Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
MEIO DE PROVA
Sumário
I- Não se recusando o co-arguido a responder às perguntas que lhe sejam formuladas [345º CPP], nada impede que as suas declarações sejam valoradas como meio de prova. II- Tal valoração deve revestir-se, todavia, de particulares cautelas destinadas a despistar eventuais motivos escusos ou segundas intenções, devendo mesmo passar pela exigência de corroboração.
Texto Integral
Recurso nº 8/11.0PASJM.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
No 2º juízo do Tribunal Judicial de São João da Madeira, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento, além de outro[1], o arguido B……, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu condená-lo, como reincidente, pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo ps. e ps. pelos arts. 75º nºs 1 e 2 e 210 nº 1 do C. Penal, na pena 3 anos de prisão efectiva.
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pretendendo que seja revogado e substituído por outro que o absolva, para o que formulou as seguintes conclusões:
I. Conforme decorre da fundamentação constante do douto acórdão sob recurso, relativamente aos factos provados baseou-se o Tribunal única e exclusivamente nas declarações do co-arguido C……, que confessou integralmente e sem reservas os factos de que estava acusado, “mais referindo que na situação em 1. a 7. era acompanhado pelo arguido B…..”, O douto acórdão enaltece inclusivamente o comportamento colaborante do arguido C........ "que confessou na integra os factos constantes da acusação, sendo que quanto a alguns deles tal confissão foi relevante por ausência de outra prova directa nesse sentido”. II. É certo que na fundamentação o tribunal recorrido também invoca o depoimento da testemunha D…..; todavia este depoimento, como resulta da mesma fundamentação, incidiu apenas sobre “as circunstâncias em que foi vítima dos factos ocorridos na mencionada data, objectos que lhe foram retirados e respectivos valores”. Nada disse esta testemunha relativamente aos autores dos factos, os quais disse não poder identificar, uma vez que os mesmos lhe surgiram pelas costas, como consta dos factos provados, ponto 4. III. Não tendo sido produzida outra prova em audiência de julgamento relativa à intervenção do arguido recorrente para além das declarações do co-arguido C........, não podem estas valer como meio de prova relativamente aos factos imputados ao recorrente, de acordo com o disposto no art. 345°, n.°s l, 2 e 4 do Código de Processo Penal. IV. Com efeito, não obstante o princípio da livre apreciação da prova, além das declarações do co-arguido, a decisão deveria ter sido complementada e motivada com outros meios probatórios, o que não aconteceu, assim ofendendo claramente os normativos legais aplicáveis - art. 345°, n.°s l, 2 e 4 do Código de Processo Penal -violando igualmente o princípio in dubio pro reo. V. O tribunal a quo errou assim ao dar como provada a facticidade constante dos pontos 1. a 7., 25., 26., 35. e 41. do acórdão recorrido, alicerçado unicamente nas declarações do co-arguido C........, na medida em que não são corroborados por nenhum outro elemento de prova, sendo pois a prova produzida nos autos manifestamente insuficiente para condenar o arguido recorrente. Aliás, apesar da sua confissão integral e sem reservas, o Tribunal julgou como não provado que “D........ tenha caído e batido com as mãos no chão” conforme constava da acusação, "uma vez que a própria ofendida, no decurso do seu depoimento prestado em audiência de julgamento, o infirmou”, do que resulta uma contradição da fundamentação do douto acórdão sob recurso, de onde se evidencia a fragilidade da prova em causa, pelo que as declarações do co-arguido C........ não podem, só por si, suportar a prova dos factos criminalmente relevantes imputados ao recorrente. VI. Inexistindo outros elementos probatórios que confirmem as declarações do co-arguido no que ao recorrente respeita, sempre o Tribunal teria uma dúvida razoável quanto aos factos, devendo recorrer necessariamente ao princípio in dubio pro reo, concluindo pela sua absolvição. VII. Assim sendo, ao abrigo do disposto no artigo 431°, al. a) do CPP, deverá a decisão fáctica do douto acórdão recorrido ser modificada, dando-se como provado apenas que: “Inquérito n. ° 770/10.8PASJM: 1. No dia 7 de Outubro de 2010, o arguido C........ deslocou-se à cidade de São João da Madeira, acompanhado de um outro indivíduo não identificado, com o propósito de se apoderar, mediante o uso da força física, de bens e valores que viessem a encontrar em poder de pessoas que avistassem em locais públicos. 2. Assim, o arguido C........ conduziu o veículo automóvel, marca Citroen, modelo Xsara, de cor branca, matrícula, ….BGH, (vide fís. 333 a 338), que havia sido furtada em Espanha, em circunstâncias não concretamente apuradas, até à cidade de São João da Madeira, fazendo-se acompanhar de um outro indivíduo não identificado, enquanto ocupante do mesmo veículo. 3. Nesse dia, cerca das 21.15h, seguia a pé, na Rua Manuel Luís Leite Júnior, em São João da Madeira, D……, id, a fís. 219, levando consigo, a tiracolo, uma mala de senhora. 4. Logo que a avistaram, o arguido C........ e o outro indivíduo que o acompanhava seguiram no seu encalço, no veículo referido em 2., conduzido pelo arguido C........, surgindo-lhe pelas costas. 5. Ainda antes de se cruzarem com a D........, o indivíduo que acompanhava o arguido C........ saiu do veículo referido em 2., dirigiu-se àquela e, contra a vontade dela, de forma enérgica, sem lhe possibilitar qualquer reacção, arrancou-lhe a mala que a mesma levava a tiracolo. 6. Após, o que dirigiu-se, de novo, para o referido veículo, pondo-se ambos em fuga no veículo referido em 2., conduzido pelo arguido C......... 7. No interior da referida mala, esta avaliada em vinte e cinco euros, encontravam-se os seguintes bens e documentos: a) - respectivo bilhete de identidade, carta de condução, cartão de crédito do Banif; b) - um porta-moedas, avaliado em dez euros, contendo no seu interior, vinte e cinco euros em dinheiro; c) - a importância de € 150 (cento e cinquenta euros), em notas e moedas do banco central europeu; d) - um par de óculos graduados, avaliados em €220,00 (duzentos e vinte euros). (...) 25. Em toda a actuação acima descrita, o arguido C........, quanto aos respectivos factos que lhe são imputados, agiu com o propósito de se apoderar dos respectivos objectos, documentos e quantias em dinheiro acima indicados, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam. 26. O arguido C........ agiu de forma repentina, contra a vontade da ofendida D……, deixando-a sem qualquer possibilidade de reagir. (...) 35. Que o arguido C........ agiu, relativamente a cada um dos factos que lhe são Imputados, de forma deliberada, livre e consciente, sabendo ser as respectivas condutas proibidas e punidas por lei. (…)” E dando-se como não provado que: n Inquérito n. ° 770/10.8PASJM: 1. No dia 7 de Outubro de 2010, o arguido B….., agindo mediante acordo prévio o arguido C........, deslocou-se à cidade de São João da Madeira, com o propósito de se apoderar, mediante o uso da força física, de bens e valores que viessem a encontrar em poder de pessoas que avistassem em locais públicos. 2. Que o arguido B….., tenha acompanhado o arguido C........ enquanto ocupante do veículo automóvel, marca Citroen, modelo Xsara, de cor branca, matrícula, ….BGH, (vide f/s. 333 a 338), que havia sido furtada em Espanha, em circunstâncias não concretamente apuradas, até à cidade de São João da Madeira. 3. Que o Arguido B….. tenha seguido no encalço deD……, no veículo referido em 2., conduzido pelo arguido C........, surgindo-lhe pelas costas. 4. Ainda antes de se cruzarem com a D........, o arguido B….. saiu do veículo referido em 2., dirigiu-se àquela e, contra a vontade dela, de forma enérgica, sem lhe possibilitar qualquer reacção, arrancou-lhe a mala que a mesma levava a tiracolo. 5. Após, o B….. dirigiu-se, de novo, para o referido veículo, pondo-se ambos os arguidos em fuga no veículo referido em 2., conduzido pelo arguido C......... (...) 25. Em toda a actuação acima descrita, o arguido B............., quanto aos respectivos factos que lhe são imputados, agiu com o propósito de se apoderar dos respectivos objectos, documentos e quantias em dinheiro acima indicados, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam. 26. Os arguidos C….. e B............. actuaram em comunhão de esforços e intentos, no que respeita aos factos descritos em 1. a 7., agindo ambos de forma repentina, contra a vontade da ofendida D….., deixando-a sem qualquer possibilidade de reagir. (...) 35. Ambos os arguidos agiram, relativamente a cada um dos factos que lhe são imputados, de forma deliberada, livre e consciente, sabendo ser as respectivas condutas proibidas e punidas por lei. (...) 41. Não obstante as condenações referidas em 39., o arguido B............. não se afastou da criminalidade, e conforme acima descrito, praticou os factos pêlos quais agora vem acusado, revelando, desse modo, que as condenações anteriores e a sua detenção não surtiram o necessário efeito dissuasor da prática de novos crimes da mesma natureza.” VIII. Ora, não se provando os elementos constitutivos do crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 75.°, n.s l e 2 e 210.°, n.° l, do Código Penal, impõe-se a absolvição do recorrente.
Na resposta, o Mº Pº pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, defendendo a manutenção do acórdão recorrido e concluindo como segue:
1. A prova produzida foi correctamente valorada, pelo que não há erro de julgamento da matéria de facto.
2. A sentença recorrida não enferma de qualquer vício designadamente os invocados pelo recorrente.
3. Estão preenchidos os elementos típicos do crime de abuso de confiança Fiscal, previsto no artigo 105.2 do R.G.I.T. pelo que o recorrente cometeu o crime pelo qual foi condenado
4. A sentença recorrida, não violou, assim, qualquer norma legal.
O recurso foi admitido.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer, também no sentido da improcedência do recurso, aderindo à resposta do MºPº na 1ª instância.
Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo o recorrente apresentado resposta na qual reiterou a sua pretensão recursiva, considerando que o tribunal recorrido não fez o aturado exame crítico das declarações prestadas pelo co-arguido que a natureza da prova em causa requeria.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.
2. Fundamentação
No acórdão recorrido foram considerados como provados, para o que aqui interessa, os seguintes factos:
Inquérito n.° 770/10.8PASJM:
1. No dia 7 de Outubro de 2010, os arguidos, agindo mediante acordo prévio um com o outro, deslocaram-se à cidade de São João da Madeira, com o propósito de se apoderarem, mediante o uso da força física, de bens e valores que viessem a encontrar em poder de pessoas que avistassem em locais públicos.
2. Assim, o arguido C........ conduziu o veículo automóvel, marca Citroen, modelo Xsara, de cor branca, matrícula, ….BGH, (vide fls. 333 a 338), que havia sido furtada em Espanha, em circunstâncias não concretamente apuradas, até à cidade de São João da Madeira, fazendo-se acompanhar do arguido B............., enquanto ocupante do mesmo veículo.
3. Nesse dia, cerca das 21.15h, seguia a pé, na Rua Manuel Luís Leite Júnior, em São João da Madeira, D….., id. a fls. 219, levando consigo, a tiracolo, urna mala de senhora.
4. Logo que a avistaram, os arguidos seguiram no seu encalço, no veículo referido em z, conduzido pelo arguido C........, surgindo-lhe pelas costas.
5. Ainda antes de se cruzarem com a D........, o arguido B............. saiu do veículo referido em z, dirigiu-se àquela e, contra a vontade dela, de forma enérgica, sem lhe possibilitar qualquer reacção, arrancou-lhe a mala que a mesma levava a tiracolo.
6. Após, o B............. dirigiu-se, de novo, para o referido veículo, pondo-se ambos os arguidos em fuga no veículo referido em z, conduzido pelo arguido C.........
7. No interior da referida mala, esta avaliada em vinte e cinco euros, encontravam-se os seguintes bens e documentos:
a) - respectivo bilhete de identidade, carta de condução, cartão de crédito do Banif;
b) - um porta-moedas, avaliado em dez euros, contendo no seu interior, vinte e cinco euros em dinheiro;
c) - a importância de € 150,00 (cento e cinquenta euros), em notas e moedas do banco central europeu;
d) - um par de óculos graduados, avaliados em € 220,00 ( duzentos e vinte euros).
(…)
25. Em toda a actuação acima descrita, cada um dos arguidos, quanto aos respectivos factos que lhes são imputados, agiu com o propósito de se apoderar dos respectivos objectos, documentos e quantias em dinheiro acima indicados, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam.
26. Os arguidos C........ e B............. actuaram em comunhão de esforços e intentos, no que respeita aos factos descritos em 1. a 7º, agindo ambos de forma repentina, contra a vontade da ofendida D….., deixando-a sem qualquer possibilidade de reagir.
(…)
35. Ambos os arguidos agiram, relativamente a cada um dos factos que lhes são imputados, de forma deliberada, livre e consciente, sabendo ser as respectivas condutas proibidas e punidas por lei.
(…)
39. Por acórdão de 26 de Junho de 2002, proferido no processo comum colectivo n.° 910/99.6GDMTS, do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, o arguido B.............foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e dez meses de prisão, relativo às seguintes condenações, todas, com trânsito em julgado, respeitantes a factos praticados entre 10.03.1997 e 19.01.2000, abrangendo os seguintes processos:
- Nesse processo, por factos ocorridos entre 29 e 31.12.1999, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.°, n.°l, do Código Penal; um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, n.°2, do Dec. Lei n.° 2/98, de 3 de Janeiro e dois crimes de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo 359.°, n.°2, do Código Penal, na pena única de um ano de prisão;
- No processo n.° 13/2000.2GACMN, do Tribunal Judicial de Caminha, o arguido B............. foi condenado na pena de cinco anos de prisão, enquanto autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, n.°2, al b), do Código Penal, relativamente a factos praticados em 19.01.2000.
- No processo comum colectivo n.° 166/98, do Tribunal Judicial de Caminha, o arguido B............. foi condenado na pena única de 7 anos de prisão, em resultado de cúmulo jurídico efectuado no âmbito de tal processo e que abrangeu condenações várias do mesmo arguido.
40. O arguido B............., após ter sido desligado do processo 722/97.GLC, esteve detido à ordem do processo n.° 910/99.6GDMTS desde 2.11.2002 até 2.7.2008, data em que passou a estar detido à ordem do processo n.° 96/93.3 do Tribunal Judicial de Caminha e do processo n.° 166/98, do Tribunal Judicial de Caminha, sendo-lhe concedida liberdade condicional em 18.07.2008, data em que foi restituído à liberdade, conforme decisão proferida no processo gracioso de concessão de liberdade condicional n.° 722/97.1TXPRT, do 2.° Juízo do Tribunal de Execução de Penas. - cfr. certidão de fls. 462 a 476.
41. Não obstante as condenações referidas em 39., o arguido B............. não se afastou da criminalidade, e conforme acima descrito, praticou os factos pelos quais agora vem acusado, revelando, desse modo, que as condenações anteriores e a sua detenção não surtiram o necessário efeito dissuasor da prática de novos crimes da mesma natureza.
(…)
Da situação pessoal do arguido B.............:
56. O arguido descende de um agregado familiar numeroso, de condição sócio-económica e cultural desfavorecida.
57. O seu processo educativo decorreu num contexto familiar disfuncional, devido a hábitos etílicos do progenitor e incapacidade dos pais na orientação deste processo.
58. Este contexto, acentuado pela ausência dos pais, por motivo de cumprimento de pena de prisão, comprometeu a aquisição de competências por parte do arguido com repercussões negativas no quadro da sua conduta social, traduzido em condutas desajustadas e colocação em regime de internamento em colégios, desde os 8 anos, dos quais vem a sair aos 17, tendo neste quadro concluído a 4a classe, c tendo o seu percurso institucional sido marcado por várias fugas para casa dos pais.
59. Desde a adolescência que consome opiáceos.
60. Não possuí hábitos de trabalho, embora tenha acompanhado a mãe e indivíduos de etnia cigana na venda de produtos de feira.
61. Decorrente da prisão dos pais, o arguido adopta, na companhia dos irmãos e de pares, condutas desviantes, que o conduzem ao seu envolvimento com o sistema da justiça.
62. Os factos constantes dos presentes autos reportam-se a uma conjuntura, na qual o arguido beneficiava do regime de liberdade condicional.
63. O período em que o arguido foi acompanhado pela equipa da DGRS caracterizou-se pela inactividade laboral, precariedade habitacional e económica, acrescida da problemática aditiva, traduzida no consumo crescente de produtos estupefacientes e abandono da terapia no Instituto da Droga e Toxicodependência, em Junho de 2010.
64. O arguido cumpriu, inicialmente, a terapia prescrita de toma de subtex, cuja aquisição era assegurada pelo serviço social de acção local, sendo, também, beneficiário do rendimento social de inserção.
65. Decorrente da intensificação dos consumos de psicotrópicos, que conduziu à desorganização do seu quotidiano, privilegiando a companhia de toxicómanos, deixou de comparecer na equipa da DGRS e no serviço social de acção local, tendo sido cancelada a atribuição do rendimento social de inserção.
66. Neste contexto, passou a pernoitar em prédios devolutos, tendo sido mais tarde acolhido pela mãe, cujo agregado, pouco tempo depois, abandonou, sem aviso.
67. A sua problemática toxico dependente conduziu-o ao envolvimento com grupos de pares conotados com os consumos e condutas desviantes.
68. A sua família de origem desconhece o seu actual paradeiro.
69. O seu último paradeiro, conhecido, é em Lisboa, onde o arguido era frequentador habitual de locais conotados com o consumo/tráfico de estupefacientes.
70. Actualmente, encontra-se no Centro do Projecto Homem de Abrantes, a fazer tratamento da toxico dependência, em regime de internamento.
(…)
72. O arguido B............. já foi julgado e condenado:
• mediante acórdão proferido a 21 de Outubro de 1997, pela prática dos crimes de falsificação, burla e burla qualificada, ocorridos em 07 de Outubro de 1996, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, entretanto declarada cumprida;
• mediante acórdão proferido a 20 de Março de 1998, pela prática de um crime de furto qualificado, ocorrido em 27 de Novembro de 1996, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
• mediante acórdão proferido a 20 de Março de 1998, pela prática de dois crimes de furto qualificado, ocorridos em 27 de Agosto de 1996, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão;
• mediante sentença proferida a 11 de Maio de 1998, pela prática de um crime de furto qualificado, ocorrido em 05 de Outubro de 1996, na pena de 9 meses de prisão efectiva;
• mediante acórdão proferido a 03 de Julho de 1998, pela prática dos crimes de furto qualificado e dano, ocorridos em 05 de Setembro de 1996, na pena única de l ano de prisão;
• mediante sentença proferida a 06 de Outubro de 1998, pela prática do crime de burla, ocorrido em 06 de Setembro de 1996, na pena de l ano e 6 meses de prisão;
• mediante acórdão proferido a 10 de Março de 1999, pela prática de três crimes de furto, na pena única de 17 meses de prisão;
• mediante acórdão proferido a 11 de Março de 1999, pela prática do crime de burla qualificada, ocorrido em 22 de Setembro de 1996, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
• mediante acórdão proferido a 01 de Março de 2001, pela prática do crime de roubo, ocorrido em 19 de Janeiro de 2000, na pena de 5 anos de prisão; mediante acórdão proferido a 28 de Novembro de 2001, pela prática dos crimes de furto, condução sem habilitação legal e falsas declarações, ocorridos em 29 de Dezembro de 1999, na pena única de l ano de prisão; mediante sentença proferida a 08 de Setembro de 2009, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, ocorrido em 28 de Agosto de 2009, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa.
Consignou-se não terem resultado provados quaisquer outros factos com relevo para a boa decisão da causa e, designadamente, que:
- D........ tenha caído e batido com as mãos no chão.
A decisão da matéria de facto foi fundamentada desta forma:
Na fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal colectivo baseou-se na apreciação crítica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, confrontando-se a prova documental e pericial com a prova oral e aferindo-se, quanto a esta última., do conhecimento de causa, da isenção dos depoimentos prestados, das suas certezas e hesitações, da razão de ciência e da relação com os sujeitos processuais.
Relativamente aos factos provados, teve-se em atenção as declarações do arguido C........, que, designadamente, confessou de forma integral e sem reservas os factos constantes da acusação, mais referindo que na situação descrita em 1. a 7. era acompanhado pelo arguido B..............
Teve-se, ainda, em conta o depoimento da testemunha D….., que descreveu as circunstâncias em que foi vítima dos factos ocorridos na mencionada data, objectos que lhe foram retirados e respectivos valores.
O depoimento desta testemunha foi prestado de forma clara, pormenorizada e coerente, pelo que nos mereceu credibilidade.
Quanto aos antecedentes criminais e modos de vida dos arguidos, o tribunal teve em atenção os respectivos Certificados de Registo Criminal juntos aos autos, certidões de fls. 349 e seguintes; 275 e seguintes; 462 e seguintes (529 e seguintes); e os respectivos relatórios sociais juntos a fls. 788 e seguintes e 794 e seguintes, respectivamente, bem como o documento de fls. 950 e as declarações do arguido C.........
Quanto ao facto não provado, o tribunal deu-o como tal, uma vez que a própria ofendida, no decurso do seu depoimento prestado em audiência de julgamento, o infirmou.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[3].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- erro de julgamento quanto aos ponto 1. a 7. 25., 26., 35. e 41. dos factos provados;
- violação do princípio in dubio pro reo.
3.1. O recorrente discorda da forma como foram decididos os pontos 1. a 7. 25., 26., 35. e 41. dos factos provados, considerando que, embora na motivação da decisão de facto se tenha aludido ao depoimento da testemunha D........, a convicção do tribunal alicerçou-se unicamente nas declarações do co-arguido C........, já que aquela não conseguiu identificar os autores dos factos. Assim, e porque não foi produzida outra prova relativa à sua intervenção nos factos, entende que, de acordo com o disposto nos nºs 1, 2 e 4 do art. 345º C.P.P., aquelas declarações não podem valer como meio de prova relativamente aos factos que lhe foram imputados.
A questão suscitada pelo recorrente, sendo na sua essência de facto, pressupõe uma questão de direito, relacionada com o valor probatório das declarações do co-arguido, que vamos começar por contextualizar.
Entre os direitos que a nossa lei processual penal reconhece ao arguido encontra-se o de não prestar declarações sobre os factos que lhe foram imputados ( cfr. al. d) do nº 1 do art. 61º do C.P.P., diploma ao qual pertencerão os preceitos adiante indicados sem menção especial ). Optando por prestá-las, está impedido de o fazer na qualidade de testemunha - proibição que “enquanto limitação dos mecanismos de constrangimento inerentes à prova testemunhal, constitui expressão do privilégio contra a auto-incriminação”[4] -, quer no que respeita às infracções cuja prática lhe é imputada em exclusivo, quer em relação àquelas em que, no âmbito do mesmo processo ou em processos conexos, haja co-arguição, enquanto mantiver a qualidade de arguido ( cfr. al. a) do nº 1 do art. 133º ). Mesmo no caso de se dispor a prestar declarações em sede de julgamento, o arguido conserva o direito de, espontaneamente ou a recomendação do seu defensor, recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas que juízes, jurados ou o presidente, a solicitação do MºPº, do advogado do assistente ou do defensor, lhe formulem, sem que isso o possa desfavorecer” ( cfr. nºs 1 e 2 do art. 345º ). Apesar de não estar obrigado ao dever de verdade, as suas declarações são meio de prova permitido ( cfr. art. 125º ), sujeito à regra da livre apreciação da prova, consagrada no art. 127º. No entanto, na hipótese de as suas declarações serem prejudiciais para um co-arguido no mesmo processo ou em processos conexos, não poderão valer como meio de prova se se recusar a responder às perguntas que lhe forem formuladas nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 345º, por força do disposto no nº 4[5] deste preceito. A contrario, não se recusando a responder a tais perguntas, possibilitando o exercício do contraditório – que a defesa do co-arguido exercerá, ou não, conforme a estratégia que entenda mais conveniente prosseguir -, nada impede que as suas declarações sejam valoradas, nem mesmo quando o co-arguido use do direito ao silêncio[6].
É este o entendimento largamente dominante na doutrina[7] e, cremos que uniforme, na jurisprudência[8], que converge no que concerne à necessidade de essa valoração se revestir de particulares cautelas destinadas a despistar eventuais motivos escusos ou segundas intenções que lhes possam subjazer e, dessa forma, apurar em que medida são verosímeis e merecedoras de credibilidade, cautelas essas que alguns, pondo a tónica na fragilidade desse meio de prova, entendem deverem passar também pela exigência de corroboração[9].
A orientação mais recente, que merece a nossa inteira concordância, é a representada pelos Acs. STJ 12/3/08 e 3/9/08 ( ref. em nota de rodapé ), condensada nestas linhas dos respectivos sumários, que a seguir e pela mesma ordem se transcrevem:
“II - As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo.
III - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.
IV - Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.
V - A admissibilidade como meio de prova do depoimento de co-arguido, em relação aos demais co-arguidos, não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra a criminalidade organizada.
VI - O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.
VII - Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei admite, simplesmente, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade. Contudo, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito.
VIII - É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.
IX - Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas, é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objectivada e superadora de um eventual défice de credibilidade inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido quando este incrimine os restantes, antes de uma questão de fiabilidade.
X - A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação.
XI - O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-07-1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229).
XII - E é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art. 345.º do CPP quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso.
XIII - Tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de co-arguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente.
XIV - Na verdade, tal ausência não afecta o direito ao contraditório – que, na fase de julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso se mostre adequado –, pois estando presente o defensor do arguido o mesmo pode e deve exercer o contraditório sobre os meios de prova produzidos (arts. 63.º e 345.º do CPP).
XV - Questão distinta seria a da recusa do mesmo co-arguido a depor sobre perguntas formuladas pelo tribunal e sugeridas pelo defensor ou pelo MP.”
“I - Relativamente ao valor das declarações do arguido como meio de prova, subscrevemos o que tem sido o posicionamento jurisprudencial do STJ, cujo eixo radica na ideia de que, fundamentalmente, o que está em causa é a posição interessada do arguido que, assumido o seu impedimento para depor como testemunha, não obsta a que preste declarações, nomeadamente para esclarecer o tribunal sobre a sua responsabilidade criminal, numa postura de colaboração na procura da verdade material. Sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, as declarações do co-arguido podem, e devem, ser valoradas no processo.
II - No que respeita à questão de saber se é processualmente válido o depoimento do arguido que incrimina os restantes arguidos, a resposta é frontalmente afirmativa e dimana desde logo da regra do art. 125.º do CPP, que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei. Por outro lado, não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que aponte a inconstitucionalidade de tal interpretação: pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido – que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos – se reveste à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto, a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, a da credibilidade do depoimento do co-arguido.
III - Esta credibilidade só pode ser apreciada em concreto, face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas para essa apreciação, retornando ao sistema da prova tarifada: assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.
IV - A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co-arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra a criminalidade organizada.
V - A proibição de valoração, contra o arguido, do exercício do direito ao silêncio incide apenas sobre o silêncio que aquele adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.
VI - O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32.º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova.
VII - Aliás, a partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa, é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação: sendo emergentes de um inviolável direito de defesa, elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento arguido, considerando-o ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova. Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas realidades quantas as que interessam aos diversos sujeitos processuais.
VIII - Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei entende, simplesmente, ser inexigível ao arguido o cumprimento do dever de verdade. Porém, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade – reconduzindo-o a um mero dever moral – e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito.
IX - É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.
X - Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas, é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objectivada e superadora de uma eventual suspeita inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido quando este incrimine os restantes, mas sim de uma questão de credibilidade daquele depoimento em concreto.
XI - A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação, assumindo igualmente uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.”
Também destacamos, por igualmente corresponder ao entendimento que consideramos mais correcto, este trecho do Ac. RE 8/11/11 ( igualmente ref. em nota de rodapé ):
“Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.
Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos. A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior atodaa co-arguição.
Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido em incrimina o outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”) ou para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”).
Pode ainda ter um interesse geral de pseudo contribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena.
Por tudo, revela-se prudente desconfiar, não de toda a co-arguição, como regra – esta regra não existe – mas da declaração de co-arguido que se encontre numa das referidas situações. Já relativamente a declaração de arguido fora de situação suspeita, a fragilização do potencial probatório deste contributo carece de justificação.”
Revertendo ao caso sub judice, começaremos por dizer que, de tudo o que vimos de expor, se evidencia a impropriedade da invocação que o recorrente faz do disposto no nº 4 do referido art. 345º como obstáculo à valoração das declarações do co-arguido C......... Na verdade, o recorrente parte de um equívoco na interpretação desta norma, ao extrair tal conclusão do facto de não ter estado presente na audiência de julgamento – embora considerasse justificada a sua falta, o tribunal considerou que a sua presença, desde o início da audiência, não era absolutamente indispensável para a descoberta da verdade, tendo o julgamento sido realizado ao abrigo do disposto no art. 333º sem que a sua defensora tenha requerido que fosse ouvido numa outra data – aliado à intenção de não querer prestar declarações sobre o processo que entende decorrer do requerimento que teria feito para que o julgamento fosse efectuado na sua ausência ( outro equívoco, porque o recorrente não apresentou nenhum requerimento nesse sentido, tendo-se limitado a apresentar um atestado médico dando conta de que estaria impossibilitado, por razões de saúde, de comparecer ). Pois, quando aquele nº 4 estabelece que “Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2”, o “declarante” a que se refere é, obviamente, o co-arguido que presta as declarações e que só valem como meio de prova se o mesmo também não se recusar a responder àquelas perguntas, permitindo que a defesa do outro co-arguido exerça, querendo, o contraditório – e não, ao contrário do que o recorrente pressupõe, o co-arguido prejudicado por tais declarações, no caso ele próprio. Ora, no caso, o co-arguido C........ não se recusou a responder a qualquer das perguntas que lhe foram formuladas. Razão pela qual aquela norma não tem aplicação no caso concreto.
Concretamente quanto ao teor das declarações que prestou, o arguido C........, referindo embora que à época andava sob o efeito de várias drogas e, por isso, já não se recordava de alguns pormenores, confessou todos os factos que lhe vinham imputados, que abrangiam várias situações ocorridas em várias datas e vários ilícitos criminais. Só em relação a uma delas, respeitante a um único crime de roubo, vinha imputada a sua prática em co-autoria com o recorrente. E também ela foi integralmente confirmada, tal como vinha descrita na acusação, envolvendo a participação do recorrente, tendo o co-arguido C........, a instâncias que pensamos serem da defensora do recorrente, reiterado que este “esteve presente na situação do Citröen Xsara Picasso” ( e a única que envolve uma viatura com estas características é a que vem descrita nos pontos 1. a 7. dos factos provados ).
Não se vislumbra qualquer interesse do co-arguido C........ em incriminar, contra a verdade dos factos, o recorrente, nem este sequer apresentou qualquer motivo para que ele assim tivesse procedido. Não pretendeu, seguramente, dessa forma, “sacudir a água do seu capote”, pois ele próprio assumiu frontalmente e de forma integral a sua responsabilidade relativamente a todos os factos cuja prática lhe vinha imputada, incluindo a sua quota-parte de responsabilidade naqueles em que foi imputada a comparticipação do recorrente. E também não enxergamos que interesse nisso podia ele ter já que o benefício da confissão, enquanto atenuante, sempre o alcançaria com a assunção da prática de todos os factos que a ele lhe vinham imputados, podendo perfeitamente ter-se escudado, no que concerne ao envolvimento do recorrente numa pequena parte dos mesmos, sem causar estranheza, em falta de memória decorrente do efeito das drogas, como bem apontou o MºPº na resposta ao recurso. Nada portanto que possa por em causa a verosimilhança e credibilidade das declarações que prestou. E que também não são de modo algum contrariadas pelo depoimento prestado pela testemunha D........, a qual, embora tenha afirmado não conseguir reconhecer o indivíduo que lhe arrancou a carteira por esticão, referiu que, quando se voltou, ainda o viu fugir para uma viatura de matrícula espanhola, que arrancou de imediato. O que permite inferir que dentro dessa viatura se encontrava outra pessoa, que a conduzia e que aguardava o regresso daquele indivíduo, pois de outra forma esse arranque não seria imediato, e também vai de encontro à forma como os factos do dia 7/10/10 foram descritos e confessados pelo co-arguido C.........
Tanto bastava para se concluir não existir qualquer reserva a que se tivessem considerado como fiáveis as declarações por este prestadas, servindo apenas o que se colhe da vida pregressa do recorrente, bem espelhada no seu CRC e no relatório social juntos aos autos, transposto para os pontos 56. a 70. e 72. dos factos provados, como factor de reforço da sua verosimilhança. De facto, sabido que a manutenção de um consumo regular de estupefacientes implica, em regra, o dispêndio de quantias significativas, se não mesmo avultadas, demonstrando-nos a experiência que é frequente os toxicodependentes menos abonados ( e quiçá mais desesperados em conseguir a dose necessária para evitar os efeitos da ressaca ) recorrerem ao roubo por esticão como forma de conseguirem uma rápida apropriação de quantias necessárias para a aquisição de estupefacientes, e tendo ficado provado que o recorrente tem hábitos aditivos arreigados desde a adolescência, não tem ocupação laboral nem hábitos de trabalho, não lhe são conhecidos outros rendimentos para além do rendimento social de inserção de que beneficiou durante um curto período, e já tem vários antecedentes nomeadamente de prática de crimes contra o património, entre os quais um de roubo, tudo contribui para conferir plausibilidade às declarações do co-arguido C........ no sentido da sua participação nos factos, arredando a hipótese, já de si muito remota, de este, sem qualquer motivo que pudesse explicar tal conduta, apenas porque sim, ter resolvido arrastar mais alguém, um pacato cidadão, para sofrer parte da sua desdita!...
Ora, este tribunal só pode alterar a decisão da matéria de facto quando se verifique existirem meios de prova que impunham uma decisão diversa ( cfr. al. b) do nº 3 do art. 412º ), e já não quando apenas o permitiam, e no caso não ficou ficado demonstrado que aqueles que foram produzidos não consentiam a convicção formada pelo tribunal recorrido. Ao invés, a prova produzida que foi considerada como relevante, mormente as declarações do co-arguido, complementadas pelo depoimento da testemunha D........, devidamente conjugada e analisada, confere suporte adequado a toda a matéria de facto impugnada pelo recorrente, inclusivamente àquela que integra o elemento subjectivo do crime de roubo cuja prática lhe vinha imputada em co-autoria. Não tendo o recorrente prestado declarações sobre os factos, pois, como já se referiu, nem esteve presente na audiência, a intenção que presidiu à sua actuação há-de extrair-se, de modo indirecto, do conjunto de circunstâncias que a rodearam e que foram apuradas, as quais, no caso, apontam inequivocamente para uma actuação dolosa e concertada com o arguido C.........
Assim, e porque também não se detecta qualquer atropelo das regras da experiência comum, temos de concluir que aquela convicção foi validamente formada, inexistindo, pois, qualquer fundamento para alterar a decisão da matéria de facto.
3.2. O recorrente também apontou como violado o princípio in dubio pro reo, considerando que devia ter subsistido uma dúvida razoável quanto aos factos, uma vez que, em seu entender, as declarações prestadas pelo co-arguido não podem, só por si, suportar a prova dos factos criminalmente relevantes e também não foram confirmadas por outros elementos probatórios, devendo essa dúvida, por aplicação daquele princípio, ter determinado a sua absolvição.
A regra da livre apreciação da prova, para além de estar vinculada às regras da experiência comum, comporta, ainda, algumas excepções ( cfr. arts. 84º, 169º, 163º e 344º do C.P.P. ), integradas no princípio da prova legal ou tarifada, e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente ao princípio da legalidade da prova ( cfr. arts. 32º nº 8 da C.R.P., 125º e 126º do C.P.P. ) e ao princípio “in dubio pro reo”, que é um dos princípios estruturantes do processo penal.
O art. 32º da C.R.P. inclui entre as garantias do processo criminal, no seu nº 2, a de que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)”.
O princípio da presunção de inocência, ali consagrado, “integra uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos ( art. 18º, nº 1, da CRP )”.[10]
“A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade. Se a final da produção de prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória”[11].
O princípio in dubio pro reo é, pois, uma emanação do princípio da presunção de inocência e surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Para que haja violação deste princípio é necessário que o tribunal tenha tido, ou devesse ter tido, dúvidas – não uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável[12], que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável - acerca da culpabilidade do recorrente ou do modo como os factos ocorreram e, não obstante, tenha decidido contra ele.
Este princípio “não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.”[13]
Já decorre de tudo o que expusemos no ponto anterior que também nesta matéria nenhuma razão assiste ao recorrente. De facto, as declarações prestadas pelo co-arguido C........, conjugadas com o depoimento da testemunha D........ conferem adequado suporte probatório à convicção formada pelo tribunal recorrido e da motivação da decisão não resulta que, após a produção da prova, tenham subsistido, sequer que devessem ter subsistido, dúvidas razoáveis acerca da culpabilidade do recorrente ou do modo como os factos ocorreram que, não obstante, hajam sido decididas em seu desfavor.
Donde que também não se mostre violado o princípio in dubio pro reo.
E, devendo manter-se inalterada a decisão da matéria de facto, também não existe fundamento para a alteração da decisão de direito, não tendo sofrido contestação e sendo inquestionável a correcção da qualificação jurídica dos factos, mostrando-se também justa e adequada às circunstâncias que se verificam no caso e que são relevantes para o efeito a medida em que a pena foi fixada.
4. Decisão
Em face do exposto, julgam improcedente o recurso e mantêm intocada a sentença recorrida.
Vai o recorrente condenado em 4 UC de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Honorários da tabela.
Porto, 2 de Maio de 2012
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
_____________
[1] Foi, igualmente, submetido a julgamento o arguido C........ e condenado, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, furtos simples e qualificado, uso de documento falso agravado e roubo, um dos quais em co-autoria com o recorrente, na pena única de 6 anos de prisão, não tendo interposto recurso do acórdão condenatório.
[2] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[3] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[4] Como se refere no Ac. TC nº 304/2004.
[5] Esta norma, introduzida pela Lei nº 48/2007 de 29/8, veio consagrar a doutrina do Ac. TC nº 524/97, que julgou inconstitucional, por violação do art. 32º nº 5 da C.R.P., a norma extraída com referência aos arts. 133º, 343º e 345º ( na anterior redacção ) do C.P.P., no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido, em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias destoutro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio.
Como foi salientado no Ac. TC nº 133/2010, naquele aresto “Não se negou valor probatório às declarações do co-arguido. O que motivou o julgamento de inconstitucionalidade foi a violação do contraditório, não a falta ou deficiência de aptidão probatória de tais declarações. Apenas se afastaram em função do seu modo de produção, considerando-se contrário às garantias do arguido em processo penal que o arguido não possa contraditar toda a prova contra si produzida, como sucede quando o co-arguido se recusa a responder, no exercício do seu direito ao silêncio, às perguntas que a defesa do arguido prejudicado pelas suas declarações anteriores entende colocar-lhe.” ( sendo nosso o sublinhado ).
[6] Apreciando a sua compatibilidade com as garantias de defesa consagradas no art. 32º da C.R.P., o Ac. TC nº 133/2010 pronunciou-se no sentido de não julgar inconstitucional a norma do nº 4 do art. 345º do C.P.P., conjugada com os artigos 133º, 126º e 344º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo.
[7] cfr. Teresa Beleza, Rev. MP, Ano 19º, nº 74, pág. 39 e ss., Medina Seiça, “O Conhecimento Probatório do co-Arguido”, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 190 ss., Figueiredo Dias, em parecer junto a um recurso, aludido nomeadamente no Ac. STJ 12/7/06 adiante referido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 855, ( em anot ao art. 345º ), todos afinando pela necessidade de corroboração; contra, no sentido da proibição de prova, Rodrigo Santiago, RPCC, 1994, pág. 27 e ss.
[8] Vejam-se, entre muitos outros, os Acs. STJ 12/2/03, proc. nº 02P4524, 12/7/06, proc. nº 06P1608 , 8/2/07, proc. nº 07P028, 21/3/07, proc. nº 07P024, 8/11/07, proc. nº 07P3984, 27/11/07, proc. nº 07P3872, 12/3/08, proc. nº 08P694, 12/6/08, proc. nº 08P1151, 18/6/08, proc. nº 08P1971, 3/9/08, proc. nº 08P2044, 7/5/09, proc. nº 08P1213, 4/11/09, proc. nº 97/06.JRLSB.S1; RP de 15/4/09, CJ, t.2, pág.242; RL 10/5/06, proc. nº 3616/2006-3 e 26/4/07, proc. nº 3318/07-9; RG 9/2/09, proc. nº 1834/08-2 e 16/5/11, proc. nº 236/05.8GBGMR.G1; RE 8/11/11, proc. nº 92/10.4GAENT.E1; e RC 30/11/11, proc. nº 51/07.4GBMGL.C1.
[9] Na senda da construção proposta por Medina Seiça, ob. cit., que a remata com a seguinte conclusão: “O percurso efectuado em torno do critério da valoração do conhecimento probatório do co-arguido leva-nos a concluir que tal material probatório requer uma verificação suplementar que se traduz na exigência de corroboração. Com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente”.
[10] cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., t. II, p. 108.
[11] cfr. “Constituição Portuguesa Anotada” de Jorge Miranda – Rui Medeiros, t. I, pág.356.
[12] O princípio “in dubio pro reo” só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva” (Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615) .
[13] cfr. Ac. STJ 12/7/05, proc. nº 05P2315.