ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
Sumário


I - O erro na forma de processo consiste na circunstância de o autor ter usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, inadequação essa que há de ser determinada em função do pedido formulado.
II - Mesmo no domínio no NCPC (à parte da inversão do contencioso), a providência cautelar surge como antecipação e preparação de uma providência ulterior, com vista a assegurar a sua eficácia.
III - Não há erro ou inadequação processual se o autor lançou mão da acção principal em vez de interpor uma determinada providência cautelar, posto que esta tem carácter facultativo e antecipatório.
IV - Assim, bem andou a Relação ao afirmar que «não é obrigatório arrestar os bens do devedor antes ou simultaneamente com a instauração da acção para obter o reconhecimento da dívida e a condenação do devedor no seu pagamento».

Texto Integral

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:



A) - Relatório:


Pelo 2ºjuízo cível do Tribunal judicial da comarca de Vila Nova de Famalicão corre processo comum na forma ordinária em que é A AA, identificado nos autos, e RR. BB e mulher CC e DD, também identificados nos autos, pedindo aquele que sejam os primeiros RR condenados a reconhecer que não são proprietários de quaisquer outros bens imóveis para além dos supra identificados no item 39º, nem titulares de quaisquer outros direitos ou expectativas de aquisição que não sejam as decorrentes do contrato promessa de compra e venda identificado no item 40º deste articulado;

b) seja o 2º Réu condenado a reconhecer que não é proprietário de quaisquer outros bens imóveis para além dos identificados nos itens 53º deste articulado;

c) sejam os RR. condenados a reconhecer que os identificados imóveis e os direitos decorrentes do contrato promessa supra referido são os únicos susceptíveis de responder pelo cumprimento das obrigações de cada um deles RR. e de constituir garantia patrimonial dos créditos do Autor, cuja satisfação é peticionada nos autos de acção comum com processo ordinário que, sob o nº 3023/05, correm termos pelo 1º Juízo Cível desta comarca;

d) sejam os RR. condenados a reconhecerem que qualquer acto de oneração ou alienação dos referidos imóveis e direitos constitui diminuição ou perda da garantia patrimonial dos créditos do Autor referidos na alínea anterior;

e) sejam os RR. condenados a conservar a garantia geral das obrigações por eles constituídas e correspondentes aos créditos cujo pagamento é peticionado pelo A., garantia essa constituída pelos bens e direitos de que eles RR. são proprietários ou titulares;

f) sejam os 1ºs Réus condenados a abster-se, de ora em diante, de, salvo para acorrer a situações de extrema necessidade, devidamente fundamentada e demonstrada, praticar acto material ou jurídico ou de celebrar negócio jurídico que constitua ou possa vir a constituir diminuição ou perda da garantia patrimonial do crédito do Autor, nomeadamente não celebrando, relativamente a todos ou apenas em relação a algum dos imóveis identificados nos item 39º deste articulado, contrato de arrendamento, de hipoteca ou de constituição de outro ónus ou encargo, não retirando daqueles imóveis bens ou frutos, suas partes ou componentes, salvo o que corresponder a actos de mera administração, não celebrando contractos de compra e venda ou de promessa de compra e venda, de doação, de dação em cumprimento, de comodato ou outro acto ou contrato de oneração, de alienação ou de disposição que tenha por objecto qualquer dos referidos imóveis, parte deles ou edifícios neles construídos ou a construir e respectivas fracções autónomas, bem como a abster-se de onerar ou ceder a terceiro, a título gratuito ou oneroso, os direitos de que eles 1ºs Réus são titulares, ao abrigo do contrato promessa referido nos itens 40º e 41º deste articulado, tudo até que estejam integralmente cumpridas ou definitivamente declaradas inexistentes as obrigações correspondentes aos créditos alegados pelo Autor, nos autos de acção comum, com processo ordinário, que, sob o nº 3023/05, correm termos pelo 1º Juízo Cível desta comarca;

g) seja o 2º Réu condenado a abster-se, de ora em diante, de, salvo para acorrer a situações de extrema necessidade, devidamente fundamentada e demonstrada, praticar acto material ou jurídico ou de celebrar negócio jurídico que constitua ou possa vir a constituir diminuição ou perda da garantia patrimonial do crédito do Autor, nomeadamente não celebrando, relativamente a todos ou apenas em relação a algum dos imóveis identificados no item 53º deste articulado, contrato de arrendamento, de hipoteca ou de constituição de outro ónus ou encargo, não retirando daqueles imóveis bens ou frutos, suas partes ou componentes, salvo o que corresponder a actos de mera administração, não celebrando contractos de compra e venda ou de promessa de compra e venda, de doação, de dação em cumprimento, de comodato ou outro acto ou contrato de oneração, de alienação ou de disposição que tenha por objecto os referidos imóveis, parte deles ou edifícios neles construídos ou a construir e respectivas fracções autónomas, tudo até que estejam integralmente cumpridas ou definitivamente declaradas inexistentes as obrigações correspondentes aos créditos alegados pelo Autor, nos autos de acção comum com processo ordinário, que, sob o nº 3023/05, correm termos pelo 1º Juízo Cível desta comarca.

Entendeu o Tribunal da 1ª instância que deveria o A. ter lançado mão de um procedimento cautelar por ser este o meio próprio para a tutela jurisdicional que requer, considerando, assim haver erro na forma de processo ao lançar mão de uma acção declarativa quando deveria ter lançado mão de um procedimento cautelar. Assim, entendeu aquele 1º Tribunal absolver os RR da instância por ineptidão da petição inicial.

Inconformado apela o A tendo o Tribunal da Relação julgado procedente o recurso e revogado a decisão recorrida.

Deste acórdão recorre o R BB alegando, em conclusão, o seguinte:

1. Salvo todo o respeito, o acórdão recorrido ao decidir como decidiu, fê-lo sem ter percebido a questão que se lhe colocava, confundiu realidades distintas e fez errada interpretação e aplicação da lei, proferindo assim uma decisão errada e sobretudo injusta que, este sábio Tribunal irá, por certo, reparar.

2. O acórdão recorrido terá partido do princípio de que a presente acção era a acção principal em que o A. visaria o reconhecimento e condenação dos RR. no pagamento do seu alegado crédito e que, por isso, não era obrigado a, previamente, lançar mão de uma providência cautelar, como amplamente se evidencia dos vários excertos do acórdão supra transcritos.

3. Ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido, a acção principal em causa não é esta mas uma outra que já corria já sob o número 3023/05 do 10 Juízo Cível pelo Tribunal Judicial da comarca de VN Famalicão, como, de resto, o próprio recorrido declara em nos artigos 200 a 270 da sua PI.

4. Também ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido, a presente acção declarativa destina-se apenas a servir os mesmíssimos objectivos de uma providência de Arresto, que é a de precaver a perda da garantia patrimonial do seu suposto crédito já peticionada na acção na 3023/05 do 10 Juízo Cível pelo Tribunal Judicial da comarca de VN Famalicão) por via de uma condenação dos RR., a absterem-se de "tocar" em todo o seu património, alegando precisamente que tem justo receio de perda ou diminuição dessa garantia patrimonial.

5. Tal foi a confusão patenteada no acórdão recorrido, que o Exmo Desembargador Adjunto se viu na necessidade de, em declaração de voto, se demarcar dos fundamentos do acórdão, demonstrando ter entendido a questão que se discutia, e esclarecer que o que está verdadeiramente em causa, como resulta das transcrições supra da sua declaração de voto.

6. No final da sua douta declaração de voto o Exmo Desembargador Adjunto acaba por concluir que, afinal, quando o A. ora recorrido usou a acção declarativa em lugar da providência cautelar, não se trataria bem de erro na forma do processo, como se decidiu na primeira instância, mas antes uma questão de "inadequação do meio processual" utilizado e, só por tal razão, entendeu subscreveu a decisão de julgar procedente o recurso e revogar a decisão.

7. Com todo o respeito por opinião contrário a distinção é mera questão semântica ou de retórica.

8. Tendo em conta a questão de fundo, não assiste qualquer razão ao A. ora recorrido, já que o Tribunal de la instância decidiu correcta e acertadamente de harmonia com a lei vigente.

9. Face ao petitório do A. os RR. alegaram que nem o processo é o próprio, nem o tribunal é o competente, nem cabe ao A. o direito de accioná-los discricionariamente com esta acção declarativa de condenação, por ser manifesto o abuso do direito de acção, porquanto, a lei faculta aos alegados credores meios de conservarem a garantia do seu alegado crédito, que são os previstos nos arts.605° e sego do C. Civil, onde se prevê a declaração de nulidade, a sub-rogação do credor ao devedor, a impugnação pauliana e o arresto (art.4060 Cód. Processo Civil), sendo que, no caso destes autos, tal como o A. o configura, a única garantia que o A. poderia accionar contra os RR., em face dos supostos factos que vem alegar, quais sejam, o alegado receio da perda da garantia patrimonial do seu alegado crédito, seria o arresto, previsto nos arts. 6190 e seguintes do cc. e 3830 a 3920 e 4060 a 4080 do cpc.

10. Entendeu o A. na sua réplica que os meios consagrados nos artigos 605.0 a 618.0 do Código Civil e nos artigos 406.° e seguintes do Código de Processo Civil não são os únicos de que o credor pode lançar mão para assegurar a garantia patrimonial do seu crédito, e que se o credor pode lançar mão de uma providência cautelar, é manifesto que pode também lançar mão da acção comum tendo em vista impor ao devedor uma conduta ou uma abstenção que conduza ao mesmo fim.

11. Acontece que não tem razão o recorrido, pois as "as coisas" não são como mais lhe possam "dar jeito", já que há princípios e regras substantivos e processuais que devem ser respeitadas.

12. Em termos práticos, o que com esta acção o recorrido vem dizer é que, mesmo não tendo qualquer fundamento de facto nem de direito para requerer uma providência cautelar de arresto ou outra contra os RR., quer que o Tribunal profira uma sentença em acção declarativa de condenação que tenha o mesmo efeito prático dessa providência, para a qual diz não ter fundamentos.

13. Ao intentar a presente acção o A. pretendeu "contornar" a lei e, mesmo reconhecendo que o seu suposto direito de crédito não está ameaçado, quer obter por via de sentença definitiva em acção declarativa um efeito provisório que só lhe seria permitido alcançar por via de decisão cautelar, como se bastasse a alegação de um suposto crédito para, desde logo, ser legítimo peticionar a condenação dos supostos devedores a uma "paralisia" ou "bloqueio geral" do seu património, só para prevenir qualquer remota hipótese de perda ou diminuição da garantia patrimonial de um crédito que pode nem sequer passar de mera fantasia.

14. Acontece que tal "expediente" do ora recorrido não é consentido pelo nosso ordenamento jurídico.

15. É que, o pedido do A. assenta exclusivamente no direito de crédito que, na acção que corre pelo 10 Juízo cível de VN Famalicão, alega ter sobre os RR., crédito esse que, neste momento é controvertido, e bem assim na necessidade de assegurar que não haja perda ou diminuição da garantia patrimonial desse mesmo crédito que alega deter sobre os RR.

16. Enquanto nos procedimentos cautelares é suficiente a mera probabilidade séria da existência do direito invocado, o fumus boni iuris, o que se justifica não apenas pela urgência que lhe está implícita, mas também e sobretudo, porque a providência a decretar tem natureza eminentemente provisória, já nas acções declarativas, cujas decisões são definitivas, não é suficiente a mera demonstração perfunctória do direito alegado.

17. Por isso, na presente acção declarativa, atenta o carácter definitivo da decisão a proferir não pode prescindir-se da prova efectiva do direito que o A. pretende fazer valer e em que assenta do seu pedido.

18. Assim, como a causa de pedir nestes autos radica, inquestionavelmente, num suposto direito de crédito do A. que está em discussão numa outra acção, a decisão a proferir nos presentes autos encontrar-se-ia numa relação de manifesta prejudicialidade quanto à decisão a proferir pelo 10 Juízo sobre a efectiva existência do crédito do Autor, posto que existe uma precedência lógica entre o fim da acção ordinária que corre termos, sob o na 3023/05, pelo 10 Juízo Cível, e o da presente acção, ou seja, verifica-se uma conexão das respectivas relações materiais controvertidas.

19. Daí que o desfecho possível da acção que corre termos no 10 Juízo é susceptível de fazer desaparecer o fundamento ou a razão de ser da presente acção. (arts. 279º, nº 1 e 284.°, nº 2, ambos do Código de Processo Civil - actuais 2720 e 2760).

20. Quanto à causa de pedir, na hipótese dos autos, consiste num direito de crédito do Autor que é ainda controvertido e na suposta necessidade de conservação da garantia patrimonial afecta ao seu cumprimento.,

21. A todo o direito corresponde, em princípio, não só a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coerciva mente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.

22. Nos termos do disposto no art. 601° do CC, pelo cumprimento das obrigações respondem, em regra, todos os bens do devedor susceptíveis de penhora.

23. 0s meios substantivos à disposição do credor com vista à conservação da garantia patrimonial são os previstos na secção II, do capítulo V (garantia Geral das Obrigações) do CC, concretamente:

- a declaração de nulidade, prevista no art, 605° do CC;

- a sub-rogação do credor ao devedor, regulada nos art. 606º a 609º do CC;

- a impugnação pauliana, prevista no art. 610° a 618º do CC; e

- o arresto, regulado no artigo 6190 a 6220 do cc.

24. A presente acção não se mostra configurada como qualquer desses meios substantivos destinados à conservação da garantia patrimonial do Autor sendo certo que não é seguro que o direito de crédito deste exista e nem a sua existência poderá ser apreciada nestes autos, atendendo a que se mostra pendente a acção onde se discute esse direito.

25. Por conseguinte, os pedidos formulados nos presentes autos não se coadunam com uma decisão a proferir numa acção declarativa, porquanto, só poderão entender-se como meras providências cautelares (ainda que não correspondam ao procedimento cautelar de arresto), que a terem procedência sempre teriam natureza provisória e estariam dependentes da acção principal onde fosse reconhecido o direito de crédito do Autor.

26. Ora, o modo de fazer operar medidas que assegurem a efectividade dos direitos ameaçado e a eficácia do resultado de uma outra acção, de forma provisória, é através dos procedimentos cautelares, como se extrai do disposto no artigo 381º 1, parte final, do Código Processo Civil, actual art. 362º.

27. São as providências cautelares que servem os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional, contribuindo de forma mediata para a tutela jurisdicional efectiva do direito objecto da acção principal, tendo como intuito final acautelar a sobrevivência de um bem ou direito até à decisão final, mas não a definição final do direito aplicável à situação controvertida.

28. Na acção declarativa 1 pelo contrário, o que se pretende é a realização directa e imediata do direito substantivo, a composição definitiva do conflito, e não assegurar a eficácia de qualquer outra acção principal.

29. Assim, analisada a causa de pedir e os pedidos formulados nestes autos, conclui-se que os pedidos não correspondem ao corolário lógico da causa de pedir invocada e que as providências concretamente requeridas ao tribunal não têm lugar numa acção declarativa.

30. Em consequência, estamos também perante uma ineptidão da petição inicial, vício que afecta todo o processo, não é susceptível de suprimento e que gera a nulidade de todo o processo - cfr. artigo 193º nº 1, do Código de Processo Civil, actual 1860, que constitui excepção dilatória (artigo 494° alínea b) do Código de Processo Civil, actual 577°), de conhecimento oficioso (artigo 201º e 495º do Código de Processo Civil, actuais 195° e 578°, que conduz à absolvição dos RR. da instância (artigo 288° [n.º 1 [alínea b) do Código de Processo Civil, actual 278°), não obstante, a sentença revogada pelo acórdão recorrido ter entendido não se verificar tal vício.

31. Como bem se consignou na sentença da lª Instância, no caso sub judice verifica-se, uma situação de desadequação ou inadequação do meio processual utilizado pelo A. que a Mma Juiz denominou como sendo um "erro na forma do processou, já que o A. devia, ter proposto uma providência cautelar (designadamente, de arresto) e nunca uma acção declarativa, donde o seu erro ou inadequação quanto ao meio processual ou à forma do processo a utilizar.

32. A sentença cita o acórdão do TRP de 12/06/2012 (in www.dgsi.pt). onde se decidiu que "O erro na forma de processo ocorre quando há desconformidade entre a natureza e/ou a forma de processo escolhida pelo autor/requerente e a pretensão que deduz (...) Abrantes Geraldes, in "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. I, pág. 247, que salienta que " ... a forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e deve determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir. É em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor que deve apreciar-se a propriedade da forma de processo, a qual não é afectada pelas razões que se ligam ao fundo da causa... ".

33. Por consequência, como claramente foi exposto na sentença da lª instância, podemos dizer que existe erro na forma de processo ou inadequação do meio processual utilizado, quando se utiliza uma forma processual inadequada segundo os critérios da lei. Ou seja, a forma de processo tem de se ajustar ou adequar à pretensão de tutela jurisdicional requerida.

34. Como bem se notou na sentença, o próprio autor reconhece a relação de dependência existente entre esta acção e a acção declarativa por si anteriormente intentada, a qual se assume como uma espécie de acção principal relativamente a esta acção, tal como acontece entre os procedimentos cautelares e as respectivas acções principais - artigo 3830 do CPC, actual artigo 364°.

35. Deverá entender-se que sempre que não exista uma adequação entre o meio utilizado e o fim pretendido, ocorre nulidade por erro na forma do processo. Nesse sentido, Ac. do STA de 26.2.2003 in www,dgsLpt

36. Ao contrário do decidido no acórdão recorrido, bem andou o tribunal de lª instância quando, dando conta que a presente acção não é o meio processual adequado a efectivar as pretensões do A., ora recorrido, declarou nulo todo o processo e absolveu os RR. da instância, nos termos dos artigos 2780, nº 1, alínea b), actual artigo 288°, nº 1, alínea b), arte 493.°, ns. 1 e 2, actual artigo 576º, ns. 1 e 2, art. 494.°, alínea b), actual artigo 577º {alínea b, e art. 495.°, actual artigo 578°, todos do Código de Processo Civil.

37. O certo é que tudo neste recurso se resume a saber se para assegurar que não haja perda ou diminuição da garantia patrimonial dos créditos que alega deter sobre os RR. e já peticionados numa outra acção que já corre termos pelo 10 Juízo Cível de V.N. de Famalicão, por ter receio de perda ou diminuição dessa garantia, pode ou não o A. ora recorrido, lançar mão desta acção declarativa de condenação, ou se, pelo contrário, terá necessariamente de se socorrer da providência cautelar de arresto, nos termos do disposto nos arts. 601º, 619º a 622º do CC, e 391 ° e segs. do crc.

38. Esta é a questão de fundo sobre a qual se pede a pronúncia de V. Excias, entendendo o recorrente que, para se respeitar a lei e o nosso sistema jurídico substantivo e adjectivo, deverá julgar-se que esta acção não tem cabimento por não ser o meio processual adequada a efectivar as pretensões do A.

39. Ao decidir como decidiu, o Tribunal à quo, interpretou e aplicou erradamente, entre outras disposições legais, o disposto nos arts 601°, 619° a 622° do Código Civil, e nos artigos 193º, nº 1, actual 186º, 381º, nº1, parte final, actual 362º, arts.201º e 495º, actuais arts. 195º e 578º, art. 278°, nº 1, alínea b) actual artigo 288º, n.? 1, alínea b, arte 279.°, nº 1 e 284.0 {nº 2, actuais 2720 e 2760, art. 383º actual artigo 364º, arts 406º a 408º actuais actual arte 391º e seg., arte 493,°1 ns. 1 e 21 actual artigo 576º1 ns.1 e 21 art. 494,°1 alínea b), actual artigo 57701 alínea b, e art.495,°1 actual artigo 578°1 todos do Código de Processo Civil.

40. Face a todo o exposto e principalmente, pelo que será suprido pelo Sábio Tribunal. deverá ser proferida decisão que julgando procedente o presente recurso revogue o acórdão recorrido e mantenha a decisão da lª instância. ou se assim se não entender, deve considerar-se nulo todo o processo por não ser o meio processual adequada a efectivar as pretensões do A absolvendo-se os RR. da instância, como é de Direito e de JUSTIÇA.


Contra-alega o A pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.



***



Tudo visto,

Cumpre decidir:


B) - Os Factos:



Em 12 de Outubro de 2010 o A propôs contra os RR a presente acção comum com processo ordinário pedindo que os RR sejam condenados a reconhecer que não são proprietários de quaisquer outros bens imóveis para além dos supra identificados no item 39º, nem titulares de quaisquer outros direitos ou expectativas de aquisição que não sejam as decorrentes do contrato promessa de compra e venda identificado no item 40º deste articulado;

Seja o 2º Réu condenado a reconhecer que não é proprietário de quaisquer outros bens imóveis para além dos identificados nos itens 53º deste articulado;

Sejam os RR. condenados a reconhecer que os identificados imóveis e os direitos decorrentes do contrato promessa supra referido são os únicos susceptíveis de responder pelo cumprimento das obrigações de cada um deles RR. e de constituir garantia patrimonial dos créditos do Autor, cuja satisfação é peticionada nos autos de acção comum com processo ordinário que, sob o nº 3023/05, correm termos pelo 1º Juízo Cível desta comarca;

Sejam os RR condenados a reconhecerem que qualquer acto de oneração ou alienação dos referidos imóveis e direitos constitui diminuição ou perda da garantia patrimonial dos créditos do Autor referidos na alínea anterior;

Sejam os RR condenados a conservar a garantia geral das obrigações por eles constituídas e correspondentes aos créditos cujo pagamento é peticionado pelo A., garantia essa constituída pelos bens e direitos de que eles RR são proprietários ou titulares;

Sejam os 1ºs Réus condenados a abster-se, de ora em diante, de, salvo para acorrer a situações de extrema necessidade, devidamente fundamentada e demonstrada, praticar acto material ou jurídico ou de celebrar negócio jurídico que constitua ou possa vir a constituir diminuição ou perda da garantia patrimonial do crédito do Autor, nomeadamente não celebrando, relativamente a todos ou apenas em relação a algum dos imóveis identificados nos item 39º deste articulado, contrato de arrendamento, de hipoteca ou de constituição de outro ónus ou encargo, não retirando daqueles imóveis bens ou frutos, suas partes ou componentes, salvo o que corresponder a actos de mera administração, não celebrando contractos de compra e venda ou de promessa de compra e venda, de doação, de dação em cumprimento, de comodato ou outro acto ou contrato de oneração, de alienação ou de disposição que tenha por objecto qualquer dos referidos imóveis, parte deles ou edifícios neles construídos ou a construir e respectivas fracções autónomas, bem como a abster-se de onerar ou ceder a terceiro, a título gratuito ou oneroso, os direitos de que eles 1ºs Réus são titulares, ao abrigo do contrato promessa referido nos itens 40º e 41º deste articulado, tudo até que estejam integralmente cumpridas ou definitivamente declaradas inexistentes as obrigações correspondentes aos créditos alegados pelo Autor, nos autos de acção comum, com processo ordinário, que, sob o nº 3023/05, correm termos pelo 1º Juízo Cível desta comarca;

Seja o 2º Réu condenado a abster-se, de ora em diante, de, salvo para acorrer a situações de extrema necessidade, devidamente fundamentada e demonstrada, praticar acto material ou jurídico ou de celebrar negócio jurídico que constitua ou possa vir a constituir diminuição ou perda da garantia patrimonial do crédito do Autor, nomeadamente não celebrando, relativamente a todos ou apenas em relação a algum dos imóveis identificados no item 53º deste articulado, contrato de arrendamento, de hipoteca ou de constituição de outro ónus ou encargo, não retirando daqueles imóveis bens ou frutos, suas partes ou componentes, salvo o que corresponder a actos de mera administração, não celebrando contractos de compra e venda ou de promessa de compra e venda, de doação, de dação em cumprimento, de comodato ou outro acto ou contrato de oneração, de alienação ou de disposição que tenha por objecto os referidos imóveis, parte deles ou edifícios neles construídos ou a construir e respectivas fracções autónomas, tudo até que estejam integralmente cumpridas ou definitivamente declaradas inexistentes as obrigações correspondentes aos créditos alegados pelo Autor, nos autos de acção comum com processo ordinário, que, sob o nº 3023/05, correm termos pelo 1º Juízo Cível desta comarca.

Os RR contestaram invocando a existência de caso julgado; a incompetência do Tribunal e o erro na forma de processo.

Entendeu o Tribunal da 1ª instância que deveria o A. ter lançado mão de um procedimento cautelar por ser este o meio próprio para a tutela jurisdicional que requer, considerando, assim haver erro na forma de processo ao lançar mão de uma acção declarativa quando deveria ter lançado mão de um procedimento cautelar. Assim, entendeu aquele 1º Tribunal absolver os RR da instância por ineptidão da petição inicial.

O Tribunal da Relação proferiu acórdão revogando a decisão da 1ª instância.


C) - O Direito:



Das extensas conclusões do recorrente retira-se que a questão a resolver pelo STJ é a referente à inadequação ou ao erro na forma de processo.

Entendeu o Tribunal da 1ª instância que o A. deveria ter lançado mão de um procedimento cautelar por ser este o meio próprio para a tutela jurisdicional que requer e não de uma acção declarativa com processo comum ordinário como o fez.

As providências cautelares tomando, a expressão “cautelares” em sentido amplo, de modo a abranger as providências reguladas no Código do Processo Civil (CPC) têm carácter nitidamente instrumental, isto é, não constituem um fim último, mas simplesmente um meio destinado a preparar ou preordenar a consecução de um fim (cfr. Prof Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pags.628 e segs.). As providências preventivas ou cautelares são decretadas como actos preparatórios duma acção a propor ulteriormente; resolvem provisoriamente um litígio, que há-de ter a sua solução definitiva na causa principal que se vai seguir.

A providência cautelar não tem carácter obrigatório para a parte que dela pode dispor ou não. Nada impede que a parte lance mão da acção principal sem se socorrer de um meio conservatório ou preventivo. E utilizando tal meio como preliminar da acção deve esta ser proposta posteriormente sob pena de caducidade da providência. Era-o, assim, no CPC anterior a 2008 arts.381ºnº1 e 383º nº1; é-o também no CPC de 2008 arts.381ºnº1 e 383ºnº1.

O NCPC consagra no art.362º, nº1 o âmbito das providências cautelares não especificadas e no arts.364º e 369º estabelece a relação entre o procedimento cautelar e a acção principal. De qualquer forma o art.373º, nº1 a) do NCPC determina que sem prejuízo do disposto no art.369º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca se o requerente não propuser a acção da qual a providência depende.

Em todos os normativos ínsitos nos diversos diplomas processuais civis produzidos ao longo do tempo se retira a obrigatoriedade para a parte (aqui o A) de propor uma providência cautelar.

Mesmo no domínio do NCPC, à parte da possibilidade de inversão do contencioso (art.369º) (cuja fonte se deve procurar, entre outras, no processo civil francês – “procédure de référé” -, a providência cautelar, em princípio, surge como antecipação e preparação duma providência ulterior, prepara o terreno e abre o caminho para uma providência final. “A providência cautelar, nota Calamandrei com perfeita aplicação ainda no direito processual vigente, não é, em princípio, um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material”.

Estando a providência cautelar dependente do fundado receio da parte de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito (art.362º do NCPC), dela se retira o seu carácter facultativo. Por isso o CPC não impõe a propositura de qualquer providência cautelar. Diz o art.362ºnº1 do CPC vigente que se alguém tiver o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode (tem a faculdade) requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.


O erro na forma do processo consiste em ter o autor usado duma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, inadequação essa a determinar pelo pedido formulado.

Há erro na forma de processo quando A lançou mão de processo especial em vez de processo comum ou de outro processo especial e vice-versa, ou quando tenha usado uma forma de processo comum em vez de outra ou quando o procedimento cautelar utilizado não é o adequado a garantir a providência conservatória ou antecipatória que assegure a efectividade do direito ameaçado.

O acerto ou o erro (ou inadequação) do meio processual utilizado apreciam-se pelo pedido formulado. Não há erro ou inadequação processual se o A lançou mão da acção principal em vez de interpor uma dada providência cautelar. Não há entre uma e outra qualquer relação de inadequação dado, como ficou dito supra, revestir a propositura de qualquer providência cautelar carácter facultativo e antecipatório do direito arrogado pelo A.

A acção proposta pode ser procedente ou improcedente consoante o julgamento de fundo que dela se fizer, o que não pode é absolver-se os RR da instância com o fundamento de que o meio a utilizar deveria ter sido uma providência cautelar e não a acção comum.

Bem andou o Tribunal da Relação ao afirmar que “não é obrigatório arrestar os bens do devedor antes ou simultaneamente com a instauração da acção para obter o reconhecimento da dívida e a condenação do devedor no seu pagamento. Não é obrigatório instaurar uma restituição provisória de posse antes da acção possessória. O titular do direito pode avançar para a acção principal, como de resto acontece as mais das vezes, sem curar de instaurar qualquer procedimento cautelar”.

As demais questões levantadas pelo recorrente não podem ser analisadas neste recurso de revista dado não terem sido objecto de apreciação no Tribunal da Relação.

Assim, não pode o presente recurso deixar de improceder.



Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar revista confirmando o douto acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 20 de novembro de 2014


Orlando Afonso (Relator)


Távora Victor


Granja Fonseca