. O agregado familiar onde se inseria evidenciava dificuldades socioeconómicas e uma dinâmica pouco funcional.

60. Em termos de sociabilidade e tempos livres, o arguido realizava uma vida ociosa e pouco estruturada, em convívio com indivíduos e alguns familiares também com vivências pouco funcionais.

61. Em termos futuros pretende reestruturar a sua vida em França, onde mais facilmente obterá integração laboral, reintegrando o agregado da irmã aí residente.

62. Ao nível pessoal o arguido revela imaturidade nas aprendizagens e experiências formativas/laborais adquiridas, permeabilidade a influências externas perniciosas e dificuldades na resolução de problemas e antecipação de consequências.

63. Apesar de se rever em determinadas circunstâncias objecto dos presentes autos, o arguido apresenta uma atitude desculpabilizante, contextualizando as mesmas numa situação pontual de convívio e de permeabilidade a influências nefastas externas.

64. Revela percepção da gravidade e das consequências danosas dos factos objecto dos autos.

    

- Dos antecedentes criminais da arguida DD:

65. A arguida DD foi já anteriormente condenada:

a) Em 02-05-2012, por sentença transitada em julgado em 10-09-2013, proferida no âmbito do Processo n.º 443/10.1GCSTR, do 1.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em Outubro de 2010, de um crime de receptação, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, com sujeição a regime de prova; e

b) Em 20-07-2012, por acórdão transitado em julgado em 24-09-2013, proferido no âmbito do Processo n.º 925/10.5PBSTR, do 1.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 11-10-2010, de um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período.

- Dos factos inerentes à personalidade e situação pessoal, familiar e social da arguida DD:

66. O processo de socialização da arguida DD decorreu junto dos avós, uma vez que os pais apresentavam quadro de dependência de consumo de estupefacientes e não tinham condições para assumir as responsabilidades parentais com a descendente.

67. O casal teve mais uma filha, decorrido cerca de um ano, que foi encaminhada para a adopção.

68. DD não desenvolveu relações de proximidade com a mãe, que actualmente apresenta problemas de alcoolismo, nem com os irmãos uterinos, tendo sido muito exíguo ou praticamente inexistente o contacto entre os mesmos ao longo da sua vida.

69. Com o pai, que faleceu há cerca de um ano, mantinha ocasionalmente algum contacto.

70. Nessas circunstâncias, os avós assumiram as responsabilidades parentais, assegurando-lhe condições sociais, económicas e afectivas necessárias ao seu desenvolvimento.

71. Teve um percurso escolar regular durante o 1.º ciclo do ensino básico, tendo apresentado problemas de adesão à escola e cinco retenções no 2.º ciclo, na sequência de um elevado absentismo.

72. Frequentou dois cursos de formação profissional, que abandonou sem alternativas de ocupação.

73. A partir dos 14 anos de idade, DD centrou os seus interesses na relação com o namorado e com o grupo de pares, vivendo um quotidiano isento de responsabilidades, sem objectivos ou projectos de vida estruturados, tendo mesmo abandonado a casa da avó por algum tempo para viver em Lisboa com amigos, sem ter condições de acolhimento ou subsistência asseguradas.

74. Após ter regressado a ... manteve o mesmo estilo de vida, registando um contacto com o sistema de justiça ainda enquanto menor.

75. Esteve sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica no âmbito do Processo n.º 1148/10.9TASTR entre 07-12-2011 e 03-03-2012, sendo que no decurso da medida registou dificuldades de confinamento à habitação, ausentando-se de casa da avó em período de restrição, tendo dado entrada no Estabelecimento Prisional de Tires em 12-03-2012, em prisão preventiva à ordem dos referidos autos, nos quais viria a ser absolvida, sendo então restituída à liberdade em Agosto de 2012. 

76. Regressou então ao agregado da avó, sendo que apesar dos laços de dependência afectiva e económica que a ligavam àquela, prosseguia um modo de vida instável, mantendo-se desocupada e sem objectivos de vida planeados, privilegiando a interacção com o grupo de amigos e alguns elementos da família de quem entretanto se terá aproximado.

77. A arguida ausentou-se então para casa da mãe, na sequência da reaproximação ao irmão, o aqui co-arguido AA, que tinha entretanto regressado também a casa da progenitora, de cujo agregado faziam ainda parte o companheiro desta e o co-arguido JJ, tio da arguida.

78. A família não dispunha de fontes estáveis de rendimento, mantendo-se a mãe da arguida inactiva, dependente do consumo de álcool, estando também os demais elementos do agregado desocupados.

79. No decurso da actual situação de prisão preventiva, a arguida tem mantido comportamento adequado às normas, encontrando-se a frequentar os 7.º, 8.º e 9.º anos de escolaridade.

80. No plano de reinserção social, aponta perspectivas de reintegrar o agregado dos avós, que constituem o seu esteio do ponto de vista familiar e social.

81. No entanto, embora se mostrem disponíveis para a apoiar, os avós manifestam dificuldade de supervisão e controle dos comportamentos da arguida e de a estimularem à mudança.

82. A arguida apresenta-se muito apreensiva face ao desfecho do presente processo, receando que o desenlace do mesmo lhe possa ser desfavorável.

- Dos antecedentes criminais do arguido FF:

83. O arguido FF foi já anteriormente condenado:

a) Em 02-05-2012, por sentença transitada em julgado em 10-09-2013, proferida no âmbito do Processo n.º 443/10.1GCSTR, do 1.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 07-10-2010, de um crime de roubo, na pena de 4 anos de prisão; e

b) Em 20-07-2012, por acórdão transitado em julgado em 24-09-2013, proferido no âmbito do Processo n.º 925/10.5PBSTR, do 1.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 11-10-2010, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.

- Dos factos inerentes à personalidade e situação pessoal, familiar e social do arguido FF:

84. O desenvolvimento do arguido FF decorreu num contexto familiar adverso, caracterizado pelos conflitos entre os pais e pelo fraco investimento afectivo e educativo por parte destes, com falhas na transmissão de regras intra-familiares.

85. Na sequência da separação dos pais, quando o arguido contava cerca de 11 anos de idade, ficou a residir com o pai na região de Rio Maior, tendo posteriormente passado a residir com a mãe em ..., não encontrando apoio nem orientação parental consistente.

86. Devido a problemas cognitivos e comportamentais, o arguido foi seguido em consultas de pedopsiquiatria e, mais tarde, de psiquiatria, no Departamento de Psiquiatria do Hospital de ..., das quais viria a desistir.

87. O seu trajecto escolar verificou-se irregular, caracterizando-se pelo insucesso e desadaptação comportamental no espaço escolar e dificuldades de aprendizagem.

88. Quando frequentava o 5.º ano de escolaridade, e face ao insucesso escolar, o arguido foi encaminhado para a frequência de um curso profissionalizante na A.P.P.A.C.D.M. de ..., onde iniciou formação profissional de ajudante de cozinha, do qual desistiu, permanecendo desocupado desde então.

89. Desprovido de enquadramento familiar consistente e orientador, o arguido, há cerca de 4 anos, foi viver para casa de um irmão mais velho, actualmente a cumprir pena de prisão efectiva e que na altura apresentava comportamentos criminais, tendo uma influência directa e perniciosa na conduta futura do arguido, com quem este se identificou.

90. Nesse contexto referencial e de associação a indivíduos conotados com características comportamentais socialmente desviantes, o arguido começou a apresentar um modo de vida desorganizado, sem exercer actividades estruturadas e sem contacto com instituições formativas/ocupacionais.

91. Sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica em Dezembro de 2011, a mesma foi-lhe revogada por incumprimento das respectivas regras, tendo então sido preso preventivamente, contava 19 anos de idade.

92. Libertado em Agosto de 2012, foi de novo sujeito a prisão preventiva, agora à ordem dos presentes autos, em 21-05-2013, estando desde 10-12-2013 em cumprimento da pena de prisão efectiva que lhe foi cominada no Processo n.º 443/10.1GCSTR, do 1.º Juízo Criminal de ....

93. Tais situações de vida não permitiram ao arguido ter hábitos de trabalho, tendo somente realizado pequenos trabalhos indiferenciados.

94. No período que antecedeu a sua sujeição a prisão preventiva no âmbito dos presentes autos, o arguido vivia com o irmão, OO, e a namorada deste e prima de ambos, a co-arguida DD.

95. Mantinha um modo de vida ocioso e desorganizado, desvinculado de qualquer estrutura organizativa/ocupacional, revelando dificuldades em estruturar e orientar o seu quotidiano em função de padrões socialmente aceites.

96. A subsistência do agregado era assegurada através do Rendimento Social de Inserção, que também abrangia o arguido desde 2011.

97. Residiam numa habitação que reunia fracas condições de habitabilidade, inserida num contexto residencial conotado com a exclusão social.

98. A mãe, residente nas imediações, mantinha para com o arguido um relacionamento algo distante e com fraca capacidade em mudar os aspectos mais negativos da vida deste.

99. Todavia, após o irmão ter sido preso, o arguido integrou o agregado familiar da mãe, mantendo o benefício do Rendimento Social de Inserção e a associação a indivíduos conotados com a prática de condutas desviantes.

100. O arguido tem percepção de estar, à data da prisão, numa situação de vida pouco organizada e desenquadrada socialmente e em contexto de amizades pelas quais era perniciosamente influenciado.

101. Embora se mantenha sem exercer uma actividade estruturada, o comportamento do arguido no Estabelecimento Prisional é consonante com as regras institucionais e está motivado para frequentar a escola, já não o estando para qualquer tratamento específico na área da psiquiatria.

102. Quando em liberdade, o arguido pretende reintegrar o agregado familiar da mãe, que vive sozinha, mas que, apesar de estar disponível para apoiá-lo, apresenta uma situação frágil, denotando dificuldades em apresentar-se como uma figura capaz de ter uma ascendência organizativa sobre a vida do arguido.

103. Em termos comunitários o arguido é detentor de uma imagem pouco favorável, associada à marginalidade e ao convívio com referências desviantes, não se avaliando contudo indícios de reactividade à sua presença.

104. Embora o arguido apresente autocrítica face ao presente processo, fá-lo de forma desculpabilizante, contextualizando a sua conduta na associação e influências de amizades com condutas desviantes.

105. Revela alguma percepção da gravidade e das consequências danosas dos factos objecto dos autos.

- Dos antecedentes criminais do arguido JJ:

106. O arguido JJ foi já anteriormente condenado:

a) Em 18-11-1991, por sentença proferida no âmbito do Processo n.º 299/89, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de ..., pela prática, em 24-09-1987, de um crime de dano, em pena multa;

b) Em 28-06-1996, por sentença proferida no âmbito do Processo n.º 28/95.0PESTR, do 1.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 12-06-1994, de um crime de furto qualificado, na pena 60 dias de multa;

c) Em 13-02-2001, por acórdão transitado em julgado em 28-02-2001, proferido no âmbito do Processo n.º 95/99, do 1.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 29-05-1998, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 9 meses de prisão, a qual foi declarada perdoada;

d) Em 14-07-2005, por sentença transitada em julgado em 28-09-2005, proferida no âmbito do Processo n.º 396/98.2TBSTR, do 2.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 22-04-1997, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 50 dias de multa; e

e) Em 28-02-2007, por sentença transitada em julgado em 01-10-2007, proferida no âmbito do Processo n.º 17/04.6PBSTR, do 1.º Juízo Criminal de ..., pela prática, em 02-01-2004, de um crime de violência depois da subtracção, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, a qual viria a ser declarada extinta em 08-07-2010.

- Dos factos inerentes à personalidade e situação pessoal, familiar e social do arguido JJ:

107. O arguido JJ é o penúltimo de uma fratria de onze irmãos, sendo os rendimentos económicos do agregado escassos.

108. Os pais tinham hábitos alcoólicos e a dinâmica familiar era marcada por frequentes conflitos, sobretudo entre os progenitores, e uma postura demissionária dos mesmos relativamente ao acompanhamento dos filhos.

109. Ao nível escolar o arguido mostrou precocemente fraca motivação para a aprendizagem e para agir de acordo com a normatividade exigida na escola, pelo que o seu percurso escolar foi marcado por elevado absentismo e fraco aproveitamento, não tendo completado o 4.º ano de escolaridade.

110. Abandonou definitivamente o ensino aos 13 anos de idade e até aos 16 ficou sem ocupação definida, assumindo que nessa fase, tal como alguns dos irmãos, começou a consumir álcool em contexto de grupo.

111. Refere, no entanto, ter conseguido trabalho numa fábrica aos 16 anos de idade, onde permaneceu durante dois anos, e ter tido outros períodos curtos de contratos como trabalhador fabril, sendo o seu percurso laboral caracterizado por trabalhos temporários e indiferenciados.

112. O arguido sempre viveu na morada de família, onde permaneceu com a mãe e alguns dos irmãos após a morte do pai há cerca de oito anos.

113. Mais recentemente, após o falecimento da mãe, o agregado integrou uma das irmãs, que ficou com a casa, e o companheiro desta.  

114. O arguido assume que nesta fase, para além de consumos regulares de álcool, consumia também haxixe e cocaína.

115. As relações entre irmãos deterioraram-se e o arguido foi expulso de casa, em data que não consegue precisar, passando a viver na rua como sem-abrigo e mantendo alguns consumos.

116. Optou então por integrar a comunidade terapêutica Desafio Jovem, onde permaneceu cerca de um ano, cumprindo as várias fases do programa, mas sem grande empenhamento pessoal num projecto de vida futuro.

117. Abandonou os consumos nessa fase e durante o tratamento não teve qualquer apoio familiar, mas deslocou-se a casa da irmã, reconciliando-se com esta.

118. No período precedente à privação de liberdade, o arguido residia junto da irmã e cunhado, bem como dois dos filhos daquela, não existindo laços familiares vinculativos estreitos.

119. Encontrava-se desempregado, ocupando-se a arrumar carros ou com algumas tarefas agrícolas, em regime eventual.

120. Ainda que consiga relatar os factos relevantes da sua vida, o arguido evidencia alguma desorganização temporal do pensamento, dificuldade em analisar criticamente a sua conduta ou a de terceiros, e tendência para agir de acordo com os seus desejos e necessidades imediatas, o que o torna particularmente vulnerável a influências externas.

121. A sua actual situação jurídico-penal não parece constituir-se como uma fonte de ansiedade para o arguido, devido aos fracos elos familiares entre os membros.

122. Não obstante, refere alguma tensão decorrente da limitação da liberdade imposta e desejo de não voltar a estar numa situação semelhante.


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II.1.2 - No que respeita aos factos NÃO PROVADOS, resultaram todos os demais imputados aos arguidos e que estejam em contradição com os que se mostram provados, nomeadamente os seguintes:

           
a) Que enquanto o arguido/demandado AA se ausentou do local nos termos mencionados em 8 supra, o demandante NN continuou a ser ameaçado pelos demais arguidos/demandados através do uso de uma faca;
b) Que na ocasião a que se reportam os factos provados em 18 a 37, enquanto o arguido/demandado AA empunhava a faca aí referida junto ao pescoço do assistente/demandante MM, os demais arguidos/demandados eram também eles detentores de facas; e
c) Que o arguido AA provocou deliberadamente o sobredito corte no dedo mindinho da mão esquerda de MM.


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Cumpre apreciar e decidir:

Inexistem vícios e nulidades de que cumpra conhecer nos termos do artº 410º nº 2 e 3, do CPP

Os recorrentes FF e AA discordam, do concurso entre o crime de roubo e sequestro, enquanto a recorrente DD apenas impugna a medida concreta da pena que lhe foi aplicada.

Sobre a questão do concurso dos crimes de roubo e de sequestro

Conforme Artigo 210.º, nº 1 do CP, que define a matriz do crime de roubo: - “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo -a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.”

(Nos termos do nº 2 e 3 do preceito:

2 - A pena é a de prisão de três a quinze anos se:

a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou

b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

3 — Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.”)

Por sua vez, segundo o crime de sequestro encontra-se previsto no artº 158º do mesmo diploma legal substantivo, que dispõe:

“1 — Quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão até três anos ou com penade multa.”

(Nos termos dos nºs 2 e 3 do preceito:

2 — O agente é punido com pena de prisão de dois a dez anos se a privação da liberdade:

a) Durar por mais de dois dias;

b) For precedida ou acompanhada de ofensa à integridade física grave, tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano;

c) For praticada com o falso pretexto de que a vítima sofria de anomalia psíquica;

d) Tiver como resultado suicídio ou ofensa à integridade física grave da vítima;

e) For praticada contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez;

f) For praticada contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas;

g) For praticada mediante simulação de autoridade pública ou por funcionário com grave abuso de autoridade.

3 — Se da privação da liberdade resultar a morte da vítima o agente é punido com pena de prisão de três a quinze anos.”

Como abundantemente consta da jurisprudência deste Supremo Tribunal:

O roubo é um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais e pessoais, configurados, os primeiros no direito de propriedade sobre móveis e os segundos na liberdade de acção e decisão e na integridade física, bens jurídicos postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir.

No crime de roubo, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existe uma proximidade física entre o agente do crime e a respectiva vítima, em que esta poderá, em qualquer momento do processo, ensaiar uma reacção à prática do crime para evitar a respectiva concretização, tornando-se mais premente a aludida exigência de tendencial estabilidade da coisa no domínio de facto do agente para que o crime se tenha por consumado.

A jurisprudência tem considerado que o sequestro, quando existe, integra o roubo; mas, nas situações em que as restrições à liberdade se prolongam para além do razoável é admite-se a possibilidade do crime de sequestro ser punido em concurso real de infracções com o crime de roubo.

Na distinção das situações em que o atentado à liberdade de locomoção integra um crime consumado de roubo, daquelas em que se admite também a punição autónoma como crime de sequestro, atende-se ao momento em que ocorre a subtracção e se deva ter como consumado o crime de roubo, sendo assim imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa.

Para isso torna-se necessário que se verifique, por outro lado, a saída da coisa da esfera de domínio de quem tinha a sua anterior fruição, o que pode por vezes exigir a prática de uma série de actos, num verdadeiro processo de concretização, e que as utilidades da coisa entrem no domínio de facto do agente da infracção com tendencial estabilidade, isto é, por um mínimo de tempo.

Tendo ocorrido uma restrição à liberdade do ofendido até ao momento do desapossamento da coisa relativamente ao anterior fruidor, deve admitir-se que tal restrição se prolongue para além do preciso momento físico em que a coisa passou da esfera daquele para a do agente do crime, por a apropriação por parte deste só se dever considerar verificada quando exista alguma estabilidade no respectivo domínio do facto (o que não significa que o domínio de facto tenha de se operar em pleno sossego) – v.. Ac. de 29-05-2008, Proc. n.º 1313/08 - 5.ª., e Acórdão deste Supremo de 16-10-2008, proc 08P221, in www.dgsi.pt.

O concurso efectivo entre o crime de sequestro do art. 158.º, n.º 1, do CP e o de roubo, surge pois sempre que a privação da liberdade ambulatória da vítima está para além do estritamente necessário à subtracção (ou prática do outro crime em concurso).

Apenas ocorrerá concurso aparente, na forma de consumpção, quando o crime de sequestro se revele como crime meio, ao serviço da prática de outro crime, designadamente do crime de roubo, mas desde que o agente não vá para além do que era necessário para levar a cabo o crime fim. – v. Acórdão deste Supremo, de 20-11-2008, proc. 08P0581, www.dgsi.pt 

Em suma:

Tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a violência empregue na subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado "subtracção"; se ela for excessiva, o agente cometerá, para além do crime de roubo e, em acumulação com este, o crime correspondente ao enquadramento penal do excesso da violência utilizada.

E que o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a vítima apenas durante os momentos em que procedem à apropriação das coisas móveis. O crime de sequestro, pelo tempo em que demorou a pratica do roubo, é consumido por este.

Podem, pois, existir em concurso real os crimes de roubo e de sequestro, quando o tipo qualificado de roubo não tutela todos os bens jurídicos em causa, como sucede quando os arguidos, para subtraírem bens ao lesado, para além da agressão física, se socorrem da violenta privação da sua liberdade que constitui uso de violência desnecessária e exagerada para a efectivação do roubo. Tem o STJ tido oportunidade de afirmar esta doutrina quando a privação da liberdade de locomoção dos ofendidos no crime de roubo, se estendem para além da subtracção, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando se segue ou antecede o roubo.

A privação da liberdade de movimentos de qualquer pessoa só pode, pois, ser consumida pelo crime de roubo quando se mostra absolutamente necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido. - v. Acórdão deste Supremo, de  02-10-2003, proc. nº 03P2642

Entre os crimes de roubo e sequestro existe uma relação de concurso aparente (por uma relação de subsidiariedade) sempre que a privação da liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crime-fim; o concurso é, pelo contrário, efectivo, quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico protegido no crime de sequestro (a liberdade ambulatória) em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação pelo crime de roubo. Acórdão deste Supremo, de 05-01-2005, proc. nº  04P4208

Ora, como refere a decisão recorrida:” vejamos o que nos revelam os factos provados (maxime os constantes dos respectivos incisos 8 a 11 e 13):

Que na posse do cartão e do código PIN do ofendido NN, o arguido AA foi à procura de um terminal de Multibanco, enquanto os restantes arguidos permaneceram no local, a vigiar o ofendido, já sem a ameaça da faca mencionada no facto provado em 5.

Em seguida, o arguido AA procedeu, entre as 19h51 e as 20h24, aos levantamentos e pagamentos a que se reportam os factos provados em 9 ela, após o que regressou ao local onde o aguardavam os restantes arguidos, só então tendo os mesmos abandonado o local, libertando o ofendido quando eram cerca de 21hOO.

Com tal comportamento, os arguidos impediram NN de abandonar o local sem sua autorização, sendo para nós evidente que todo esse período em que o mesmo esteve privado da liberdade de movimentos extravasa completamente o que seria necessário para a execução do roubo.

Nessa conformidade, e porque estão também inequivocamente preenchidos todos os sobreditos elementos objectivos e subjectivos do crime de sequestro, devem os arguidos serem também punidos, em concurso efectivo, pela prática deste último, tanto mais que também em relação a este crime inexistem quaisquer causas excludentes da liicitude ou da culpa, verificando-se ainda, em termos similares aos acima referidos a propósito dos crimes de roubo, a co-autoria dos arguidos.”

Com efeito, os arguidos AA e FF consumaram o roubo quando após “chegada da arguida DD com o ofendido, munidos de uma faca tipo cozinha, com cerca de 20 cm, abordaram NN, encostaram a faca ao pescoço deste e obrigaram-no a baixar a cabeça no banco da viatura que cobriram com um casaco, após o que revistaram a viatura e tudo o que aí se encontrava, apoderando-se dos seguintes bens, pertença do ofendido:

a) € 20,00 (vinte euros) em notas do banco central europeu;

b) Um anel em ouro, avaliado em € 358,00 (trezentos e cinquenta e oito euros);

c) Dois maços de tabaco, de valor unitário não concretamente apurado;

d) Um par de óculos, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros);

e) Um telemóvel de marca "V..." com o cartão SIM com número ..., avaliado em € 30,00 (trinta euros); e

f) Um cartão de débito emitido pelo banco "B...". “ (v. ponto 5 dos factos provados)”

E, quando “Na posse do cartão de débito, os arguidos ordenaram que o ofendido lhes facultasse o respectivo código PIN, tendo, para o efeito, referido que, caso o código não fosse o verdadeiro, o "afiambravam". “(v. ponto 6 dos factos provados),

Aliás, “Por recear que os arguidos concretizassem tal ameaça, o ofendido acedeu a facultar o código PIN do referido cartão de débito.”- ponto 7.

Quando os arguidos encostaram a faca ao pescoço deste e obrigaram-no a baixar a cabeça no banco da viatura que cobriram com um casaco, após o que revistaram a viatura e tudo o que aí se encontrava, apoderando-se dos bens aí encontrados, consumaram um crime de roubo 

E quando “Na posse desse cartão e do código PIN assim obtido, o arguido AA foi à procura de um terminal de Multibanco, enquanto os restantes arguidos permaneceram no local, a vigiar o ofendido, já sem a ameaça da referida faca.”, já tina sido praticado o crime de roubo, pelo apossamento violento, sob ameaça, do cartão pin que as acções posteriormente desenvolvidas estenderam-se  para além da subtracção.

O arguido AA já na posse do cartão com o PIn, dirigiu-se a uma caixa ATM sita no Largo ..., em ..., onde, entre as 19:51h e as 19:52h, efectuou dois levantamentos multibanco no valor de € 200,00 (duzentos euros) cada um. e dirigiu-se ainda ao posto de abastecimento de combustível sito na Av. José Saramago, em ..., onde, pelas 20:02h, abasteceu de combustível o seu automóvel, com o valor de € 80,00 (oitenta euros), após o que se dirigiu ao estabelecimento comercial denominado "..., S.A. ", sito no centro comercial Continente de ..., onde, pelas 20:24h, adquiriu um telemóvel pelo preço de € 159,90 (cento e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), usando para o efeito o supra referido cartão de débito do ofendido.

Somente “Após ter procedido às transacções supra referidas com uso do cartão de débito do ofendido, o arguido AA regressou ao local onde o aguardavam os restantes arguidos, após o que todos abandonaram o local, libertando o ofendido quando eram cerca de 21hOO,”

Usando as palavras de Figueiredo Dias, houve “uma pluralidade de sentidos de ilícito do comportamento global” –Direito Penal, Parete Geral, tomo I, 2ª edição, Questões Fundamentais – A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora,,,2007,p.1005..

Aliás, mesmo para quem eventualmente defendesse a existência de unidade de resolução entre o crime-dominante e o crime-fim, há que relembrar como ensina Figueiredo Dias (ibidem, p, 1007, que não pode aceitar-se “que a unidade de resolução seja sinal seguro de unidade de sentido de ilícito revelado pelo comportamento,. Bem, pelo contraio, a unidade de resolução é em absoluto compatível com a pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global”, e que se verifica  “mesmo que não exista descontinuidade temporal entre os diversos actos praticados.”

O tempo de privação de liberdade do ofendido querido pelos arguidos excedeu a medida do necessário, pois que se estendeu depois da subtracção,

O acto de apropriação sob ameaça do cartão de débito do ofendido e respectivo Pin, consuma o crime de roubo, sendo as condutas posteriores do arguido AA autónomas, autonomizando-se o crime de sequestro pela manutenção da privação de liberdade sendo que procede a actuação e co-autoria dos arguidos na prática quer dos crimes de roubo, quer nos de sequestro, pois que, como consta da matéria de facto provada: “Quiseram e conseguiram os arguidos intimidar o ofendido NN, utilizando para o efeito uma faca tipo cozinha, com cerca de 20 em, cujas demais concretas características não foram apuradas, pondo-o dessa forma na impossibilidade de resistir, o que conseguiram. Com o comportamento descrito, pretenderam os arguidos apoderar-se, através do uso da força e de ameaças e com recurso à faca supra descrita, do dinheiro, telemóvel e objectos que se encontrassem na posse da vítima, mantendo-a aterrorizada e impedindo-a, ainda, de abandonar o local sem sua autorização, apesar de bem saberem que os objectos e valores de que se apoderaram não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono.

Por outro lado,

Na actuação em co-autoria os vários agentes não têm todos que praticar os mesmos factos, podendo caber-lhes a prática de tarefas distintas, de acordo com o plano traçado, ou, na falta de plano, com a consciência recíproca de colaboração; importando , também, que o agente – cada um deles –, tenha o domínio funcional do facto durante toda a execução do crime, ou durante um estádio ou estádios da respectiva execução. De tal modo que, até o crime estar consumado, os contributos ainda que parciais, de cada um dos co-autores, sejam de considerar decisivos, e sem eles o[s] crime[s] não teria[m] ocorrido, pelo menos de acordo com o plano traçado.

Agiram os arguidos de comum acordo e em conjugação de esforços. livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei.

O recurso dos arguidos AA e FF não merece, assim, provimento,


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Quanto ao recurso interposto pela arguida DD, sobre a medida concreta das penas, as parcelares e a conjunta

Considerando a recorrente que os factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática do crime, a ausência de quaisquer alusões ou considerações quer aos sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram, quer sobre a conduta posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares, deverão pender a favor da arguida, seja por aplicação do princípio geral "in dubio pro reo", seja pela falta de fundamentos para penalizar a arguida.”, e que forma “descuradas, na determinação das exigências de prevenção, as exigências de prevenção especial”, sendo que “na altura da prática dos factos, a arguida não havia sofrido qualquer condenação transitada em julgado, o que não foi devidamente tido em conta a favor da arguida pelo Tribunal a quo.”

Donde entende que “As penas parcelares impostas à ora recorrente são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos” e A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida”

Vejamos:

           

A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.

Como por diversas vezes temos referido:

Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Monstesquieu – é tirânica.”  (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)

Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.

E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.

Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”

Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º  do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade

E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

           As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)

Por outro lado, como salienta o mesmo Distinto Professor a  pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (ibidem, p. 118)

           Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Ou, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.

É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.

           O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

           Por sua vez, o n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados..

Ora, como bem refere a decisão recorrida

“Assim, tendo em conta os sobreditos critérios resultantes dos artigos 40.° e 71. ° do Código Penal, importa desde logo sublinhar as elevadíssimas necessidades de prevenção geral associadas aos crimes contra o património, que representam aquilo a que poderemos designar por verdadeira chaga social, atenta a sua recorrência, cada vez mais acentuada, o que indiscutivelmente incute na comunidade um também cada vez mais visível sentimento de insegurança que urge atenuar por intermédio de um especial rigor punitivo.

Também não são despiciendas as razões de prevenção geral no que concerne aos crimes, como o sequestro, que atentam contra a liberdade pessoal dos cidadãos, bem jurídico de primordial importância com consagração constitucional no artigo 27.° da Constituição da República Portuguesa.

Além disso, e agora quanto às circunstâncias acidentais de doseamento da pena exemplificativamente plasmadas no n.º 2 do citado artigo 71.º, há nomeadamente a salientar as seguintes:

Em primeiro lugar, o grau de ilicitude dos factos, que é considerável face aos aludidos modus operandi dos arguidos e se reflecte ainda, não só nos prejuízos materiais que provocaram aos ofendidos, mas sobretudo nos sentimentos de angústia, humilhação, impotência, medo e terror que os assolaram e que os factos provados bem retratam.

Em segundo lugar, o dolo de todos os arguidos, que foi directo e, por isso, intenso, havendo aliás uma notória premeditação nas condutas que levaram a cabo, tal como, por exemplo, resulta nítido do facto provado em 1.

Em terceiro lugar, há que considerar as condições pessoais dos arguidos e os respectivos antecedentes criminais/ relevantes ao nível das razões de prevenção especial que, como veremos, se fazem também sentir de forma acentuada.

[…]

No que diz respeito à arguida DD, conta com duas anteriores condenações, por um crime de receptação e um crime de roubo, ambos praticados em Outubro de 2010.

E ainda que tais condenações apenas tenham transitado em julgado já após a prática dos factos objecto dos presentes autos, elas reportam-se a datas muito anteriores (02-05-2012 e 20-07-2012), não podendo naturalmente deixar de ser tidas em conta, em seu desfavor, no item relativo à conduta anterior ao facto.

Por outro lado, e agora com base nos factos provados em 66 a 82, há que salientar, em termos idênticos aos já explanados a propósito do afastamento do regime penal especial para os jovens delinquentes, que a partir dos 14 anos de idade a arguida centrou os seus interesses na relação com o namorado e com o grupo de pares, vivendo um quotidiano isento de responsabilidades, sem objectivos ou projectos de vida estrutura dos, registando um contacto com o sistema de justiça ainda enquanto menor, a que acresce a circunstância de ter estado sujeita à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica no âmbito do Processo n.º 1148/10.9TASTR entre 07-12-2011 e 03-03¬2012, sendo que no decurso da medida registou dificuldades de confinamento à habitação, ausentando-se de casa da avó em período de restrição, tendo dado entrada no Estabelecimento Prisional de Tires em 12-03-2012, em prisão preventiva à ordem dos referidos autos, nos quais viria a ser absolvida, sendo então restituída à liberdade em Agosto de 2012.

Regressou então ao agregado da avó, sendo que apesar dos laços de dependência afectiva e económica que a ligavam àquela, prosseguia um modo de vida instável, mantendo-se desocupada e sem objectivos de vida planeados, privilegiando a interacção com o grupo de amigos e alguns elementos da família de quem entretanto se terá aproximado.

No plano de reinserção social, a arguida aponta perspectivas de reintegrar o agregado dos avós, que constituem o seu esteio do ponto de vista familiar e social, mas embora se mostrem disponíveis para a apoiar, os avós manifestam dificuldade de supervisão e controle dos comportamentos da arguida e de a estimularem à mudança. “

Com efeito, como resulta da decisão recorrrida ao equacionar a questão de aplicação do regime especial para os jovens delinquentes, no concernente à arguida, “ dos autos não brotam - pejo contrário - quaisquer indicadores que permitam surpreender na arguida qualquer interesse e empenho nesse caminho de ressocialização, o que se revela particularmente preocupante quando percebemos que estamos perante uma jovem ainda em plena idade de formação da respectiva personalidade e, por conseguinte, de interiorização dos valores básicos da vivência em sociedade.”

Como já se aludia no Acórdão  de 01.04.98, deste Supremo, in CJ. - AC. STJ - Ano VI - tomo 2- fls. 175, “As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”

O ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40.º do CP, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o n.º 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Com este preceito, fica a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, quando tiver lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido.

A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229).

Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

  A culpa da arguida é intensa, pois que era com a sua conduta que se alcançava o objectivo da prática dos crimes.

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)

Tendo em conta o exposto e. os limites legais da pena, constantes dos ilícitos criminais praticados e a pena aplicada, conclui-se que não se revelam desadequadas, nem excessivas, quer as penas parcelares, quer a pena única, aplicadas, resultando a pena única, em cúmulo, da ponderação conjunta dos factos e personalidade da arguida, nos termos do artº 77º nºs 1 e 2 do CP, em que valorando o ilícito global perpetrado, se evidencia a “assinalada gravidade dos factos  mormente os relacionados com os crimes de roubo agravado “ e a personalidade da arguida  projectada nos factos e por eles manifestada, resultando a prática dos mesmos de tendência criminosa e não de mera pluriocasionalidade não radicada na personalidade,

O recurso não merece provimento,


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            Termos em que, decidindo:

            Acordam os deste Supremo – 3ª secção - em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA, FF e DD, e mantêm a decisão recorrida.

            Tributam cada recorrente em 5 UCs de taxa de Justiça

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Setembro de 2014

                                                           Elaborado e revisto pelo relator

                                                           Pires da Graça

                                                           Raul Borges