I - Da letra da lei do art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, resulta que o STJ tem competência material específica, em caso de recurso directo, para conhecer de condenações em pena superior a 5 anos de prisão e limitado unicamente à matéria de direito. O citado preceito, não distingue no recurso directo para o STJ, entre penas parcelares e pena única. Assim, sempre que a pena unitária exceda 5 anos, podendo ser iguais ou inferiores as penas (parcelares) de concurso, é admissível o recurso para o STJ quanto a todas as penas, sob pena de se retirar um grau de recurso, o que numa visão sistemática e integrada do regime jurídico dos recursos, é de impor, além de que a interposição para o STJ é de favor para o arguido, que vê a sua condenação reexaminada pela mais Alta instância judiciária do País e assegurado um, imprescindível, grau de jurisdição.
II - O crime de roubo concebe-se como um crime complexo configurando, em concurso aparente de infracções, além da tutela da subtracção contra o património, de coisa móvel, certa e determinada, excluindo-se a res nullius, a derrelictaou desperdicta, também da integridade física, à liberdade de acção, sendo a relevância atribuída à vertente pessoal que exacerba a punição; se se decompuser o tipo, essa complexidade, aí se identificam e individualizam os plúrimos bens jurídicos a que ascende a sua previsão.
III - É pelo uso normal e corrente que se afere se dado instrumento pode reputar-se como arma; a seringa não foi concebida e nem é utilizada na prática diária como arma. No entanto o uso desviante, marginal da mesma pode configurar caso de arma, tudo dependendo das circunstâncias do caso concreto, particularmente se infectada e se picar o corpo humano, que pode atingir gravemente, sendo esse o sentido que a generalidade dos cidadãos lhe atribui. Relevante é a perigosidade intrínseca, na essência, do instrumento.
IV - A qualificativa acolhida no art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, funciona sempre que o agente do crime traga arma aparente - que é exibida, passível de ser vista pela vítima - ou oculta - não exibida mas que o portador faz crer que traz consigo, produtora de um impacto inibidor de reacção, de oposição, pela ameaça séria e convincente, que oferece ao visado, diminuindo-lhe ou eliminando mesmo a capacidade reactiva. O porte de arma acentua a perigosidade do agressor e esbate a possibilidade de defesa da vítima, do mesmo passo que acentua a audácia e o seu destemor.
V - O porte de arma, aparente ou oculta, qualifica a roubo, mas essa qualificação é arredada sempre que o valor da coisa seja inferior à UC em vigor no momento da indevida apropriação, mas não afasta a agravante da reincidência (art. 75.º do CP). O art. 75.º, n.º 1, do CP faz depender o funcionamento da reincidência, da prática de crime doloso, punível com prisão superior a 6 meses, após condenação transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por crime doloso, desde que entre a prática do crime anterior e o seguinte não mediarem mais de 5 anos – n.º 2. Acresce a estes requisitos formais, um pressuposto substancial de avaliar segundo as circunstâncias do caso, da constatação de que a condenação ou condenações anteriores não terem servido ao arguido de advertência contra o crime.
VI - O arguido foi condenado numa pena única de 6 anos e 6 meses de prisão no âmbito do Proc. X. pela prática de vários crimes de furto qualificado, os últimos cometidos em Outubro de 2009, sendo esta condenação ineficaz à abstenção do cometimento em Fevereiro de 2014 dos dois crimes de roubo em causa nestes autos, pelo que deve ser condenado como reincidente.
VII - Em qualquer dos dois roubos o arguido agiu com dolo directo, com vontade criminosa e reiterada de se apropriar de dinheiro de outrem – de insignificante valia (5 € e 80 €) –, pelo uso de violência sobre a pessoa das vítimas, pelo medo que lhes causou a eventual concretização da ameaça à sua integridade física com a seringa, anulando-lhes a livre disponibilidade das quantias de que se apossou, contudo ponderou-se o facto da apropriação se ter desenrolado sem lesão corporal na pessoas das vítimas.
VIII - O crime de roubo assume-se em crescendo entre nós, como em todo o mundo, donde as exigências de prevenção geral, se fazem sentir em elevado grau, como forma de afirmação da força da lei, para sossego colectivo e afirmação da confiança e da atenção merecida aos seus órgãos aplicadores. O arguido tem dificuldade em se manter fiel ao direito, face às numerosas condenações em furto, simples e qualificado, além do mais, ao longo dos anos de 2005 a 2007, que o qualificam de reincidente, carecendo de emenda cívica, de interiorização dos maus resultados do crime, tendo como motivação a aquisição de drogas.
IX - Afigura-se justa e equilibrada a pena de 18 meses de prisão para o roubo de 5 € e a pena de 2 anos e 6 meses de prisão para o roubo, posterior, de 80 €, e em cúmulo jurídico na pena única de 3 anos e 6 meses, em substituição das penas de 3 anos e 6 meses, 3 anos e 10 meses e pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, aplicadas pelo Tribunal de 1ª Instância.
X - A suspensão da execução da pena é uma medida pedagógica e educativa, com a vantagem de manter o condenado em liberdade, privando-o do contacto prejudicial com alguma população prisional, sem o desinserir do seu meio familiar, pessoal e profissional. O arguido não tem trabalho nem predisposição para isso, é dependente de consumo de estupefacientes, sem esforço evidenciado para dele se libertar, mantém ligação a grupos delinquentes, sem sentido critico, denota-se assim incapacidade para arrepiar caminho, não oferendo garantias, sólidas perspectivas de que a suspensão da execução da pena o afaste da prática futura de crimes.
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :
Em processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo Tribunal Colectivo: , sob o n.º º 61/14.5PEPDL. S1 , no Tribunal de Ponta Delgada, Instância Central Civil e Criminal, foi submetido a julgamento AA, vindo a final a ser condenado pela prática, como reincidente, de um crime de roubo - praticado em 13 de Fevereiro de 2014 -, p. e p. pelo art. 210°, n° 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e , ainda , pela prática, como reincidente, de um crime de roubo, - praticado em 19 de Fevereiro de 2014 -, p. e p. pelo art. 210°, n° 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Em cúmulo foi-lhe aplicada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão .
I. 1nconformado com o teor da decisão recorrida , o arguido interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões :
a) O arguido entende as penas que lhe foram aplicadas como demasiado elevadas, tendo em conta a culpa expressa nos factos, assim como entende que qualquer pena aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução.
b) A matéria de facto dada como provada, não é suficiente para permitir a aplicação das penas que o arguido sofreu.
c) Apesar de provado que o arguido praticou os factos constantes da acusação, o certo é que os bens de que o arguido se apropriou eram de diminuto valor, e não se provou que a navalha retirada do bolso pelo arguido estivesse aberta.
d) O arguido praticou os factos devido à circunstância de ser toxicodependente, e não decorreu da prática dos factos qualquer ofensa à integridade física para as vítimas.
e) A convicção do tribunal resultou, em grande parte, "de uma confissão do arguido, feita de forma espontânea e convicta, por forma a merecer a inteira credibilidade do tribunal".
f) As quantias de que o arguido se apropriou foram, 5 euros, num caso, e, 80 euros, no outro caso, sendo, portanto, de valor diminuto.
g) O arguido tem família, uma companheira e uma filha, actualmente com um ano de idade.
h) A confissão do arguido foi determinante para a sua condenação, sendo a sua confissão sincera, o que mostra arrependimento pelos factos praticados.
i) Não são elevadas as exigências de prevenção geral ou especial.
j) Sendo a pena a aplicar ao arguido, entre 1 ano e 4 meses e 8 anos, nos dois casos, entende-se que a pena consistente com os factos provados, não deveria ultrapassar muito o mínimo legal, isto é, a pena para cada um dos dois crimes não deveria ultrapassar os dois anos de prisão.
k) Estando o arguido em prisão preventiva desde a prática dos factos, considera-se que esse tempo de privação de liberdade, é suficiente para o afastar da criminalidade, como tal se justificando a suspensão da execução da pena de prisão.
l) Assim, e tendo em conta o disposto no artigo 210º, nº 1, do Código Penal, e, ainda, o disposto nos artigos 71º e 80 º do mesmo Código, deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro, em que as penas a aplicar ao arguido não devem ultrapassar os 2 anos para cada crime, devendo o arguido ser condenado em pena única não superior a 3 anos de prisão, cuja execução deve ser suspensa.
II . Em julgamento provaram-se os seguintes factos:
1. No dia 13 de Fevereiro de 2014, pelas 19.40 horas, na Avenida Dom João llI, em frente ao primeiro edifício da urbanização denominada 'Urbe Oceanus', na cidade de Ponta Delgada, o arguido Roberto Dinis dirigiu-se a BB, nascido em 27 de Novembro de 1997, que por ali passava, agarrou-o pelo braço com força e disse-lhe: "dás-me o dinheiro ou enfio-te uma seringa".
2. Com medo, o BB entregou-lhe cinco euros de que era portador tendo o arguido, de seguida, revistado os bolsos daquele, não tendo encontrado qualquer outra quantia monetária.
3. De seguida, na posse dos cinco euros, que fez seus e integrou no seu património, o arguido abandonou o local.
4. No dia 19 de Fevereiro de 2014, cerca das 16.40 horas, o arguido Roberto Dinis entrou mo estabelecimento comercial denominado "Casa Atlântida', sito na Rua do Laureano, nº 442, na cidade de Ponta Delgada, propriedade de Pedro Miguel Bettencourt Morais.
5. Uma vez aí, dirigiu-se à arca frigorífica e retirou um sumo. De seguida, dirigiu-se para junto do balcão e colocou uma moeda de dois euros em cima do balcão para pagar.
6. Quando CC, funcionário do estabelecimento, abriu a caixa registadora, o arguido retirou do bolso uma navalha e uma seringa, que encostou à cara do Pedro Melo , ao mesmo tempo que disse: "dá-me vinte euros".
7. De seguida, deu um empurrão ao CC, afastando-o, e retirou da caixa registadora oitenta euros em notas.
8. Na posse da referida quantia, que fez sua e integrou no seu património, o arguido abandonou o local, levando-a consigo.
9. O arguido deixou a seringa no interior da caixa registadora.
10. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de se apropriar, como se apropriou, das quantias aludidas, não obstante saber que não lhe pertenciam e que actuava sem o consentimento e contra a vontade dos seus proprietários, ainda que para tanto tivesse de utilizar, como utilizou, a violência.
11. O arguido foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, no âmbito do processo n° 833/06.4PBPDL, que correu termos no 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, pela prática de vários crimes de furto qualificado, cometidos os últimos em 7 de Outubro de 2009.
12. No referido processo, o arguido esteve preso de 2 de Outubro de 2010 a 27 de Julho de 2012, data em que foi colocado em liberdade condicional.
13. Tal condenação, sofrida pelo arguido, bem como o facto de ter cumprido pena de prisão, não fez com que o arguido se abstivesse de praticar os factos supra descritos.
14. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Também se provaram os seguintes factos, com relevância para a descoberta da verdade e boa decisão da causa:
15. O arguido foi condenado, por sentença de 29 de Novembro de 2006, pela prática de um crime de furto e de um crime de dano, em 31 de Março de 2005, na pena única de cem dias de multa.
Foi condenado, por sentença de 20 de Junho de 2007, pela prática de um crime de furto, em 30 de Junho de 2006, na pena de 120 dias de multa.
Foi condenado, por sentença de 18 de Outubro de 2007, pela prática de 14 crimes de furto, um crime de falsificação de documento e dois crimes de furto qualificado, os últimos em 14 de Setembro de 2005, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
Por sentença de 8 de Janeiro de 2009, por efeito de condenação do arguido pela prática de um crime de furto qualificado, em 12 de Agosto de 2006, foi reformulado o cúmulo jurídico anterior, tendo sido o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão.
Por sentença de 15 de Dezembro de 2009, por efeito de condenação do arguido pela prática de um crime de furto e de um crime de dano, em 19 de Abril de 2006, foi reformulado o cúmulo jurídico anterior, tendo sido o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
16. O arguido está, correntemente, preso preventivamente à ordem destes autos. Nascido em 1982 e contando, à data dos crimes, com 31 anos de idade, é o segundo de uma fratria de três elementos de família de Ponta Delgada. Os pais separaram-se quando contava com seis anos de idade. Ficou entregue aos cuidados dos avós paternos.
Apesar do ingresso no ensino escolar em idade própria, o arguido cedo revelou desinteresse pelos estudos, acabando por abandoná-los com 13 anos de idade, apenas com o 4° ano de escolaridade. Os avós, de idade avançada, exerciam fraca supervisão sobre os netos que tinham a seu cargo. Ainda na adolescência, o arguido iniciou a actividade laboral de servente de pedreiro mas a ausência de hábitos de trabalho e o início do consumo de estupefacientes determinaram um estilo de vida pautado por longos períodos de inactividade e convívio com jovens conotados com práticas marginais.
Apesar de algumas esporádicas experiências profissionais, o arguido nunca chegou a abandonar o agregado familiar dos seus avós, dependendo financeiramente daqueles. Em Outubro de 2006, o arguido entrou na prisão pela prática de crimes contra o património, tendo sido libertado em Julho de 2012. Durante a sua reclusão, a avó faleceu e o pai do arguido ingressou no agregado familiar do avô, o que impediu que o arguido regressasse a essa casa.
Desde a sua libertação, o arguido foi acolhido em instituição local durante alguns meses, até começar a viver com companheira - Agosto de 2013 - em área residencial conotada pela predominância de indivíduos ligados ao consumo e tráfico de estupefacientes. O casal, que vivia com uma filha da companheira, de 16 anos de idade, teve uma filha, actualmente com um ano de idade. Viviam em casa arrendada, subsistindo do rendimento de inserção social e o abono familiar das menores. O arguido não se empregou, mantendo os seus hábitos de consumo de estupefacientes, apesar de um tratamento realizado.
17. Nas conclusões do relatório social para determinação da sanção que foi efectuado, escreve-se que "Roberto Dinis apresenta vários factores de risco tais como apoio familiar escasso e sem capacidade de controlo e supervisão, problemática aditiva e reduzidas competências pessoais, sociais e profissionais. A separação dos progenitores, a sua educação por parte dos avós, pessoas com reduzidas capacidades educativas, o abandono precoce do sistema de ensino, a sua ligação a grupo de pares com problemas de delinquência e a ausência de hábitos de trabalho foram factores que levaram AA a adoptar comportamentos desviantes, e que continuam a afectar a estruturação do seu percurso de vida. Com antecedentes criminais, apresenta uma inadequada compreensão de si próprio e insuficiente sentido crítico e capacidade de descentração, manifestando pouca abertura para equacionar a possibilidade de modificar o seu trajecto de vida".
III .Não se provaram os seguintes factos, constantes da acusação:
a) Que a navalha retirada do bolso pelo arguido estivesse aberta.
IV. A Exm.ªProcuradora Geral –Adjunta neste STJ sustenta o entendimento de que , por terem sido impostas penas parcelares ao arguido inferiores a 5 anos de prisão efectiva, deverem os autos ser remetidos para reapreciação ao Tribunal da Relação , por não ser caso de aplicação do art.º 432.º n.º 1 c) , do CPP , preconizando uma das condições de recorribilidade para este Supremo Tribunal .
O direito ao recurso inscreve-se entre o direito fundamental de defesa do arguido, com previsão no art.º 32.º n.º 1 , da CRP, como meta de um processo penal justo e equitativo, com o alcance do direito a um reexame da decisão condenatória por uma instância superior , por um tribunal de reponderação da causa, direito expresso reconhecidamente em Convenções internacionais ratificadas por Portugal , muito especialmente nos art.ºs 7.º , da CEDH e 14.º n.º 5 , do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos , reexame que não é restrito à culpabilidade, estendendo-se à matéria de direito , controlo da espécie e medida da pena e questão da matéria de facto
Essas Convenções não impõem mais do que um grau de recurso e um segundo grau de jurisdição, incontornável é que se assegure o dito reexame .
As normas sobre a admissibilidade da sindicância das decisões , processuais materiais penais, são normas de interesse e ordem pública , cogentes e indisponíveis , no sentido de inderrogáveis pelas partes e devem ser interpretadas , em caso de dúvida , à luz do princípio “ favorabilia amplianda e odiosa restringenda “
Em nome da teologia imprimida ao recurso objectivada explicitamente pelo legislador , na Proposta de Lei 109 /X, de onde emergiu a Lei n.º 48/2007 , de 29/8, de limitar o conhecimento pelo STJ a questões de maior complexidade , da pequena e média criminalidade, afastadas que foram as denominadas bagatelas penais, tem-se decidido já que as penas parcelares hão-de ser superiores a 5 anos .
Da letra da lei , do art.º 432.º n.º 1 c) , do CPP , em caso de recurso directo para o ST J , em por condenação em pena superior a 5 anos de prisão e o recurso restrito unicamente à matéria de direito , resulta, sem mais , a competência material específica deste STJ ; se o recurso for endereçado previamente à Relação , para conhecimento da matéria de facto e de direito , como se vem entendendo , se as penas parcelares fossem inferiores a 5 anos de prisão , esse conhecimento pelo STJ, é impedido. –cfr. Ac. de 4.3.2009 , P.º n.º 160/09.
Mas o que é verdade é que no art.º 432.º n.º 1 c) , do CPP, não se distingue no recurso directo para o STJ entre penas parcelares e única , aquelas servindo de pressuposto, íntima ligação e componente com a de concurso, obrigando ao recurso para a Relação , por isso que , como se decidiu no AC. deste STJ , de 8.1.2009 , P.º nº 2153/08 , sempre que a pena unitária exceda 5 anos, como in casu tem lugar , podendo ser iguais ou inferiores as penas de concurso, sob pena de se lhe retirar um grau de recurso , o que numa visão sistémica e integrada do regime jurídico dos recursos, é de impor , além de que a interposição para este STJ é de favor para o arguido, que vê a sua condenação reexaminada pela mais Alta instância judiciária do País e assegurado um , imprescindível , grau de jurisdição .
De resto uma interpretação extensiva de reintegração do pensamento legislativo , corrigindo uma interpretação estreita de mais, também sustenta esta interpretação ; uma interpretação restritiva teria como consequência contradizer o preceito genérico de admissão do recurso e não se harmonizaria com o fim para que foi criado, de assegurar o direito ao recurso , pelo menos , em um grau, conforme ao art.º 399.º , do CPP –cfr. Interpretação e Aplicação das Leis , 33 e 34 , de Francisco Ferrara .
Neste termos se entende que é admissível o conhecimento do recurso também quanto às penas parcelares .
Diversamente seria se , havendo condenação na Relação nessa ou noutras penas parcelares em pena inferior a 5 anos de prisão, hipótese que este STJ decide no sentido da rejeição , porque já foi exercido um grau de jurisdição de recurso .
Este STJ já decidiu , além do mais , nos seus Acs . de 2.5. 2012 , in P.º n.º 68/09 .4.JELSB.L1.S1 e de 16.12 2010 , P.º n.º 152/06 6GAPNC .C2. S1 , 29.4.2009 , P.º n.º 329/05.1PTLRS .S1 , de 27..4.2011 , P.º n.º 3/07.4GBCBR .C1 .S1, de 29.4.2011, P.º n.º 17/09.OPECTB.C1.S1 e no mais recente de 16.1.2013 , supracitado, que era inadmissível o recurso para o STJ de condenação pela Relação na pena igual ou inferior a 5 anos . , além de que a credencial da Relação , confirmando as penas , confere a dupla conforme , limitando o recurso para o STJ , restringindo –se apenas à pena unitária excedente àquela .
E a conformidade à CRP foi credenciada , com quase geral unanimidade em vários acórdãos do TC , sendo a alteração recente introduzida ao CPP pela Lei n.º 20/2013, de 21/2 , ao art.º 400.º n.º1 e) , num intuito interpretativo , a fixar a irrecorribilidade das decisões da Relação que apliquem prisão inferior a 5 anos .
***********************************
V.O crime de roubo por que o arguido foi condenado é o crime simples , desqualificado em função do diminuto valor subtraído às duas vítimas , 5 e 80 €, respectivamente , inferior , em qualquer deles , a uma unidade de conta (102 € ) à data da sua prática , nos termos dos art.ºs 202 c) , 210.º n.ºs 2 b) e 3 e204 .º n.º 4 , do CP, porém agravado pela reincidência .
Doutrinariamente concebe-se como um crime complexo configurando , em concurso aparente de infracções , além da tutela da subtracção contra o património ,a propriedade, posse e mera detenção , legítima , de coisa móvel , certa e determinada , excluindo-se a “ res nullius” , a “ derelicta “ ou “ desperdicta “ , também da integridade física , à liberdade de acção , sendo a relevância atribuída à vertente pessoal que exacerba a punição ; se se decompuser o tipo , essa complexidade , aí se identificam e individualizam os plúrimos bens jurídicos a que ascende a sua previsão .
Quanto ao modo de execução cataloga-se como de execução vinculada , a sua consumação obedece ao processo taxativamente descrito no art.º 210.º n.º 1 , do CP , não abdicando a subtracção de coisa móvel ou o constrangimento à entrega de coisa alheia, de violência contra a pessoa , ou ameaça com iminente perigo para a vida ou para a integridade física, num contexto de impossibilidade de resistência; esse processo executivo é delimitado previamente na lei e há-de mostrar-se , nas suas dispares modalidades, numa evidente relação de causalidade adequada com o resultado .
A violência deve ter uma intensidade bastante para vergar a resistência do ofendido e tanto pode cingir-se à física como abranger a psíquica , esta também chamada de compulsiva ou “ vis absoluta “ , no sentido de inquietar , perturbar , a tranquilidade pessoal e a liberdade de acção, impossibilitando ou paralisando a possibilidade de a vítima se opor ao apoderamento da coisa
A ameaça deve ser apta a criar no espírito da vítima um fundado receio de iminente e grave mal físico ou psíquico , doutrina Nelson Hungria , in Comentário do Código Penal , vol. VII, 4.ª ed. , 1980 , 54 , um meio especificamente direccionado à subtracção , aferida à luz das circunstâncias do caso concreto , incluindo a condição pessoal da vítima , a sua idade , sexo , condição de saúde , etc.
VI . O enquadramento factual não deixa dúvidas de que o arguido incorreu na prática de crime de roubo , pois que , atenta a matéria de facto provada , abordando, em plena via pública , a vítima , menor de 16 anos , a quem agarrou pelo braço com força e disse: "dás-me o dinheiro ou enfio-te uma seringa", convoca ameaça grave , determinante da entrega, contra a sua vontade, de 5 € , face ao medo que lhe infligiu de o picar, revistando-lhe, ainda , os bolsos na expectativa de encontrar mais dinheiro .
O arguido , seis dias depois, em 19 de Fevereiro de 2014, cerca das 16.40 horas, penetrou num estabelecimento comercial, e quando o funcionário do estabelecimento, abriu a caixa registadora, em pagamento pelo arguido de um sumo , retirou do bolso uma navalha , que se não provou estivesse aberta , e uma seringa, que encostou à cara de Pedro Melo , o sobredito empregado , ao mesmo tempo que disse: "dá-me vinte euros", acabando por subtrair , 80 € , que aí se achavam , contra a vontade deste e do dono do estabelecimento .
VII . A posse de seringa suscita a questão , não sem controvérsia, de integração no âmbito de arma conformado à luz do art.º 4.º , do Dec-lei n.º 49/95 , de 15/3 , conceito amplo, abrangente das armas próprias de ataque e de defesa , como todo o instrumento , ainda que com aplicação definida, se mostre idóneo para ferir , para agredir .
É pelo seu uso normal e corrente que se afere se um dado instrumento pode reputar-se como arma ; a seringa é de uso habitual , não podendo , desde logo ,reputar-se como arma , acarretando o seu uso, como regra , uma lesão corporal insignificante e justificada , logo lícita e impunível , até por falta de dolo de lesão humana ou animal .
A seringa não foi concebida e nem é utilizada na prática diária como arma, como outros instrumentos de uso geral ou quase e frequente.
Temos , no entanto , que o uso desviante , marginal , desse instrumento , como, aliás , de outros conhecidos , pode configurar caso de arma , tudo dependendo das circunstâncias do caso concreto , particularmente se infectada e se picar o corpo humano , que pode atingir gravemente , esse sendo o sentido que a generalidade dos cidadãos lhe atribui . Relevante é a perigosidade intrínseca, na essência , do instrumento.
Uma seringa , com agulha , se dirigida à pessoa da vítima , tem potencial, é idónea , por ex.º para picar os órgãos da visão ou os acondicionados na caixa torácica e neles causar grave lesão, perigo iminente para a vida do ofendido e , mais , se infectada, transmitir , até , cumulativamente , doença altamente danosa à saúde individual , é uma arma –cfr. Ac. do STJ , de 18.1.2007 , Rec.º n.º 06P4351 , especialmente o voto de vencido nele aposto e , ainda , Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal ,2.ª Ed., nota 10, pág. 658 , citando doutrina estrangeira .
A qualificativa do crime de furto acolhida no art.º 204.º n.º 1 f) , funciona sempre que o agente do crime traga arma aparente , que é exibida, passível de ser vista pela vítima ou oculta, não exibida mas que o portador faz crer que traz uma arma consigo , produtora de um impacto inibidor de reacção, de oposição , pela ameaça séria e convincente , que oferece ao visado , diminuindo-lhe ou eliminando mesmo a capacidade reactiva –cfr., ainda Paulo Pinto de Albuquerque , op.cit., pág. 641 .
E nessa medida , em ambos os casos , seja a ameaça verbal de espetar com a seringa, com agulha ,o menor ofendido , até também por isso , pela sua escassa resistência física e anímica , seja a exibição da seringa com agulha no segundo roubo, encostada à cara da vítima, possui intensidade bastante para quebrar a resistência psíquica do homem médio , infligir-lhe temor, medo de consumação da ameaça , na sua pessoa , não se exigindo , para avaliação daquela eficácia, que seja uma pessoa destemida, intimorata , além de que acompanhada da exibição da navalha , que , mesmo fechada, não deixa de acolher reforçado temor e receio de uso .
O porte de arma acentua a perigosidade do agressor e esbate a possibilidade de defesa da vítima, do mesmo passo que acentua a audácia e o seu destemor , incorrendo o arguido na prática de dois roubos .
VIII.O porte de arma , aparente ou oculta, qualifica o roubo, segundo o art.º 210.º n.º 2 , b) , do CP, em conjugação com o disposto no art.º 204.º n.º 2 f) , do CP, mas essa qualificação é arredada sempre que o valor da coisa seja inferior à unidade de conta em vigor no momento da indevida apropriação , como sucede , mas não já a agravante da reincidência, aqui própria e homótropa , pressuposto , de resto , abandonado no regime actual , com previsão no art.º 75.º , do CP , agravando –e só- o limite mínimo da pena em 1/3 , ou seja de 4 meses, nos termos do art.º 76.º . n.º1 , do CP, fixando a moldura penal abstracta de punição em 1 ano e 4 meses a 8 anos de prisão , estipulada para o roubo simples , p. e p . pelo art.º 210.º n.º 1 , do CP .
No CP de 18 86 ao lado da reincidência homótropa previa-se a polítropa , a chamada sucessão de crimes , ainda de que natureza diferente, mas o legislador actual , de certo conhecedor de um movimento reactivo contra a reincidência , limitou-a apenas a um acréscimo de pena na moldura mínima , movimento esse reputando-a grave ofensa ao princípio da igualdade entre os cidadãos , cindindo-os entre “ bons e maus “ , um atropelo ao princípio constitucional “ ne bis in idem “ , por acarretar uma dupla punição , pela repercussão da condenação anterior na moldura punitiva , acrescendo autores que sustentam haver na prática subsequente do facto um “ grau inferior de liberdade da conduta “ , atenuada pelo menor “ grau de consistência aos impulsos criminosos “, justificando uma redução da pena , razão pela qual concluem representar uma falência do Estado na tarefa de ressocialização daquela medida , limitando-se , pura e simplesmente algumas codificações a ignorá-la ou a reduzir ao mínimo as suas implicações na esfera individual , como dá nota Eduardo Cabete , Col. Saberes do Direito , Vol. VI , Parte Especial , S. Paulo , 2001 .
A reincidência é uma agravante da culpa , segundo a tradição do nosso direito , pessoal e incomunicável , havendo quem a fundamente na acrescida necessidade de prevenção especial negativa ( assim Taipa de Carvalho , in Direito Penal , Ed. UCP , 2003 , pág. 86) , pela patente e reiterada rebeldia do arguido e inadaptação ao direito , demonstrativa da necessidade acrescida de reprimenda , nas palavras de Rogério Greco , Curso de Direito Penal , I, Niterói , 2012, numa maior culpa, consubstanciada na desconsideração à advertência contida na condenação anterior , revelando uma mais grave “ traição da tarefa existencial de conformação da personalidade do agente , com o tipo de personalidade suposta pela ordem jurídica , do tipo de homem “ fiel ao direito “ , havendo na reiteração homótropa ou polítropa da actividade criminosa graves indícios da maior perigosidade e , assim , necessidades acrescidas de prevenção, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias , Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , .§ 365 .
O art.º 75 .º ,n.º 1 , do CP , faz depender o funcionamento da reincidência, da prática de crime doloso , punível com prisão superior a 6 meses , após condenação transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por crime doloso , desde que entre a prática do crime anterior e o seguinte não mediarem mais de cinco anos –n.º 2 , estes sendo os requisitos formais, acrescendo o pressuposto substancial , a avaliar segundo as circunstâncias do caso , da constatação de que a condenação ou condenações anteriores não terem servido ao arguido de advertência contra o crime .
O cadastro criminal anterior não é suficiente , per se , para configurar a reincidência ; por outro lado a prática fora do prazo de 5 anos traduz a chamada “ prescrição da reincidência “ , por não ser possível , daí, estabelecer-se uma conexão material permitindo reconduzir o crime posterior a uma desatenção à advertência contida na condenação precedente ; o Estado esquece essa posterior condenação para aquele efeito, o condenado fica a salvo da agravante , mas , como é óbvio , não do seu mau comportamento anterior .
E o caso do arguido é que foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, no âmbito do processo n° 833/06.4PBPDL, que correu termos no 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, pela prática de vários crimes de furto qualificado, os últimos cometidos em 7 de Outubro de 2009, estando preso de 2 de Outubro de 2010 a 27 de Julho de 2012, data em que foi colocado em liberdade condicional, condenação transitada em pena de prisão, superior a 6 meses de prisão , ineficaz à abstenção de cometimento em Fevereiro de 2014 dos descritos dois roubos.
Acrescem mais as condenações antecedentes por 3 crimes de dano , 17 ( dezassete ) de furto simples, 3 de furto qualificado e um de falsificação de documento , que não abonam o seu passado criminal com clara predominância para a prática de delitos contra o património alheio, motivado , larga medida , pelo consumo de drogas duras iniciado na adolescência , e de que , ainda , se não libertou, consabidamente factor criminógeno , sendo os crimes contra o património e pessoas uma sua manifestação , sem esquecer o auto marginalismo e a lassidão na observância de valores , pelo amolecimento da consciência valorativa a que o consumo conduz , mas , de todo o modo , sem aquela ( consciência ), a par com a liberdade de autodeterminação , de todo excluir .
O consumo de estupefacientes é uma forma de pressão na apropriação de bens de terceiro ou de que seja legítimo detentor , caso em que o proprietário é lesado por aquele possuir em seu nome .
IX . Da medida concreta da pena :
A fixação da medida concreta da pena é uma operação complexa na medida em que se trata de converter factos em magnitudes penais , por isso que assume uma natureza toda ela juridicamente vinculada , passível de sindicância em sede de recurso de revista do ponto de vista em que se trata de traduzir os critérios fixados por lei de determinação numa certa quantidade de pena , havendo quem defenda que o “ quantum “ exacto da pena pela convergência de uma certa margem de liberdade , ainda tolerável , por banda do julgador , seria insindicável , a menos que se hajam infringido ostensivamente regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada , à luz da “praxis “ forense corrente .
A pena representa mesmo a mais radical intervenção do Estado na esfera da liberdade individual , segundo Roxin , in Iniciação ao Direito Penal de Hoje , Sevilha , 84 , pág. 23 .
À pena incumbe , como princípio geral , a protecção dos bens jurídicos e a ressocialização agente , concebida como o fazer repassar o arguido ao mínimo ético indispensável à convivência em sociedade . O crime nessa medida é tido como um défice de socialização.
A prisão moderna é segundo Foucault uma “empresa de modificar os indivíduos “ um aparelho de os transformar “ –cfr. J.D. Alves, RJ , 2003.
Em concreto a pena é fixada em função da culpa e das exigências de prevenção , nos termos do art.º 71.º , do CP, bem como das circunstâncias que não fazendo parte do tipo depõem a favor ou contra o arguido , à luz de uma concepção pragmática ( abandonando-se a função retributiva da pena , concepção essa , mista, que é largamente dominante nos sistemas jurídico-penais , em que a medida da culpa funciona, também , como pressuposto do “ quantum “ punitivo ) , em que a culpa surge como limite da pena , quaisquer que sejam as necessidades de prevenção , que funciona como antagonista da prevenção .
Em qualquer dos roubos o arguido agiu com dolo directo , com vontade criminosa e reiterada de se apropriar de dinheiro de outrém , pelo uso da violência sobre a pessoa das vítimas , pelo medo que lhes causou a eventual concretização da ameaça à sua integridade física com a seringa, anulando-lhes a livre disponibilidade das quantias de que se apossou .
O modo de apropriação , posto que em grau censurável , desenrolou-se sem lesão corporal na pessoa das vítimas ; o montante do dinheiro subtraído , de 5 € e 80 € , é de quase nula , por insignificante e reduzida valia , respectivamente , conferindo um grau de violação de lei e de desvalor do resultado , ou seja de ilicitude, com algum relevo , mas sem ser excessivamente chocante .
Mas a pena em concreto é ditada em função das necessidades de prevenção, geral e especial , cabendo àquela valor preponderante , nunca podendo descer a medida respectiva a um limiar que desvalorize aquela função , desempenhando a prevenção especial um papel decisivo , em último termo , da medida óptima da pena , desde que preserve o ideário da prevenção geral .
Ao nível da prevenção geral mais do que o efeito intimidatório sobre o comum dos cidadãos, como a entendia Feuerbach, o grande impulsionador da doutrina da prevenção geral , as infracções têm um impulso psicológico e a função da pena é, assim , combater o impulso criminógeno geral e imanente socialmente - teoria psicológica da coacção.
Esta a chamada prevenção geral negativa , a que se contrapõe uma formulação positiva ou de integração em que a função da pena já não é tanto aquele efeito dissuasor sobre a sociedade pela magnitude penal aplicada , forma de autocontrole das suas tendências criminosas, mas a forma de reforçar , por via dela , a eficácia da lei e de o Estado manter a confiança da sociedade nos seus órgão aplicadores , de quem esperam intervenção sempre actual e revigorante do sistema , levando os cidadãos a crer na vantagem tanto individual como colectiva da observância da lei .
A prevenção ainda pode assumir outra função, agora com uma feição particular , de prevenção especial , de corrigir o delinquente , neutralizando os seus impulsos criminosos afastando-o da reincidência , a fim de recuperar o equilíbrio perdido , pondo a tónica na correcção , na lógica de que não vale a pena cometer crimes .
Não vale a pena praticar delitos precisamente porque a espada da lei se abaterá sobre quem o fizer, isto porque o delito fere o tecido social , causa um verdadeiro risco social , marcando a passagem do Estado de guardião a intervencionista .
É a chamada prevenção especial positiva, em contraponto com uma concepção negativista em que a pena de prisão se reduz apenas à custódia, sem preocupação de intervenção junto do delinquente; é a eliminação do marginal e incorrigível, com a sua máxima expressão nos EUA e no aforismo “ Three stricker and you are out “, o que equivale a que alguém que pratica um terceiro delito, mesmo que de pouca gravidade, arrisca uma pena de prisão perpétua ou de 25 anos de prisão.
VIII . A prevenção geral, nos aspectos de contenção dos impulsos criminosos e da afirmação da força e eficácia da lei, que a sociedade, para sua tranquilidade e segurança, espera dos órgãos aplicadores da lei, a quem confia a protecção das pessoas e coisas , faz-se sentir em grau elevado, pela frequência de crimes de roubo, cometidos em grupo e individualmente.
O crime de roubo assume-se em crescendo entre nós , como, de resto , em todo o mundo , havendo mesmo alguns países onde pontificam , tanto , o simples como o qualificado, numericamente . Donde as exigências de prevenção geral se fazerem sentir em elevado grau, como forma de afirmação da força da lei , para sossego colectivo e afirmação da confiança e da atenção merecida aos seus órgãos aplicadores .
X. O arguido , é inquestionável , tem dificuldade em manter conduta lícita , em se manter fiel ao direito , como tem dado mostra as suas numerosas condenações em furto , simples e qualificado , além do mais, ao longo dos anos de 2005 a 2007 , que o qualificam de reincidente , carecendo de emenda cívica , de interiorização dos maus resultados do crime, tendo como motivação a aquisição de drogas , como resulta da sua confissão quase integral - apenas dela excepcionou achar-se aberta a navalha – em audiência .
A pena há-de , pois , ser a justa resultante de todos factores influentes na sua concreta determinação , quer atinentes à filosofia das penas , inspiradora do legislador , quer da consideração das circunstância pessoais que respeitam à pessoa submetida a julgamento subsumidas ao pano de fundo da lei .
E assim uma pena leve é puro desperdício ; uma pena excessiva é uma pura inutilidade , isto para se concluir que as penas parcelares em reexame , pecam por excesso , pois , pese embora o passado criminal do arguido , ditando a sua reincidência e a intranquilidade colectiva que o roubo causa , mas não é aceitável que o roubo- em 13.2.2014- de 5 € seja punido com 3 anos e 6 meses de prisão ; como ainda se mostra excessivo que o roubo –em 19.2.2014-de 80 € seja punido com prisão de 3 anos e 10 meses .
Mais justa e equilibrada se mostra quanto ao roubo de 5 € ( de 13.2.2014 ) , a pena de 18 ( dezoito ) meses de prisão , perto do limite mínimo da moldura , de 1 ano e 4 meses de prisão e máximo de 8 anos ; quanto ao de roubo praticado em 19.2.2014 , a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, mais justificadamente daquele mínimo dele desviada ; em cúmulo jurídico se condenando o arguido , visto o conjunto global dos factos e a personalidade do arguido , nos termos do art.º 77.º n.º 1 , do CP , na pena única de 3 anos e 6 meses ( três anos e seis meses de prisão ) , com o que se provê, em parte, ao recurso .
XI. O arguido peticiona uma condenação em pena de prisão com execução suspensa e , na verdade , condenado o arguido em pena de prisão inferior a 5 anos , sobre este Tribunal , sob pena de nulidade , por omissão de pronúncia , impende o poder –dever de considerar a hipótese de o arguido beneficiar dessa pena de substituição.
A suspensão da execução da pena é uma medida pedagógica e educativa , com a vantagem de manter o condenado em liberdade , privando-o do contacto prejudicial com alguma população prisional , sem o desinserir do seu meio familiar , pessoal e profissional .
Na base da suspensão subjaz sempre um juízo de prognose favorável –art.º 50.º n.º 1 , do CP – a efectuar pelo julgador , no ensinamento de Iescheck ( cfr. BMJ 428 , 353 e Ac. deste STJ , de 30.6.93 ) ) , em vista da ressocialização do condenado e de evitar a sua reincidência, na crença fundada de que inverterá a sua postura de vida .
O tribunal aposta na mudança , lança-se , prudentemente , no desconhecido , que se lhe representa credível , em face da consideração global dos parâmetros descritos no n.º 1 , do art.º 50.º , do CP , particularmente a sua personalidade enquanto ajustamento , conformidade ou não , ao dever jurídico ético-existencial , às condições de vida , anteriores ou posteriores ao facto, desde que conclua que a simples ameaça pendente de execução da pena , realiza de forma adequada e suficiente os fins da punição de protecção dos bens jurídicos e de ressocialização do arguido.
XII. O relatório social do arguido, preordenado à fixação da pena , é elucidativo e não deixa dúvidas quanto à falta de razão do recorrente nesse seu específico peticionar , ao fazer-se constar nas claras conclusões daquele que “ … apresenta vários factores de risco, tais como apoio familiar escasso e sem capacidade de controlo e supervisão, problemática aditiva e reduzidas competências pessoais, sociais e profissionais, (...) “ a sua ligação a grupo de pares com problemas de delinquência e a ausência de hábitos de trabalho continuam a afectar a estruturação do seu percurso de vida “ , apresentando “ … uma inadequada compreensão de si próprio e insuficiente sentido crítico e capacidade de descentração, manifestando pouca abertura para equacionar a possibilidade de modificar o seu trajecto de vida ".
Sem trabalho ou predisposição para isso , apoio familiar , dependente do consumo de estupefacientes , sem esfoço evidenciado para dele se libertar , mantendo a ligação a grupos de delinquentes , sem sentido crítico , valorativo dos seus actos , denota incapacidade para arrepiar caminho, não oferecendo garantias , sólidas perspectivas de que a suspensão peticionada o afaste da prática futura de crimes, além de que a sociedade perante este quadro existencial, negro, de um dos seus cidadãos , que persiste em atingir o seu património e pessoas, pelo uso da violência , não dando mostras de se corrigir , não compreenderia esta medida desde logo por razões de ordem lógica e de razoabilidade .
Neste sentido a prevenção geral , que sairia defraudada , limita a especial .
XIII. Pelo exposto se provê , em parte , ao recurso , alterando-se a medida das penas parcelares e única , para 18 meses e 2 anos e 6 meses de prisão , e 3 anos e 6 meses de prisão , respectivamente, como supradescrito , revogando-se , em parte o Ac. da 1.ª instância .
Sem tributação .
Armindo Monteiro (Relator)
Santos Cabral