I - Apesar da controvérsia doutrinária, a jurisprudência tradicional do STJ, no que se reporta à relação entre o crime de roubo e o crime de sequestro, entende que quando a privação da liberdade excede a estritamente necessária para a execução do roubo, quando for desproporcionada para esse fim, quando se prolongar desnecessariamente para além da apropriação de bens, o crime de sequestro adquire autonomia, verificando-se um concurso efectivo de crimes.
II - O crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a vítima apenas durante os momentos em que procedem à apropriação das coisas móveis. O crime de sequestro, pelo tempo em que demorou a prática do roubo, é consumido por este (concurso aparente).
III - Após a consumação do crime de roubo, o arguido juntamente com outros indivíduos, fecharam o ofendido (pessoa particularmente indefesa, em razão a sua idade avançada - 79 anos - e deficiência - afectado de AVC, com dificuldades de locomoção), no interior da despensa, situada próxima da adega, sendo que residia sozinho. Um dos indivíduos destruiu o telefone da rede fixa. De seguida, abandonaram a residência transportando consigo os objectos que haviam retirado, deixando o ofendido preso na despensa.
IV - Concluiu-se que a privação da liberdade de movimentos do ofendido ultrapassou a medida naturalmente associada à prática do roubo, pelo que tal privação de liberdade não é consumida pelo crime de roubo, porque ocorreu posteriormente à prática da subtração violenta dos bens móveis do ofendido. A duração da privação da liberdade não foi necessária para a subtração que já tinha ocorrido, mas sim, para que o agente se pusesse em fuga, tendo o ofendido ficado fechado cerca de 10 minutos. Existe pois um concurso real ou efectivo entre o crime de roubo e o crime de sequestro.
V - Quando o arguido praticou os factos em apreço nestes autos, encontrava-se evadido do EP quanto ao cumprimento de pena de 4 anos de prisão aplicada no Proc. X, a que havia sido condenado pela prática de 2 crimes de roubo e 3 crimes de falsas declarações. Daqui se conclui ser de censurar o arguido, que após estar em cumprimento de pena de 4 anos de prisão por crimes dolosos, mostrou não lhe terem servido de advertência suficiente contra o crime as condenações anteriores. Entre os factos em apreço e os do Proc. X, não decorreu o limite de 5 anos. Encontram-se verificados os pressupostos legais da reincidência, nos termos do art. 75.º, nºs. 1 e 2, do CP.
VI - A ilicitude dos factos é elevada. O modo de execução foi violento – empurraram, pontapearam, agarraram e arrastaram o ofendido, provocando lesões que determinaram 5 dias de doença. O arguido evidenciou sentimento de desprezo ou indiferença relativamente à situação da vítima. A vida pregressa do arguido já condenado por várias vezes. A culpa é bastante acentuada e são elevadas as exigências de prevenção geral e especial. O arguido em liberdade exerce uma profissão. Tem filhos, sendo um deles menor, e em julgamento colaborou com a justiça, identificando os 2 restantes co-arguidos.
VIII - Face a todo o circunstancialismo, a pena de 7 anos e 6 meses de prisão revela-se ajustada para o crime de roubo qualificado p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CP, por referência ao art. 204.º, n.º 2, als. e) e f), do CP, e atenta a reincidência em apreço, em substituição da pena de 8 anos e 6 meses de prisão. A pena aplicada pelo crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 2, al. e), do CP, de 3 anos e 6 meses de prisão, é de manter. Em cúmulo jurídico, mostra-se adequada a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão, em substituição da pena de 10 anos de prisão aplicada na decisão recorrida.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Era-lhe imputada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, na sequência de acusação deduzida, a prática em co-autoria de:
-- um crime de roubo, na forma agravada, p. p. pelo artº 210 nº 1 e 2 al b) com referência ao artº 204º nº 2 aI. e) e f) e arte 202 al. e) todos do CP;
-- um crime de detenção de arma proibida p. p. no artº 86 nº 1, al. d) da Lei nº 5/2006, na redacção da Lei 17/2009 de 16/05 com referência ainda ao disposto no artº 2º nº l, aI. m) do aludido Regime Jurídico das Armas e Munições e
-- um crime de sequestro, na forma agravada, p.p. pelo arte 158 nº I e 2 al e) do CP.
“ A acusação foi recebida nos seus exactos e precisos termos e com o enquadramento jurídico-penal aí referido.
Realizado o julgamento, veio a ser proferido acórdão em 23 de Junho de 2014, com a seguinte
“IV. Decisão.
Assim, por todo o exposto julgamos procedente por provada a acusação do MºPº
e em consequência:
a) condenamos o arguido AA como co-autor material
reincidente da prática de:
-- um crime de roubo qualificado p p pelo artº 210 nºs 1 e 2 aI b) por referência ao
Artº 204 nº 2 aIs e) e f) do CP e por efeito da reincidência na pena de 8 (oito) anos e 6
(seis) meses de prisão;
-- um crime de sequestro p p pelo artº 158 nº 2 aI e) do CP e por efeito da
reincidência na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
-- em cúmulo jurídico na pena única de 10 (dez) anos de prisão;
pelo artº 86 al. d) do RJAM.
c) os objectos apreendidos no auto de busca de fIs 145 manter-se-ão apreendidos
pois poderão interessar à investigação que corre no NUIPC procº 505/12.0GABRR do Tribunal do Montijo.
d) condenamos o arguido nas custas com 3 UC de taxa de justiça ..
e) o arguido volta à situação prisional em que se encontra.
Ordenamos a remessa de boletins ao RC.
Efectue-se o depósito do presente acórdão após a sua leitura (artº 372°, nº 5, CPP).”
-
“IV - CONCLUSÕES:
1- Não existe no caso dos autos um concurso real de crimes entre crime de roubo e crime de sequestro, mas tão só um concurso aparente;
2- O concurso é aparente sempre que a privação da liberdade de movimentos do ofendido não ultrapassou a medida naturalmente associada à prática do roubo, tal privação de liberdade é consumida pelo crime de roubo porquanto resultou necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido - o caso sub judice;
3- No caso dos autos a privação da liberdade de locomoção do ofendido não ultrapassou a medida associada à prática do crime/fim, (crime de roubo), a duração da privação de liberdade foi precisa e justamente a necessário para a subtracção e para que o agente se pusesse em fuga, tendo o ofendido ficado fechado cerca de 10 minutos cfr. fls 773, e neste sentido o entendimento deste Venerando Tribunal no citado Acórdão STJ de 13•12~2001, Proc. n.º 3071/01-5, que considerou a privação de liberdade de cerca de meia hora para o agente se pôr em fuga como indispensável à realização plena do roubo, constituindo assim só a prática de crime de roubo, pelo que, o Tribunal a quo ao condenar em concurso real violou o disposto no artigo 30° n.º 1 e 158° do C.P.;
4- Deve, assim, o arguido ser absolvido do crime de sequestro e condenado tão só pela prática do crime de roubo qualificado, e, quer porque mesmo assim a medida da pena se nos afigura excessiva e não fundamentada, quer porque não entendendo este Venerando Tribunal pela inexistência de concurso real de crimes, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, apresenta-se no demais o presente Recurso;
5- O Tribunal a quo não valorou como deveria a culpa do arguido, não sendo assim possível determinar correctamente a medida da pena;
6- O Tribunal a quo descurou na determinação das exigências de prevenção, nomeadamente, as exigências de prevenção especial;
7 - O Tribunal a quo violou, por conseguinte, o disposto no artigo 71 ° do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa, atenta a escassa factualidade considerada e a inexistência da devida fundamentação da Douta decisão;
8- Considerou o Tribunal a quo o grau de i1icitude muito elevado, limitando-se a invocar os valores em causa, património e liberdade pessoal, sem que tenha fundamentado o porquê de tal consideração no caso sub judice;
9- Sem qualquer fundamentação, e num único paráqrafo o Tribunal a quo Iimita-se a qualificar a i1icitude dos factos como muito elevada;
10- Entendemos a i1icitude moderada, os valores violados foram-no de uma forma moderada, não resulta dos factos provados que o Arguido tenha agredido fisicamente o ofendido, aliás vejam-se, em sentido contrário os factos provados sob o n.º 12, 13 e 15 do Acórdão recorrido, e, o produto do roubo corresponde a €500,OO, um relógio e uns óculos;
11- O ofendido ficou fechado, privado da liberdade, cerca de 10 minutos, cfr. fls 773;
12- Atente-se no entendimento deste Venerando Tribunal, nomeadamente, no Acórdão de 02-02-2013, Proc. n.º 29/11.3GALLE.S1 5° Secção, ponto V, cito " Já pelo que toca ao crime de sequestro, o grau de ilicitude respectivo não se mostra especialmente elevado. O agente fugiu deixando a vitima presa. surgindo esta actuação, fundamentalmente, como um crime ao serviço da impunidade do roubo";
13- Se relativamente ao crime de roubo podemos até admitir uma ilicitude moderada, relativamente ao crime de sequestro e como é entendimento do Venerando STJ a ilicitude não se mostra elevada (cfr. Acórdão de 02-02-2013, Proc-. n,º 29/l1.3GALLE.S 1 5ª Secção), portanto andou mal o Tribunal a quo fixando a medida da pena com base numa suposta i1icitude muito elevada sem que o tenha fundamentado, e nem podia pois, não tem fundamento;
14- Não resulta dos factos provados que o Arguido tenha agredido fisicamente o ofendido mas sim que foram os outros dois indivíduos (cfr. factos provados n.o 12, 13 e 15), não há requintes de malvadez ou um sofrimento infligido para além do necessário para a consumação do crime, não houve uma barbárie ou impiedade para que se qualifique o modo de execução como cobarde ou cruel;
15- O Tribunal a quo faz um juízo errado quando diz que o arguido foi insensível à fragilidade, idade e doença da vítima pois, de acordo com a matéria de facto dada como provada, o arguido não exerceu violência física sobre o ofendido, nem está provado que tenha sido o arguido a fechar o ofendido;
16- O arguido agiu sim em conjugação de esforços, mas a sua culpa é que determina a medida da pena, e não a culpa imputável aos outros dois indivíduos;
17 - Não há uma única conclusão do Tribunal a quo sobre as finalidades de Prevenção Geral no caso dos autos, se são elevadas, moderadas ou diminutas;
18- Tais exigências de Prevenção Geral são moderadas a nosso ver;
19- Ao nível da Prevenção Especial o Douto Acórdão invoca a reincidência mas, mais uma vez, não há uma concretização ao sujeito Arguido, a reincidência limita-se a ser invocada no sentido de agravamento do limite mínimo da pena aplicável, sem que se especifiquem Quais as concretas exigências de prevenção especial;
20- Se a reincidência justifica e fundamenta a elevação do limite mínimo da pena aplicável, a circunstância da reincidência não pode permitir uma dupla valoração ou dupla punição, o Arguido já respondeu pelos crimes que praticou anteriormente, e não pode ora, como se vislumbra pelo Tribunal a quo ser punido, novamente, pelos crimes anteriores;
21- Aliás, à data deste Recurso o Arguido tem por cumprir 7 meses de prisão por conta do Processo 36/07.0TAMAC e 8 meses por conta do Processo 155/08.6GAMAC, ao nível da Prevenção Especial a pena única de que ora se recorre de 10 anos de prisão não é de todo ressocializadora para um arguido que colaborou com a Justiça, confessando e revelando capacidade critica, tem de ser punido mas uma pena demasiado severa não terá qualquer funcão pedagógica, podendo sim, criar revolta e sentimentos de vingança por um sistema que não reconhece uma colaboração e um mea culpa;
22- Da matéria de facto dada como provada, nada se pode concluir quanto aos sentimentos manifestados pelo Arguido;
23- O arguido quando em liberdade exerce profissão e está profissionalmente enquadrado;
24~ Está, também, familiarmente enquadrado, tem cinco filhos, e é visitado pelos mesmos no E.P.;
25- A favor do arguido terá de ser relevada a confissão dos factos e a atitude de colaboração com a Justiça, tendo revelado capacidade critica, a pena aplicada ao arguido não reflecte a confissão e a atitude de colaboração com a justiça, em violação do disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 71° do C.P.;
26- Ao crime de roubo foi aplicada a pena por efeito da reincidência de 8 (oito) anos e seis (seis) meses de prisão, ora a ilicitude é moderada, não houve cobardia ou crueldade, as exigências de prevenção não foram fundamentadas pelo Tribunal a quo, pelo que resulta numa dosimetria manifestamente excessiva, devendo tal pena, ser fixada próximo do limite mínimo de 4 anos, e nunca superior a 6 anos;
27- Não se subscrevendo o entendimento da inexistência de concurso real de crimes ao crime de sequestro foi aplicada a pena por efeito da reincidência de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, ora a ilicitude não é elevada entendimento deste Venerando STJ em caso idêntico, a vitima não foi amarrada ou ficou privada da liberdade mais de 10 minutos depois da consumação do roubo, as exigências de prevenção não foram fundamentadas pelo Tribunal a quo pelo que resulta, uma dosimetria manifestamente excessiva, devendo tal pena, ser fixada no limite mínimo de 2 anos e 8 meses:
28- Face a todo o exposto, devem ser as penas aplicadas revogadas e substituídas por uma única pena, reformada e substancialmente reduzida, em conformidade com a fundamentação e pretensão expostas.
29- Foram violados os artigos 30°, n.º 1, 71º e 158º do Código Penal.
NESTES TERMOS,
e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o Douto Acórdão ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta,
assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
-
Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo:
1 - Atenta a factualidade dada como provada no acórdão condenatório recorrido, bem andou o tribunal a quo ao concluir pela existência de concurso efectivo entre os crimes de roubo e de sequestro;
2 - A pena única de 10 anos de prisão que foi aplicada ao recorrente mostra-se bem ponderada e adequada, quer em relação ao grau de culpa quer em relação às exigências de prevenção geral e especial;
3 - O acórdão recorrido não violou as normas legais indicadas pelo recorrente, pelo que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida.
Termos em que, negando provimento ao recurso e confirmando o douto acórdão recorrido, farão Vossas Excelências JUSTIÇA!
-
Neste Supremo, O Dig.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer onde escreve:
“2 - Do mérito do recurso:
2.1 – Emitindo parecer[1], como nos cumpre, cabe dizer que acompanhamos e secundamos todas as considerações aduzidas pela Ex.ma colega junto da 1.ª Instância, na resposta constante da peça processual exarada a fls. 819/822, e subsequentemente densificada nas respectivas conclusões a final extraídas, sendo que a clareza e pertinência da argumentação ali desenvolvida, bem como dos fundamentos e elementos (nomeadamente factuais, doutrinárias e jurisprudenciais) aduzidos – nos quais inteiramente nos louvamos –, nos dispensa, porque de todo desnecessário e redundante, do aditamento de mais desenvolvidos considerandos em defesa do decidido[2].
Apenas nos permitimos por isso, “ex abundanti”, enfatizar ainda o seguinte:
2.1.1 – Quanto ao concurso de infracções:
Antes de mais, há que dizer que não está aqui em causa, inexistindo neste ponto qualquer divergência, a verificação dos elementos típicos constitutivos de qualquer dos crimes pelos quais o arguido e ora recorrente foi condenado. O dissídio incide apenas sobre a questão de saber se os crimes em causa, de roubo e de sequestro, estão, entre si, numa relação de concurso efectivo ou, antes, de concurso meramente aparente.
Neste exercício, e para além do que sobre esta matéria, no ponto “a) enquadramento jurídico-penal”, do seu capítulo “III – Fundamentação de direito”, a decisão recorrida nos dá já conta, ensina ainda Figueiredo Dias[3], a este propósito, que no concurso efectivo se verifica uma pluralidade de sentidos de ilícito do comportamento global. E que, em principio, e no que para o caso importa reter, «da pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global é legítimo concluir […] que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude que devem ser integralmente valorados para efeito de punição».
Esta presunção, no entanto, prossegue, pode ser elidida quando «os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social»; quando «se verifica entre os sentidos de ilícito coexistentes uma conexão objectiva e subjectiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, hoc sensu autónomo, enquanto o restante ou os restantes surgem, … como dominados, subsidiários ou dependentes».
Ainda segundo o mesmo Professor, «critério de primacial relevo para a conclusão pela tendencial unidade substanciai do facto – apesar da pluralidade de tipos legais violados pelo comportamento global – é o da unidade, segundo o sentido social assumido por aquele comportamento, do sucesso ou acontecimento (hoc sensu do “evento” ou “resultado”) ilícito global final». Isto é, «quando o agente se propôs uma realização típica de certa espécie – […] – e, para lograr (e consolidar) o desiderato, se serviu, com dolo necessário ou eventual de métodos, de processos ou de meios já em si mesmo também puníveis».
Examinada pois, à luz dos apontados ensinamentos, a matéria de facto a enquadrar normativamente, a primeira ilação que dela retiramos é a de que se nos afigura incontroversa, em termos de ilícito global final, a existência daquela pluralidade de sentidos sociais de ilicitude que, devendo por isso ser integralmente valorados para efeito de punição, conduzem à afirmação do concurso efectivo. Essa matéria de facto diz-nos, com efeito, nos seus pontos 13.º a 20.º, que o arguido e seus companheiros, que, enquanto localizavam objectos de valor e exigiam ao ofendido que entregasse o dinheiro que tivesse consigo, mantiveram este sempre manietado, amedrontado e constrangido, fazendo-lhe um deles um “garrote” com o braço à volta do seu pescoço, do mesmo passo que lhe desferia pancadas nas pernas, e uma vez na posse do que pretendiam, levaram-no para dentro de uma arrecadação/despensa da casa, lugar onde o fecharam à chave, abandonando de imediato a residência, cujos fios do telefone fixo destruíram, deixando-o assim fechado e trancado naquele espaço e impossibilitada de pedir auxílio imediato.
Há portanto, a nosso ver, manifesta descontinuidade temporal entre as duas condutas, com inquestionável e desnecessária manutenção do sequestro para além do necessário à consumação do roubo.
Ora, e como é sabido, a jurisprudência dominante, nesta matéria, afirma que o concurso efectivo entre os dois crimes em causa depende de o agente ter ido, no sequestro, para além do que se mostrasse razoavelmente necessário, em termos de violência empregue, para consumar o roubo.
No caso concreto, […] temos por certo que esse sequestro já não está, obviamente, ao serviço da consumação do crime de roubo, justificando-se quando muito, na óptica do arguido bem entendido, para ver assegurada a sua impunidade.
[…]
Afigura-se-nos, pois, que, no condicionalismo dos autos, o arguido cometeu, como bem se decidiu, um crime de roubo em concurso efectivo com o de sequestro.
2.1.2 – Quanto à medida das penas:
Se bem entendemos, sustenta o recorrente, sobre esta questão, que a decisão impugnada teria valorado duplamente a reincidência, do mesmo modo que não teria valorado suficientemente a sua confissão e atitude colaboração com a justiça, tal como o seu enquadramento familiar, social e laboral.
Tal crítica é, porém, infundada. Desde logo, e quanto à confissão, há que dizer que esta não deixou de ser expressamente considerada pelo tribunal, mas a verdade é que tinha valor bem pouco relevante face à demais prova produzida em audiência. Como a este propósito bem contrapõe o Ministério Público na 1.ª Instância, citamos, «em face da demais prova produzida em sede de julgamento, a confissão que protagonizou assume escassa relevância para se poder afirmar que o mesmo interiorizou o desvalor da sua conduta». Tal como foram igualmente sopesados, ao contrário do que sustenta o recorrente, todos os demais factores relevantes, entre os quais os supra convocados. E, também ao contrário do que sugere, não vemos onde é que o recorrente funda a alegação de que o tribunal possa ter valorado duplamente os seus antecedentes criminais. Estes fundamentaram apenas a afirmação da reincidência, que nem o recorrente ousou contestar, mas não já a determinação da medida concreta das correspondentes reacções criminais.
Convirá é não esquecer também, como parece querer fazer o recorrente, o peso concreto, muito significativamente elevado, das circunstâncias, apuradas na decisão, que depõem contra si.
A graduação da medida concreta da pena deve ser efectuada, como é sabido, em função da culpa do agente[4] e das exigências de prevenção no caso concreto (art. 71.º, n.º 1 do CP), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2).
Nos termos do art. 40.º, n.º 1, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva), sendo certo que, como também se sabe, a referência (legal) aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade de pena e a gravidade do facto praticado, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção[5].
Mas, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo art. 71.º), sendo certo que “disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva” (Ac. STJ de 10/4/96, CJ-STJ 96, II, 168).
Ora, In casu:
- Não há dúvida de que a matéria de facto apurada preenche efectivamente, como se decidiu, os elementos constitutivos dos dois apontados crimes: um de roubo agravado, subsumível à previsão normativa acima indicada e a que corresponde, no quadro da reincidência, a moldura penal abstracta de 4 a 15 anos de prisão; e outro de sequestro, subsumível à previsão normativa também acima indicada e a que corresponde, ainda no quadro da reincidência, a moldura penal abstracta de 2 anos e 8 meses a 10 anos de prisão.
- É muito elevada, também aqui ao contrário do que sustenta o recorrente, a intensidade da culpa e directo o dolo com que agiu o arguido.
- Por outro lado, e como lucidamente observa a decisão impugnada, o grau de ilicitude revelado é também consideravelmente elevado, tendo em conta o modo de execução do crime e os meios utilizados, tudo perpetrado no interior do espaço de habitação da própria vítima, que é em si um lugar inviolável e onde o arguido, com os seus comparsas, entrou à força, saltando pela janela depois de, sob o falso pretexto de um pedido de informação, terem logrado que aquela, pessoa idosa, a abrisse, sendo por isso mais elevado ainda o grau de coacção física e psicológica sobre ela exercido, isto para já não falar da insensibilidade demonstrada perante a notória fragilidade, idade e doença da mesma vítima.
- Por último, e para além das diversas outras condenações anteriores que já sofreu, pela prática de crimes de furto, extorsão e falsas declarações, o ora recorrente foi já condenado, por crimes de passagem de moeda falsa, falsificação de documentos e roubo, em penas de 3 anos, 1 ano e 6 meses e 4 anos de prisão, respectivamente, sendo de sublinhar que praticou os crimes dos autos quando se encontrava evadido do Estabelecimento Prisional onde cumpria aquela última pena prisão.
Ponderando, pois, as apontadas circunstâncias; tendo ainda em conta que, bem ao contrário do que sugere, foram também devidamente sopesadas todas as demais que o Tribunal teve por assentes, nomeadamente a confissão (mas, como é bom de ver, não tinham valor atenuativo suficiente para que o Tribunal se devesse decidir por reacção criminal diversa da adoptada); e não olvidando por outra banda as acentuadas exigências quer de (i)prevenção geral inerentes a este tipo de crimes, pela repulsa social que merece e sentimento de insegurança que provoca; quer de (ii)prevenção especial decorrentes do risco, muitíssimo acentuado, de reincidência, tudo considerando e a tudo atendendo, estamos em crer que será ajustada a medida concreta das sobreditas penas. Isto é, e por outras palavras, entendemos que não só razões de prevenção especial, mas também necessidades de prevenção geral positiva – [que se aferem tendo em conta, como ensina Figueiredo Dias[6], a forma concreta de execução do facto, a sua específica motivação e as consequências que dele resultaram, a situação da vítima e a conduta anterior do agente] – impõem uma censura penal com uma dimensão suficiente para reforçar na comunidade a ideia de efectiva vigência da norma violada e, do mesmo passo, pacificar os sentimentos de incompreensão, e até de revolta, que um comportamento como o do arguido, assumido dentro de um meio muito fechado, necessariamente suscita.
2.1.3 – Aqui chegados – e valorizando por outro lado, apesar de tudo, o que nos parece não deixar de configurar alguma a colaboração do arguido, ora recorrente, com o sistema de justiça penal, ao contribuir para a identificação dos seus comparticipantes na prática dos crimes [ver ponto 3. da decisão de facto proferida] –, dir-se-ia no entanto que, sempre no quadro da fundamentação aduzida pela decisão, admitiríamos ainda uma ligeira redução da pena aplicada pelo crime de roubo, neste caso para medida a fixar entre os 7 e os 7 anos e 6 meses de prisão, com a consequente repercussão, em proporção idêntica, na medida da pena única do concurso.
Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência, após os vistos legais e simultâneo.
11).- Fundamentação dos factos.
a) factos provados.
1).- Em 14 de Agosto de 2012, cerca das 11:30 horas, um grupo de três indivíduos deslocou-se à povoação de ...l, na área do concelho de ....
2).- Nesse grupo encontrava-se o arguido AA.
3).- Em julgamento o arguido AA identificou os dois restantes como sendo BB e CC.
4).- Faziam-se transportar num automóvel ligeiro de passageiros de cor escura.
5).- Imobilizaram o veículo a cerca de 20 metros da casa de DD, nascido a 22.12.1932, anteriormente afectado de AVC que lhe determinara hemiparésia esquerda sequelar.
6).- DD residia ali sozinho, sendo que o vizinho mais próximo habitava a cerca de 150 metros.
7).- Um dos sujeitos apeou-se da carrinha e bateu à porta da casa de DD.
8).- Manuel assomou-se à janela do quarto depois de a abrir.
9).- O BB perguntou-lhe" se era ali que existia um Clio para abate".
10).- O DD respondeu que não, mas aquele formulou a mesma pergunta repetidamente, sempre obtendo resposta negativa.
11).- Então o BB abeirou-se da janela e saltou para o interior da casa, através da mesma.
12).- De seguida o CC saltou também para interior através da janela e desferiu logo um empurrão com ambas as mãos no peito de DD, que, caiu sobre a cama.
13).- O CC colocando-se detrás do mesmo apertou-o contar o seu corpo, fazendo-lhe um garrote com o braço, para que se sentisse asfixiar.
14).- Enquanto assim agia dizia:- “ entrega-me o dinheiro!"
15).- Sempre segurando o ofendido com o braço à volta do pescoço, desferiu-lhe pancadas nas pernas e levou-o por várias divisões da casa enquanto continuava a exigir “a entrega do dinheiro".
16).- O arguido AA deixou marcada uma impressão palmar da palma da mão direita, no parapeito da janela da residência de DD acima mencionada.
17).- Temendo pela sua vida, DD indicou uma lata preta, pequena, dentro de um armário na garagem onde detinha 500,00 € em 24 notas de 20,00 € e 2 notas de 10,00 € que o arguido, com os demais, levaram e dividiram entre eles.
18).- Pediram-lhe mais dinheiro.
19).- Como o ofendido respondeu não ter mais, um deles pegou numa faca de cozinha encostou a lâmina ao pescoço de DD e em simultâneo perguntava "onde está o outro dinheiro”, ao que o ofendido respondia que "não tinha mais dinheiro”•
20).- De seguida fecharam o ofendido no interior de uma arrecadação/ despensa ,situada próxima da adega.
21).- Um dos sujeitos destruiu o telefone da rede fixa que se encontrava num móvel do corredor.
22).- Abandonaram a residência transportando consigo os objectos que haviam retirado ao proprietário, 500 € em notas do BCE, um relógio e uns óculos
23).- O idoso esteve ali ainda fechado, gritando várias vezes “quem me acode”até que logrou quebrar a fechadura a partir do interior, saindo.
24).- Os gestos de empurrar, pontapear, agarrar e arrastar o idoso causaram a este, na face, ferida incisa com fundo hemorrágico no lábio inferior do lado direito com cerca de l cm de comprimento; no membro inferior direito, três escoriações lineares a maior com cerca de 5 cm de comprimento na região lateral da perna; no membro inferior esquerdo, escoriação arredondada com perda de substância na região anterior do terço médio da perna com cerca de 1,5 cm de diâmetro.
25).- Isto, para além de dores, nas regiões atingidas, retro mencionadas.
26).- Lesões estas que determinaram ao ofendido, 5 dias de doença, todos com afectação das capacidades para o trabalho geral e profissionaL
27).- O idoso DD de 79 anos à data dos factos e com sequelas de AVC, refletida na hemiparesia esquerda, a viver só na residência, com o vizinho mais próximo a cerca de 150 metros, num lugar rural como ... estava particularmente indefeso, em razão da sua idade avançada e deficiência.
28).- Os sujeitos abordaram a residência em razão do seu afastamento de outras casas, esperando ali encontrar um idoso frágil doente e já com dificuldades de reacção, locomoção ou de oferecer resistência.
29).- O arguido e os demais, perceberam que estavam face uma pessoa particularmente incapaz de lhes resistir, porque de idade muito avançada e deficiente.
30).- O arguido com os demais agiram sempre em conjugação de esforços, segundo plano por todos previamente traçado.
31).- Quando actuaram da forma descrita o arguido e os restantes sujeitos, pretendiam retirar dinheiro e outros objectos de valor de casa de Manuel que ali encontrassem.
32).- Queriam o arguido e os demais assustar a sua vítima e criar-lhe medo de ser ferida, ou mesmo de morrer, para a intimidar a entregar dinheiro e outros objectos, sem que reagisse.
33).- E, assim, desta forma apoderarem-se de bens que sabiam serem detidos pela pessoa que decidiram abordar e integrá-los no seu património, contra a vontade do respectivo proprietário, recorrendo à violência e à agressão física ou à ameaça de agressão ou mesmo morte, o que no caso aludido, conseguiram.
34).- O arguido e os demais quiseram ainda deter DD no período e circunstâncias acima descritas e impedi-lo de usar a sua liberdade de locomoção, mantendo-o ali preso na despensa, contra a sua vontade, enquanto andavam pela casa e se escapavam para longe de ....
35).- Pretenderam aproveitar a fragilidade, retro descrita, que assim lhes permitia deixá-lo preso na despensa sem que chamasse ajuda ou os perseguisse, o que CD alcançaram.
36).- O arguido e os demais agiram sempre livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
37).- O arguido já foi condenado no âmbito do PCC nº 101/00 da 2a secção do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco por factos integradores de um crime de passagem de moeda falsa, factos praticados em Março de 1999, tendo sido condenado na pena de 3 anos de prisão; no âmbito do PCS nº 57/05.8GGABT do Tribunal Judicial de Mação, por factos integradores de dois crimes de furto qualificado, factos praticados em 23.9.2005 tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos e 6 meses; no âmbito do PCS nº 728/047.6JDLSB do 2° Juízo do Tribunal e Portalegre, por factos integradores de um crime de falsificação de documento, factos praticados em data não concretamente apurada, tendo sido condenado em 1 ano e 6 meses de prisão efectiva; no âmbito do PCC nº 153/06.4JAGRD do Tribunal Judicial de Celorico da Beira, por factos integra dores de dois crimes de roubo e três crimes de falsas declarações, factos praticados em 23.10.2006 tendo sido condenado na pena única de 4 anos de prisão; no âmbito do PCS nº 27/05.6GDFTR do 1º Juízo Tribunal Judicial de Castelo Branco, por factos integradores de um crime de furto simples, factos praticados em 6.3.2004 tendo sido condenado na pena de 11 meses de prisão suspensa por 12 meses com regime de prova; no âmbito do PCS nº 36/07.0TAMAC do Tribunal Judicial de 'Mação, por factos integradores de um crime de falsidade de depoimento, factos praticados em 15.1.2007 tendo sido condenado na pena de 7 meses de prisão; no âmbito do P Sumaríssimo nº 15508.6GAMAC do Tribunal Judicial de Mação, por factos integradores de um crime de extorsão na forma tentada, factos praticados em 14.8.2008 tendo sido condenado na pena de 140 dias de multa.
38).- Mais se provou que o arguido quando em liberdade exerce a profissão de vendedor ambulante nas feiras e mercados.
Tem cinco filhos com as idades de 31,29, 27,22 e 15 anos de idades.
Nunca frequentou qualquer estabelecimento de ensino.
Não tem qualquer actividade no Estabelecimento Prisional.
No EP recebe a visita dos seus familiares.
39).- Quando praticou os factos descritos, o arguido AA encontrava-se evadido do cumprimento de pena de prisão aplicada nos autos de Processo Comum Colectivo n° 153/06.4JAGRD, do Tribunal Judicial de Celorico da Beira, pendendo sobre o mesmo mandado de detenção, por se encontrar em ausência ilegítima desde 23.03.12 por não haver regressado ao EP.
Nestes autos o arguido havia sido condenado na pena de 4 anos de prisão, pela prática em 23.10.2006, de dois crimes de roubo, p.p. pelo artigo 210°, nº l CP e 3 crimes de falsas declarações, p.p. pelo artigo 359°, nº 2 CP, sendo a decisão final o Ac. STJ de 14.11.2008, transitado em julgado de imediato.
Os factos praticados no âmbito destes autos, objecto deste processo, foram praticados quando o arguido não havia ainda sequer sido colocado em liberdade definitiva, posto que se encontrava evadido.
Daqui que se conclui ser de censurar especialmente este agente que, após estar em cumprimento de cumprir pena de 4 anos de prisão efectiva por crimes dolosos, mostrou não lhe terem servido de advertência suficiente contra o crime, as condenações anteriores.
b) factos não provados:
Não se provou qual dos três retirou o telemóvel que a vítima tinha no bolso das calças, os óculos graduados e o relógio de pulso que usava; igualmente se não provou que a faca de cozinha tivesse uma lâmina com 15 a 20 em de comprimento.
Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer, nos termos do disposto no artº 417º nºs 2 e 3do CPP
Apreciando:
Questiona o recorrente o concurso de crimes entre o roubo e o sequestro, que entende ser aparente.
1. O acórdão deste Supremo e desta Secção, de 24 de Setembro de 2014, proferido no proc.146/13.5JAGRD.S1 analisou pormenorizadamente o enquadramento jurídico das figuras, como se transcreve do mesmo:
“A questão da relação entre os aludidos crimes tem sido tratada abundantemente na jurisprudência e na doutrina.
Na jurisprudência deste Supremo Tribunal é uniforme o entendimento de que o crime de roubo consome o de sequestro quando a privação da liberdade é a estritamente necessária e proporcionada ou, por outras palavras, quando funciona estritamente como meio para a consumação do roubo, havendo então concurso aparente entre os dois crimes; mas o concurso já será efetivo se a privação da liberdade exceder o estritamente necessário para a consumação do roubo, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando o sequestro segue ou antecede o roubo[7].
Assim, a privação da liberdade do ofendido poderá integrar o elemento típico da violência, ou impossibilidade de resistir, constitutivos do crime de roubo. Mas só enquanto e na medida em que ela for necessária para a consumação do roubo, pois só então o âmbito de proteção da incriminação do crime de roubo abarca a do crime de sequestro. Caso haja excesso dessa medida, quando portanto a duração da privação da liberdade ultrapassar o necessário para a consumação do roubo, haverá concurso efetivo de crimes, pois a punição do crime de roubo não abrangerá a violação do bem jurídico protegido pelo crime de sequestro, ou, noutra perspetiva, o sequestro não terá representado afinal um crime-meio, não terá sido meramente subsidiário na execução do roubo, adquirindo portanto autonomia.
Esta é a posição que recolhe o apoio maioritário na doutrina.[8] Taipa de Carvalho assume-a sem hesitação. Escreve ele:
(…) sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (p. ex., o roubo, a ofensa corporal grave, a violação) e como tal já foi considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro (“crime-meio”) e o crime-fim: roubo, violação, extorsão, etc., respondendo o agente somente por um destes crimes (…)”. Já haverá concurso efetivo, quando a duração da privação da liberdade de movimento ultrapassa aquela medida.[9]
Igualmente Conceição Cunha alinha com esse entendimento:
Se o sequestro (art. 158º) é usado como meio para subtrair coisa alheia ou constranger à sua entrega, será consumido pelo roubo (integrado no meio “pôr na impossibilidade de resistir” ou na própria violência ou ameaça, dependendo da situação concreta); no entanto, se se mantém o sequestro para além do necessário à consumação do roubo, já haverá concurso efetivo de crimes.[10]
Contudo, subsequentemente, e em anotação ao acórdão deste Supremo de 2.10.2003, já citado (nota 1), veio Cristina Líbano Monteiro defender posição diferente. Discordando da decisão, e pronunciando-se pela existência de um único crime - o de roubo – a autora apoia-se nas seguintes considerações teóricas:
Estou de acordo em que é possível encontrar casos de concurso efetivo entre roubo e sequestro. Além das hipóteses de claro desfasamento contextual e daquelas em que há vítimas diferentes, outras existirão porventura. Talvez mais evidentes se, ao contrário do que ocorre na hipótese em apreço, o roubo for praticado durante um sequestro prolongado e já em curso. (Embora se torne difícil imaginar a necessidade de fazer mais violência sobre uma pessoa em tais condições para fazer-se com algum objeto que ainda conserve em seu poder.)
Venhamos, porém, aos casos normais, aos que deixam dúvidas, aqueles em que o plano do agente consiste em roubar, i. é, apoderar-se de coisa móvel alheia, usando violência para o conseguir; aos casos, para circunscrever o discurso, em que a violência (ou a colocação da pessoa na impossibilidade de resistir) se traduz na privação da liberdade, rectius na imobilização de quem pode levantar obstáculos à apropriação da coisa.
O problema pode descrever-se como segue: em que momento se ultrapassa a fronteira do crime complexo de roubo e se torna necessário convocar outro tipo legal para acautelar um bem jurídico que a norma incriminadora do roubo também protege?
Responde o Acórdão: quando a violência usada é desnecessária e exagerada para a efetivação do roubo, E quando é que isso acontece? Diz ainda o Supremo Tribunal de Justiça: quando se podia roubar sem tanta violência. Medida abstrata? Medida objetiva, a partir de um conceito de roubo médio? Discordo do critério – porventura muito generalizado. Explicarei brevemente porquê.
O tipo legal do roubo provém, por assim dizer, de um concurso efetivo. Unificado pelo legislador, é certo, mas concurso. Não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto - ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtração prevista no art. 203.° do Código Penal -, juntam-se ora a coação, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida (neste caso apenas negligentes). Não afirmo que todos os tipos nele estejam presentes com os exatos elementos que os configuram isoladamente - já exemplifiquei, no furto, zonas de não coincidência.
Dito de outro modo. O roubo é crime autónomo, no sentido de desenhado com independência pela lei. E esta tem diante de si o mundo da vida e não apenas outros tipos de crime. A ação social de roubar viola simultaneamente bens patrimoniais e bens pessoais. Por isso o legislador oferece, com o tipo do roubo, uma proteção também plural. Ninguém contesta, pois, que esse crime congrega vários bens jurídicos que se mostram, por sua vez, aptos para fundar, individualmente, outras incriminações.
Se assim é, deverá o intérprete redobrar a cautela, desconfiar, sempre que se trate de desunir o que a lei combinou, de devolver à efetividade o concurso que o tipo pretendeu tornar aparente. Ainda uma vez: porquê procurar na pluralidade criminosa o que o delito complexo trouxe para a unidade, criando uma moldura sancionatória própria?[11]
Esta posição recebeu o apoio de Figueiredo Dias. Alicerçado no seu (novo) critério sobre unidade e pluralidade de infrações, que elege a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude como elemento determinante da diferenciação entre unidade e pluralidade criminosa[12], e que caracteriza o concurso aparente como correspondendo às situações em que, embora havendo pluralidade de sentidos de ilícito, um deles é dominante e os restantes subordinados ou dependentes[13], Figueiredo Dias considera abrangido pelo concurso aparente os casos de relacionamento entre crime-meio e crime-fim, exemplificando com o concurso entre sequestro e roubo, manifestando expressamente a sua concordância com a posição subscrita por Cristina Líbano Monteiro naquele texto.[14]
Taipa de Carvalho reagiu de forma incisiva a esta posição. Aditou ele, em nova redação da anotação ao art. 158º o seguinte:
Também entre o sequestro e o roubo pode dever afirmar-se a existência de concurso efetivo, quando a duração da privação da liberdade de movimento não pode ser vista como “conatural” ou implícita na prática do roubo. Assim, parece dever afirmar-se o concurso efetivo de roubo e sequestro, no seguinte exemplo: A, mediante ameaça de morte ou de lesão grave da integridade física, entra no carro de B às 18h00 do dia 10, com a intenção de o forçar a fazer levantamentos em caixas multibanco através dos três cartões que este tem na sua carteira. Pretendendo obter o máximo possível de dinheiro, A força B a dirigir-se a uma caixa multibanco; como se encontravam pessoas junto dessa caixa, A ordena que B se dirija à caixa de uma terra menos povoada; aqui, B, por imposição do A, faz três levantamentos de 200 euros cada; todavia, o A quer mais dinheiro e, para o conseguir, mantém B sequestrado até ao início do dia seguinte, para poder forçar este a fazer mais três levantamentos nos mesmos montantes (poderíamos ainda imaginar o caso em que o A pretendia uma soma ainda mais elevada, e, para tal conseguir, manteve B sequestrado por mais um dia, para conseguir que B fizesse mais uma série de três levantamentos). Diante de um caso destes, acho que é, político-criminal e jurídico-dogmaticamente, exigível que o A responda não apenas pelo crime de roubo mas também pelo crime de sequestro (simples ou qualificado, se a privação da liberdade de movimento tiver durado mais de dois dias). Semelhante a este caso construído foi o caso decidido pelo Acórdão do STJ, de 2-10-2003, em que este tribunal considerou haver concurso efetivo dos crimes de sequestro e de roubo (discordando desta decisão, dizendo que seria mais correta a decisão da existência de um concurso aparente - sendo punível só por roubo -, e que a gravidade global do comportamento podia ser tida em conta na medida da pena, Cristina Líbano Monteiro, «Roubo e sequestro em concurso efetivo? - Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 2003» RPCC, 2005, 447-496).[15]
Feita esta resenha da controvérsia doutrinária, não pode deixar de se aderir a esta última posição, concordante com a jurisprudência tradicional deste Supremo Tribunal, que nenhum motivo há para alterar.
Na verdade, a valoração do “sentido de ilícito dominante” como critério do concurso aparente leva a subalternizar, ou mesmo desproteger, de forma insustentável do ponto de vista político-criminal, mas também da perspetiva dogmática, bens jurídico-penais relevantes, tratados como meros “sentidos de ilícitos subordinados”.
Com efeito, o crime-meio pode assumir, no plano executado pelo agente, uma relevância penal superior à do crime-fim, sendo intolerável subordinar o bem jurídico por ele protegido ao tutelado por este último.
No caso do roubo, sendo o “sentido de ilícito dominante” a apropriação de bens alheios, pode acontecer que os meios utilizados (violência, ameaça, colocação da vítima na impossibilidade de resistir) ultrapassem manifestamente, em termos de ilicitude, a que está contida na apropriação patrimonial. Há uma medida de violência ínsita ou conatural ao roubo, e como tal incluída pelo legislador na previsão típica. Mas, ultrapassada essa medida, a violência adquire necessariamente autonomia.
A apropriação pode ser de quantia diminuta, mas ser intensa a ilicitude dos meios utilizados. Seria nesse caso insuportável, em nome daquele critério formal (dominância do “sentido de ilícito” apropriativo), desprezar a proteção de bens jurídicos nucleares no sistema penal como a integridade física, a liberdade, a segurança pessoal, ou protegê-los apenas reflexamente, em termos de graduação da pena do crime de roubo.
Poderá concluir-se, alinhando com Helena Moniz, que, nesse caso, estamos perante a transformação de uma conduta com um único sentido de desvalor numa conduta com vários sentidos de desvalor.
Ou então, mais tradicionalmente, que não existe relação de consunção ou de subsidiariedade entre o crime de roubo e o crime-meio, porque a punição daquele não esgota a proteção do bem jurídico tutelado por este último.
Em qualquer caso, sempre haverá que concluir pela pluralidade de crimes, pela existência de um concurso efetivo de crimes.
Assim, e sintetizando, sempre que o crime-meio ultrapassar a medida estritamente necessária à consumação do crime-fim, ele assume necessariamente autonomia dogmática, afastando decididamente o concurso aparente.
Reportando-nos mais concretamente à relação entre o roubo e o sequestro, diremos, alinhando com a jurisprudência tradicional deste Supremo, que quando a privação da liberdade exceder a estritamente necessária para a execução do roubo, quando for desproporcionada para esse fim, quando se prolongar desnecessariamente para além da apropriação de bens, o crime de sequestro adquire autonomia, verificando-se um concurso efetivo de crimes.”
2. De igual modo se escreveu no acórdão deste Supremo e também desta mesma Secção, no proc. nº 280/13.1GARMR.S1
“Como abundantemente consta da jurisprudência deste Supremo Tribunal:
O roubo é um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais e pessoais, configurados, os primeiros no direito de propriedade sobre móveis e os segundos na liberdade de acção e decisão e na integridade física, bens jurídicos postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
No crime de roubo, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existe uma proximidade física entre o agente do crime e a respectiva vítima, em que esta poderá, em qualquer momento do processo, ensaiar uma reacção à prática do crime para evitar a respectiva concretização, tornando-se mais premente a aludida exigência de tendencial estabilidade da coisa no domínio de facto do agente para que o crime se tenha por consumado.
A jurisprudência tem considerado que o sequestro, quando existe, integra o roubo; mas, nas situações em que as restrições à liberdade se prolongam para além do razoável é admite-se a possibilidade do crime de sequestro ser punido em concurso real de infracções com o crime de roubo.
Na distinção das situações em que o atentado à liberdade de locomoção integra um crime consumado de roubo, daquelas em que se admite também a punição autónoma como crime de sequestro, atende-se ao momento em que ocorre a subtracção e se deva ter como consumado o crime de roubo, sendo assim imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa.
Para isso torna-se necessário que se verifique, por outro lado, a saída da coisa da esfera de domínio de quem tinha a sua anterior fruição, o que pode por vezes exigir a prática de uma série de actos, num verdadeiro processo de concretização, e que as utilidades da coisa entrem no domínio de facto do agente da infracção com tendencial estabilidade, isto é, por um mínimo de tempo.
Tendo ocorrido uma restrição à liberdade do ofendido até ao momento do desapossamento da coisa relativamente ao anterior fruidor, deve admitir-se que tal restrição se prolongue para além do preciso momento físico em que a coisa passou da esfera daquele para a do agente do crime, por a apropriação por parte deste só se dever considerar verificada quando exista alguma estabilidade no respectivo domínio do facto (o que não significa que o domínio de facto tenha de se operar em pleno sossego) – v.. Ac. de 29-05-2008, Proc. n.º 1313/08 - 5.ª., e Acórdão deste Supremo de 16-10-2008, proc 08P221, in www.dgsi.pt.
O concurso efectivo entre o crime de sequestro do art. 158.º, n.º 1, do CP e o de roubo, surge pois sempre que a privação da liberdade ambulatória da vítima está para além do estritamente necessário à subtracção (ou prática do outro crime em concurso).
Apenas ocorrerá concurso aparente, na forma de consumpção, quando o crime de sequestro se revele como crime meio, ao serviço da prática de outro crime, designadamente do crime de roubo, mas desde que o agente não vá para além do que era necessário para levar a cabo o crime fim. – v. Acórdão deste Supremo, de 20-11-2008, proc. 08P0581, www.dgsi.pt
Em suma:
Tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a violência empregue na subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado "subtracção"; se ela for excessiva, o agente cometerá, para além do crime de roubo e, em acumulação com este, o crime correspondente ao enquadramento penal do excesso da violência utilizada.
E que o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a vítima apenas durante os momentos em que procedem à apropriação das coisas móveis. O crime de sequestro, pelo tempo em que demorou a pratica do roubo, é consumido por este.
Podem, pois, existir em concurso real os crimes de roubo e de sequestro, quando o tipo qualificado de roubo não tutela todos os bens jurídicos em causa, como sucede quando os arguidos, para subtraírem bens ao lesado, para além da agressão física, se socorrem da violenta privação da sua liberdade que constitui uso de violência desnecessária e exagerada para a efectivação do roubo. Tem o STJ tido oportunidade de afirmar esta doutrina quando a privação da liberdade de locomoção dos ofendidos no crime de roubo, se estendem para além da subtracção, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando se segue ou antecede o roubo.
A privação da liberdade de movimentos de qualquer pessoa só pode, pois, ser consumida pelo crime de roubo quando se mostra absolutamente necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido. - v. Acórdão deste Supremo, de 02-10-2003, proc. nº 03P2642
Entre os crimes de roubo e sequestro existe uma relação de concurso aparente (por uma relação de subsidiariedade) sempre que a privação da liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crime-fim; o concurso é, pelo contrário, efectivo, quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico protegido no crime de sequestro (a liberdade ambulatória) em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação pelo crime de roubo. - Acórdão deste Supremo, de 05-01-2005, proc. nº 04P4208”
“O arguido juntamente com outros dois indivíduos que identificou, ao praticar os factos acima descritos, usando da violência desproporcionada e desmedida que usaram, agindo livre, voluntária e conscientemente, com intenção de se apropriar dos bens do Manuel da Graça, querendo praticar estes factos e sabendo da ilicitude destas condutas, praticou um crime de roubo
[…]
O arguido e os demais ao fechar à chave o DD, pessoa com 79 anos de idade e com sequelas resultantes de AVC visíveis consubstanciadas no caminhar com auxílio de uma bengala, no interior da arrecadação/despensa sendo este acto desnecessário para a consumação do roubo, privando-o assim da sua liberdade de locomoção e movimentação, praticou um crime de sequestro p.p. pelo artº 158º nº1 e 2 do CP.””.
Com efeito, os factos atinentes à consumação do crime de roubo constam dos pontos 12 a 19 da matéria de facto provada.
Os factos posteriores ao ponto 19, são factos posteriores à consumação do roubo, e que na lógica comum da conjugação dos mesmos foram praticados para garantir a fuga, e não como modo violento de insistência na vítima para obtenção ilegítima de mais dinheiro ou bens
Como salienta o Exmo. Procurador—Geral Adunto em seu douto Parecer:
“. Essa matéria de facto diz-nos, com efeito, nos seus pontos 13.º a 20.º, que o arguido e seus companheiros, que, enquanto localizavam objectos de valor e exigiam ao ofendido que entregasse o dinheiro que tivesse consigo, mantiveram este sempre manietado, amedrontado e constrangido, fazendo-lhe um deles um “garrote” com o braço à volta do seu pescoço, do mesmo passo que lhe desferia pancadas nas pernas, e uma vez na posse do que pretendiam, levaram-no para dentro de uma arrecadação/despensa da casa, lugar onde o fecharam à chave, abandonando de imediato a residência, cujos fios do telefone fixo destruíram, deixando-o assim fechado e trancado naquele espaço e impossibilitada de pedir auxílio imediato.”
Na verdade, após a consumação do crime de roubo, e, como resulta dos pontos 20 a 22, 34, 35 da matéria fáctica: - “De seguida fecharam o ofendido no interior de uma arrecadação/despensa, situada próxima da adega. Um dos sujeitos destruiu o telefone da rede fixa que se encontrava num móvel do corredor. Abandonaram a residência transportando consigo os objectos que haviam retirado ao proprietário, 500 € em notas do BCE, um relógio e uns óculos O arguido e os demais quiseram ainda deter DD no período e circunstâncias acima descritas e impedi-lo de usar a sua liberdade de locomoção, mantendo-o ali preso na despensa, contra a sua vontade, enquanto andavam pela casa e se escapavam para longe de ...l. Pretenderam aproveitar a fragilidade, retro descrita, que assim lhes permitia deixá-lo preso na despensa sem que chamasse ajuda ou os perseguisse, o que alcançaram.
A privação da liberdade de movimentos do ofendido ultrapassou a medida naturalmente associada à prática do roubo, pelo que tal privação de liberdade não é consumida pelo crime de roubo porque ocorreu posteriormente à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido; assim a privação da liberdade de locomoção do ofendido ultrapassou a medida associada à prática do crime de roubo.
A duração da privação de liberdade não foi necessária para a subtracção que já tinha ocorrido, mas sim, para que o agente se pusesse em fuga, tendo o ofendido ficado fechado cerca de 10 minutos cfr. fls 773,
Existe pois um concurso real ou efectivo entre o crime de roubo e o crime de sequestro
Alega o Recorrente que:
O Tribunal a quo não valorou como deveria a culpa do arguido, não sendo assim possível determinar correctamente a medida da pena; descurou na determinação das exigências de prevenção, nomeadamente, as exigências de prevenção especial; e, violou, por conseguinte, o disposto no artigo 71 ° do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa, atenta a escassa factualidade considerada e a inexistência da devida fundamentação da Douta decisão;
Diz que considerou o Tribunal a quo o grau de i1icitude muito elevado, limitando-se a invocar os valores em causa, património e liberdade pessoal, sem que tenha fundamentado o porquê de tal consideração no caso sub judice; entendendo o recorrente ser a i1icitude moderada, os valores violados foram-no de uma forma moderada, não resulta dos factos provados que o Arguido tenha agredido fisicamente o ofendido, aliás vejam-se, em sentido contrário os factos provados sob o n.º 12, 13 e 15 do Acórdão recorrido, e, o produto do roubo corresponde a €500,OO, um relógio e uns óculos; e o ofendido ficou fechado, privado da liberdade, cerca de 10 minutos, cfr. fls 773;
Diz ainda o recorrente que não há uma única conclusão do Tribunal a quo sobre as finalidades de Prevenção Geral no caso dos autos, se são elevadas, moderadas ou diminutas; e que no entendimento do recorrente são moderadas e que ao nível da Prevenção Especial o Douto Acórdão invoca a reincidência mas, limita-se a ser invocada no sentido de agravamento do limite mínimo da pena aplicável, sem que se especifiquem Quais as concretas exigências de prevenção especial;
Da matéria de facto dada como provada, nada se pode concluir quanto aos sentimentos manifestados pelo Arguido.
O arguido quando em liberdade exerce profissão e está profissionalmente enquadrado;
Está, também, familiarmente enquadrado, tem cinco filhos, e é visitado pelos mesmos no E.P.;
A favor do arguido terá de ser relevada a confissão dos factos e a atitude de colaboração com a Justiça, tendo revelado capacidade critica, a pena aplicada ao arguido não reflecte a confissão e a atitude de colaboração com a justiça, em violação do disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 71° do C.P.;
Ao crime de roubo foi aplicada a pena por efeito da reincidência de 8 (oito) anos e seis (seis) meses de prisão, ora a ilicitude é moderada, não houve cobardia ou crueldade, as exigências de prevenção não foram fundamentadas pelo Tribunal a quo, pelo que resulta numa dosimetria manifestamente excessiva, devendo tal pena, ser fixada próximo do limite mínimo de 4 anos, e nunca superior a 6 anos;
Ao crime de sequestro foi aplicada a pena por efeito da reincidência de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, a vitima não foi amarrada ou ficou privada da liberdade mais de 10 minutos depois da consumação do roubo, as exigências de prevenção não foram fundamentadas pelo Tribunal a quo pelo que resulta, uma dosimetria manifestamente excessiva, devendo tal pena, ser fixada no limite mínimo de 2 anos e 8 meses:
Analisando:
1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
Como por diversas vezes temos referido:
Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Monstesquieu – é tirânica.” (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)
Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.
E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.
Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”
Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade
E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.
As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)
Por outro lado, como salienta o mesmo Distinto Professor a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (ibidem, p. 118)
Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.
A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)
O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.
Ensina o mesmo Ilustre Professor, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”
Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”
Ou, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.
2. O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Por sua vez, o n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que:
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
O princípio da proibição da dupla valoração no sentido de que as circunstâncias já consideradas pelo legislador no tipo legal não devem revalorar-se na determinação da medida da pena, “não obsta em nada, porém, que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso", traduzidas factualmente nos efeitos ou consequências da acção desvaliosa do agente. O que está aqui em causa é unicamente como se exprime BRUNS, com propriedade [Strafzumessungsrecht, 369},a legítima consideração das “modalidades da realização do tipo ”e não uma ilegítima violação do princípio da dupla valoração.” Apenas “ a pena não deve se de novo valorada para quantificação da culpa e da prevenção relevantes para a medida da pena. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias,1993 p.235-237
3 A decisão recorrida: fundamentou da seguinte forma:
“b) escolha e medida da pena.
É punido como reincidente quem "cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime".
Em caso de reincidência o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço. – artº 76 nº 1 do CP.
O crime de roubo qualificado p p pelo artº 210 nºs 1 e 2 al b) por referência ao artº 204 nº 2 aIs e) e f) do CP e por efeito da reincidência é punido com a pena de prisão de 4 (quatro) a 15 (quinze) anos.
o crime de sequestro p p pelo artº 158 nº 2 aI e) do CP é punido com a pena de prisão de 2 anos e 8 meses de prisão a 10 anos de prisão.
Toda a pena tem uma feição pedagógica e ressocializadora, por isso não pode exceder os limites impostos por esta teleologia, intervindo na sua fixação a culpa e a prevenção. – artº 71 do CP.
As penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e assegurar a eficácia do sistema penal.
O abalo, a intranquilidade a ponderar, arrancam da importância do bem ou valor violados e seu grau de reiteração, por isso se pede à pena a finalidade de tranquilizar o tecido sociat de atenuar o alvoroço gerado pelo afrontamento à lei, bem como dissuadir potenciais criminosos, contendo os seus instintos primários.
Em caso algum, qualquer que seja a sua valência, a ponderação desses interesses pode suplantar a medida da culpa, que limita pelo topo a medida da pena.
A culpa fornece a moldura de topo, absolutamente inultrapassável no interior daquela actuando a submoldura da prevenção geral, que fornece desde logo um limite máximo compatível com a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e o mínimo de pena abaixo do qual se não pode descer, por comunitariamente indesejável.
Dentro daquela moldura geral a prevenção especial da reincidência, opera como modo de assegurar o retorno ao tecido social do agente em condições de não afrontamento dos "padrões standart" pré estabelecidos, levando o agente a interiorizar os maus resultados do crime, em vista da sua transformação em homem de bem, como ainda circunstâncias que não fazendo parte do crime, depõem a favor ou contra o arguido.
Esta medida de necessidade de adaptação futura do agente ao meio social, desempenha um papel notável, pela ponderação da personalidade do agente e da sua desconformação à suposta pela ordem jurídica, ao nível da prevenção especial, influenciando também o quantum da pena. - BMJ 481-145; BMJ 494-104, Profs Figueiredo Dias e Costa Andrade, Direito Penal- Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 1996,120 e Ac ST] 15.6.05 CJ T2 pág 220.
A culpa do arguido assume a modalidade mais gravosa de dolo: o dolo directo.
O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, atentos os valores em causa: património e liberdade pessoal dos outros.
Agiu com elevada cobardia e crueldade, praticando os factos sendo a vítima pessoa a viver longe de outros aglomerados populacionais.
Praticou os factos usando de uma desproporcionalidade de meios, já que eram três os co-autores dos factos e a vítima só e indefesa.
Foram insensíveis perante a fragilidade, idade e doença da vítima.
Praticou os factos encontrando-se evadido do EP.
A pena a aplicar ao arguido deve fazer-lhe sentir a gravidade das suas condutas e de um modo justo, equilibrado e razoável, reprovar e prevenir adequadamente o desvalor dos seus actos de modo a manter neles desperto pela aplicação da pena o valor protegido pelas normas que ofendeu que no caso é o património e a liberdade dos outros.
Ponderando todas as circunstâncias enunciadas, consideramos adequadas as seguintes penas:
-- para o crime de roubo qualificado p p pelo artº 210 nºs 1 e 2 aI b) por referência ao artº 204º nº 2 aIs e) e f) do CP e por efeito da reincidência a pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;
-- para o crime de sequestro p p pelo ar~ 158 nº 2 aI e) do CP a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.”
4. A fundamentação havida aflorou os pressupostos legais de determinação da medida concreta da pena, pelo que não pode dizer-se que a mesma não seja fundamentada nos termos legais,
Apreciando a questão da medida da pena, há que dizer ainda o seguinte:
Explana-se pormenorizadamente no Acórdão: deste Supremo, e desta Secção, de 12-09-2007, Processo: 07P2601, in www.dgsi.pt o que consta do respectivo sumário que se transcreve:
“ I - Como resulta do n.º 4 do art. 339.º do CPP, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os arts. 368.º e 369.º do referido diploma legal.
II - A exigência constante da parte inicial do n.º 2 do art. 374.º do CPP visa garantir que o tribunal contemplou, ou considerou especificadamente, todos os factos que foram submetidos à sua consideração.
III - Como é jurisprudência dominante, a reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação (Acs. do STJ de 20-09-1995, Proc. n.º 48167, de 12-03-1998, BMJ 474.º/492, de 15-12-1998, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 241, de 27-09-2000, BMJ 499.º/132, de 15-03-2006, Proc. n.º 119/06 - 3.ª, de 12-07-2006, Proc. n.º 1933/06 - 3.ª, e de 24-01-2007, Proc. n.º 4455/06 - 3.ª).
IV - De acordo com o art. 75.º do CP, com a redacção que lhe foi conferida pelo DL 48/95, de 15-03, são pressupostos formais desta agravante:
- a prática, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, de crime doloso;
- a punição com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
- a condenação anterior transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso;
- um lapso de tempo não superior a 5 anos entre a prática do crime anterior e a do seguinte.
V - Para além dos citados pressupostos formais, acresce um pressuposto substantivo ou material, conforme prescreve a parte final do n.º 1 do citado preceito: a punição na forma agravada só terá lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
VI - Segundo Maia Gonçalves (Código Penal Anotado, 16.ª edição, págs. 268-269), exige-se expressamente, para que a reincidência funcione, a verificação de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, tratando-se manifestamente de uma prevenção especial. Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto.
VII - Para Cavaleiro Ferreira (Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, págs. 151-152), a fundamentação da agravação está na falta de eficácia da pena aplicada pelo primeiro crime, sendo a nova condenação o indício relevante da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei.
VIII - Retomando esta ideia, Germano Marques da Silva (Direito Penal Português, Parte Geral, III, pág. 154) adianta que tal indício não vale por si só, sendo necessário que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente motivação para não praticar novos crimes.
IX - Ainda segundo Cavaleiro Ferreira, ibidem, a alteração da pena aplicável não é imposta por lei, mas terá lugar se as circunstâncias do caso concreto revelarem, na apreciação do tribunal, que a condenação anterior não constituiu suficiente prevenção contra o crime. Acrescenta que a reincidência denuncia a insuficiência da prevenção contra o crime da condenação anterior.
X - Como expendia Eduardo Correia (Direito Criminal, II, pág. 162), para além ou em vez da propensão criminosa, a que a declaração de habitualidade também atende, há sempre, assim, que considerar o desrespeito pela advertência contida na condenação.
XI - A este propósito, Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 268) afirma: «É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” – da reincidência».
XII - Impõe-se, por isso, para demonstração desta qualificativa, uma específica comprovação factual, uma enunciação de factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor.
XIII - A agravação da pena assenta, essencialmente, numa maior disposição para o crime, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de ter sido condenado em prisão efectiva, insistir em delinquir, donde resulta um maior grau de censura, por a condenação não ter constituído suficiente advertência, não se ter revelado eficaz na prevenção da reincidência. E só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta das circunstâncias, se poderá concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou, antes, uma situação em que inexiste fundamento para a agravação da pena, por se tratar de simples pluriocasionalidade.
XIV - No condicionalismo da parte final do n.º 1 do art. 75.º do CP encontra-se espelhada a essência da reincidência, sendo, precisamente, face à necessária análise casuística que se distinguirá o reincidente do multiocasional. A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.
XV - Assim, o acórdão que, na apreciação da verificação da qualificativa reincidência, omite por completo qualquer abordagem sobre a configuração de substrato fáctico susceptível de corporizar a qualificativa da reincidência é nulo, por violação do comando do n.º 2 do art. 374.º do CPP, e por omissão de pronúncia sobre questão que devia apreciar, nos termos do art. 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP, nulidades que são de conhecimento oficioso. “
Na verdade, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto –, e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 28-02-2007, Proc. n.º 9/07 - 3.ª, de 16-01-2008, Proc. n.º 4638/07 - 3.ª, de 26-03-2008, Procs. n.ºs 306/08 - 3.ª e 4833/07 - 3.ª,, de 04-06-2008, Proc. n.º 1668/08 - 3.ª, e de 04-12-2008, Proc. n.º 3774/08 - 3.ª.
Ora, como vem provado (v. pontos 37 e 39 dos factos provados):
O arguido já foi condenado no âmbito do PCC nº 101/00 da 2a secção do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco por factos integradores de um crime de passagem de moeda falsa, factos praticados em Março de 1999, tendo sido condenado na pena de 3 anos de prisão; no âmbito do PCS nº 57/05.8GGABT do Tribunal Judicial de Mação, por factos integradores de dois crimes de furto qualificado, factos praticados em 23.9.2005 tendo sido condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos e 6 meses; no âmbito do PCS nº 728/047.6JDLSB do 2° Juízo do Tribunal e Portalegre, por factos integradores de um crime de falsificação de documento, factos praticados em data não concretamente apurada, tendo sido condenado em 1 ano e 6 meses de prisão efectiva; no âmbito do PCC nº 153/06.4JAGRD do Tribunal Judicial de Celorico da Beira, por factos integradores de dois crimes de roubo e três crimes de falsas declarações, factos praticados em 23.10.2006 tendo sido condenado na pena única de 4 anos de prisão; no âmbito do PCS nº 27/05.6GDFTR do 1º Juízo Tribunal Judicial de Castelo Branco, por factos integradores de um crime de furto simples, factos praticados em 6.3.2004 tendo sido condenado na pena de 11 meses de prisão suspensa por 12 meses com regime de prova; no âmbito do PCS nº 36/07.0TAMAC do Tribunal Judicial de 'Mação, por factos integradores de um crime de falsidade de depoimento, factos praticados em 15.1.2007 tendo sido condenado na pena de 7 meses de prisão; no âmbito do P Sumaríssimo nº 15508.6GAMAC do Tribunal Judicial de Mação, por factos integradores de um crime de extorsão na forma tentada, factos praticados em 14.8.2008 tendo sido condenado na pena de 140 dias de multa.
Quando praticou os factos descritos, o arguido AA encontrava-se evadido do cumprimento de pena de prisão aplicada nos autos de Processo Comum Colectivo n° 153j06.4JAGRD, do Tribunal Judicial de Celorico da Beira, pendendo sobre o mesmo mandado de detenção, por se encontrar em ausência ilegítima desde 23.03.12 por não haver regressado ao EP.
Nestes autos o arguido havia sido condenado na pena de 4 anos de prisão, pela prática em 23.10.2006, de dois crimes de roubo, p.p. pelo artigo 210°, nº l CP e 3 crimes de falsas declarações, p.p. pelo artigo 359°, nº 2 CP, sendo a decisão final o Ac. STJ de 14.11.2008, transitado em julgado de imediato.
Os factos praticados no âmbito destes autos, objecto deste processo, foram praticados quando o arguido não havia ainda sequer sido colocado em liberdade definitiva, posto que se encontrava evadido.
Daqui que se conclui ser de censurar especialmente este agente que, após estar em cumprimento de cumprir pena de 4 anos de prisão efectiva por crimes dolosos, mostrou não lhe terem servido de advertência suficiente contra o crime, as condenações anteriores.
“Tem sido sufragada, sem dissidências, pelo STJ a doutrina segundo a qual «o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira é a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel» (v.. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 268. e Acórdão deste Supremo e desta Secção, de 18-06-2009, proc 159/08.9PQLSB.S1)
Como refere Figueiredo Dias, (ibidem, pág. 269):
“Decisiva será em todas as situações, a resposta que o juiz encontre para a questão e saber se ao agente deve censurar-se o não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores”
E, na verdade, atenta as condenações havidas, dúvidas não haverá de que o arguido revela falta de preparação para manter conduta lícita, mas tendo em conta a condenação havida em Celorico da Beira, por factos integradores de dois crimes de roubo e três crimes de falsas declarações, factos praticados em 23.10.2006 tendo sido condenado na pena única de 4 anos de prisão; e encontrando-se evadido do cumprimento desta pena quando praticou os factos dos autos, procedendo os demais pressupostos legais da reincidência, nos termos do artº 75º nºs 1 e 2 do CP, verifica-se que o arguido revela tendência para delinquir, não constituindo as condenações anteriores, por crimes dolosos punidos com pena de prisão superior a 6 meses suficiente prevenção da prática dos crimes agora em apreço, sendo que se já tiverem decorrido mais de 5 anos entre a prática do crime anterior e a do crime seguinte, “neste prazo não é cumputado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”(nº2 do artº 75º do CP)
Donde, ocorrendo os factos de Celorico da Beira em 23-10-2006, sendo a decisão final o Ac. STJ de 14.11.2008, transitado em julgado de imediato., e , praticando os factos dos presentes autos, em 14-08-2012, quando se encontrava evadido do cumprimento de pena de prisão aplicada nos autos de Processo Comum Colectivo n° 153/06.4JAGRD, do Tribunal Judicial de Celorico da Beira, pendendo sobre o mesmo mandado de detenção, por se encontrar em ausência ilegítima desde 23.03.12 por não haver regressado ao EP, é óbvio não ter decorrido o limite de 5 anos, atenta a pena a cumprir, entre a prática dos factos em Celorico da Beira e os presentes.
A factualidade apurada, pelas razões supra expostas, justifica legalmente a agravante especial da reincidência
Sobre a medida concreta das penas parcelares
De harmonia com o disposto no artº 71º do CP, e a matéria fáctica provada tem-se em conta:
O grau de ilicitude do facto:
A ilicitude dos factos é elevada, pois DD, nascido a 22.12.1932, encontrava-se anteriormente afectado de AVC que lhe determinara hemiparésia esquerda sequelar. Residia sozinho, sendo que o vizinho mais próximo habitava a cerca de 150 metros, num lugar rural, como ..., estava particularmente indefeso, em razão da sua idade avançada e deficiência. tendo o arguido e demais abordado a residência da vítima, em razão do seu afastamento de outras casas, esperando ali encontrar um idoso frágil doente e já com dificuldades de reacção, locomoção ou de oferecer resistência (v. pontos 27 e 28)
O modo de execução:
Quanto ao crime de roubo:
O CC ao saltar também para interior através da janela desferiu logo um empurrão com ambas as mãos no peito de DD, que, caiu sobre a cama e colocando-se detrás do mesmo apertou-o contar o seu corpo, fazendo-lhe um garrote com o braço, para que se sentisse asfixiar. Enquanto assim agia dizia:- “ entrega-me o dinheiro!" sempre segurando o ofendido com o braço à volta do pescoço, desferiu-lhe pancadas nas pernas e levou-o por várias divisões da casa enquanto continuava a exigir “a entrega do dinheiro".
Temendo pela sua vida, DD indicou uma lata preta, pequena, dentro de um armário na garagem onde detinha 500,00 € em 24 notas de 20,00 € e 2 notas de 10,00 € que.
Pediram-lhe mais dinheiro.
Como o ofendido respondeu não ter mais, um deles pegou numa faca de cozinha encostou a lâmina ao pescoço de DD e em simultâneo perguntava "onde está o outro dinheiro”, ao que o ofendido respondia que "não tinha mais dinheiro”•
Quanto ao crime de sequestro:
Fecharam o ofendido no interior de uma arrecadação/ despensa ,situada próxima da adega.
Como bem salienta o Exmo. Magistrado do Ministério Público em seu douto Parecer:, “tendo em conta o modo de execução do crime e os meios utilizados, tudo perpetrado no interior do espaço de habitação da própria vítima, que é em si um lugar inviolável e onde o arguido, com os seus comparsas, entrou à força, saltando pela janela depois de, sob o falso pretexto de um pedido de informação, terem logrado que aquela, pessoa idosa, a abrisse, sendo por isso mais elevado ainda o grau de coacção física e psicológica sobre ela exercido, isto para já não falar da insensibilidade demonstrada perante a notória fragilidade, idade e doença da mesma vítima.
A Gravidade das consequências:
Os gestos de empurrar, pontapear, agarrar e arrastar o idoso causaram a este, na face, ferida incisa com fundo hemorrágico no lábio inferior do lado direito com cerca de l cm de comprimento; no membro inferior direito, três escoriações lineares a maior com cerca de 5 cm de comprimento na região lateral da perna; no membro inferior esquerdo, escoriação arredondada com perda de substância na região anterior do terço médio da perna com cerca de 1,5 cm de diâmetro. Isto, para além de dores, nas regiões atingidas, retro mencionadas. Lesões estas que determinaram ao ofendido, 5 dias de doença, todos com afectação das capacidades para o trabalho geral e profissionaL
Um dos sujeitos destruiu o telefone da rede fixa que se encontrava num móvel do corredor.
O DD esteve fechado, gritando várias vezes “quem me acode”até que logrou quebrar a fechadura a partir do interior, saindo
Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram:
Sentimento de desprezo ou indiferença da situação da vítima, com 79 anos de idade, deficiente e indefesa, (v. ponto 29 dos factos provados Os arguidos abordaram a residência em razão do seu afastamento de outras casas, esperando ali encontrar um idoso frágil doente e já com dificuldades de reacção, locomoção ou de oferecer resistência. E perceberam que estavam face uma pessoa particularmente incapaz de lhes resistir, porque de idade muito avançada e deficiente.
o arguido e os restantes sujeitos, pretendiam retirar dinheiro e outros objectos de valor de casa de DD que ali encontrassem.
Queriam o arguido e os demais assustar a sua vítima e criar-lhe medo de ser ferida, ou mesmo de morrer, para a intimidar a entregar dinheiro e outros objectos, sem que reagisse. E, assim, desta forma apoderarem-se de bens que sabiam serem detidos pela pessoa que decidiram abordar e integrá-los no seu património, contra a vontade do respectivo proprietário, recorrendo à violência e à agressão física ou à ameaça de agressão ou mesmo morte, o que no caso aludido, conseguiram. Quiseram ainda deter DD no período e circunstâncias acima descritas e impedi-lo de usar a sua liberdade de locomoção, mantendo-o ali preso na despensa, contra a sua vontade, enquanto andavam pela casa e se escapavam para longe de .... Pretenderam aproveitar a fragilidade, retro descrita, que assim lhes permitia deixá-lo preso na despensa sem que chamasse ajuda ou os perseguisse, o que alcançaram
A intensidade do dolo:
O arguido com os demais agiram sempre em conjugação de esforços, segundo plano por todos previamente traçado. quando actuaram da forma descrita e agiram sempre livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
As condições pessoais do arguido e a sua situação económica:
O arguido quando em liberdade exerce a profissão de vendedor ambulante nas feiras e mercados. Tem cinco filhos com as idades de 31,29, 27,22 e 15 anos de idades. Nunca frequentou qualquer estabelecimento de ensino... No EP recebe a visita dos seus familiares.
A conduta anterior ao facto e a posterior a este
O arguido AA deixou marcada uma impressão palmar da palma da mão direita, no parapeito da janela da residência de DD acima mencionada.
O arguido, com os demais, abandonaram a residência do DD transportando consigo os objectos que haviam retirado ao proprietário, 500 € em notas do BCE, um relógio e uns óculos, e diividiram entre eles o dinheiro roubado.,
Em julgamento o arguido AA identificou os dois restantes como sendo BB e CC.
. Não tem qualquer actividade no Estabelecimento Prisional
A falta de preparação para manter conduta lícita
A vida pergressa do arguido já condenado por várias vezes, antes dos factos dos presentes autos, em pena de prisão sendo que encontrava-se evadido do estabelecimento prisional onde se encontrava em cumprimento de pena de prisão, o que torna fortemente exigente a prevenção especial face à carência de socialização do arguido, apesar da sua maturidade etária, pois nasceu em4 de Dezembro de 1963
A prevenção geral, como prevenção positiva ou de integração, no respeito e confiança na reposição contrafáctica das norma violadas, é intensa quer nos crimes de roubo em que, “O crime de roubo, pela extrema frequência com que vem sendo praticado e pelos traços de insuportável violência de que geralmente se reveste, é daquelas infracções que causam maior alarme social, contribuindo, claramente, para aumentar o sentimento geral de insegurança “como já referia o acórdão do S.T.J. proferido no Proc. 2780/00 da 3ª secção in www.dgsi.pt, quer nos crimes de sequestro em que a prática do sequestro que priva o sequestrado de um direito fundamental, - à liberdade de mobilidade , por vontade arbitrária do sequestrador, explicita sempre um dolo específico na acção ilícita motivada pelo motivo que lhe subjaz, configurando nesse âmbito uma personalidade do agente disposto a contrariar o direito e desprezar a dignidade da vítima.
A culpa, limite da pena, reportada ao facto, é bastante acentuada, pelo desempenho manifestado e querido na acção desvaliosa, em co-autoria.
Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, Proc. n.º 2555/06- 3ª)
Tendo em conta os limites legais abstractamente aplicáveis das penas parcelares e as penas aplicadas, supra referidas e que o arguido quando em liberdade exerce a profissão de vendedor ambulante nas feiras e mercados. Tem cinco filhos, um deles menor com 15 anos de idade .Em julgamento o arguido AA identificou os dois restantes, conclui-se que para o crime de roubo qualificado p p pelo artº 210 nºs 1 e 2 aI b) por referência ao artº 204º nº 2 aIs e) e f) do CP e atenta a reincidência que se revela ajustada a pena de sete anos e seis meses de prisão, e que se mostra proporcional e adequada. a pena aplicada pelo crime de sequestro, a qual, por isso, é de manter.
Sobre a pena do cúmulo
:Como se sabe, de harmonia com o artº 77º do CP:
1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados os factos e a personalidade do arguido. -
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassa 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes
Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema da acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena unitária pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. (v. artºs 77º nº 1 e, 78º nº1, ambos do CP)
O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.
Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.
As qualidades da personalidade do agente manifestada no facto devem ser comparadas com as supostas pela ordem jurídica e a partir daí se emitam juízos, mais fortes ou mais acentuados, de valor ou desvalor.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» -Figueiredo Dias, ibidem; e v.g. Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e Secção. Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.”
Quanto à pena conjunta, a decisão recorrida fundamentou:
“c) cúmulo jurídico
Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados os factos e a personalidade do arguido. – artº 77 nº 1 e 2 do CP.
Os crimes pelos quais ora condenamos o arguido estão numa relação de concurso, visto que foram cometidos antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, pelo que cumpre proceder ao cúmulo jurídico das respectivas penas parcelares.
A pena única aplicável no concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. – artº 77 nº 2 do CP.
A moldura penal abstracta correspondente ao concurso, é assim no caso presente de 8 (anos) anos e 6 (seis) meses limite mínimo e 12 (doze) anos de prisão limite máximo.
Na medida concreta da pena devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. – artº 77 nº 1 do CP.
Na consideração da personalidade devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos, isto é, se a personalidade unitária do agente é reconduzível a uma tendência ou eventualmente mesmo “uma carreira” criminosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, só no primeiro caso sendo de agravar especialmente a pena por efeito do concurso. – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime pág 29.
Quanto aos factos a gravidade destes é elevada. Atentou de uma forma grave, desproporcionada, cobarde, contra bens de elevado valor: o património e a liberdade das pessoas.
Quanto à personalidade do arguido, este têm um passado criminal do qual se não pode vangloriar, já prestou contas à justiça inúmeras vezes e esse facto não lhe serviu de emenda.
Entendemos como equilibrada, satisfazendo as necessidades de prevenção e proporcional à culpa do arguido a pena única de 10 (dez) anos de prisão.”
Valorando o ilícito global perpetrado, tendo em conta a ilicitude do facto traduzida na gravidade dos crimes com violação de direitos fundamentais em bens de natureza pessoal, e ainda afectação de bens patrimoniais no crime de roubo,, o modo de execução, as fortes exigências de prevenção geral em tais tipos de crime, na reposição da validade das normas violadas e os sentimentos reveladores da personalidade do arguido projectada na pratica dos factos e por eles revelada, a forte intensidade do dolo, e que os factos praticados, não têm a sua génese em mera ocasionalidade, outrossim, provieram de tendência criminosa,, tendo ainda em conta o efeito previsível da pena a aplicar no comportamento futuro do arguido que revela falta de preparação para manter conduta lícita, a exigir fortes exigências de prevenção especial de socialização na dissuasão de comportamentos delituosos, sendo a culpa – limite da pena - deveras intensa, pelo desvalor da acção face aos ilícitos perpetrados., uma vez que como salienta Figueiredo Dias, (ibidem, p. 239) “a culpa jurídico-penal não é uma «culpa em si», mas uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto, e assim, num concreto-tipo-de–ilícto..”
Tendo em conta o exposto e. que em julgamento dispôs-se a colaborar como a Justiça, identificando os restantes co-arguidos, os limites legais da pena, aplicável,, que se situa entre o mínimo de sete anos e seis meses de prisão e o máximo de onze anos e seis meses de prisão, conclui-se, da ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido AA, nos termos do artº 77º nºs 1 e 2 do CP, que se mostra adequada a pena única de nove anos e seis meses de prisão.
Acordam os deste Supremo – 3ª secção - em dar parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA,, e, consequentemente, reduzem a pena aplicada pelo crime de roubo qualificado . p p pelo artº 210 nºs 1 e 2 aI b) por referência ao artº 204º nº 2 als e) e f) do CP, a 7 (sete) anos e 6(seis) meses de prisão, e reduzem a pena conjunta resultante do cúmulo, para 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de Prisão.
Sem custas
Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Fevereiro de 2015
Elaborado e revisto pelo relator
Pires da Graça
Raul Borges
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[1] - E sem entrar na controvérsia que actualmente divide as secções Criminais do STJ a propósito da competência para conhecimento de recursos quando, nos casos de concurso de crimes, a pena única ultrapassa os 5 anos de prisão e o recorrente pretenda o reexame de penas parcelares inferiores àquele limite: como é sabido, é praticamente uniforme, nesta 3.ª Secção, o entendimento no sentido da competência do STJ.
[2] - Ali se mostra rebatido com efeito, com a pertinência devida e ponto por ponto, cada um dos fundamentos aduzidos pelo recorrente para fazer valer os seus pontos de vista.
[3] - In 'Direito Penal, Parte Geral", Tomo 1, 2.ª Edição, págs. 1005 e segs
[4] - O vocábulo culpa não é aqui utilizado no sentido estrito de elemento constitutivo da infracção, mas num sentido amplo, abrangente de todos os elementos do crime que nela se perspectivem e que podem ser tomados em conta para graduar a censura que por ela deva ser feita ao agente, aí incluindo a ilicitude, a culpa propriamente dita e a influência da pena sobre o criminoso (cfr., neste sentido Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 320 e segs., e Anabela Rodrigues, A determinação da Medida de Pena Privativa de Liberdade, 120).
[5] - Anabela Miranda Rodrigues, obra cit. pág.369.
[6] - In “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 241.
[7] Assim, a título de exemplo, e mais recentemente, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 2.10.2003, proc. nº 2642/03; de 19.10.2006, proc. nº 2805/06; de 16.11.2006, proc. nº 2546/06; de 12.7.2012, proc. nº 456/08.3PTLSB.L1.S1; e de 6.2.2014, proc. nº 327/13.1PCOER.L1.S1 (do presente relator).
[8] Ver Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª ed., p. 488.
[9] Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 1ª ed., anotação ao art. 158º, § 35, p. 415.
[10] Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, anotação ao art. 210º, § 10, p. 162.
[11] “Roubo e sequestro em concurso efetivo?”, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.2003, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15º (2005), nº 3, pp. 492-496.
[12] Figueiredo Dias, Direito Penal, 2ª ed., 2007, pp. 988-991.
[13] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 1015.
[14] Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 1018-1019.
[15] Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 2ª edição, anotação ao art. 158º, § 40, pp. 659-660.
Também Helena Moniz parece alinhar com esta posição, ao afirmar, sobre as relações entre crime-‑meio e crime-fim: “Tudo estará em saber quando é que o sentido global do ilícito fica alterado de modo que aquele já não constitua simples meio, transformando uma conduta com um único sentido de desvalor em uma conduta com diversos sentidos de desvalor.” (Agravação pelo resultado?, 2009, pp. 428-429, nota 76).