SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA
CRÉDITO À HABITAÇÃO
PRÉMIO
FALTA DE PAGAMENTO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
EFICÁCIA
Sumário


I - O contrato de seguro é aquele pelo qual uma pessoa, singular ou colectiva (tomador de seguro), transfere, para uma empresa especialmente habilitada (seguradora), determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se aquela ao pagamento de determinada contrapartida (prémio) e esta a efectuar determinada prestação pecuniária, em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro).

II - Os contratos de seguro, ramo de vida, cuja finalidade é a cobertura de riscos relativos a invalidez e à vida do segurado, usualmente previstos no quadro legal do crédito à habitação própria, constituem um seguro de grupo contributivo em que os mutuários daquele crédito são o grupo segurável, cujo risco de vida, saúde ou integridade física, foi aceite pela seguradora, após a adesão de cada um deles ao seguro de grupo, mediante a contribuição do respectivo prémio, sendo o Banco, concessionário do crédito, simultaneamente tomador do seguro e seu beneficiário.

III - A falta de pagamento do prémio, no contrato de seguro de vida, não está na disponibilidade indiscriminada ou injustificada da entidade seguradora para, com esse fundamento, obter a sua resolução, devendo, previamente, converter a mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante notificação admonitória, nos termos do art. 808.º do CC.

Texto Integral

                 ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I.

AA intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, ..., S.A., pedindo:

a) a condenação da Ré a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida, titulado pela Apólice nº …, celebrado com o ora A. e sua falecida esposa se mantinha em vigor à data do óbito desta (10/03/2012) e, consequentemente, pagar ao A. as mensalidades que, após essa data e até ser proferida decisão final, o A. pagar ao CC, no valor de € 242,24 cada uma, e a pagar ao mesmo Banco a quantia que, na mesma data, se encontrar em dívida com referência ao seguro em análise;

b) em alternativa, para o caso de se demonstrar que houve falha dos serviços do R. CC, a condenação deste Banco a suportar os custos dessa falha, correspondentes ao valor que este deveria receber da seguradora, caso o contrato de seguro se mantivesse em vigor.

Alega, para o efeito que, a 09/04/2003, ele e a sua (ora) falecida esposa contraíram no CC um empréstimo, no valor de € 40.000,00, com vista ao acabamento da casa de habitação que estavam a construir num terreno que possuíam na Rua ..., .... O empréstimo foi contraído pelo prazo de 240 meses, devendo ser amortizado em prestações mensais, de capital e juros, com vencimento no mesmo dia de cada mês. Os pagamentos eram efetuados por débito na conta de depósito à ordem onde fora creditada a quantia mutuada ou em qualquer outra de que os mutuários fossem titulares no CC. O A. possuía uma outra conta no CC, a chamada conta ordenado. Por imposição do Banco mutuante os mutuários celebraram contrato de seguro do ramo vida com a ora Ré BB, cujo beneficiário era o ora R. CC, com início em 09/04/2003. Os prémios deste seguro eram igualmente pagos por débito nas contas de depósito de que o A. era titular no CC. Nunca este Banco comunicou ao ora A. e à falecida esposa que as referidas contas não tinham provisão suficiente para amortização da quantia mutuada e pagamento dos prémios de seguro.

O A. participou ao CC o falecimento da esposa com vista a que fosse acionado o seguro e pago ao CC o valor então em dívida, que era de € 28.106,94. O Banco informou-o, então, de que o contrato de vida se encontrava resolvido, desde 01/05/2007, por falta de pagamento do respetivo prémio, pelo que o A. se tem mantido a suportar as mensalidades do reembolso do dito empréstimo.

O A. desconhecia por completo o cancelamento do seguro, não tendo recebido da Ré BB a carta que esta alega ter-lhe endereçado a comunicar tal cancelamento. Nem tal comunicação recebeu a sua falecida esposa.

A Ré seguradora não enviou ao A. qualquer carta a comunicar a referida resolução, caso não procedesse ao pagamento do prémio em dívida.

Igualmente não receberam, A. ou falecida esposa, qualquer informação do Banco beneficiário do seguro dando a mesma informação, tal como nunca foram alertados de que as contas de que o A. era titular não tinham provisão para o efeito de pagamento do prémio. O A. e sua esposa sempre tiveram fundos suficientes ao pagamento do prémio nas duas contas de que eram titulares do R. CC, pelo que, qualquer informação de falta de provisão só poderá ser devida a falha nos serviços deste.

O R. CC, contestou, defendendo que o ora A. e sua falecida esposa, a partir de Junho de 2006 até Fevereiro de 2007, deixaram de provisionar, de forma regular, a sua conta de depósito à ordem, na qual haviam domiciliado os pagamentos, sendo que, a mesma, por vezes, apresentava saldos negativos aquando do cumprimento das ordens de pagamento. O Banco remeteu-lhes sempre, com a periodicidade convencionada, os respectivos extractos informativos, pelo que o A. e esposa tinham à sua disposição todos os elementos necessários para controlar o saldo da conta e para se aperceberem de que o Contrato de Seguro do Ramo Vida se encontrava resolvido. O Réu banco podia, nos termos do contrato de mútuo, ter procedido a tais pagamentos, debitando-os a seu favor, mas não estava obrigado a isso. Pede, a final que a acção seja julgada improcedente.

 A Ré BB igualmente contestou, alegando ter procedido ao cancelamento da apólice, por falta de pagamento do prémio, com efeito a partir de 01/05/2007. Esta factualidade foi transmitida ao A., através de carta, para a morada que os segurados indicaram na proposta de seguro, morada esta que nunca foi alterada pelos mesmos. Os segurados não liquidaram qualquer outro prémio a partir desta data. O contrato de seguro encontra-se, por isso, validamente resolvido com data de 01/05/2007. Trata-se de uma situação de manifesto abuso de direito, o pedido feito pelo A. nos presentes autos, uma vez que, tendo a resolução do contrato  operado por falta de pagamento tempestivo do prémio, passaram mais de 60 meses durante os quais os prémios não foram liquidados, estando em causa a tutela da confiança gerada com tal omissão.

Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente e ainda, que seja o A. condenado como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.

O A. replicou, negando o abuso de direito e pedindo, por sua vez, a condenação da Ré BB como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização não inferior a € 5.000,00, uma vez que não foi comunicada ao Autor qualquer resolução contratual.

Procedeu-se a julgamento após o que, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em resultado disso, absolveu as RR. BB – ..., S.A., e CC, S.A., dos pedidos.

Inconformado com tal decisão veio o A. recorrer para a Relação de Coimbra que por acórdão julgou “a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra, condenando-se a apelada seguradora BB Vida, SA a pagar ao apelado banco CC a quantia necessária para amortização do empréstimo celebrado com o A. e falecida esposa DD, por referência à data da participação do sinistro, descontado do valor dos prémios de seguro que os segurados deviam ter pago até àquela data, e a assumir por estes sem agravamento, tudo a liquidar em incidente próprio”.

Não se conformou com o assim decidido a Recorrida Seguradora e vem, ora, recorrer de revista, alinhavando no termo de sua alegação, as seguintes conclusões que foram objecto de nova síntese:
1. na sequência da PROPOSTA DE ADESÃO, subscrita pelo Recorrente e pela falecida DD em 19.02.2003, a Recorrida aceitou e emitiu, sem quaisquer reservas, o contrato de seguro de vida associado ao Crédito à Habitação n.º ..., concedido pelo CC, S.A..
2. Este contrato de seguro era identificado pelo Certificado individual n.º ... (correspondente à Apólice de Grupo n.º ...), o qual garantia as coberturas de morte ou invalidez total e permanente, com o capital máximo de €40.000,00.
3. O referido contrato de seguro foi anulado em 01.05.2007 por falta de pagamento do respectivo prémio.
4. Conforme resulta da PROPOSTA DE SEGURO subscrita pelos segurados, na parte que faz referência ao “Pagamento do Prémio/Autorização de Débito/Crédito em Conta”, os mesmos declararam o seguinte: “Ao CC, SA, por débito na minha conta com o nº ..., queiram proceder ao pagamento do(s) prémio(s) à BB – ..., S.A. e à BB – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., na periodicidade acordada, relativo ao(s) seguro(s) contratado(s) através da presente Proposta”.
5. Ambos os proponentes subscreveram uma única apólice de seguro pela totalidade do capital em dívida, ou seja, pelos €40.000,00.
6. A duração do contrato de seguro ficou estipulada da seguinte forma: o seguro é válido por um ano, sendo automaticamente renovado por iguais períodos até ao final do contrato de mútuo.
7. A periodicidade do pagamento do prémio era mensal
8. Os segurados indicaram como domicílio a Rua ..., …, ..., ….
9. A Apólice n.º ... foi anulada em 01.05.2012 por falta de pagamento do respectivo prémio, prémio este cuja periodicidade e forma de pagamento havia sido acordada entre os segurados e a Recorrida aquando da celebração do contrato de seguro.
10. A Recorrida procedeu ao cancelamento da apólice n.º ... por fala de pagamento do prémio com efeito a 01.05.2007 (data do pagamento do último prémio).
11. Os segurados tinham autorizado o débito directo dos valores dos prémios na conta de depósitos à ordem indicada pelos mesmos, conta esta devidamente identificada na PROPOSTA DE SEGURO.
12. Até essa data – 01.05.2007 – os prémios foram integralmente liquidados pelos segurados através do sistema acordado entre as partes
13. a falta de pagamento de qualquer uma das fracções determina a resolução automática do contrato no vencimento de uma fracção do prémio no decurso da anuidade.
14. Aliás, nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º 1, das Condições Gerais da apólice (que tem por epígrafe “FALTA DE PAGAMENTO DOS PRÉMIOS”), “O não pagamento dos prémios, dentro dos 30 (trinta) dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias conferidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras”.
15. Ao não ser liquidado o prémio referente ao período posterior a 01.05.2007 a apólice ficou automaticamente resolvida a partir daquela data.
16. Esta factualidade foi transmitida ao Recorrido, através de carta
17. A carta em questão foi remetida pela Recorrente, ao cuidado do Recorrido – primeiro subscritor do contrato de seguro e titular do Certificado Individual –, para a morada que os segurados haviam indicado na PROPOSTA DE SEGURO, morada esta que nunca foi alterada pelos mesmos, seja por que forma fosse, conforme resulta dos factos provados.
18. a partir do momento em que foi recusado o débito em conta do prémio de seguro relativo à apólice n.º ..., nos termos acordados no contrato de seguro, o contrato teve-se por resolvido.
19. Os segurados bem sabiam desta realidade pois, para além de expressamente terem assentido no débito em conta (na conta indicada para o efeito pelos dois contraentes) do prémio de seguro, tendo abdicado de outra qualquer forma de liquidação do mesmo, durante quase 60 (sessenta) meses não liquidaram qualquer prémio de seguro referente à apólice em questão, sendo que vem agora o Recorrido, depois do falecimento da sua Mulher DD alegar que não se tinha apercebido de tal facto, isto apesar os prémios e seguro liquidados junto da conta de depósitos em questão constarem, mensalmente, da Agenda do Extracto Combinado, sendo certo que apenas por culpa sua o referido extracto, que foi devidamente enviado pelo co-Réu CC, S.A. aos segurados, não foi devidamente analisado (caso fosse esta a situação).
20. O contrato de seguro dos autos foi, assim, validamente resolvido com data de 01.05.2007, uma vez que os segurados, nos termos contratualmente acordados, bem como nos termos legais, não liquidaram o prémio mensal devido.
21. A faculdade de resolução do contrato, concedida à Recorrente, obedece aos seguintes requisitos: a) não pagamento do prémio do seguro nos 30 dias posteriores ao seu vencimento; b) respeito das exigências legais da resolução dos contratos.
22. dificilmente poderia ser estabelecida na cláusula resolutiva expressa a resolução ad nutum – a resolução é sempre motivada.
23. a cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz.
24. Nos termos do art. 436.º, nº 1, do C. Civil, “a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte”.
25. declarado resolvido o contrato, o papel do Tribunal na verificação da existência ou não da declaração resolutiva é meramente certificativo.
26. a carta foi enviada para a morada conhecida pela Recorrente e que era a dos pais do Recorrido, com quem ele vivia (n.º 23 dos FP).
27. nunca poderia o Recorrido alegar o não recebimento de uma carta numa morada em que, segundo o mesmo, não habitava mas que era a morada contratualmente definida.
28. A declaração deve ter-se, pois, como eficaz, nos termos do art.º 224.º, n.º 2, do Código Civil, que, nos termos do art.º 295.º do mesmo diploma legal, é aplicável aos actos jurídicos e que houve declaração resolutiva eficaz e que esta tem bom fundamento por existir a causa invocada de falta de pagamento dos prémios.
29. Nos casos de resolução convencional basta a ocorrência do facto previsto pelas partes para dar lugar à resolução imediata do contrato (caso o credor assim o queira).
30. A cláusula 13.ª das condições gerais da apólice de seguro prevê um facto – não pagamento do prémio após 30 dias da data do seu vencimento – que permitiria desencadear a dita resolução de imediato.
31. Trata-se de uma cláusula resolutiva expressa, hipótese onde não é necessária uma interpelação admonitória.
32. no caso de se considerar que a interpelação não se realizou, a resolução tem que se ter por realizada nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice, conjugado com o disposto no art.º 18.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 176/95.
33. O douto Acórdão errou, por erro de interpretação do disposto nos art.ºs 224.º, 295.º, 342.º, 406.º e seguintes, 432.º, 436.º, todos do Código Civil, art.º 18.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 176/95 e Dec.-Lei n.º 176/95 pelo que deverá ser substituído por decisão que absolva a Recorrente do pedido contra ela formulado.

Contra minutando, concluiu o Autor pela confirmação do acórdão recorrido

Ora, corridos os vistos cumpre apreciar.

A questão da revista restringe-se à apreciação da validade do contrato de seguro de vida a que se reportam os autos.

II.

A - É a seguinte a factualidade que as instâncias dão como provada:

1 - No dia 12/07/2003, contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, AA e DD (A).

2 - No dia 10/03/2012, faleceu DD, no estado de casada com AA (B).

3 - Por escritura de 9 de Abril de 2003, AA e DD, solteiros, celebraram com o CC, S.A. (CC) o contrato de mútuo com hipoteca constante de fls. 21/31, nos termos do qual (ao que mais interessa):

a) - o Banco concedeu ao AA e à DD o empréstimo de € 40.000,00 para construção de uma moradia;

b) - estes aceitam o empréstimo, confessam-se solidariamente devedores das quantias recebida e a receber do Banco até ao montante do empréstimo e respetivos juros;

c) - o empréstimo devia ser amortizado em 240 prestações de capital e juros, com vencimento no mesmo dia de cada mês;

d) - os mutuários obrigam-se a subscrever um seguro multirrisco do imóvel hipotecado;

e) – “os mutuários obrigam-se a contratar um seguro de vida cujas condições, constantes da respetiva apólice, serão indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respetivos prémios, a fazer inserir na respetiva apólice que o Banco é credor hipotecário e que, em consequência, as indemnizações que sejam devidas em caso de sinistro reverterão para o Banco”- nº 2 da Cláusula l0ª do Documento Complementar (fls. 29/30);

f) – “as apólices e atas adicionais dos seguros referidos ficarão em poder do Banco mutuante como interessado nos mesmos, na qualidade de credor hipotecário. Só por intermédio do Banco e com o seu acordo por escrito os seguros poderão ser alterados ou anulados” – nº 3 da Cláusula 10ª do Documento Complementar (fls. 30);

g) – “os mutuários obrigam-se a trazer pontualmente pagos os seguros referidos na cláusula anterior”- nº 1 da Cláusula 11ª do Documento Complementar (fls. 30);

h) – “os mutuários autorizam desde já, com expressa sub-rogação, que, em caso de incumprimento de tais obrigações, o Banco as cumpra, efetuando por conta dos mutuários todos os pagamentos necessários” (…) – nº 2 da Cláusula l1ª do Documento Complementar (fls.30);

i)- “se o Banco efectuar, na falta e por conta dos MUTUÁRIOS, o pagamento dos prémios e contribuições em dívida, nos termos do disposto no número anterior, os MUTUÁRIOS autorizam desde já o Banco a debitar os seus montantes em qualquer conta aberta em nome dos MUTUÁRIOS junto do CC, S.A.” – nº 3 da Clausula 11ª do Documento Complementar (fls. 30) (C).

4 - O Banco entregou, aos mutuários, por depósito na Conta DO nº ..., € 20.000,00, na data da escritura, e os restantes € 20.000,00 em várias parcelas, à medida da evolução das obras na moradia (D).

5 - AA e DD celebraram, a 19/02/2003, com “BB -…, S.A.” um contrato de seguro, ramo vida, titulado pela Apólice nº ..., associado ao crédito nº ..., concedido pelo CC ao ora A. e à DD (E).

6 - Nos termos das Condições Gerais da respectiva Apólice:

a) - a seguradora pode facultar o fraccionamento dos prémios e utilizar meios apropriados que facilitem a cobrança dos créditos – nºs. 2. e 3. do artigo 12.º (fls. 148);

b) – “o não pagamento dos prémios, nos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias concedidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras” – nº 1 do artigo l3.º (fls. 148) (F).

7 - No contrato de seguro figuram, como tomador do seguro e entidade credora, o CC e, como proponentes AA e DD, os quais deram como sua residência a Rua ..., …, ..., … … (G).

8 - Capital seguro é o de € 40.000,00 para cada proponente (H).

9 - O seguro é válido por um ano, sendo automaticamente renovado por iguais períodos até final do contrato de empréstimo - 240 meses -, com início na data da escritura e a periodicidade mensal (I).

10 - O ora A. e DD autorizaram o CC a debitar, na sua Conta DO nº ... junto deste (CC), os prémios do Seguro Vida e multirriscos contratados, na periodicidade mensal acordada (J).

11 - A BB CC - Grupo Segurador remeteu ao ora A. AA, endereçada para a Rua ... …, ... …, a Ata Adicional de fls. 142/143, datada de 20/01/2007, respeitante a Apólice nº ..., a fixar, com data de início a 2003/04/09, as seguintes condições particulares:

a) - o prémio do seguro é de € 13,87, vence no dia 1 do mês correspondente; b) - o capital seguro é de € 37.710,11 (K).

12 - O ora A. participou à R. Seguradora, dias depois da sua ocorrência, o falecimento da esposa (L).

13 - Até 01/05/2007, durante 48 meses, os prémios de seguro da Apólice nº ... foram integralmente liquidados pelo ora A. e pela DD por desconto bancário mensal na Conta DO nº ... que aqueles tinham no CC (M).

14 - A partir de 01/05/2007, o A. e sua (ora) falecida mulher não efetuaram o pagamento dos prémios do Seguro Vida (N).

15 - O CC cancelou, a partir de Maio de 2007, o débito direto mensal dos prémios do Seguro Vida na conta bancária nº ... associada a este contrato de seguro (O).

16 - Todos os extratos da Conta DO, antes referida, constantes de fls. 64/114 foram enviados pelo CC para DD …, Rua ... …, ..., … (P).

17 - Os extratos de Junho, Julho, Setembro e Novembro de 2006 e de Janeiro e Fevereiro de 2007 (respetivamente, de fls. 101/102, 103/104, 105/106 e 107) da antes referida conta acusaram saldo negativo (Q).

18 - À data da celebração do contrato de seguro ramo Vida, o ora A. vivia na Rua ..., nº …, ... – … (R).

19 - Mudou de residência para a Rua ... … - ... – … quando casou (S).

20 - O A., para além da Conta DO nº ..., era titular, no CC, da Conta Ordenado nº …. (1º).

21-  Na data do falecimento da esposa, o valor do mútuo em dívida era de € 28.106,94 (3º).

22 - O A. e (ora) falecida esposa nunca comunicaram à seguradora a alteração da sua residência para a Rua ... n.º … - ... – … (10º).

23 - A residência que consta do contrato de seguro é a dos pais do ora A., com quem ele vivia (11º).

24 - A partir de meados de 2006, a Conta DO nº ... apresentou algumas vezes, por períodos curtos, saldos negativos por falta de aprovisionamento (12º).

25 - O Banco sempre remeteu, posteriormente a 2007, aos titulares da antes referida conta, com a regularidade convencionada, os respectivos extractos informativos desta conta (13º).

26 - Dos mesmos extractos constaram sempre todos os movimentos efectuados na mesma conta e, ainda, a informação concreta quanto aos movimentos aprazados para o mês seguinte e, bem assim, os respectivos montantes, justificativos e respectivos beneficiários (14º).

27 – O A. e a (ora) sua falecida esposa poder-se-iam ter apercebido desse facto (de que os prémios do seguro Vida não estavam a ser descontados mensalmente na mesma conta) se examinassem com cuidado e atenção os mesmos extractos (16º).

B – Vejamos o direito:

É dado assente que, durante 48 meses, o A. e sua falecida esposa asseguraram a liquidação das mensalidades relativas ao prémio do contrato de seguro de vida, por débito directo na conta que lhe estava associada e de que eram titulares no R. Banco. Este procedeu, no entanto, ao cancelamento desse mesmo débito directo no mês de Maio de 2007 e a partir dessa data (1.05.2007) não foram pagas as mensalidades relativas ao aludido prémio.

Alegou a Ré (mas não provou) que, em virtude dessa falta de pagamento, procedeu, então, ao cancelamento do contrato.

Tal como se referenciou mais atrás, na revista, suscita-se como uma única questão a apreciar, a da validade ou invalidade do contrato de seguro de vida discutido na causa, passe embora, a resolução alegada pela Recorrente.

Como, também, já se deixou mencionado, a partir da factualidade descrita e ponderando o direito aplicável, as instâncias divergiram na resposta a essa questão, por obra, sobretudo, da diversa apreciação que fizeram recair sobre o clausulado relativo à falta de pagamento do prémio do contrato de seguro firmado e seu impacto sobre a resolução deste.  

Desde já se adianta, porém, que temos por mais acertada a solução que foi encontrada e sustentada no acórdão recorrido que podia muito bem merecer a nossa mera adesão. Em consequência, limitar-nos-emos a repisar alguns aspectos ou a salientar outros do regime jurídico da espécie contratual envolvida.

B1 - O contrato de seguros pode definir--se como aquele pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se aquela ao o pagamento de determinada contrapartida (prémio) e esta a efectuar determinada prestação pecuniária, em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro) (Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 684).

Configura-se tal contrato por norma como contrato de adesão, dada a circunstância de suas cláusulas serem prévia e unilateralmente elaboradas e subscritas sem prévia negociação individual, integrando documento escrito que lhe confere forma – apólice – onde se define o objecto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segurada e o prémio ajustado.

No vertente caso, estamos perante um contrato que se insere no ramo vida pois constitui sua finalidade a cobertura de riscos relativos à invalidez e à vida do respectivo segurado (artº123º do RGAS) que, como vem aceite, se regula pelas estipulações da respectiva apólice, não proibidas pela lei e na sua falta e insuficiência pelas disposições do Código Comercial (artº427º).

E, não obstante se afirmar que foi celebrado pela falecida e pelo A., trata-se de um seguro de grupo, celebrado entre o CC e a Ré ao qual aderiram aqueles, como ressalta dos factos apurados.

Entende-se o seguro de grupo como aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo e interesse comum (José Vasques, Contrato de Seguro, 48) que, aqui, se materializou na obtenção de crédito hipotecário junto do mesmo tomador.

Na verdade, insere-se ele, no caso em presença, num complexo de relações contratuais, desenhado no quadro do regime legal do crédito à habitação própria constante do DL nº349/98 de 11.11, sucessivamente alterado, em cujo artº23º se dispunha que “ os empréstimos serão garantidos por hipoteca da habitação adquirida… (nº1). Em reforço da garantia prevista no número anterior poderá ser constituído seguro de vida, do mutuário e do cônjuge, de valor não inferior ao montante do empréstimo…” (nº2), assim se generalizando a associação à concessão de crédito à habitação da garantia da hipoteca do imóvel e do seguro de vida do mutuário (ou do mutuário e seu cônjuge), de valor não inferior ao montante do empréstimo.

Trata-se de seguro de grupo contributivo em que os mutuários daquele crédito são o grupo segurável (ligados entre si e ao tomador por esse vínculo e interesse comum), constituindo o leque de pessoas seguras, cujo risco de vida, saúde ou integridade física foi aceite pela seguradora após a adesão de cada uma delas ao seguro de grupo mediante a contribuição no todo ou em parte do respectivo prémio e o Banco, concessionário daquele mesmo crédito é, simultaneamente, tomador do seguro (responsável pelo pagamento do prémio) e seu beneficiário irrevogável, “até ao limite do capital seguro, do montante em dívida…revertendo para ele a prestação debitória da seguradora decorrente do contrato – do eventual excesso do capital seguro sobre o montante devido ao banco serão beneficiários, na falta de designação expressa, os herdeiros da pessoa segura em caso de morte…” (Calvão da Silva, Apólice Vida Risco…, RLJ, nº3942, ano 136º, pág. 158 e ss e artº1º, al b), g) h) e 4º do DL 176/95 de 26.07).

Como escreve este mesmo Autor na citada Revista, pág 161, “ a instituição de crédito celebra um seguro de grupo com a seguradora – normalmente, a ou uma seguradora que integra o mesmo conglomerado financeiro – e quando concede um empréstimo “pede” ao mutuário que declare a sua adesão a esse seguro de grupo a fim de se precaver contra o risco de morte ou invalidez do seu cliente e garantir o reembolso do crédito, melhor, do saldo (capital, juros e outros encargos)”.

Em suma, estamos perante um negócio jurídico em que o tomador do seguro contrata em nome próprio, mas no interesse de um terceiro, sendo porém claro que a finalidade prosseguida pelo tomador do seguro, ao realizar o seguro de grupo, é a de assegurar a restituição da importância emprestada perante a verificação de um sinistro que prejudique o normal cumprimento das obrigações dos mutuários, com a vantagem que para estes sobra de se verem protegidos perante a ocorrência do infortúnio garantido: mormente nas situações em que é subscrito para preencher as condições de concessão de crédito para habitação, com o seguro de vida previne-se o risco de ocorrência de um acontecimento – a morte ou a invalidez absoluta e definitiva – que lhes não permita ou dificulte o pagamento das prestações do crédito contraído.

B2 – Feito o recorte do quadro jurídico em que se move o vertente caso, a ele remontando, importa determinar que para a Recorrente, em clara divergência com o acórdão recorrido nesse ponto, o dissídio, ora, já só se resume à interpretação do teor da cláusula contratual onde os contraentes acertaram que “o não pagamento dos prémios, nos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias concedidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras”.

Segundo ela, estaríamos nesse clausulado perante uma declaração resolutiva expressa que dispensava quaisquer outras formalidades ou comunicações posteriores, mormente, de natureza e sentido admonitório ou seja, de efeito automático logo que se vencesse o prazo para pagamento dos prémios em dívida.

Constitui jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que a interpretação das declarações negociais constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias quando apenas se trata de determinar a vontade real dos declarantes mas já constitui matéria de direito quando a determinação daquela mesma vontade tiver de ser efectuada segundo um critério legal, normativo, isto é, tiver de fixar-se o sentido juridicamente relevante da declaração, à luz do disposto nos artº236º e 238º do CC, uma vez que, então, não se trata de fixar apenas factos, antes deve o tribunal apreciar se esse critério foi correctamente entendido e seguido pelas instâncias – cfr, vg Ac STJ de 29.04.1993, 21.09.1995, in CJ, Acórdãos STJ, I, t2, 73 e III, t3, 15; de 12.01.99 e 26.11.1992, in base de dados do ITIJ; na doutrina, cfr vg, Vaz Serra, RLJ, 113º, 42 e Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed, 446.

Pela interpretação, chega-se ao sentido e alcance das declarações que integram o negócio jurídico e daí que tal actividade  não deva ficar ao alcance do senso empírico de cada intérprete, devendo pautar-se por regras cuja formulação constitui a hermenêutica negocial (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito, 1976,418). Sendo uma actividade que interfere e é objecto de outros ramos do conhecimento, o legislador sem negar o respectivo contributo, não abdica de lhe “aprontar directrizes úteis” (Menezes Cordeiro, Tratado…,I, Parte Geral, t1, 469), entendendo-se que a lei civil, nesse domínio (artº236º,1 do CC), acolheu a chamada teoria da impressão do destinatário.

Segundo esta teoria, a declaração negocial deve ser interpretada  como um declaratário normal, isto é, razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, assim se procurando, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribui à sua declaração e o interesse do declaratário no sentido  que podia, razoavelmente, atribuir a esta que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante ( cfr Ac STJ de 30.11.1994, acima referenciado). E só assim não será, se nos termos do nº2 do último normativo citado, o declaratário conhecer a vontade real do declarante, pois será de acordo com ela que vale a declaração emitida; ou se, perante negócio formal, essa interpretação não tenha um mínimo de correspondência no texto mesmo que imperfeitamente expresso (nº1 do citado artº238º).

Parece-nos evidente que o significado imediato da cláusula em questão é o de conferir à Seguradora a faculdade de, nos termos legais, proceder à resolução do contrato de seguro ou fazer cessar as garantias concedidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras, se o segurado não pagar os prémios em dívida no prazo de trinta dias após o respectivo vencimento. Evidente  também é que o que nela se confere é uma mera faculdade para o exercício de uma opção -resolução ou cessão de garantias - que compete à mesma seguradora e que implica um procedimento (proceder, prescreve-se no clausulado…) sujeito aos termos legais.

Assim sendo, no contexto em que vai enquadrado, é mais que evidente que, no caso, não tem fundamento considerar  que estamos perante cláusula resolutiva expressa, de efeito automático que não carece sequer de ser levada ao conhecimento do respectivo destinatário.

B3 – Pelo contrário, conferindo-lhe tal cláusula a faculdade de proceder à resolução do contrato de seguro nos termos da lei, à Seguradora não restava senão dar-lhe a forma de uma declaração que no sistema legal se prescreve como veículo para obter eficácia (cfr artº436º do CC).

Acresce, por outro lado que à data do contrato a que se reportam os autos, ele estava excluído do regime da  a resolução automática dos contratos de seguro em geral, por falta de pagamento do respectivo prémio.

É certo que solução diversa vinha o legislador impondo aos contratos de seguro em geral, em resultado da publicação do DL 142/2000 de 15.07 e mais tarde do DL 122/2005 de 29.07  que consagraram  a orientação de Pedro Romano Martinez - cfr, Direito dos Seguros, p 98 – segundo a qual“…o pagamento do prémio (podendo ser a fracção inicial do mesmo), contrariamente, às regras gerais, é um elemento da eficácia do negócio: o contrato de seguro não produz o seu efeito típico (cobertura do risco) enquanto o pagamento do prémio não for efectuado” e que, hoje, está expressamente, consagrada na LCS, artº51º e ss..

Sucede, porém que desse sistema emergente do referido Decreto-Lei n.º 142/00 foi, efectivamente, exceptuado, entre outros, o ramo «Vida» (artigo 1, ns. 1 e 2), em que se integra o contrato sub iudicio.

E desta forma, o que pode dizer-se é que, na circunstância dos autos, a falta de pagamento do prémio no contrato de seguro de vida, não está na disponibilidade indiscriminada ou injustificada da entidade seguradora para com esse fundamento obter a sua resolução.

Como escreveu  Baptista Machado: “o direito de resolução, diz-se, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a  constituição ( ou o surgimento) desse direito potestativo”( Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in  Obra Dispersa, vol. I,  130).

Sabe-se, por outro lado que, segundo os artºs. 801.°, 2, e 802.°, 2, ex vi do art. 808.°, “o incumprimento temporário (rectius, mora) é apenas fundamento de resolução quando se converta num não cumprimento definitivo derivado da perda do interesse na prestação… ou (conservando o credor esse interesse ou mesmo independentemente dele) da falta de realização da prestação no prazo razoável fixado (pelo credor) para esse efeito» ( Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, 1996, 114).

Concluímos, por isso, tal como no Ac de 10.02.2005 deste Tribunal, publicado na base de dados do ITIJ: “a simples falta de pagamento de prémio de contrato temporário de seguro de vida não confere só por si à instituição seguradora o direito de resolução do contrato, a qual depende ainda da conversão da mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante notificação admonitória nos termos do artigo 808 do Código Civil” – cfr também o Ac de 20.05.2010 desta secção, na mesma base de dados.

Ora, resulta do artigo 224º do CC no qual se consagram os critérios da recepção e do conhecimento no que respeita à eficácia da declaração negocial: “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida (…)”.

Em face desta disposição entende-se que não é necessário que a declaração chegue ao poder ou à esfera de acção do destinatário se por qualquer meio foi dele conhecida; isto é, provado o conhecimento, não é necessário provar a recepção para que a declaração fique dotada de eficácia. É, além disso, também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida – n.º 2 do artigo 224º.

Contudo, no caso, e pelos vistos, nem sequer se encetou a via admonitória, pelo que não teve lugar a emissão de declaração com esse teor que fosse objecto de recepção por banda do A. e sua falecida mulher e esse ónus  probatório competeria à Recorrente por consubstanciar matéria de defesa por excepção, nos termos dos artigos 224º e 342, n. 2, do Código Civil, resolvendo-se hipotética situação de incerteza que fosse a este respeito contra a mesma Ré, onerada com a respectiva prova.

Termos em que, não podendo considerar-se verificada a resolução, o contrato de seguro inicial manteve-se válido e eficaz, apesar do não pagamento do prémio, pelo que se impõe, sem mais, confirmar o acórdão recorrido.

III.

Em face do exposto, nega-se a revista.

Custas a cargo da Recorrente.

        Lisboa, 24 de Fevereiro de 2015

Martins de Sousa (Relator)

Gabriel Catarino

Maria Clara Sottomayor